Resumo: Este trabalho aborda os aspectos do advento da Lei 12.403/2011, que alterou dispositivos do Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativamente à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências, desde o seu projeto de Lei n. 11/2008, a lume de todo o ordenamento jurídico penal preexistente, traçando as mudanças em seus pontos positivos e negativos. Sendo assim, iniciou-se o presente com o embasamento acerca das reformas penais e processuais penais ocorridas ao longo dos anos, bem como suas regras de aplicação, partindo-se então deste ponto a observar os novos institutos de Direito Processual Penal, dando ênfase às inovadoras medidas cautelares, traçando suas regras de aplicabilidade, objetivos e finalidades, porém sempre ressalvando e elevando os direitos fundamentais, insculpidos na Constituição Federal de 1988.
Palavras-chave: Medidas cautelares. Prisão preventiva. Liberdade Provisória. Fiança.
Abstract: This work discusses aspects of the enactment of Law 12.403/2011 amending provisions of Decree-Law No. 3,689, of October 3, 1941 – Code of Criminal Procedure, regarding the arrest procedure, bail, parole, other precautionary measures, and among other provisions, since its project of Law No 11/2008, the light of all the existing criminal law, tracing the changes in their strengths and weaknesses. Thus, this began with the foundation about the criminal and criminal procedure reforms that have occurred over the years, and its implementing rules, then starting from this point to observe the new Criminal Procedure Law institutes, focusing on innovative protective measures, tracing its applicability rules, objectives and goals, but always excepting and raising fundamental rights, inscribe in the Constitution of 1988.
Keywords: Precautionary Measures. Prison Preventive. Provisional freedom. Bail.Traduzir do: espanhol
Sumário: Introdução. 1. Prisão Cautelar e Liberdade Provisória no Processo Penal. 1.1. Conceito. 1.2. Evolução Legislativa. 1.3. Objetivo da reforma processual. 2. Prisão Cautelar. 2.1. Em Flagrante. 2.2. Preventiva. 2.3. Domiciliar. 3. Medidas Cautelares Alternativas à prisão preventiva. 3.1. Rol. 3.2 Aplicação. 4. Liberdade Provisória. 4.1. Com fiança. 4.2. Sem fiança. 5. Conclusão. 6. Referências. 7. Anexo.
Introdução
O presente trabalho de conclusão de curso tem como área de concentração o direito processual penal, com vistas à reforma trazida pela lei 12.403/2011, que alterou profundamente o sistema de medidas cautelares penais no processo penal brasileiro. A ideia que guiou a referida Lei já estava presente nas reformas que se iniciaram, sobretudo em 2008, no intuito de se estabelecer um processo penal eficiente, sem perder de vista os interesses do acusado.
A nova principiologia introduzida pela Lei 12.403/2011 nasceu tendo como objetivo maior reduzir o número de presos provisórios no Brasil, que conta com aproximadamente 200 mil presos cautelares, afastando a chamada “cultura da prisão” para instituir e reforçar a prevalência da liberdade durante o processo.
Buscou-se no decorrer do presente trabalho evidenciar as grandes vigas trazidas pela nova legislação. Falou-se do tratamento sistemático do tema da prisão e das demais medidas cautelares pessoais, bem como sobre o estabelecimento do caráter subsidiário da prisão cautelar, aplicável apenas quando as demais medidas alternativas não forem adequadas ou suficientes.
Tratou-se também da vedação, como regra geral, da decretação da prisão preventiva em caso de crimes com pena máxima igual ou inferior a quatro anos, relegando a prisão para crimes graves.
Posteriormente falou-se da criação das diversas medidas alternativas à prisão, que poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente. Ressaltando também a indicação de que toda e qualquer medida cautelar, da mais tênue a mais grave, deve perseguir uma finalidade cautelar, representada pela necessidade de sua aplicação para evitar fuga, para garantia das investigações ou da instrução ou, ainda, para evitar a prática de novas infrações penais.
