Efeitos da decretação da falência nos contratos de locação (shopping center) do falido

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Resumo: O presente artigo tem por escopo o estudo dos efeitos da sentença que decreta a falência do devedor nos contratos de locação (shopping center). Nesta perspectiva, busca-se empreender reflexão acerca da relação contratual entre empreendedor e locatário, sob a égide da lei de recuperação e falência, destacando-se, dentre outros, os direitos e deveres de cada parte. Por fim, após perquirir sobre o tratamento legal que envolve o tema, discorre-se sobre a não resolução dos contratos pela falência e a possibilidade de cumprimento do contrato pelo administrador judicial se tal fato reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos.

Palavras-chave: Contratos. Efeitos. Falência. Locação. Shopping center.

Abstract: This article has as its scope the study of the effects of the sentence that decrees the debtor’s bankruptcy on the lease contracts (Shopping Mall). In this perspective, we seek to perform a reflection on the contractual relationship between entrepreneur and lessee, under the government of the recovery and bankruptcy law, highlighting, among others, each party’s rights and duties. Lastly, after investigating the legal treatment involving the theme, we approach the theme of non-resolution of contracts by bankruptcy and the possibility of the judicial administrator fulfilling the contract if such a fact reduces or avoids the increase in the bankrupt estate’s liabilities or is necessary to the maintenance and preservation of its assets.

Keywords: Contracts. Effects. Bankruptcy. Lease.

Sumário: Introdução. 1. Os contratos do falido; 1.1. Contratos unilaterais; 1.2. Contratos bilaterais; 1.3.    Cláusula de rescisão em caso de falência; 1.4. Os contratos na falência e o administrador judicial; 1.4.1. Manifestação positiva do administrador judicial (cumprimento do contrato); 1.4.2. Manifestação negativa do administrador judicial (rescisão do contrato); 1.4.2.1. Direito à indenização; 1.4.3. Manifestação abusiva; 1.4.4. Obrigações na pendência do prazo para resposta – 2. Shopping center – 3. Contrato típico de locação (shopping center). Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

A lei nº 11.101/05 regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária.

A referida lei abarca, somente, a recuperação e a falência do empresário e da sociedade empresária, não se aplicando à insolvência das demais pessoas físicas e jurídicas, que permanecem sujeitas ao regime da insolvência civil.

A Lei de Recuperação e da Falência visa, primordialmente, enfrentar os problemas econômicos que acompanham a quebra das empresas, permitindo a sua recuperação.

A escolha tomada pelo legislador ao regulamentar a recuperação judicial veio no sentido de reforçar as garantias dos credores titulares de garantia real, deixando, inevitavelmente, os quirografários em posição mais delicada. Sendo assim, se o plano de recuperação judicial for bem-sucedido, todos se beneficiam; se não for, os credores sem garantia terão escassas possibilidades de recebimento do crédito que lhes é devido.

Caso seja inviável a recuperação da empresa, a finalidade da lei se volta, em primeiro lugar, para o interesse dos credores; após, para a preservação dos bens da empresa, ainda que sem referência a uma determinada unidade de produção.

A principio, a inviabilidade da recuperação judicial demonstra a necessidade de liquidação do patrimônio do devedor com o menor custo possível, tanto para os credores quanto para a sociedade.

A sentença que decreta a falência do devedor tem natureza constitutiva, uma vez que constitui o devedor em estado falimentar e inicia o processo de execução concursal de seus bens.

A falência produz efeitos, pois, quanto à pessoa do falido, quanto aos seus bens, quantos aos seus contratos, quanto a seus credores etc.

No presente estudo, analisaremos os efeitos da falência quanto aos seus contratos, em específico o de locação nos empreendimentos conhecidos como Shopping Center.

1 OS CONTRATOS DO FALIDO

Contrato “é o acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial” (DINIZ, 2008, p. 30).

