Resumo: A tutela da saúde do meio ambiente do trabalho guarda estrita relação com a necessidade de observância do meio ambiente ecologicamente equilibrado, como preceitua o art. 225, caput, da CRFB. Fala-se, assim, do meio ambiente do trabalho como parte integrante do meio ambiente lato sensu. É nesse aspecto que o estudo do tema se destaca, tendo como finalidade chamar a atenção dos operadores do direito e órgãos públicos para que participem de modo mais efetivo na prevenção de acidentes trabalhistas, e não só atinem para a punição e emprego de adicionais. Além disso, deve-se exigir que as empresas se utilizem de técnicas hábeis à eliminação de riscos e efeitos nocivos da prática de atividades laborais
Palavras-chave: Tutela. Saúde do trabalhador. Prevenção.
Abstract : The protection of the health of the environment of strict guard working relationship with the need for observance of an ecologically balanced environment , as prescribes the art. 225 , caput, CRFB . There is talk , so the middle of the work environment as part of the broad sense through environment. It is in this aspect that the subject of the study stands out as having intended to draw the attention of law professionals and government agencies to participate more effectively in preventing labor accidents, and not only atinem for punishment and additional employment . Furthermore, it should be required that companies use skillful techniques for the elimination of risks and harmful effects of the practice of professional activities
Keywords: Ministry. Worker's health. Prevention .
Sumário: Introdução. 1. Do instituto da Responsabilidade Civil 2. A responsabilidade civil no âmbito trabalhista 2.1. Considerações Iniciais 2.2. Responsabilidade civil acidentária 2.2.1. Inexistência de óbice constitucional à responsabilidade objetiva do empregador 2.2.2. A responsabilidade objetiva com arrimo no art. 14, §1o da Lei n. 6.938/81 2.2.3.Atividade de risco. Aplicação do art. 927, parágrafo único do Código Civil 2.3.4. A causalidade Tópica. Aplicação do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal 2.3. Do nexo causal. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Com a Emenda Constitucional n. 45, a competência da justiça do trabalho foi ampliada para julgar casos em que se verificassem os acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. Diante disso, houve uma verdadeira inundação do judiciário trabalhista com questões ligadas à saúde do obreiro, porquanto até aquele momento o assunto era negligenciado pelos operadores do direito.
Ao se discutir a diversidade de ações que eram intentadas nesse ramo, percebeu-se, por meio das perícias técnicas, que as doenças ocupacionais e os acidentes do trabalho eram causadas direta ou indiretamente pelo inadequado meio ambiente de trabalho.
A problemática dos acidentes trabalhistas e doenças ocupacionais no Brasil revela a deficiência de prevenção por parte dos empregadores, bem como da fiscalização dos órgãos públicos na mantença de um meio ambiente laboral adequado e seguro.
As consequências fáticas da questão são de conhecimento geral: invalidez permanente, mote do obreiro, limitação da capacidade laborativa, o que acarreta graves consequências na família do trabalhador, bem como no seu âmbito social e econômico.
Foram constatados, em estudos publicados pela Previdência Social, números ainda alarmantes de acidentes trabalhistas e, apesar de anualmente o numerário diminuir, não o faz de forma significativa.
Fato é que, em 2011, o Judiciário trabalhista tem atentado para tal problemática, com a criação do Programa Nacional de Prevenção de Acidentes de Trabalho, por exemplo, mas certo é que a tentativa de prevenção caminha a passos lentos. A quantidade de casos, assim como a gravidade deles, clama pela necessidade emergencial da construção de políticas públicas e implementações de ações governamentais no intuito de modificar tal quadro.
É preciso perceber que a questão está intimamente relacionadas ao princípio da dignidade da pessoa humana e ao direito fundamental à saúde, porquanto representa a destruição da vida daquele indivíduo .
Sebastiao Geraldo de Oliveira bem observa:
“O acidente mais grave corta abruptamente a trajetória profissional, transforma sonhos em pesadelos e lança um véu de sofrimento sobre vítimas inocentes, cujos lamentos ecoarão distantes dos ouvidos daqueles empresários displicentes que jogam com a vida e a saúde dos trabalhadores com a mesma frieza que cuidam das ferramentas utilizadas na sua atividade”.[1]
Ademais, a partir da nova competência da justiça do trabalho, passou-se a analisar a matéria da responsabilidade civil do empregador nas ações que versem sobre os danos decorrentes de acidentes trabalhista ou doenças ocupacionais. A questão não é, ainda, pacífica na doutrina e na jurisprudência, havendo a adoção de três correntes doutrinárias, a depender do caso concreto: a responsabilidade civil subjetiva, a responsabilidade civil objetiva em atividades de risco e, ainda, a responsabilidade civil objetiva independentemente da execução de atividades de risco.
A controvérsia sobre qual o tipo de responsabilidade será imputado ao empregador influencia em todo o processo, principalmente na produção probatória, daí ser importante o estudo das correntes doutrinárias para a sua correta aplicação.
Por fim, cumpre ressaltar que nas ações acidentárias devem ser consideradas as obrigações do empregador, dentre elas a de zelar pela saúde física e psíquica do obreiro, para efeitos de indenização pelos danos sofridos.
Busca-se, pois, demonstrar que as ações acidentárias na Justiça do Trabalho devem ser apreciadas com base nos princípios da dignidade da pessoa humana, do direito à saúde e do direito do meio ambiente laboral adequado.
1. Do instituto da Responsabilidade Civil
Aprioristicamente, impende destacar o conceito da responsabilidade civil, no âmbito jurídico. No magistério de Pablo Gagliano Stolze e Rodolfo Pamplona Filho:
“[…] a noção jurídica de responsabilidade pressupõe a atividade danosa de alguém que, atuando a priori ilicitamente, viola uma norma jurídica preexistente (legal ou contratual), subordinando-se, dessa forma, às consequências do seu ato (obrigação de reparar).
