Filiação socioafetiva

Resumo: Este artigo trata-se da filiação socioafetiva, que é fruto da evolução das famílias. Nesta espécie de filiação o que impera é a verdade afetiva em detrimento da biológica. Muitas famílias hoje em dia são formadas não por laços sanguíneos, mas simplesmente pelo afeto que as unem e as fazem se considerar reciprocamente como família. Como essa mudança foi imposta pela evolução natural, cabe aos poderes legislativo e judiciário se adequarem a presente realidade, a fim de satisfazerem as necessidades atuais.

Palavras- chave: Família, evolução, filiação, afeto.

Abstract: This article is treated of the filiation socioafetiva that is fruit of the evolution of the families. In this filiation species that reins it is the affective true in detriment of the biological. A lot of families nowadays are formed not by sanguine bows, but simply for the affection that you/they unite them and they make them if it considers reciprocally as family. As that change was imposed by the natural evolution, it falls to the powers legislative and judiciary if they adapt to present reality, in order to they satisfy the current needs.

Keywords: family, evolution, filiation, affection.

1. Introdução

Um dos assuntos mais importante do Direito sem dúvida é a família, que foi e sempre será a base da sociedade. Porém, o modelo convencional de família adotado antes do advento da Constituição Federal de 1988, aquele decorrente do matrimônio, atualmente não é o único.

A partir dessa Carta Democrática, que traz em seu bojo diversas garantias, inclusive o direito à dignidade da pessoa humana, à liberdade, à igualdade, e com o consequente surgimento do Código Civil de 2002, diversos modelos de famílias foram reconhecidos, mas não quer dizer que antes eles não existiam.

Devido a essa evolução, em que novos modelos familiares surgiram, novas espécies de filiação também ganham força, sendo uma delas a filiação socioafetiva, que será objeto de estudos no presente projeto de pesquisa.

A filiação socioafetiva é aquela que tem como fundamento o vínculo afetivo e a estabilidade das relações familiares, a partir de uma relação não- biológica, havendo, pois, consagração ao princípio da afetividade e a liberdade do conhecimento a origem genética.

Todavia, com o surgimento de novas espécies de filiação surgem também as problemáticas. Se houver coincidência entre o pai biológico, o registral e o socioafetivo não teremos nenhuma indagação. Esta surgirá quando nos depararmos com uma relação na qual não haja essa coincidência.

Assim, não havendo essa identidade, qual filiação deve prevalecer? A biológica e registral em detrimento da socioafetiva? Ou a socioafetiva em detrimento das demais.

O presente tema constitui matéria de alta indagação no mundo jurídico, tratando-se da evolução do conceito de família, passando pelas espécies de filiação, pautando-se exclusivamente na sociafetiva, que é um assunto bastante complexo e polêmico, pois regula o estado das pessoas, estando à controvérsia sempre presente.

Como o tema é fruto da evolução, a cada dia cresce o número de famílias que se encontram nesta situação, em que o que impera de fato é a relação afetiva, em detrimento da realidade jurídica.

Diante de tal situação, observa-se a relevância do presente estudo, que se pautará nos os estudos bibliográficos em revistas, doutrinas e nas jurisprudências proferidas nos tribunais, bem como a rede mundial de computadores: a internet.  

Com o intuito de verificar os fundamentos constitucionais que dão embasamento à filiação socioafetiva, analisar como os tribunais vêm decidindo acerca da filiação socioafetiva em detrimento da paternidade biológica; discutir se as leis estão acompanhando essa evolução, e por fim demonstrar que na evolução do conceito de família, espécies de famílias que antes da CF/88 eram ignoradas, foram consagradas. Conhecendo-se assim, as espécies de filiação decorrentes dessa evolução.

Para que só assim, se possa adequar à realidade em que hoje vive grande parte das famílias brasileiras ao ordenamento jurídico pátrio.

2.Filiação socioafetiva: fruto da evolução

  A família é considerada pela CF/88 a como a base da sociedade, merecendo total proteção do Estado. Isto se deu porque a Constituição Federal de 1988, considerada a Constituição mais democrática que o Brasil já teve, tem como princípio basilar o princípio da dignidade humana, que coloca o ser humano em degrau mais alto que qualquer outro instituto, inclusive o patrimônio.

  Esse princípio é desdobrado, dando origem a vários outros, dentre eles o princípio da afetividade, que por sua vez é o que norteia e fundamenta a existência da filiação socioafetiva.