A validade do contrato exige acordo de vontades, agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. (art. 104 do CC).

Os contratos celebrados pelo falido são bens móveis, na definição do art. 83, inciso III, do Código Civil, que relaciona entre estes “os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações”.

Desta forma, não resta qualquer dúvida de que os contratos representam bens da massa falida, sujeitos a arrecadação e aos efeitos da falência.

Antes de se analisar os dispositivos previstos no Direito falimentar no que tange aos efeitos em relação aos contratos de locação do falido, cumpre-nos primeiro fazer uma distinção entre contrato unilateral e bilateral.

1.1 CONTRATOS UNILATERAIS

Unilaterais são os contratos que criam obrigações unicamente para uma das partes, como a doação pura, por exemplo. Segundo Orlando Gomes, o contrato “é unilateral se, no momento em que se forma, origina obrigação, tão somente, para uma das partes – ex uno latere” (GOMES, 2007, p. 77).

Na lição de Francesco Messineo (1952, p. 413):

“O contrato com prestação a cargo de uma só parte, mesmo envolvendo duas partes e duas declarações de vontade, coloca o que deve a prestação na posição exclusiva de devedor: o peso do contrato está todo de um lado; os efeitos são somente passivos de um lado, e somente ativos de outro.”

Menciona o notável mestre italiano alguns exemplos de contratos unilaterais: o mútuo, o comodato, o depósito, o mandato, a fiança etc., aduzindo que muitos dele são, ao mesmo tempo, contratos reais.  

Cumpre destacar que, todo contrato em sua formação será bilateral ou plurilateral, ou seja, o consentimento jamais será unilateral na formação do contrato. Logo, somente poder-se-á falar em contratos unilaterais se considerarmos os seus efeitos, portanto, em relação à bilateralidade ou unilateralidade da obrigação (efeitos) contratada e não da formação do contrato.

O Estatuto falimentar revogado de 1.945 não tratava dos contratos unilaterais. O entendimento, diga-se de passagem, consensual, quanto aos contratos unilaterais era de que, se a obrigação a cumprir era da parte falida, simplesmente, sujeitava-se aos efeitos comuns à falência, devendo habilitar seus créditos na falência, estando estes sujeitos a todas as condições que incidem sobre as demais obrigações na falência.

Nos contratos unilaterais favoráveis ao falido, aqueles cujo cumprimento da obrigação recai sobre a contraparte, não havia alteração na relação contratual, a não ser quanto à legitimação ativa para o exercício de dos direitos decorrentes do contrato. O cumprimento da obrigação, antes dirigido ao falido, deveria então ser dirigido ao síndico, na qualidade de representante da massa.

No entanto, dessa situação surgiram algumas situações inconvenientes para a massa, como por exemplo, na hipótese de um contrato unilateral oneroso, que em longo prazo poderia representar um prejuízo maior para a massa, ou ainda, imagine-se a situação em que a manutenção de um determinado bem, objeto de um contrato de doação ainda não cumprido é excessivamente onerosa, enquanto que seu valor não é tão alto.

Atualmente, em caso de falência, tem-se que a regra é a resolução dos contratos unilaterais, podendo o contrato ser cumprido pelo administrador judicial mediante autorização do comitê, na medida em que este vier a reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida. É claro que, nesse sentido, fala-se dos contratos do falido enquanto devedor, aquele que tem obrigações a cumprir.

O art. 118 da LRE trata dos contratos unilaterais do falido, dispondo que o administrador judicial, mediante autorização do comitê, poderá dar cumprimento a contrato unilateral se esse fato reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, realizando o pagamento da prestação pela qual está obrigada.

1.2 CONTRATOS BILATERAIS

Bilaterais são os contratos que geram obrigações para ambos os contratantes, como a compra e venda, a locação, o contrato de transporte etc. Essas obrigações são recíprocas, sendo por isso denominados sinalagmáticos, da palavra grega sinalagma, que significa reciprocidade de prestações.