Trazendo esse conceito para o âmbito do Direito Privado, e seguindo essa mesma linha de raciocínio, diríamos que a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas”.[2]
Doutro lado, não só o ordenamento jurídico, mas também os sentimentos sociais e humanos respaldam e fundamentam a responsabilidade jurídica, já que protege o preceito fundamental do neminem laedere, isto é, de que ninguém deve ser lesado pela conduta alheia. Nessa mesma linha, ressalta o jurista Caio Mário da Silva Pereira:
Como sentimento humano, além de social, à mesma ordem jurídica repugna que o agente reste incólume em face do prejuízo individual. O lesado não se contenta com a punição social do ofensor. Nasce daí a ideia de reparação, como estrutura de princípios de favorecimento à vítima e de instrumentos montados para ressarcir o mal sofrido. Na responsabilidade civil estará presente uma finalidade punitiva ao infrator aliada a uma necessidade que eu designo como pedagógica, a que não é estranha à ideia de garantia para a vítima, e de solidariedade que a sociedade humana lhe deve prestar.[3]
A doutrina costuma estabelecer uma classificação sistemática, tomando por base a questão da culpa, acerca da responsabilidade civil, que se mostra importante para o desenvolvimento do tema concernente à responsabilização do empregador por acidentes de trabalho e doenças ocupacionais. Tratam, pois, os operadores do Direito em diferenciar a responsabilidade civil subjetiva da objetiva.
A responsabilidade civil subjetiva é caracterizada quando o agente atua com dolo ou culpa, decorrendo de tal conduta um dano a outrem. O dispositivo normativo que trata do assunto é o art. 186 do Código Civil de 2002 (“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”). Assim, desta regra, infere-se o princípio segundo o qual cada um responde pela própria culpa — unuscuique sua culpa nocet.
A culpa, nesse caso, é ônus da vítima, tendo em vista se caracterizar em fato constitutivo do direito à pretensão reparatória. Entretanto, há casos em que há uma responsabilidade civil “indireta”, em que a culpa do agente é presumida em razão de sua posição, como melhor explicam os já mencionados autores:
“[…]na tese da presunção de culpa subsiste o conceito genérico de culpa como fundamento da responsabilidade civil. Onde se distancia da concepção subjetiva tradicional é no que concerne ao ônus da prova. Dentro da teoria clássica da culpa, a vítima tem de demonstrar a existência dos elementos fundamentais de sua pretensão, sobressaindo o comportamento culposo do demandado. Ao se encaminhar para a especialização da culpa presumida, ocorre uma inversão do onus probandi. Em certas circunstâncias, presume-se o comportamento culposo do causador do dano, cabendo-lhe demonstrar a ausência de culpa, para se eximir do dever de indenizar. Foi um modo de afirmar a responsabilidade civil, sem a necessidade de provar o lesado a conduta culposa do agente, mas sem repelir o pressuposto subjetivo da doutrina tradicional.
Em determinadas circunstâncias é a lei que enuncia a presunção. Em outras, é a elaboração jurisprudencial que, partindo de uma ideia tipicamente assentada na culpa, inverte a situação impondo o dever ressarcitório, a não ser que o acusado demonstre que o dano foi causado pelo comportamento da própria vítima”.[4]
Na responsabilidade civil objetiva, por seu turno, não é necessária a caracterização de culpa, sendo suficiente a existência do elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável para que surja o dever de indenizar. A teoria objetivista é materializada no parágrafo único do art. 927, do Código Civil de 2002, ao estabelecer que “Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”
Assim, depreende-se que, no ordenamento pátrio, vige como regra geral a responsabilidade subjetiva, coexistindo ela com a responsabilidade objetiva, principalmente no atinente à função da atividade de risco desenvolvida pelo autor do dano.
Diferenciando as concepções subjetiva e objetiva da responsabilidade civil, trazem, os julgados de tribunais pátrios, elucidativas pontuações:
“RECURSO DOS RECLAMANTES HERDEIROS. ACIDENTE DE TRABALHO. RISCO ACENTUADO DA ATIVIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA. A responsabilidade do empregador pelos danos morais e materiais decorrentes do acidente de trabalho, em regra, é subjetiva com base no art. 7º, XXVIII, da CF. Entretanto, há casos em que a atividade econômica explorada, por si só, já representa elevado risco, devendo ser aplicada, nessas hipóteses a responsabilidade objetiva, com fulcro parágrafo único do art. 927 do Código Civil. No caso em apreço, além de a atividade da empregadora caracterizar-se por um risco acentuado, atraindo a responsabilidade objetiva, também restou evidenciada sua culpa no que tange à fiscalização do meio ambiente laboral, de forma a mantê-lo seguro e saudável aos seus empregados, livre de riscos causadores de acidentes graves como o ora analisado. Recurso obreiro parcialmente provido”. (TRT-1 – RO: 01540003320085010063 RJ, Relator: Enoque Ribeiro dos Santos, Data de Julgamento: 11/03/2014, Quinta Turma, Data de Publicação: 18/03/2014)
“RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELA LEI 11.496/2007. ACIDENTE DE TRABALHO. TRABALHADOR PORTUÁRIO AVULSO. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. O texto constitucional (art. 7º, caput e XXVIII) abraça a responsabilidade subjetiva, obrigação de a empresa indenizar o dano que causar ao trabalhador mediante comprovada culpa ou dolo, e o Código Civil (art. 927), a responsabilidade objetiva, na qual não se faz necessária tal comprovação, pois fundada na teoria do risco da atividade econômica. A primeira, norma constitucional, trata de garantia mínima do trabalhador e não exclui a segunda, que, por sua vez, atribui maior responsabilidade civil à empresa, perfeitamente aplicável de forma supletiva no Direito do Trabalho, haja vista o princípio da norma mais favorável, mais o fato de o Direito Laboral primar pela proteção do trabalhador e à segurança e medicina do trabalho, institutos destinados a assegurar a dignidade, integridade física e psíquica do empregado no seu ambiente de trabalho. In casu, discute-se a responsabilidade civil do Órgão Gestor de Mão-de-Obra e da empresa tomadora de serviços em face de acidente de trabalho ocorrido durante a atividade de estiva, tendo o reclamante atingido no joelho por uma corrente com peso em torno de 50 quilos, culminando com sua aposentadoria por invalidez. Comprovado o dano e o nexo causal, e tratando-se de atividade que, pela sua natureza, implica risco para o trabalhador que a desenvolve, é irrepreensível a decisão regional que manteve a condenação em danos morais e materiais. Assim, uma vez constatada a atividade de risco exercida, e afastada a hipótese de culpa exclusiva do trabalhador, conforme consigna a Turma Regional, aplica-se a responsabilidade civil objetiva, e não a subjetiva. Acrescente-se que da leitura do depoimento da testemunha do autor, cujo trecho encontra-se reproduzido no acórdão turmário, é possível também extrair a negligência da empresa prestadora de serviços no cumprimento das normas de segurança. Recurso de embargos conhecido e provido”. (TST – E-RR: 1290002620065170008 129000-26.2006.5.17.0008, Relator: Augusto César Leite de Carvalho, Data de Julgamento: 08/08/2013, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 16/08/2013)
Os autores citam os elementos integrantes da responsabilidade civil, quais sejam, a conduta humana, o dano ou prejuízo e o nexo de causalidade, sendo certo que a ação ou omissão humana voluntária é pressuposto necessário para a configuração da responsabilidade civil.