Com a nova Legislação se faz extremamente necessário a adoção do princípio da proporcionalidade como vetor interpretativo e verdadeiro guia na adoção de toda e qualquer medida cautelar, pessoal refletido em suas vertentes negativa, com seus três subprincípios (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), e positiva, que veda a proteção deficiente, bem como, há a necessidade de observância do contraditório nas medidas cautelares, em geral anterior à decretação da medida.
A nova formatação da liberdade provisória, claramente assume caráter cautelar e passa a ser imposta não apenas como contracuratela, mas também, como cautela originária, para evitar a decretação da prisão.
A lei em questão também revitalizou o instituto da fiança, ampliando as hipóteses de afiançabilidade, permitindo que o Delegado conceda imediata liberdade para crimes afiançáveis com pena de até quatro anos e, ainda, ampliando consideravelmente os valores passíveis de serem fixados, bem como, estabeleceu o caráter precário e temporário da prisão em flagrante, que passa a ter prazo certo e limitado no tempo, após o qual deve ser relaxada, convertida em outra prisão cautelar ou ser concedida a liberdade.
Nesse consoante, a Lei 12.403/2011, dentre os vários preceitos constitucionais, buscou assegurar a prevalência do Princípio da Não-Culpabilidade, em que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória; o Princípio do Devido Processo Legal em que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; bem como, o Princípio da exigência de ordem judicial escrita e fundamentada para a decretação da prisão cautelar, em ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente.
As alterações, portanto, são muito mais profundas do que se imaginaria em uma leitura apressada da Lei 12.403/2011. Muitas das modificações estão implícitas, em decorrência da alteração dos próprios fundamentos da prisão e da liberdade provisória. Sendo assim, buscou-se identificar, ao longo do trabalho, estas alterações e os reflexos diretos ou indiretos que defluirão, enfrentando as possíveis divergências que surgirão.
1 Prisão cautelar e liberdade provisória no processo penal
1.1 Conceito
“Da conjugação do princípio constitucional da presunção da não culpabilidade com as máximas parciais da necessidade e adequação aplicáveis às medidas cautelares, decorre a noção de cautelaridade no Processo Penal.”[1]
Como é sabido, o tempo é inerente ao processo e, mais especificamente, ao procedimento. Durante a tramitação procedimental é intuitivo que haverá um lapso temporal, dentro do qual é possível que haja alterações fáticas que venham a comprometer o resultado final do processo. No processo penal, este risco pode ser trazido, sobretudo pela liberdade do acusado, que poderá comprometer interesses relevantes ao longo do processo, seja destruindo fontes de provas, ameaçando testemunhas, fugindo ou, ainda, continuando a praticar delitos. São nesses casos que se fazem necessárias as prisões cautelares.
Prisão cautelar é aquela anterior à condenação e que consiste em uma limitação da liberdade física de uma pessoa, por uma finalidade processual penal. É uma espécie de autodefesa do próprio ordenamento jurídico, ante ao perigo de que seja burlada a aplicação da Lei. No entanto somente quando se fizer estritamente necessário para atender aos fins do processo, o encarceramento se dará antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.
De uma maneira simples, prisão cautelar consiste naquela que não decorre de sentença penal condenatória transitada em julgado. É toda e qualquer forma de prisão processual e extraprocessual que não seja a prisão definitiva.