O contrato bilateral é aquele em que ambas as partes contraem obrigações e ao menos alguns dos deveres recíprocos de prestação então vinculados em si, de modo que a prestação de um representa, de acordo com a vontade de ambas as partes, a contraprestação, a compensação pela outra. Para caracterizar a bilateralidade, no entanto, aduz, não é necessário que essas prestações sejam equivalentes, segundo um critério objetivo: “basta que cada parte veja na prestação da outra uma compensação suficiente à sua própria prestação” (LARENZ, 1958, p. 267).

AGUIAR JÚNIOR (2003, p. 82) entende que não é necessário, entretanto:

“Que todas as prestações sejam estabelecidas com esse nexo de reciprocidade e equivalência, bastando que o sejam as obrigações principais, podendo haver obrigações acessórias (devolver as coisas ao término do contrato) ou deveres de conduta (dar informações) apenas de uma das partes”.

A regra geral é: estão sujeitos aos efeitos da recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos (Lei nº 11.101/05, art. 49, caput).

Quanto à falência, a Lei de Falências de 1945 referia-se, expressamente, à arrecadação de “bens e direitos”; a Lei de Recuperação e da Falência se refere, apenas, a arrecadação dos bens (Lei nº 11.101/05, art. 108, § 1º). Entretanto, no caso de falência do próprio devedor, a lei refere-se ao dever de apresentar a “relação dos bens e direitos que compõem o ativo (art. 105, III).

A incoerência é evidente, pois os contratos celebrados pelo falido são bens móveis, conforme prescreve o art. 83, III, do Código Civil.

De acordo com o art. 117 da LRE:

“Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, mediante autorização do comitê”.

Neste sentido, não resta qualquer dúvida de que os contratos representam bens da massa falida, estão sujeitos a arrecadação e aos efeitos da recuperação judicial e da falência, com as restrições e exceções abaixo mencionadas.

Rematando os contratos bilaterais e unilaterais na falência, cumpre frisar que, a legislação falimentar faculta ao administrador judicial mediante autorização do comitê, de optar pelo cumprimento ou não do contrato, conforme seja melhor para a massa em ambos os tipos de contrato, no caso do contrato bilateral a regra é a continuidade do contrato ficando a resilição como exceção; por outro lado, nos contratos unilaterais a regra é a resilição ficando o cumprimento contratual como exceção.

1.3 CLÁUSULA DE RESCISÃO EM CASO DE FALÊNCIA

Rubens Requião (1998, pp. 192-193) “entende que a cláusula de rescisão antecipada em caso de falência é lícita, inclusive no que se refere aos contratos de locação de imóveis”. J. A. Penava Santos (2003, pp. 21-22), com apoio de Spencer Vampré e na jurisprudência, “admite-a a princípio, determinando algumas condições para a sua validade e eficácia”.

Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 325), também admite a possibilidade de que no caso da locação em Shopping Center, “é prerrogativa de o locador promover a pronta desocupação do imóvel pelo locatário falido, valendo-se normalmente da cláusula de rescisão por falência, normalmente expresso nos instrumentos contratuais desse tipo”. Alega inclusive argumentos econômicos para tal, inclusive que seria extremante prejudicial para a imagem do Shopping Center.

No entanto, meros argumentos econômicos não são suficientes para um tratamento distinto. O renomado autor considera que a autonomia da vontade das partes deve prevalecer sobre a Lei, uma vez que ela está inserida dentro do Direito de Empresas, e esse, dentro do Direito Privado.

No entanto, trata a lei de falências de norma de ordem pública, de caráter imperativo, cogente. A lei é taxativa ao dizer que os contratos de locação não se resolvem com a falência. A faculdade é do locatário, de dizer se quer continuar com o contrato ou não, conforme prevê o art. 117. Essa faculdade, não pode ser transmitida para o locador, com simples argumentos econômicos e, nem o contrato, mesmo que com previsão expressa, pode operar essa transferência.