 A família foi uma instituição criada para auxiliar na organização social. No Direito Romano Clássico, visualizava-se a família como um grupo voltado à manutenção da religião doméstica, que era um dos mais fortes pilares de sua sustentação e da própria sociedade greco-romana (QUEIROZ, 2010).

 O poder familiar era exercido exclusivamente pelo pater-familias, que era o pai, tendo poder de decidir inclusive sobre a vida e morte daquela família.

  Com o passar dos séculos, o poder desse pater-famílias deixou de ser tão absoluto. Não obstante, a estrutura familiar continuou sendo extremamente patriarcal (FIUZA, 2008).

   A família, na sociedade de massas contemporânea, sofreu as vicissitudes da urbanização acelerada ao longo do século XX, como ocorreu no Brasil. Por outro lado, a emancipação feminina, principalmente econômica e profissional, modificou substancialmente o papel que era destinado à mulher no âmbito doméstico e remodelou a família. São esses os dois principais fatores do desaparecimento da família patriarcal. (LÔBO, 2004).

  Reinventando-se socialmente, reencontrou sua unidade na affectio, antiga funcão desvirtuada por outras destinações nela vertidas, ao longo de sua história. A afetividade, assim, desponta como elemento nuclear e definidor da união familiar, aproximando a instituição jurídica da instituição social. (LÔBO, 2004).

A ideia de família é um tanto quanto complexa, uma vez que variável no tempo e no espaço. Em outras palavras, cada povo tem sua idéia de família, dependendo do momento histórico vivenciado (FIUZA, 2008).

Fato é, porém, que a família contemporânea mudou, apesar das forças reacionárias (FIUZA, 2008).

Diante dessa afirmação, pode-se vislumbrar que, no Brasil, muito se avançou desde a laicização do Direito Fiuza nos esclarece:

“A Constituição Federal de 1988 considerou célula familiar a união estável entre homem e mulher ou entre qualquer dos pais e seus descendentes. Com isso, deu-se o pontapé inicial para a nova visão de família. Em outras palavras, o primeiro passo foi dado: desvinculou-se família do casamento. (FIUZA, 2008, p. 929).”

Ainda,

“Com a Constituição de 1988, atentou-se para um fato importante: não existe apenas um modelo de família, como queriam crer o Código Civil de 1916 e a igreja Católica. A idéia de família plural, que sempre foi uma realidade, passou a integrar a pauta jurídica constitucional e, portanto, de todo o sistema. (FIUZA, 2008, p. 929-930).”

 A preocupação com o ser humano trouxe novas formas de família, além da fundada no matrimônio; a igualdade dos filhos, independentemente do estado civil dos pais e a afetividade como fator determinante das relações familiares. (VALADARES, 2010).

 Decorrente dessa preocupação com as novas espécies de famílias surge à preocupação com a filiação. Antes tratada apenas como legítima ou ilegítima, vez que a família se pautava exclusivamente no matrimônio, agora evoluída sobre diversos enfoques.

Filiação é o vinculo existente entre pais e filhos, tratando-se de parentesco em linha reta de primeiro grau entre uma pessoa e aqueles que lhe deram a vida, incluindo no conceito não apenas os consanguíneos havidos pela união sexual dos pais, mas também por adoção, filiação socioafetiva e os havidos por reprodução assistida. (CARVALHO, 2009).

Para Gonçalves, filiação é a relação de parentesco consanguíneo, em primeiro grau e em linha reta, que liga uma pessoa àquelas que a geraram ou a receberam como se tivessem gerado. (GONÇALVES, 2008).

Segundo o entendimento de Barboza, o conceito de socioafetividade pode ser definido como um fato, onde se constatam dois aspectos (sócio+afetivo). Gerado pela afetividade, o vínculo se externa na vida social, à semelhança de outras relações fundadas no afeto, mediante pelo menos reputatio, nominatio e tractatus, que são seus requisitos e que permanecem, mesmo quando findo o afeto, porque construídos na convivência em sociedade. Presentes esses requisitos, a socioafetividade é um dos critérios para o reconhecimento do vínculo de parentesco der outra origem, a que se refere o art.153 do Código Civil. (BARBOZA, 2009).

Neste momento importante fazer uma distinção entre as espécies de filiação existente.

A filiação biológica, também conhecida como natural, é aquela que tem origem na consangüinidade, podendo ser tanto matrimonial quanto extra-matrimonial, estabelecendo-se a filiação pelos laços de sangue entre os pais e filhos (CARVALHO, 2010).