“Essas medidas, denominadas cautelares, não constituem, obviamente, antecipação da pena, pois ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória (art. 5º, LVII, da CF), daí porque da entrega da prestação jurisdicional (periculum in mora) e de que há razoável probabilidade de ser acolhida a pretensão do autor (fumus boni iuris).[2]”
A prisão cautelar é uma espécie de medida cautelar pessoal, porém não é a única. Com a Lei 12.403/11 isso ficou mais claro. A referida Lei inseriu no Código de Processo Penal um rol de medidas cautelares diversas da prisão.[3]
Para o ilustre doutrinador Fernando da Costa Tourinho Filho, trata-se uma providência odiosa, pois é sabido por todos que a prisão do cidadão antes de ter sido reconhecido definitivamente culpado representa um grande perigo, visto que o mesmo pode vir a ser absolvido.[4]
“Apesar de o artigo 300 do CPP, com a alteração dada pela Lei n. 12.403/2011 dizer que “as pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem definitivamente condenadas, nos termos da lei de execução penal”, na prática dificilmente será observado tal preceito, por absoluta impossibilidade material, salvo se fosse prevista sanção penal ou administrativa para o seu descumprimento.[5]”
Todas as legislações do mundo admitem em maior ou menor intensidade a prisão cautelar como um “mal necessário”. Pois é evidente que não se pode interpretar o princípio da presunção de inocência literalmente, se assim o fosse não poderia haver processo.
A liberdade individual estabelecida pela Constituição Federal cede, então, espaço à segurança pública, abrindo caminho para a aplicação da prisão cautelar.[6]
Antes da redação dada pela Lei em questão, o Direito Processual pátrio apresentava cinco modalidades de prisão cautelar, quais sejam: prisão preventiva, prisão em flagrante, prisão temporária e as prisões resultantes de pronúncia e de sentença condenatória recorrível. [7]
“Atualmente, portanto, existem apenas e tão somente três prisões cautelares em nosso ordenamento jurídico: a prisão em flagrante, a prisão preventiva e a prisão temporária. […]. A par destas, não é possível a decretação de outras espécies prisionais, por analogia ou interpretação extensiva, ou sequer por aplicação do poder geral e da tipicidade. De outro giro, não há mais a chamada prisão decorrente de sentença condenatória recorrível e a prisão decorrente de pronúncia […].[8]”
Segundo entendimento atual, as prisões provisórias na decisão de pronúncia e a prisão na sentença penal condenatória recorrível, a rigor, estão abrangidas pela prisão preventiva.[9]
Como já citado acima, tal prisão processual, pelos intensos sofrimentos morais, físicos e materiais que produz, por sua larga duração e porque fere os direitos de um homem que não foi definitivamente condenado, somente poderá ser admitida nos casos de absoluta necessidade.
Em decorrência de possíveis e até mesmo irreversíveis danos, sempre houve, em todo o mundo, grandes preocupações em procurar sucedâneos para a prisão processual, isto é, medidas que atinjam a mesma finalidade da prisão provisória sem lesionar a dignidade do homem. Daí falar-se em liberdade provisória em contraposição a prisão provisória. Diz-se provisória, porque sujeita a condições resolutórias de natureza e caracteres diversos.[10]
O ilustre Procurador da República Andrey Borges de Mendonça, citando Scarance Fernandes expõe que:
“A nova disciplina da liberdade provisória foi uma das maiores inovações introduzidas pela Lei 12.403/2011. No sistema anterior, o magistrado possuía poucos instrumentos à disposição, que fossem intermediários entre a prisão do agente e a liberdade concedida mediante poucas restrições. O sistema estava calcado em uma forte bipolaridade entre prisão cautelar e a liberdade provisória com poucos vínculos, ou seja, duas medidas extremas, estando o juiz limitado pela aplicação ou do cárcere ou de uma liberdade com tênues restrições […].[11]”