Doutrina e jurisprudência são unânimes em afirmar que não se considera a falência como hipótese de força maior, tendo em vista que o risco é inerente à atividade empresarial. Assim, negou o STJ[1] provimento a recurso sob esse fundamento, com razão.

Em resumo, para os que admitem a cláusula de rescisão antecipada em caso de falência nos contratos, o fundamente é o seguinte: (i) a decretação da quebra implicará a resolução imediata do contrato, o que acontecerá, frise-se, não por força da sentença de falência ou de regras do direito falimentar, mas tão somente em obediência à vontade das partes contratantes, manifestada em cláusula contratual expressa nesse sentido.

Para a outra corrente, o fundamento é o seguinte (ii) trata a lei de falências de norma de ordem pública, de caráter imperativo, cogente. A lei é taxativa ao dizer que os contratos de locação não se resolvem com a falência, conforme previsto no art. 117 LRF.

1.4 OS CONTRATOS NA FALÊNCIA E O ADMINISTRADOR JUDICIAL

Ao contrário do que se possam imaginar, os contratos do devedor falido não se extinguem de pleno direito em razão da decretação da falência, cabendo ao administrador judicial manifestar-se, de ofício ou a requerimento da parte interessada, sobre o cumprimento do contrato. Vejamos as hipóteses abaixo.

1.4.1 Manifestação positiva do administrador judicial (cumprimento do contrato)

Representa declaração unilateral de vontade, por meio da qual ele exerce a faculdade que lhe foi outorgado pela lei de escolher entre o cumprimento do contrato ou sua resolução, agindo em benefício da massa. Evidente neste caso o critério da conveniência, eis que confere certa margem de apreciação de soluções legalmente possíveis.

Daí resulta em um poder de escolha entre soluções diversas, todas igualmente válidas para o ordenamento.

1.4.2 Manifestação negativa do administrador judicial (rescisão do contrato)

De acordo com Miranda Valverde (ano 1962, p. 298) “a declaração negativa ou o silêncio do administrador judicial implica na resolução do contrato”.

Vejamos o que diz o § 2º do art. 117, da Lei 11.101/05.

“Art. 117. Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência e podem ser cumpridos pelo administrador judicial se o cumprimento reduzir ou evitar o aumento do passivo da massa falida ou for necessário à manutenção e preservação de seus ativos, mediante autorização do Comitê.

§ 2º A declaração negativa ou o silêncio do administrador judicial confere ao contraente o direito à indenização, cujo valor, apurado em processo ordinário, constituirá crédito quirografário.”

Em caso de nenhuma das partes tiver iniciado a execução do contrato as partes voltem ao estado anterior.

1.4.2.1 Direito à indenização

A declaração negativa ou o silêncio do administrador judicial confere ao contraente o direito à indenização, cujo valor, apurado em processo ordinário, constituirá crédito quirografário (§ 2º, art. 117, da Lei 11.101/05).

O direito à indenização se aplica em qualquer caso em que haja a comprovação do dano, em que pese a doutrina em sentido contrário, na vigência da Lei de Falências de 1945.

Por evidente, o exercício de uma faculdade prevista em lei não revela ato ilícito, salvo nas hipóteses de dolo ou culpa no seu exercício. Não obstante, pode ocasionar prejuízo.

Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos previstos em lei (art. 927, parágrafo único, do CC) e o caso em estudo é um deles.

Desta forma, em que pese o disposto do art. 117, § 2º, da Lei 11.101/05 ser muito parecido à da parte final do parágrafo único do art. 43 da Lei de Falências de 1945, a sua interpretação deve se conformar a legislação em vigor.

1.4.3 Manifestação abusiva

A legislação não contempla essa possibilidade de manifestação abusiva do administrador judicial, se o cumprimento das obrigações contratuais pela massa falida for manifestamente improvável.