A filiação registral é aquela que, identifica no assento de nascimento, os pais da pessoa, e possui presunção de veracidade e de publicidade para todos os fins legais. Fornece a base documental para toda a vida do ser humano, comprovando juridicamente que existe, sendo o principal gerador de direitos e deveres em razão do parentesco (CARVALHO, 2010).

Segundo entendimento de Carvalho a filiação socioafetiva é:

“Aquela que envolve os aspectos e os vínculos afetivos e sociais entre os parentes não biológicos. Sendo que sua constituição se dá mediante o reconhecimento da filiação pela posse do estado de filho, configurada na presença caracterizadora do nome, com a utilização pela pessoa do nome do pai, ao qual se identifica; do trato, que consiste no tratamento e criação como filho pelo pai socioafetivo; e na fama, que representa a exteriorização, o conhecimento externo do terceiros que consideram a relação paterno-filial entre o pai e o filho afetivo.

Todavia, não se limita a posse do estado de filho, sendo esta apenas uma das suas espécies, configurando se também na adoção, na reprodução medicamente assistida heteróloga e até mesmo na adoção a brasileira, quando uma pessoa impulsionada pelo afeto, registra e cria filho biológico de outrem como seu. (CARVALHO, 2010, p.286).”

O Código Civil de 2002 reconhece expressamente a filiação socioafetiva na adoção e na reprodução assistida. O art. 1593 ampliou outras possibilidades ao constar genericamente, tratando-se de norma de inclusão, da constituição do parentesco por outra origem, possibilitando o reconhecimento da filiação em razão da posse do estado de filho, distinguindo o direito de ser filho da identidade genética (CARVALHO, 2009).

A filiação por outra origem é, portanto, aquela sem origem genética, construída pelo afeto, pela convivência, pelo nascimento emocional e psicológico do filho que enxerga, naqueles com quem vive e recebe afeto, seus verdadeiros pais. (CARVALHO, 2009).

Conforme o entendimento de Valadares, seguindo a tendência mais moderna do Direito de Família, que busca valorizar o vínculo afetivo, doutrinadores defendem a ideia, da qual compartilha-se, de que a socioafetividade pode e deve ser enquadrada nessa outra origem (VALADARES, 2010).

A socioafetividade como espécie de filiação, é caracterizada pela convivência, afetividade e pela estabilidade nas relações familiares, é cada vez mais marcante na evolução do direito de família, considerando a doutrina que a verdade real é o fato do filho gozar da posse do estado de filho, que prova o vínculo parental civil de outra origem, atribuindo um papel secundário a verdade biológica (CARVALHO, 2009).

Segundo o entendimento de Teixeira e Rodrigues,

“A existência de parentesco afetivo a partir da comprovação dos requisitos que compõe a posse de estado de filho, sendo eles, nome, trato e fama. Sem dúvida, trata-se a posse de estado o meio hábil a comprovar o vínculo afetivo entre pai e filhos de criação, mas ela não é capaz de constituir o próprio vínculo, pois, como sabido, posse de estado é apenas meio de prova subsidiário, e, portanto, não gera estado. Sendo assim, não é ela a definir a substancia desse novo tipo de parentesco, mas apenas sua comprovação.

O que constitui a essência da socioafetividade é o exercício fático da autoridade parental, ou seja, é o fato de alguém, que não é genitor biológico, desincumbir-se de praticar as condutas necessárias para criar e educar filhos menores, com o escopo de edificar sua personalidade, independente de vínculo consangüíneo que geram tal obrigação legal… (TEIXEIRA E RODRIGUES, 2009, p.37-38).”

Para Carvalho:

“A socioafetividade para se projetar no direito, notadamente e quanto à filiação, exige-se a presença dos seguintes elementos: a) pessoas que se comportam como pai e mãe e outra pessoa que se comporta como filho; b) convivência familiar; c) estabilidade do relacionamento; d) afetividade (CARVALHO, 2009, p.225).”

Uma das maiores evoluções do direito de família no Brasil nas últimas duas décadas foi ter elevado à categoria de valor jurídico o afeto. De simples valor jurídico, ele ganhou status de princípio jurídico, com toda a força normativa que deve decorrer dos “princípios”, como uma das mais importantes fontes do Direito (PEREIRA, 2009).

De igual modo, no entendimento de Tartuce, o afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares. Mesmo não constando a palavra afeto no Texto Maior como um direito fundamental, podemos dizer que o afeto decorre da valorização constante da dignidade humana (TARTUCE, 2010).