2. A responsabilidade civil no âmbito trabalhista
2.1. Considerações Iniciais
Como já foi dito no tópico anterior, o Novo Código Civil de 2002 albergou em seu texto uma regra dual acerca da responsabilidade civil. Assim, a responsabilidade subjetiva passou a figurar como regra junto com a responsabilidade objetiva, seja esta em função de previsão legal ou em decorrência do fato de a atividade desenvolvida pelo autor do dano ser considerada de risco para os direitos de outrem.
É em razão da adoção conjunta da teoria objetivista que essa regra dual avulta em importância para o Direito do Trabalho, tendo em vista haver regulamentação enquadrando formalmente determinadas atividades econômicas como de risco à saúde do trabalhador.
Antes de adentrar na responsabilidade civil acidentária, cumpre trazer à baila o conceito de acidente do trabalho que é previsto na Lei n. 8.213/91, em seu artigo 19:
“Art. 19. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.
Tal dispositivo traz a definição do acidente típico, mas, a par deste, existem as chamadas doenças ocupacionais, as quais se dividem em doença profissional e doença do trabalho. Por força de lei, as mencionadas doenças ocupacionais equiparam-se ao acidente de trabalho, como preceitua o artigo 20 da Lei n. 8.213/91:
“Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:
I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;
II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.”
Dessa feita, enquanto que a doença profissional é peculiar a determinada atividade ou profissão, sendo ela, portanto, o nexo causal presumido da doença com a atividade, a doença do trabalho é atípica, porquanto, ainda que tenha origem nas atividades laborais, surge pela forma como é prestado o trabalho e por condições específicas do ambiente laboral. Neste caso, o nexo de causalidade não é presumido, já que a doença pode ser desenvolvida por qualquer atividade, não necessariamente pela profissão que desempenha.
Excluem-se do conceito de doença ocupacional, por expressa determinação legal, a doença degenerativa, a inerente a grupo etário, a que não produza incapacidade laborativa e a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho.
2.2. Responsabilidade civil acidentária
Reza o artigo 186 do Código Civil de 2002 que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Destarte, retirava-se de tal artigo quatro elementos, como regra, para a configuração da responsabilidade civil, quais sejam, ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, nexo de causalidade e dano
Ao se fazer a subsunção da norma ao caso concreto de um acidente do trabalho, pois, ter-se-ia que ser comprovado o elemento dolo ou culpa pelo obreiro vítima do acidente. Entretanto, o entendimento não se manteve nessa esteira; na verdade, houve uma evolução no intuito de proteger o trabalhador que fora vitimado, além de descomplicar o pagamento indenizatório. Disso originou-se a teoria do risco segundo a qual há a responsabilização do agente causador do dano, não havendo a necessidade da configuração do elemento culpa, sendo suficiente que se prove o nexo causal entre a conduta e o dano.
Em consonância com a tese, ensinam os juristas Pablo Gagliano Stolze e Rodolfo Pamplona Filho:
“Note-se, inclusive, que, por força de normas regulamentares, há uma série de atividades lícitas que são consideradas de risco para a higidez física dos trabalhadores, parecendo-nos despiciendo imaginar que, provados os três elementos essenciais para a responsabilidade civil — e ausente qualquer excludente de responsabilidade — ainda tenha o empregado lesionado de provar a culpa do empregador, quando aquele dano já era potencialmente esperado…”[5]
A comprovação de culpa por parte do empregado é tarefa muito difícil, em razão, principalmente, da posição de subordinação que caracteriza a relação de emprego, consoante a qual o obreiro está em posição hierarquicamente inferior ao empregador. Assim, a doutrina do risco foi construída a partir dessa dificuldade encontrada nos casos concretos e das decisões judiciais que se deparavam com ela.
Pontuando o tema, o Juiz do Trabalho Cesar Zucatti Pritsch expõe:
“Hoje, a teoria do risco se encontra positivada em diversos diplomas legais, como, exemplificativamente, o Código Brasileiro do Ar de 1938 e o Código Brasileiro da Aeronáutica, de 1986, a Lei 6.938/81 (danos ambientais), o art. 37, § 6º da Constituição Federal de 1988, o Código de Defesa do Consumidor e, finalmente, nos artigos 927, parágrafo único, 932, 937 e 938 do Código Civil”. [6]
2.2.1. Inexistência de óbice constitucional à responsabilidade objetiva do empregador
Da leitura dos artigos 7º, XXVIII, da Constituição Federal e 927, do Código Civil, poder-se-ia verificar um verdadeiro paradoxo, diante do qual deveria prevalecer o texto constitucional. In literis:
“Art. 927, parágrafo único do CC – Haverá a obrigação de reparar o dano, independentemente da culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Artigo 7º, XXVIII, da CRFB – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: XXVIII – seguro contra acidente de trabalho, a encargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.”