Cabe, portanto, ao outro contratante ingressar em Juízo pelas vias ordinárias para resguardar seu direito.

1.4.4 Obrigações na pendência do prazo para resposta

Na pendência do prazo para resposta do administrador judicial, o outro contratante não tem a obrigação de cumprir o contrato.

O legislador conferiu uma faculdade aquele que contratou com o falido: ele pode cumprir de imediato o contrato, por sua conta e risco, ou interpelar o administrador judicial, para que este diga se pretende cumprir o contrato ou não. No curso desse prazo, fica suspenso o cumprimento das obrigações.

O administrador judicial, por sua vez, tem a faculdade de determinar se quer ou não cumprir o contrato, restando suspensa a contraprestação até que se dê ciência dessa manifestação à outra parte.

Neste sentido, estudaremos o contrato de locação, abordando o conceito de Shopping Center inicialmente.

2 SHOPPING CENTER

Shopping Center é uma unidade orgânica que tem estrutura, organização e funcionamento específicos, possuindo fundo de comércio próprio, criado pelo empreendedor.

Sua administração organizacional e mercadológica é planejada, tendo a finalidade de congregar num mesmo local o maior número possível de atividades empresariais distribuídas segundo uma planificação técnica precedida de acurados estudos (tenant mix), a fim de proporcionar conforto e um máximo de estímulo ao consumidor, procurando a exponenciação do consumo de bens e serviços.

Os consumidores possuem serviços como o de caixas eletrônicos de bancos ou até mesmo agências bancárias. A estes serviços se somam os de lazer, como os de restaurantes (praças de alimentação), cinemas etc., e até mesmos de consertos de roupas, por exemplo, característicos do comércio de bairro.

Assim, o lojista se beneficiará de uma série de serviços prestados pelo empreendedor, usufruindo da estrutura organizacional do shopping, com o desfrute constante dos seus benefícios e da fruição dos bens materiais, consubstanciados pelo fundo empresarial, que detém o empreendedor, com a complexidade do mecanismo necessário para colocar em racional funcionamento e de acordo com a realidade do mercado e a sua evolução, tudo de modo a atrair o consumidor, levando em conta a localização, as medidas e áreas que compõem as unidades comerciais, o mix das lojas comerciais, as áreas comuns, atendendo ainda, às condições especialíssimas e know how de que sabe dispor neste particular o empreendedor, colimando interligar seus interesses com os dos demais lojistas. Em decorrência disto, no que se refere à administração do shopping, bem como à definição do seu tenant mix, o interesse do shopping, que representa o interesse comum de seus Lojistas, se sobrepõe ao interesse individual de cada lojista, tendo em vista que o atrativo da clientela não é uma loja em particular, mas o shopping center como um todo.

O contrato celebrado entre o lojista e o shopping center traz algumas particularidades, que já levaram os juristas a questionar até mesmo se se tratava de um verdadeiro contrato de locação. Na sua composição entra a locação de prédio, mas este elemento não é único. Nele se somam duas categorias de interesses: I) a do titular de cada unidade autônoma; II) a do proprietário do shopping, que lucra com a sua organização. Nesse sentido, Alfredo Buzaid (1991, p. 13) afirma que:

“O shopping center tem o seu próprio aviamento em razão do conjunto de elementos que o compõem, como o capital investido e o pessoal que nele trabalha. É, pois, muito distinta a locação de um prédio em um ponto comercial para cujo sucesso concorre o proprietário isoladamente e a posição de uma loja num shopping center, onde o seu proprietário se beneficia da sua estrutura e organização”.

A lei do inquilinato considera a relação entre o lojista e o shopping center como de locação[2], submetendo-a as regras da locação não residencial, admitindo, em consequência, a ação renovatória, com a restrição de não poder o locador recusar a renovação do contrato com fundamento no uso próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano (Lei nº 8.245/91, art. 52, § 2º).