O afeto não tem aceitação pacífica como elemento que legitime o reconhecimento jurídico do vínculo socioafetivo. Tal rejeição, em geral, dá-se pela natural instabilidade das relações afetivas: findo o afeto, seria questionável o fundamento para a manutenção dos efeitos jurídicos. Não obstante alguns tribunais têm feito prevalecer o vínculo socioafetivo sobre o biológico. Este entendimento só considera, ou prestigia o componente afetivo do vinculo, preterido os efeitos sociais, por vezes irreversíveis, que a convivência gera (BARBOZA, 2009).

No entanto, conforme Flavio Tartuce:

“  A defesa da aplicação da paternidade socioafetiva, hoje é muito comum entre os atuais doutrinadores do Direito de Família. Tanto isso é verdade que, na I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho de Justiça Federal sob a chancela do Superior tribunal de Justiça, foi aprovado o enunciado n.103, que reconhece a existência de outras espécies de parentesco civil, que não aquelas elencadas pelo artigo 1593 do CC, haja vista referido artigo, parte final se tratar de norma aberta, podendo se entender que há outras espécies de parentesco, inclusive o socioafetivo.(TARTUCE, 2010, p.15).”

 Na mesma jornada, aprovou-se o enunciado 108, prevendo que: “No fato jurídico do nascimento, mencionado no art. 1.603 do CC, compreende-se, à luz do disposto no art. 1.593, a filiação consangüínea e também a socioafetiva” (TARTUCE, 2010).

O ideal é que a filiação registral coincida com a biológica e a socioafetiva, como os filhos biológicos registrados, criados e amados pelos pais, ou os filhos registrados pelos pais adotivos em procedimento regular de adoção (CARVALHO, 2010).

No que tange as relações de afeto entre pais e filhos, mesmo ausente o liame genético, a jurisprudência também se tem mostrado de forma favorável a essa nova parentalidade, se comprovada à posse de estado de filho (VALADARES, 2010).

De igual é o entendimento de Welter, no que tange ao direito internacional. Vejamos:

“A verdadeira filiação, na mais moderna tendência do direito internacional, só pode vingar no terreno da afetividade, da intensidade das relações que unem pais e filhos, independente da origem- genética. Somente a doutrina e a jurisprudência tradicionais não aceitam a igualdade entre a filiação biológica e a sociológica. A intolerância jurídica e social é tal envergadura que alguns juristas profetizam que os direitos somente podem ser outorgados ao filho aprisionado pelo sangue, esquecendo-se de que, enquanto a família biológica navega na cavidade sanguínea, a família afetiva transcende os mares do sangue, conectando o ideal da paternidade e maternidade responsáveis, hasteando o véu impenetrável que encobre as relações sociológicas, regozijando-se com o nascimento emocional e espiritual do filho, edificando a família pelo cordão umbilical do amor, do afeto, do desvelo, do coração da emoção, (des)velando o mistério insondável da filiação, engendrando o reconhecimento do estado de filho afetivo.(WELTER, 2011, P. 11-12).”

A afetividade e posse de estado de filiação são aspectos indissociáveis, porém, há outro elemento que, a nosso sentir, também merece ser apreciado, qual seja a posse de estado de pai. Nestes termos, defendemos que a posse de estado de filho e a posse de estado de pai exprimem reciprocidade; uma não existe sem a outra, pois não se pode falar em filiação ou de paternidade de o afeto não estiver presente nos dois pólos (ALBUQUERQUE, 2010).

Considerável parte das famílias hodiernamente são consideradas como famílias reconstituídas, para outros, recompostas, ou curiosamente denominadas de famílias mosaico, ou ensambladas.

Para Pereira,

“É essa estruturação familiar que existe antes, e acima do Direito, que nos interessa trazer para o campo jurídico. E é sobre elas que o Direito vem, através dos tempos, e em todos os ordenamentos jurídicos, regulando e legislando, sempre com o intuito de ajudar a mantê-la para que o indivíduo possa, inclusive, existir como cidadão (sem esta estruturação familiar, na qual há um lugar definido para cada membro, o indivíduo seria psicótico) e trabalhar na construção de si mesmo, ou seja, na estruturação do ser- sujeito e das relações interpessoais e sociais, que possibilitam a existência dos ordenamentos jurídicos.