A liberdade provisória é uma situação intermediária entre a prisão cautelar e o normal estado de liberdade do cidadão. Durante o período em que é concedida a liberdade provisória, o indivíduo fica afastado do cárcere, mas com necessidade de observância de certos deveres processuais, mais ou menos graves, vinculando-o ao processo. Observa-se assim, que a liberdade provisória também restringe os direitos do acusado, submetendo-o e vinculando-o ao processo penal. Tanto é que, o descumprimento de tais exigências processuais pode acarretar a revogação da liberdade provisória, sendo possível sua conversão em prisão preventiva. Como restringe direitos do acusado antes do trânsito em julgado, não se pode negar que a liberdade provisória, em suas inúmeras facetas possui natureza de medida cautelar.[12]
“A corroborar que a liberdade provisória se trata de medida cautelar, o art. 321, na nova redação dada pela Lei 12.403/2011, assevera que “ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 deste Código”. […] o legislador expressamente determinou a aplicação da principiologia das medidas cautelares à liberdade provisória.” [13]
Seguindo este entendimento expõe os Ilustres Doutrinadores Marco Antônio Ferreira Lima e Ranieri Ferraz Nogueira que:
“Consiste a liberdade provisória em medida cautelar substitutiva da prisão em flagrante, desde que presentes os pressupostos específicos e sob a condição e cumprimento de determinados encargos para a manutenção da liberdade. Em havendo o descumprimento, a consequência é “a revogação e a restauração da prisão em flagrante”.[14]
Desta feita não resta dúvidas sobre o caráter cautelar da liberdade provisória, de acordo com a nova disciplina legal. Desta assertativa, podem-se extrair inúmeras consequências, dentre elas vale ressaltar algumas com maior importância, quais sejam: para sua decretação deverá obediência às finalidades indicadas para todas as medidas cautelares no artigo 282, inciso I; deve haver fumus boni iuris para ser decretada a liberdade provisória; outra consequência é que se à infração não for cominada pena privativa de liberdade, isolada, cumulativa ou alternativamente, não será possível a concessão de liberdade provisória, nos termos do artigo 283, parágrafo 1º[15]; por fim a quarta consequência a ser citada diz respeito ao princípio da proporcionalidade, mais especificamente com a necessidade de ser a liberdade provisória adequada ao caso concreto, ajustando-se a gravidade do crime, ás circunstâncias do fato e às condições pessoais do investigado ou acusado, nos termos do artigo 282, inciso II.[16]
“Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:
I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;
II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
§ 1o As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente.” […][17]
Justamente por isto, a liberdade poderá adquirir diferentes formas e intensidades muito variadas, de sorte que se trata de uma medida cautelar que pode se desdobrar em várias outras medidas. O que se tornou possível após a nova legislação, que permite ao magistrado fixar liberdade provisória com cumulação de diversas medidas alternativas à prisão, conforme dispõe o artigo 282, parágrafo 1º, acima citado.
No entanto, ao mesmo tempo em que se trata de uma medida cautelar, a liberdade provisória é uma garantia do cidadão, podendo substituir uma prisão cautelar antecedente ou impedir sua decretação. Isso porque a Constituição Federal, nos termos do seu artigo 5º, inciso LXVI, assegura que ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.
1.2 Evolução legislativa
Antes de adentrar no universo da Lei 12.403/2011 é necessário compreender e analisar a história das mudanças processuais penais.
Qualquer análise da reforma introduzida deve partir da premissa de que nosso Código de Processo Penal, o Decreto-lei 3.689/1941, foi editado durante o Estado-Novo, período no qual Getúlio Vargas governou o Brasil com forte centralização de poderes. Quando da edição do Código, estava em vigor a Constituição de 1937, outorgada e nitidamente autoritária e policialesca, características estas que refletiram no CPP editado. Nestes 70 anos, desde a sua promulgação, passamos por três Constituições (1946, 1967 e 1969) até se chegar à atual Constituição de 1988, razão pela qual diversos artigos do vetuspo CPP foram revogados. Ademais, o CPP sofreu mais de 40 alterações neste longo período. E, nada obstante a força do princípio da supremacia da Constituição e as diversas alterações legislativas efetuadas, ainda existiam diversas falhas e incoerências na sistemática processual penal, sobretudo no tocante ao tema da prisão cautelar e liberdade provisória.