O Código Civil, em seu art. 2.036 manteve em vigor a lei especial sobre locações, inclusive a do Shopping Center, aplicando-se a ele as disposições acima.

Por se tratar a Lei do Inquilinato de legislação protetora do locatário, não é possível a aplicação do entendimento exposto no item 2.3 acima, sobre a possibilidade de cláusula contratual de vencimento antecipado em caso de falência do locatário.

Conforme prevê o art. 39 da Lei nº 8.245/91, no que se refere às garantias da locação, salvo disposição contratual em contrário, qualquer delas se estende até a efetiva devolução do imóvel.

Os requisitos para a renovação compulsória do contrato de locação, bem como os requisitos de legitimação do requerente para o pedido, no caso de prosseguimento da locação após a declaração da falência continuam a serem os previstos no art. 51 da Lei nº 8.245/91.

Os casos previstos em lei, em que não cabe a renovação compulsória, só amparam o locador para evitar a renovação judicial, mas não o autorizam a pedir o imóvel durante o prazo determinado da locação; se a locação estiver vigendo por prazo indeterminado poderá o locador denunciá-lo, sem necessidade de especificar o motivo, pela chamada “denúncia vazia” (Lei nº 8.245/91, art. 57).

Os requisitos para a propositura da ação revisional, em caso de falência, permanecem aqueles previstos na Lei nº 8.245/91, arts. 68 a 70.

3 CONTRATO TÍPICO DE LOCAÇÃO (SHOPPING CENTER)

A Lei 8.245/91 não excluiu da sua incidência a locação de espaços em shopping centers, tanto que nada dispôs a respeito ao estabelecer as locações que continuam regidas pelo Código Civil e por leis especiais (parágrafo único, a e b, do seu art. 1º).

E o próprio art. 54 da referida lei regula as relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, na qual prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação.

Ao disciplinar o direito à renovação das locações não residenciais, mais especificamente das locações de prédios destinados ao comércio, vedou a possibilidade de o locador de espaço em shopping center, na contestação à renovatória, pleitear a retomada com fundamento em uso próprio ou para transferência de fundo de comércio, seja do próprio locador ou de seu cônjuge, descendente ou ascendente, como a lei o permite para as demais hipóteses de renovação judicial do ajuste (§2º, art. 52).

A norma legal ressalvou, todavia, por outro lado, que as relações jurídicas entre os lojistas (comerciantes) e os empreendedores ou proprietários de shopping center são aquelas livremente por eles estabelecidas nos contratos de locação, no que laborou em regra desnecessária, por isso que, pelo princípio da liberdade de contratar, as disposições ajustadas pelas partes sempre prevalecem, salvo se atentarem contra a lei, a moral, os bons costumes ou a ordem pública.

Na verdade, de acordo com Paula Noronha (2006. p. 82.) a autonomia da vontade ou liberdade de contratar caracteriza-se,

“Pela liberdade de contratar ou deixar de contratar, a de eleger as pessoas com quem se contrata ou deixa de contratar, a de determinar o contrato a ser celebrado, típico ou atípico, a de negociar o seu conteúdo e, por último, a de adotar a forma, verbal ou escrita, tida por mais conveniente.”

É irredutível o acordo de vontades, conforme regra consolidada no direito canônico, através do brocardo pacta sunt servanda.

Os contratos devem ser cumpridos pela mesma razão que a lei deve ser obedecida. Ou seja, o acordo de vontades, logo depois de declaradas, tem valor de lei entre os estipulantes, e impõe os mesmos preceitos coativos que esta contém.

De qualquer modo, a regra revelou a preocupação do legislador em deixar claro que a locação de espaços em shopping centers está submetida à atual lei de locação urbana, apesar de o respectivo contrato conter cláusulas atípicas para um mero ajuste locatício, mas que, nem por isso, o afastam de uma locação.