Esse conflito aparente de normas gerou, precipuamente, uma polêmica. Como bem observam os autores Pablo Gagliano Stolze e Rodolfo Pamplona Filho:
“Poder-se-ia defender que, a partir do momento em que a Carta Constitucional exigiu, expressamente, a comprovação de culpa ou dolo do empregador para impor-lhe a obrigação de indenizar, optou por um núcleo necessário, fundado na responsabilidade subjetiva, do qual o legislador infraconstitucional não se poderia afastar”[7]
Pensando dessa forma e defendida pela corrente subjetivista, a norma constitucional, por sua própria natureza, não poderia ser desconsiderada por uma simples lei ordinária, porquanto violaria seu próprio fundamento de validade.
Em outras palavras, consoante a corrente em apreço:
“[…]a reparação pelos infortúnios experimentados por parte dos obreiros nos locais de trabalho somente imputar-se-ia aos empregados nas hipóteses em que (i) houvesse comprovação precisa a respeito da intenção deliberada ou da assunção do risco de lesar a vida ou a integridade física daqueles (dolo em sentido estrito e dolo eventual, ou (ii) se demonstrasse a culpa dos organizadores dos ambientes laborais, seja por imperícia, imprudência ou negligência, para além da aferição do nexo de causalidade entre o evento protagonizado pelo empregador e o resultado lesivo.”[8]
Do mesmo modo já decidiram os tribunais trabalhistas:
“RECURSO DE REVISTA. ACIDENTE DE TRABALHO. DANOS PATRIMONIAIS E EXTRAPATRIMONIAIS. DEVER DE INDENIZAR. MODALIDADE DE RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR. O Tribunal Regional ratificou a improcedência do pedido de pagamento de indenização por danos patrimoniais e extrapatrimoniais decorrentes de acidente de trabalho. A Corte de origem eximiu a Reclamada do dever de indenizar os danos sofridos pelo Reclamante, uma vez que não foi provada a culpa da empresa, tendo afastado a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva pelo risco da atividade. No recurso de revista, o Reclamante defende que a Reclamada deve responder objetivamente pelos danos resultantes do infortúnio, porque a exploração de atividade econômica cria riscos, viabilizando, no seu entender, a aplicação da teoria da responsabilidade objetiva pelo risco da atividade. Não obstante as alegações do Reclamante, extrai-se do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal que o empregador será responsável pelo pagamento de indenização por danos sofridos pelo empregado em decorrência de acidente de trabalho -quando incorrer em dolo ou culpa – . Nos termos desse dispositivo constitucional, a responsabilidade é subjetiva: só haverá obrigação de reparar danos patrimoniais e extrapatrimoniais se o infortúnio tiver resultado de proceder patronal doloso ou culposo. É o ato ilícito (doloso ou culposo) que impõe ao empregador a obrigação de indenizar. Como se observa, o direito do trabalho possui disciplina específica no que diz respeito aos requisitos do dever do empregador de indenizar o empregado, consagrada no art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal. Não cabe a aplicação, nem mesmo de forma subsidiária, da responsabilidade objetiva pelo risco da atividade de que trata o art. 927, parágrafo único, do Código Civil, pois o direito laboral possui norma expressa sobre o tema. Ao consignar que a Reclamada não deve responder pelos danos alegados pelo Reclamante ante a não comprovação da culpa empresarial, o Tribunal Regional decidiu em conformidade com o disposto no art. 7º, XXVIII, da Constituição da República, pois prestigiou a teoria da responsabilidade subjetiva do empregador. Recurso de revista de que se conhece, ante a demonstração de divergência jurisprudencial, e a que se nega provimento, no mérito”. (TST, Relator: Fernando Eizo Ono, Data de Julgamento: 01/12/2010, 4ª Turma)
Entretanto, há de ser ressaltado que o nuper retratado é apenas aparente. Isso porque o artigo 7o da CRFB deve ser interpretado como introdutor dos direitos mínimos do obreiro, não havendo barreira à ampliação por meio de normas infraconstitucionais, afinal, sabe-se que o direito do trabalho é todo pautado na proteção da parte hipossuficiente da relação empregatícia – o trabalhador –, e não poderia ser diferente nesse ponto.
Doutro lado, considerar a responsabilidade civil do empregador por acidentes do trabalho uma responsabilidade subjetiva, estar-se-ia interpretando o artigo 7o da CRFB de forma isolada, ignorando os demais dispositivos da Lei Maior igualmente aplicáveis a tais controvérsias (tais como o caput do art. 7o, seu inciso XXII, o artigo 225, caput e § 3o). Na verdade, comprometer-se-ia o sentido unitário do ordenamento constitucional atinente à temática em questão.
Como critica Eros Roberto Grau, trata-se de uma interpretação “em tiras” que não considera a regência sistemática que a Magna Carta confere ao tema, erigindo ao lado da diretriz a propalar a responsabilidade subjetiva pelos acidentes de trabalho (art. 7o, XXVIII), os princípios da proteção do trabalhador (art. 7o, caput), da redução dos riscos laborais (art. 7o, XXII), da tutela do meio ambiente equilibrado (art. 225, caput) e, finalmente, na responsabilidade objetiva pelos desequilíbrios labor-ambientais (art. 225, §3o da Constituição da República c/c o art. 14, §1o, da Lei n. 6.938/81).[9]
O Magistrado Pritsch explica, em sábias palavras, ainda em referência ao inciso XXVIII do art. 7o, da Lei Maior, que o constituinte, àquela época, na verdade, evoluiu na disciplina, porquanto, até então, a jurisprudência mantinha o entendimento de que deveria haver a comprovação da culpa grave do empregador pelo obreiro, conforme pode se inferir do enunciado da Súmula n. 229 do Supremo Tribunal Federal. Com a previsão constitucional, portanto, houve um melhoramento na situação do trabalhador, posto que acarretou no aumento do número de ações por acidentes de trabalho, o que acabou por influenciar de modo significativo no investimento em prevenção de acidentes.