Nesta nova realidade social, e em decorrência natural dos divórcios e separações, incluem-se também as famílias reconstituídas, ensambbladas ou mosaico, como começa a ser chamada no Brasil. Esta família, em que os filhos de anteriores uniões convivem com os filhos das novas uniões, tem cada vez mais representação na sociedade contemporânea. Apesar desta realidade fática, o Direito pouco tem se pronunciado a respeito, ou pouca resposta tem sido dada às demandas daí decorrentes. (PEREIRA, 2007, P.90).”

Essas espécies de famílias podem ter varias configurações, tais como: a) o genitor, seu filho e o novo companheiro ou cônjuge, sem prole comum; b) o genitor, seu filho e o novo companheiro ou cônjuge, com prole comum; c) os genitores de famílias originárias distintas e seus filhos, inexistindo prole comum; d) os genitores de famílias originárias distintas e seus filhos, com prole comum. (TEIXEIRA, 2009).

Nas famílias ensambladas o desafio é o aprendizado da convivência entre “os meus, os seus e os nossos filhos”. Afinal qual é a relação jurídica entre os membros desta nova estrutura familiar?(PEREIRA, 2007).

A lei 11.924 de 17 de abril de 2009 alterou o artigo 57 da lei 6.015 de 31 de dezembro de 1973, para autorizar o enteado ou enteada a adotar o nome de família do padrasto ou madrasta.

 A redação ficou deste modo: § 8º O enteado ou enteada, havendo motivo ponderável e na forma dos §§ 2º e 7º deste artigo, poderá requerer ao juiz competente que, no registro de nascimento, seja averbado o nome de família de seu padrasto ou de sua madrastra, desde que haja expressa concordância destes, sem prejuízo de seu apelido de família.

Desta feita, há de se entender que qualquer motivo ponderável, poderá ser invocado para que o juiz conceda ao enteado (a), a possibilidade de adotar o nome de família do padrasto ou madrasta, desde que com o consentimento deles.

Parece-me muito acertada essa decisão, pois entendo que é um respeito ao princípio da dignidade humana, haja vista muitas pessoas, principalmente crianças se sentirem diferentes dos outros irmãos, advindos da nova relação, simplesmente porque o nome de família dele é diverso dos irmãos.

Desta forma, não existindo coincidência entre o registro e a situação fática, como filho biológico registrado em nome de outro sem afetividade ou filho biológico sem vínculos com os pais naturais e criados como filho por outros, a intervenção judicial é necessária para regularizar a situação jurídica, prevalecendo a afetividade sobre o parentesco biológico e ambos sobre o parentesco registral, que deve ser corrigido para não produzir efeitos jurídicos equivocados, solucionando a situação de fato( CARVALHO, 2010).

Todavia, acertada é a construção doutrinária e jurisprudencial ao considerarem a irrevogabilidade da filiação socioafetiva.

Segundo Welter, a doutrina e a jurisprudência, paulatinamente, estão reconhecendo a irrevogabilidade da filiação socioafetiva.Com efeito, permitir que o pai, a seu bel-prazer, pudesse a qualquer tempo, desfazer o reconhecimento da paternidade de um filho seria uma extrema injustiça, caracterizado um gesto reprovável, imoral, sobretudo se o objeto é fugir do dever de alimentos, ou para evitar o agravante parentesco num crime. (WELTER, 2011).

Portanto, o reconhecimento de uma criança como filho socioafetivo, necessita, sobretudo de responsabilidade e maturidade. Essa responsabilidade deverá ser no sentido de não cometer qualquer injustiça futura para com a criança e no sentido de ter maturidade suficiente para se fazer a escolha certa, haja vista ser o procedimento irrevogável.

  Assim, há de se entender que a filiação socioafetiva só existirá quando o afeto entre o pai e o filho for recíproco, quando ambos se reconhecerem como tal, quando o coração de um escolher o outro para ocupar aquele lugarzinho que se encontra vago, porque o que a justifica é a escolha pelo afeto.

Diferentemente do que ocorre com a filiação biológica, onde não há a possibilidade de o poder público obrigar aos pais biológicos que amem sua prole, que lhes dê atenção, afeto. Esta subsiste pelo simples fator biológico.

Por isso, no que tange a filiação socioafetiva, a tendência é que esta prevalecerá sobre a biológica, especialmente porque nos tempos em que vivemos o afeto é quem norteia as decisões judiciais visando à resolução e até a prevenção de conflitos familiares.