Gildo dos Santos (2011. p. 381) entende que esse cuidado do legislador é compreensível,

“Uma vez que tais contratos têm cláusulas especiais, como as relacionadas ao interesse do empreendedor no êxito do comércio exercido pelo lojista, à imposição do ramo a ser desenvolvido, à responsabilidade do comerciante pelas despesas, não apenas de conservação e manutenção, mas também de promoção e publicidade do shopping considerado como um todo, à fixação de retribuição sobre a renda bruta ou líquida ou, ainda, apenas sobre o lucro do lojista, assegurado sempre ao centro comercial fiscalizar a contabilidade do inquilino.”

O ilustre professor José Roberto Neves Amorim (2008, p. 2), no recente artigo “As ações renovatórias nos shopping centers”, salienta: “Muito embora possa o empreendimento adotar a forma de verdadeiro condomínio (Lei 4.591/64), é o contrato de locação que impera, com cláusulas-padrão, porém tendo como aditivo uma escritura declaratória de normas gerais complementares”.

O contrato de locação conjugado com uma escritura declaratória de normas gerais complementares faz desse ajuste, para uma parte da doutrina, um verdadeiro contrato misto, decorrente de figuras típicas de negócios diversos, em que sobressai a locação, como sendo tipo predominante.

Aquelas condições especiais, aceitas pelo empreendedor e pelo lojista, giram em torno da locação, pois existem em razão desta, no interesse do locador (empreendedor) e do locatário (lojista).

Sendo assim, há de prevalecer, na sua interpretação, aquele negócio que seja predominante, ou aquele em volta do qual as demais avenças gravitam.

A locação é tipo de negócio jurídico, e os outros são, em verdade, negócios inominados/atípicos, ou não, mas seguramente, representativos de obrigações cujo exame e solução cabem no campo do direito obrigacional.

As cláusulas contratuais que o empreendedor praticamente impõe ao comerciante, e que são por estes aceitas, todas atinentes a aspectos não propriamente locativos, não descaracterizam o traço predominante da locação, porque, “considerando-se a complexidade do empreendimento e a evolução do mercado, criando novas necessidades, tais condições compreende-se no âmbito da permissibilidade prevista no art. 115 do Código Civil (1916), que prevê que “são lícitas, em geral, todas as condições, que a lei não vedar expressamente. Entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o ato, ou o sujeitarem ao arbítrio de uma das partes” (Rel. Moreno Gonzalez – RT 467/168), ou, ainda, no art. 122 do Código Civil atual, que dispõem serem “lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes”.

Os ilustres Ricardo Negrão e Daniela Grassi Quartucci (2008, p. 11), no artigo “Cláusulas específicas e polêmicas dos contratos de locação em shopping center”, publicado na obra já referida (Direito imobiliário – Questões contemporâneas), salientam:

“De fato, uma locação comercial celebrada com uma loja fora de um shopping center segue de maneira mais linear o disposto na lei de locações e os contratos celebrados para locação em shopping center são, normalmente, uma emaranhado mais complexo do ponto de vista de direitos e obrigações que encerram. Contudo, e apesar dessa realidade, é preciso reconhecer que a relação entre lojistas instalados no empreendimento e os proprietários desse mesmo empreendimento tem a mesma natureza jurídica do contrato de locação”.

Portanto, andou bem a atual lei em situar tal contrato no campo da locação predial urbana, porque, conforme preceitua Orlando Gomes (1979, p. 123) deve-se procurar:

“O contrato típico do qual mais se aproxima o contrato atípico para aplicar a este as normas que disciplinam aquele; se esse recurso falhar, por não haver contrato típico com o qual tenha o contrato atípico maior afinidade, emprega-se a analogia iuris, invocando-se os princípios gerais de direito contratual”.

 No caso, o contrato típico que mais se aproxima daquele celebrado entre empreendedores e lojistas é o de locação, e certamente isso foi levado em consideração na elaboração da atual lei.