José Affonso Dallegrave Neto também versa sobre a constitucionalização da responsabilidade civil. O autor ressalta que, após constatar-se que a teoria subjetiva não respondia a todos os casos de indenização, principalmente no atinente à comprovação pela vítima da culpa do empregador, a doutrina passou a aceitar a presunção juris tantum dessa culpa. Mais tarde, a doutrina, a jurisprudência e, também, o legislador trataram de admitir situações em que a responsabilidade civil independeria de culpa, consubstanciando a teoria objetiva. [10]
Desenvolvendo o tema, Cesar Zucatti conclui:
“Assim, embora a CRFB, no rol exemplificativo de “direitos dos trabalhadores urbanos e rurais”, preveja a responsabilidade do empregador por acidentes do trabalho, como regra geral, “quando incorrer ou dolo ou culpa” (inciso XXVIII do art. 7º), tal não elide a aplicação do parágrafo único do art. 927 do Código Civil, que é mais benéfico e trouxe um patamar ainda mais elevado de garantia ao trabalhador, transformando a responsabilidade objetiva em regra geral para as atividades de risco previsível e imputando a quem se beneficia economicamente das mesmas os ônus decorrentes da concretização de tais riscos.”[11]
Esse entendimento, outrossim, é ratificado pelo artigo 2o da Consolidação das Leis Trabalhistas – CLT, quando este atribui os riscos da atividade econômica ao empregador. Destarte, infere-se disso que não há qualquer óbice constitucional à aplicação do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil de 2002, nem do parágrafo 2o do artigo 5o da Constituição Federal, de modo que a regra de responsabilização, nos casos de acidentes de trabalho ocorridos em atividades de risco, é objetiva.
Inclusive, a IV Jornada de Direito Civil da Justiça Federal editou o Enunciado n. 377, com a seguinte redação: “O art. 7.º, inc. XXVIII, da Constituição Federal não é impedimento para a aplicação do disposto no art. 927, parágrafo único, do Código Civil quando se tratar de atividade de risco”.
Da mesma sorte, a 1a Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho realizada pela ANAMATRA aprovou o Enunciado de número 37, in verbis:
“Aplica-se o art. 927, parágrafo único, do Código Civil nos acidentes do trabalho. O art. 7, XXVIII, da Constituição da República, não constitui óbice à aplicação desse dispositivo legal, visto que seu caput garante a inclusão de outros direitos que visem à melhoria da condição social dos trabalhadores”.
Pablo Stolze, apesar de ser adepto da teoria subjetivista na matéria, concorda que a tendência no Direito Brasileiro é de prevalecer a teoria objetivista, reconhecendo que a jurisprudência recepcionou bem esta teoria e vem a consagrando, requerendo, tão somente, como elementos para a configuração da responsabilidade civil acidentária o trinômio dano-resultado-nexo de causalidade em atividades empregatícias que envolvam riscos maiores aos que são suportados em condições normais.
O reconhecimento aludido pelo ilustre magistrado pode ser inferido dos excertos colacionados:
“RECURSO DE REVISTA. ACIDENTE DO TRABALHO. MOTOBOY. DANO MORAL E ESTÉTICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. TEORIA DO RISCO DA ATIVIDADE. 1. Tese regional, fulcrada na exegese dos artigos 2.º da CLT e 927, parágrafo único, do Código Civil, a afirmar a responsabilidade objetiva, nas atividades em que um dos contratantes exponha o outro a risco, bem como a assunção, pelo empregador, dos riscos da atividade econômica. 2. Prevalecendo nesta Corte compreensão mais ampla acerca da exegese da norma contida no caput do art. 7.º da Constituição da República, revela-se plenamente admissível a aplicação da responsabilidade objetiva à espécie, visto que o acidente automobilístico de que foi vítima o trabalhador — que laborava na função de motoboy — ocorreu no exercício e em decorrência da atividade desempenhada para a reclamada, notadamente considerada de risco. Precedentes. 3. Inviolados os arts. 7.º, XXVIII, da Constituição da República, e 186 e 927 do Código Civil. Inespecífico o aresto paradigma coligido. Aplicação das Súmulas 23 e 296 do TST. Recurso de revista não conhecido” (TST, 3.ª Turma, Recurso de Revista n. TST-RR-59300-11.2005.5.15.0086, 3-8-2011, Min. Rel. Rosa Maria Weber Candiota da Rosa).
“EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. ACÓRDÃO PUBLICADO NA VIGÊNCIA DA LEI N. 11.496/2007. DANO MORAL. ACÓRDÃO DO TRT QUE REGISTRA A EXISTÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. 1. A CF, no caput do artigo 7.º, XXVIII, refere que a responsabilidade do empregador será subjetiva. No entanto, a mesma Constituição Federal consagrou o princípio da dignidade da pessoa humana, segundo o qual ‘as pessoas deveriam ser tratadas como um fim em si mesmas, e não como um meio (objetos)’ (Immanuel Kant). Nesse contexto, conclui-se que a regra prevista no artigo 7.º, XXVIII, da CF, deve ser interpretada de forma sistêmica aos demais direitos fundamentais. Acrescente-se que os direitos elencados no artigo 7.º, XXVIII, da CF, são mínimos, não excluindo outros que ‘visem à melhoria de sua condição social’. Logo, o rol do artigo 7.º, XXVIII, da CF, não é exaustivo. 2. Uma vez demonstrado que o dano ocorreu pela natureza das atividades da empresa, ou seja, naquelas situações em que o dano é potencialmente esperado, não há como negar a responsabilidade objetiva do empregador. 3. Nesse sentido, em Sessão do dia 4-11-2010, ao examinar o Processo n. TST-9951600-43.2006.5.09.0664, esta SBDI-1/TST decidiu que a responsabilidade é objetiva em caso de acidente em trabalho de risco acentuado. Recurso de embargos conhecido por divergência jurisprudencial e provido” (Processo: E-ED-RR — 9951600-43.2006.5.09.0664, j. 10-2-2011, Rel. Min. Horácio Raymundo de Senna Pires, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, DEJT de 11-3-2011)
“INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACIDENTE DO TRABALHO. ATIVIDADE DE RISCO. TEORIA OBJETIVADA. RESPONSABILIDADE. O Regional constatou que o reclamante exercia a função de motorista de caminhão caçamba, e que, diante do travamento da tampa da caçamba, houve a necessidade de operar o equipamento manualmente, oportunidade em que o reclamante sofreu o típico acidente do trabalho, ficando com o seu dedo preso entre a trava e a caçamba. Assim, havendo o Regional concluído que a prova produzida nos autos demonstra a existência do dano sofrido pelo autor (perda do dedo médio de sua mão esquerda) e o nexo causal com as atividades por ele desempenhadas, não há afastar a responsabilidade da reclamada pelo evento danoso. O artigo 927, parágrafo único, do Código Civil de 2002, c/c o parágrafo único do artigo 8.º da CLT, autoriza a aplicação, no âmbito do Direito do Trabalho, da teoria da responsabilidade objetiva do empregador, nos casos de acidente de trabalho quando as atividades exercidas pelo empregado são de risco, conforme é o caso em análise. Recurso de revista conhecido e provido” (Processo: RR — 185300-18.2005.5.18.0007, j. 17-11-2010, Rel. Min. José Roberto Freire Pimenta, 2.ª Turma, DEJT de 26-11-2010)
2.2.2. A responsabilidade objetiva com arrimo no art. 14, §1o da Lei n. 6.938/81
A terceira corrente que versa sobre a responsabilidade do empregador traz à baila maior preocupação com o desequilíbrio labor-ambiental. Essa corrente defende que, ainda que não haja riscos inerentes à atividade, o empregador pode ocasionar poluição no ambiente laboral, trazendo prejuízos à integridade física do obreiro. Assim, a terceira corrente prega que, em determinados casos, não há a necessidade da presença dos riscos especiais a que se refere o parágrafo único do 927 do CC.