3. Considerações finais

Por tudo que foi exposto, resta claro que a família evolui e com tal evolução advieram espécies de famílias, que diferentemente da mais remota, não é pautada no casamento. Com isso, as espécies de filiação que surgiram em decorrência dessa evolução também não são pautadas no casamento, privilegiando a filiação fundada no afeto, no amor que unem as pessoas, independente dos laços sanguíneos.

Contudo, como tudo não são flores a discussão se faz presente. Haverá aqueles que não comungarão da ideia de elevar o afeto a condição de princípio. No entanto, a grande maioria das pessoas, bem como a maioria esmagadora de doutrinadores, compartilha dessa idéia e estão difundindo esta inovação, obtida não simplesmente de um artigo aberto de lei, mas consagrada pela realidade em que as famílias vivem hodiernamente, onde os valores que estavam perdidos estão ganhando cada vez mais força.

 De acordo ou não com a ideia o afeto entrou em nossas casas tão sorrateiramente que muitos ainda nem o perceberam, seja através de uma adoção, seja por uma fecundação artificial ou mesmo por um filho de um companheiro (a) que você recebeu em seu lar e cuidou como se seu fosse, despendendo a ele todo seu carinho e dedicação.

Assim, apesar da filiação socioafetiva ser instituto relativamente novo, a realidade é que ela está presente há muito tempo, só que mascarado de tal forma que não conseguíamos enxergá-la. Foi preciso elevar um sentimento tão corriqueiro ao status de princípio para que possamos aceitá-lo verdadeiramente, para enxergarmos que o que une as pessoas de fato não são os laços sanguíneos e sim os laços da convivência, do mútuo respeito, enfim os laços do afeto.

Todavia, antes de assumir um encargo tão melindroso, deve-se ter em mente que uma vez aceito, não se tem como voltar atrás. E que se tentar voltar, seja por qual motivo for, a consequência será a abertura de ferida imensurável no coração e na alma daquele, cujo afeto foi retirado, que possivelmente nunca será curado. E esta ferida poderá repercutir em ações ou omissões, que prejudicará a pessoa pelo resto de sua existência.

Referências:
ALBUQUERQUE, Fabíola Santos. Ações de filiação: da investigação e negatória de paternidade e do reconhecimento dos filhos. In: TEIXEIRA Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite (Coord.). Manual de Direito das Famílias e das Sucessões. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey.2010, cap.8, p.161-181.
BARBOZA, Heloisa Helena. Efeitos jurídicos do Parentesco Socioafetivo. Revista Magister de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre, v.9, p.25-34, abr/maio, 2009.
BRASIL. Lei 11.924/09. Disponível em: http//www.planalto.gov.br. Acesso em 09 jun.2011.
CARVALHO, Dimas Messias. Direito de Família: direito civil . 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 11.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito de Família. 13. Ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. A Repersonalização das Relações de Família.Revista Jurídica Consulex. v.8, n.180, p. 58-63, 15 jul 2004.
PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Famílias Ensambladas e Parentalidade Socioafetiva- a Propósito da Sentença do tribunal Constitucional, de 30.11.2007. Revista Magister de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre, v. 7, p.88-94, dez/jan, 2009.
QUEIROZ, Juliane Fernandes. Contornos Contemporâneos da Filiação. In: TEIXEIRA Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite (Coord.). Manual de Direito das Famílias e das Sucessões. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey.2010, cap.7, p. 153-160.
RODRIGUES, Renata de Lima; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Multiparentalidade como efeito da socioafetividade nas Famílias recompostas. Revista Magister de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre. V.10, p.34-56, Jun-/Jul.2009.
TARTUCE, Flávio. Novos princípios do direito de família brasileiro. In: TEIXEIRA Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite (Coord.). Manual de Direito das Famílias e das Sucessões. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey.2010, cap.1, p. 3-17.
VALADARES, Maria Goreth Macedo. As famílias reconstituídas. In: TEIXEIRA Ana Carolina Brochado; RIBEIRO, Gustavo Pereira Leite (Coord.). Manual de Direito das Famílias e das Sucessões. 2.ed. Belo Horizonte: Del Rey.2010, cap.5, p. 105-130.
WELTER, Belmiro Pedro. Igualdade entre a filiação biológica e Socioafetiva. Revista de Direito Privado, São Paulo, v.14 , p.111-154,  abr/jun.2003.
 

 

 

 

 

 

 

 

 

 


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Eliane Cristina de Carvalho Andrade

Advogada


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