CONCLUSÃO

Do exposto, algumas conclusões podem ser extraídas.

De acordo com o inciso VII do art. 119 da LRE “a falência do locador não resolve o contrato de locação e, na falência do locatário, o administrador judicial pode, a qualquer tempo, denunciar o contrato”.

A falência por si só não resolve os contratos de locação. Em caso de falência do locador, o locatário deve continuar pagando os aluguéis normalmente, mas deve fazê-lo, a partir da decretação da falência, ao administrador judicial, que incorporará os valores recebidos à massa falida. Feita a venda judicial do bem, o adquirente decidirá pela continuação ou não do vinculo locatício.

Em caso de falência do locatário, caberá ao administrador analisar a conveniência da continuação do contrato, podendo denunciá-lo se entender ser essa a medida mais interessante para a massa.

Caso o administrador não se manifeste expressamente sobre a continuação ou não de determinado contrato, “o contratante pode interpelar o administrador judicial, no prazo de 90 dias contado da assinatura do termo de sua nomeação, para que, dentro de 10 dias, declare se cumpre ou não o contrato”. (art. 117, § 1º).

 

Referências
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PENAVA SANTOS, J. A. Obrigações e contratos na falência. 2ª ed., atual. e ampl., Rio de Janeiro: Renovar, 2003.
REQUIÃO, R. Curso de direito falimentar. 17ª ed., atualizada por Rubens Edmundo Requião, São Paulo: Saraiva, vol. 1, 1998.
VALVERDE, T. M. Comentários à Lei de Falências. São Paulo: Forense. vol. I, 1962.
 
Notas:
[1] No tocante à força maior alegada como forma de eximir a recorrente da responsabilidade de indenizar, caracterizando a justa causa, por força do art. 35, "e" da Lei n.º 4.886/65, verifica-se que bem andou o acórdão recorrido ao entender que o risco do negócio assumido pela sociedade empresária obsta a tese pretendida. Inicialmente, importa registrar que não há na jurisprudência deste STJ precedente que alavanque a pré-falência ou falência como motivo de força maior a justificar rescisão de contrato de representação comercial. A força maior vem conceituada no ordenamento civil como "fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar, ou impedir" (art. 1.058, parágrafo único, CC/16 – correspondência: art. 393, parágrafo único, CC/02), o que não se evidencia na hipótese em apreço. A incerteza advinda das oscilações econômicas, notadamente diante da implementação de planos governamentais, não exime a responsabilidade da sociedade empresária que, por se encontrar em estado de pré-falência, amparar-se-ia na força maior para denunciar o contrato de representação comercial por justa causa. Ademais, extrai-se do acórdão recorrido, que a sociedade empresária iniciou a ter problemas de ordem financeira em 1994, o que se perpetuou até 1997, quando se deu o encerramento das atividades empresariais e a consequente denunciação do contrato. O lapso temporal tomado isoladamente, por si só, já teria o condão de afastar a incidência de força maior, a qual é sabidamente fator imponderável cuja chegada ou intensidade não é possível prever. O risco do negócio, por óbvio, é de plena responsabilidade da sociedade empresária, porque é ele inerente a qualquer contrato de matiz mercantil, como o é, o de representação comercial. Nesse sentido, oportuno o escólio de Rubens Requião: "O risco do negócio, assumido pelo empresário, não é jamais força maior, porque o risco é próprio de qualquer contrato mercantil" (Nova regulamentação da representação comercial autônoma, 2ª ed., Saraiva, 2003, p. 141). (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Embargos de Declaração no Recurso Especial nº 475.180-RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgamento em 07/12/2004, DJe 17/12/2004.)

[2] Art. 54 da lei nº 8.245/91 – “Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei”.


Informações Sobre o Autor

Dyonísio Pinto Carielo

Mestrando em Direito Empresarial pela Faculdades Milton Campos. Advogado


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