A corrente se pauta, sobretudo, no direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, consagrado no art. 225 da CRFB, especialmente em seu § 3o, no princípio do poluidor-pagador e no art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81[12], que se transcreve:
“§ 1º – Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.”
Ressalte-se que tal teoria não exclui as demais, mas, tão somente, as complementa, pois que no ordenamento jurídico há embasamento jurídico para a coexistência dos três regimes. A aplicabilidade destes, no entanto, dependerá da análise das nuances fáticas presentes no caso concreto. Assim, cabe ao julgador verificar se o caso in concreto enseja a responsabilidade subjetiva, respaldada no art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal; ou a responsabilidade objetiva, se há riscos inerentes à atividade desenvolvida, oportunidade na qual aplicará o no art. 927, parágrafo único, do Código Civil; ou, ainda, a responsabilidade objetiva, quando for constatado desequilíbrio labor-ambiental com arrimo no art. art. 14, § 1º, da Lei nº 6.938/81.[13]
Explicam os adeptos da teoria que, ao se interpretar os artigos supramencionados de forma sistemática, é possível perceber que os empregadores têm o dever de evitar a implantação de medidas que resultem no desequilíbrio do meio ambiente laboral, isto é, que ocasionem potenciais danos à integridade física do trabalhador. Infere-se desses dispositivos, pois, que a poluição do meio ambiente do trabalho é um risco proibido e, sendo assim, a sua configuração enseja a responsabilidade objetiva do empregador no caso de decorrer disto um acidente de trabalho.
Cabe, analisar, portanto, no caso fático, a conduta omissiva ou comissiva do trabalhador, o nexo de causalidade e o resultado lesivo, não havendo motivo para se falar no elemento subjetivo – culpa ou dolo do agente.
Cumpre ressaltar que essa doutrina considera que, independentemente de haver riscos inerentes à atividade desenvolvida, os desequilíbrios labor-ambientais causados pelos fatores inerentes à inadequada organização dos espaços de trabalho devem ensejar a responsabilização objetiva do empregador, porquanto este não tomou as precauções necessárias à tutela da saúde de seus empregados.[14]
A responsabilidade nesses moldes foi consagrada, outrossim, na 1a Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho de 2007, em seu verbete n. 38:
“38. RESPONSABILIDADE CIVIL. DOENÇAS OCUPACIONAIS DECORRENTES DOS DANOS AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO. Nas doenças ocupacionais decorrentes dos danos ao meio ambiente do trabalho, a responsabilidade do empregador é objetiva. Interpretação sistemática dos artigos 7º, XXVIII, 200, VIII, 225, §3º, da Constituição Federal e do art. 14, §1º, da Lei 6.938/81.”
Ebert traz como ilustração o seguinte caso:
“Ainda como exemplo de tal situação, tem-se a hipótese da empresa de vigilância que guarnece o uniforme de seus empregados com sapatos de solado metálico, criando para eles um risco não necessariamente inerente àquela atividade, qual seja, o de que os referidos trabalhadores, ao efetivarem rondas em terrenos descampados, sejam atingidos por descargas elétricas naturais (raios).
Há, também nessa situação, a presença de fator de risco não contemplado originalmente pelo art. 927, parágrafo único do Código Civil, pois a morte ou a perda de funções por exposição a descargas elétricas naturais é uma ameaça não inerente à atividade de vigilante. No caso ilustrativo, o sinistro só ocorreu porque o empregador, ao fornecer sapatos com solado metálico, criou um novo fator de risco, de modo a ocasionar desequilíbrio no meio-ambiente laboral e a comprometer, por isso mesmo, a integridade física e a vida de seus subordinados, ensejando, por essa razão, a aplicação do art. 225, § 3º da Constituição Federal c/c o art. 14, § 1º, da Lei nº 6.913/81.”[15]
Outro caso importante a ser enquadrado no artigo 14, § 1º, da Lei nº 6.913/81 é o do assédio moral organizacional, quando o trabalhador desenvolve doenças psicossomáticas em razão das pressões psicológicas efetuadas pelo empregador no intuito de obter algumas finalidades, como, por exemplo, chegar à meta, produzir mais etc. [16]
Assim, a terceira corrente alberga os incidentes imanentes da má organização dos fatores de produção, e não apenas aquelas ligadas diretamente à atividade da empresa, ensejando a responsabilização objetiva do empregador, tendo em vista ser sua obrigação manter um ambiente laboral adequado e saudável.
2.2.3.Atividade de risco. Aplicação do art. 927, parágrafo único do Código Civil.
Como dito anteriormente, a previsão da responsabilidade objetiva do empregador do parágrafo único do art. 927, do Diploma Legal Cível, pressupõe que o obreiro execute atividades de risco.
De acordo com a doutrina e a jurisprudência, são consideradas de risco as atividades insalubres ou perigosas, contidas nos arts. 189 e 193 da CLT, bem como nas NRs 15 e 16 do MTE. Outrossim, já foram reconhecidas como tal, em sede jurisprudencial, o manejo de animais, o trabalho com motocicleta, o transporte rodoviário de cargas e o serviço de vigilância. [17]
Raimundo Simão ainda inclui: o transporte ferroviário, o transporte de passageiros, a produção e transmissão de energia elétrica, a exploração de energia nuclear, a fabricação e transporte de explosivos, o contato com inflamáveis e explosivos, o uso de arma de fogo, o trabalho em minas e alturas, o trabalho de mergulhador subaquático, dentre outras[18].
Para averiguação do risco da atividade, os documentos laborais, como o ASO (Atestados de Saúde Ocupacional), o PCMSO (Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional) e o PPRA (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais), avultam em importância por constarem a existência de riscos ocupacionais. Ademais, a configuração da atividade como de risco envolve as presunções decorrentes das regras da experiência.
A apresentação dos documentos alhures fica a cargo do empregador, sendo que sua não apresentação acarreta a presunção do risco da atividade.
Outra forma de identificar o risco da atividade são os dados do FAP (Fator acidentário Previdenciário), disponíveis no site do Ministério da Previdência Social, que trazem histórico de acidente, gravidade e custo no intuito de estabelecer o valor a ser pago pela empresa a título de seguro-acidente, tendo por base as alíquotas do RAT (Riscos Ambientais do Trabalho).
Assim, percebe-se que as situações de risco a que se refere o parágrafo único do art. 927, do Código Civil, são provenientes de desequilíbrios labor-ambientais criados pelos empregadores, mas que estão estritamente ligados à atividade econômica por eles desempenhadas, ensejando a responsabilização objetiva do empregador.
2.3.4. A causalidade Tópica. Aplicação do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal.
Existem, doutro lado, situações em que o sinistro não traz relação com a atividade desenvolvida pelo obreiro, nem com a organização dos fatores de produção, mas decorre de uma falha humana ou sistêmica a que todos estão submetidos, dentro ou fora do ambiente laboral.
Em razão disso, só haverá responsabilização do empregador caso haja comprovação do elemento subjetivo, dolo ou culpa, nos termos clássicos da responsabilidade civil.
Ebert, em seu artigo, ilustra tal hipótese:
“Como exemplo de causalidade tópica, tome-se as hipóteses do empregado que, no trajeto percorrido a pé entre sua residência e a empresa, é atingido por veículo que invade a calçada, causando-lhe sérios danos físicos, ou a dos obreiros que, já no desempenho de suas atividades corriqueiras no local de trabalho, são atingidos de modo fatal pela queda de aeronave nas dependências da firma.
Nesses dois exemplos extremos, as fatalidades tiveram como causa duas situações trágicas que poderiam afetar a generalidade dos indivídios dentro ou fora de seus postos de trabalho. De fato, não se pode imputar ao empregador a assunção dos riscos inerentes a um atropelamento ocorrido fora das dependências da empresa, ou à queda de uma aeronave nas instalações desta última e nem tampouco afirmar que a materialização de tais sinistros é decorrência da organização desequilibrada do ambiente laboral.”[19]
Assim, há a aplicação do art. 7º, XXVIII, da Constituição Federal quando se tratar de causalidade tópica.
Nesse ínterim, fica claro que a aplicação dos regimes de responsabilidade mencionados dependerá do caso concreto com o qual se depara o aplicador do direito.
2.3. Do nexo causal
Trata-se o nexo causal de elemento indispensável à configuração da responsabilidade civil. Esse elemento, portanto, faz a ligação entre as atividades laborais e as lesões sofridas pelo obreiro.
Via de regra, o instrumento utilizado em juízo para demonstrar tal ligação é a prova pericial médica. No entanto, o laudo pericial – bem assim como toda prova carreada na instrução processual – não é vinculante, devendo o magistrado pautar-se, ademais, nas informações constantes dos autos, a exemplo da constatação do nexo pela Seguridade Social, das declarações contidas na Comunicação de Acidentes de Trabalho, bem como a existência do Nexo Técnico Epidemiológico.
Acerca do reconhecimento do nexo causal pela Previdência social, sobreleva-se em importância o art. 337 do Decreto 3.048/99:
“Art. 337. O acidente de que trata o artigo anterior será caracterizado tecnicamente pela perícia médica do Instituto Nacional do Seguro Social, que fará o reconhecimento técnico do nexo causal entre: I – o acidente e a lesão; II – a doença e o trabalho; e III – a causa mortis e o acidente.
§ 1º O setor de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social reconhecerá o direito do segurado à habilitação do benefício acidentário”.
Dessa maneira, vê-se que, no âmbito administrativo, o INSS possui a competência para a realização da perícia médica para averiguação do nexo causal no intuito de deferir algum benefício previdenciário de índole acidentária ao trabalhador, como auxílio doença, aposentadoria por invalidez, dentre outros.
O laudo da perícia médica do INSS, pois, em sendo ato administrativo, goza da presunção de legalidade e legitimidade, advindo disto a presunção relativa da existência de nexo causal posto em análise no caso concreto, quando este já foi reconhecido pela autarquia federal mencionada.
De outro lado, quando a perícia da previdência não constata o nexo causal entre o dano e o labor, e o benefício previdenciário é concedido sob a forma comum, no âmbito da responsabilidade civil, entende-se pela presunção relativa negativa do nexo causal.
Outro caso possível se dá quando o obreiro pleiteia na via administrativa, tão somente, o benefício previdenciário comum. Em sendo concedido tal benefício, a presunção do nexo causal na seara de responsabilização do empregador é, ainda, negativa. Isso porque o INSS, ao analisar o benefício a ser concedido, pode, de ofício, enquadrar o caso como acidentário e, em não o fazendo, portanto, conclui-se, de forma relativa, pela não existência de nexo causal entre o labor e o dano.
A respeito do Comunicado de Acidente de Trabalho, versa o artigo 22 da Lei 8.213/91:
“Art. 22. A empresa deverá comunicar o acidente do trabalho à Previdência Social até o 1º (primeiro) dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena de multa variável entre o limite mínimo e o limite máximo do salário-de-contribuição, sucessivamente aumentada nas reincidências, aplicada e cobrada pela Previdência Social.”
Dessa feita, a emissão do CAT pela empresa é obrigatória e resulta no reconhecimento da existência do acidente típico ou doença ocupacional, o que influi, também, na presunção do nexo de causalidade entre a atividade da empresa e o dano suportado pelo obreiro.
Importante ressaltar que esse documento é assinado pelo médico a serviço da empresa e, pois, trata-se de diagnóstico fundamentado e que ostenta embasamento científico, por isso é que sua expedição pressupõe a existência do nexo causal supramencionado.
Já em relação ao Nexo Técnico Epidemiológico – NTEP, dispõe o artigo 21-A da Lei n. 8.213:
“Art. 21-A. A perícia médica do INSS considerará caracterizada a natureza acidentária da incapacidade quando constatar ocorrência de nexo técnico epidemiológico entre o trabalho e o agravo, decorrente da relação entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID, em conformidade com o que dispuser o regulamento”. (Incluído pela Lei nº 11.430, de 2006)
Destarte, tem-se que o NTEP é importante mecanismo auxiliar na qualificação de um acidente ou doença do trabalho, por se tratar de uma estatística que relaciona a doença, através de seu CID (Classificação Internacional de Doenças), com a atividade da empresa, por meio do CNAE (Código Nacional da Atividade Econômica). Dessa guisa, quando o empregado sofre algum dano e este dano, estatisticamente, mantém relação com a atividade desenvolvida, tem-se que há presunção relativa do nexo causal entre eles.
Ademais, existem situações que merecem ser destacadas ainda na seara do nexo causal: pluralidade de causas e causas laborais de empregadores diversos.
Havendo nexo causal proveniente tanto de uma atividade laboral como de causa não laboral, concretizando o que se chama concausalidade, o empregador responderá, apenas, proporcionalmente à parcela a que tiver dado causa. Todavia, sabe-se que a fixação dessa proporção é de difícil aferição, de modo que cabe ao julgador arbitrá-la, ao seu alvedrio, mas com arrimo na razoabilidade.
Dessa maneira, em havendo condenação numa hipótese de concausalidade, a indenização deve respeitar a proporcionalidade aferida.
Do mesmo modo, quando houver pluralidade de causas oriundas de diferentes empregadores, haverá a busca pela proporcionalidade de cada um na contribuição para o dano causado. Devendo, também, a indenização ser fixada para cada um na medida de suas culpas.
Quanto ao sentido de concausalidade alvitrado, traz-se o excerto da ementa proferida pelo Colendo Tribunal Superior do Trabalho:
“RECURSO DE REVISTA. DOENÇA OCUPACIONAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. NEXO DE CONCAUSALIDADE. AGRAVAMENTO. Os acidentes ou as doenças ocupacionais podem decorrer de mais de uma causa (concausas), ligadas ou não ao trabalho desenvolvido pela vítima. Estar-se-á diante do nexo concausal quando, apesar da presença de fatores causais extralaborais, haja pelo menos uma causa relacionada à execução do contrato de trabalho que tenha contribuído diretamente para o acidente ou adoecimento. O nexo concausal aparece com frequência no exame das doenças ocupacionais. A doença oriunda de causas múltiplas não perde o enquadramento como patologia ocupacional, se houver pelo menos uma causa laboral que contribua diretamente para a sua eclosão ou agravamento, conforme prevê o artigo 21, I, da Lei nº 8.213/91. No caso, o Reclamante exercia a função de motorista e realizava atividades de entrega, carga e descarga de mercadorias, sendo diagnosticado como portador de transtornos de coluna vertebral, de caráter irreversível, geradores de incapacidade parcial, sem nexo causal com seu labor, mas agravados por este. Assim, de acordo com o quadro fático delineado pelo Tribunal Regional, conclui-se que a atividade exercida pelo Autor contribuiu diretamente para o agravamento da doença, caracterizando-se como concausa, o que, como já ressaltado, não retira o dever legal de reparar os danos causados. Recurso de Revista conhecido e provido”. (TST – RR: 3040004120085120030 304000-41.2008.5.12.0030, Relator: Maria Laura Franco Lima de Faria, Data de Julgamento: 07/08/2012, 8ª Turma)
CONCLUSÃO
A tutela da saúde do meio ambiente do trabalho guarda estrita relação com a necessidade de observância do meio ambiente ecologicamente equilibrado, como preceitua o art. 225, caput, da CRFB. Fala-se, assim, do meio ambiente do trabalho como parte integrante do meio ambiente lato sensu.
É nesse aspecto que o estudo do tema se destaca, tendo como finalidade chamar a atenção dos operadores do direito e órgãos públicos para que participem de modo mais efetivo na prevenção de acidentes trabalhistas, e não só atinem para a punição e emprego de adicionais. Além disso, deve-se exigir que as empresas se utilizem de técnicas hábeis à eliminação de riscos e efeitos nocivos da prática de atividades laborais.
Longo caminho ainda há ser trilhado para que haja o cumprimento integral da legislação, sob a carga axiológica ínsita ao princípio da dignidade da pessoa humana e seus correlatos – direito à saúde e direito ao meio ambiente equilibrado –, sobretudo como forma de garantir ao trabalhador uma vida condigna e saudável. É indispensável, pois, que haja um esforço conjunto dos vários segmentos sociais para a conscientização da necessidade de atuar em prol da saúde e da personalidade do trabalhador.
Dessa guisa, tem-se que o trabalhador, ademais, por ostentar a condição de hipossuficiente, reclama especial tutela no campo dos acidentes trabalhistas e doenças ocupacionais, e essa valorização deve refletir nas ações de reparação pelos danos sofridos, devendo o aplicador do direito, diante do caso concreto, utilizar da interpretação hermenêutica condizente com os princípios relatados.
Informações Sobre o Autor
Camila de Lemos Vasconcelos
Formada pela Universidade Federal de Pernambuco. Advogada. Pós- graduanda em Direito Publico