A sistemática originária do CPP, como já dito, editado sob um regime autoritário e com forte influência policialesca, partia não do princípio da presunção de inocência do acusado, mas sim de um juízo de antecipação de culpabilidade. “Tanto assim que havia dispositivos, na redação originária do CPP, que estabeleciam a necessidade da prisão obrigatória do réu, de maneira geral e desconectada do caso concreto, com o simples recebimento da denúncia.”[18]
Diversos dispositivos, especialmente e principalmente a principiologia da antiga sistemática mostravam-se já incompatíveis com a atual Constituição brasileira. Além dessa mácula originária, havia falhas decorrentes de alterações legislativas, que acabaram com qualquer unidade em relação ao tema.
[…],” em razão da edição de legislações posteriores à redação originária do CPP, a liberdade provisória tornou-se totalmente assistemática, especialmente com a edição da Lei 5.941/1973, conhecida como Lei Fleury, e, posteriormente, da Lei 6.416/1977, que alteraram o sistema de prisão e liberdade provisória de maneira profunda. A partir dessas Leis, o centro do sistema não era mais a liberdade provisória com fiança, mas sim a liberdade provisória sem fiança, do art. 310, parágrafo único, com sua antiga redação. A fiança, a partir de então, perdeu quase toda a sua importância e passou a se aplicar, na prática apenas em hipóteses excepcionais.[19]”
Neste passo, vale citar duas Leis que modificaram substancialmente o processo penal, a Lei 9.099/1995 e a Lei 9.714/1998, que alteraram o panorama das penas privativas de liberdade no Brasil, com o intuito de evitar a aplicação de penas privativas de liberdade para crimes de pequeno e médio potencial ofensivo.
A primeira Lei passou a admitir diversos institutos despenalizadores, sendo eles: transação penal; suspensão condicional do processo e homologação da composição civil como causa extintiva da punibilidade, à luz do devido processual consensual, que dificultam a aplicação de penas privativas de liberdade. Já a Lei 9.714/1998 alterou radicalmente o âmbito de aplicação das penas alternativas à prisão, passando a admitir a substituição da pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos para as condenações de até quatro anos, no caso de crimes dolosos cometidos sem violência ou grave ameaça e sem limite de pena no caso de crimes culposos.[20]
A ideia da Carta Magna de criar um novo sistema despenalizador e descarcerizador, foi basicamente despertada pelas respectivas leis, cujas disposições trouxeram alterações profundas na estrutura sancionatória do Direito Penal brasileiro.[21]
Tentativas restaram frustradas ao longo do tempo para a elaboração de um novo CPP. Entretanto, com o intuito de modernizar a legislação processual penal, o então Ministro da Justiça, José Carlos Dias, constituiu por meio da Portaria 61/2000, uma comissão para o trabalho de reforma, tendo como membros os juristas Ada Pellegrini Grinover (Presidente), Petrônio Calmon Filho, Antônio Magalhães Gomes Filhos, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes, Miguel Reale Júnior, Nilzardo Carneiro Leão, René Ariel Dotti, Rui Stoco, Rogério Lauria Tucci e Sidnei Beneti. Referida comissão apresentou em dezembro de 2000, sete anteprojetos, sendo que quatro já haviam sido convertidos em leis (Leis 10.792, 11.689/2008, 11.690/2008 e 11.719/2008).
Quando se imaginava que as reformas pontais cessariam, em razão da aprovação de um projeto de CPP pelo Senado 156/2009, vem a lume a Lei 12.203/2011, em decorrência do projeto 4.208/2001, posteriormente convertido, no Senado, no projeto 111/2008 da mesma Comissão.
“A proposta transformou-se no Projeto de Lei (PL) nº 4.208, de 2001, de iniciativa do Poder Executivo, que remeteu à Câmara dos Deputados, juntamente com a Mensagem nº 214/01, a Exposição de Motivos nº 00022 – MJ, de 25 de janeiro de 2001, do Ministério da Justiça.”[22]
Nesse sentido consta da exposição de motivos do Projeto 4.208/2001 que:
“O projeto sistematiza e atualiza o tratamento da prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória, com ou sem fiança. Busca, assim superar as distorções produzidas no Código de Processo Penal com as reformas que, rompendo com a estrutura originária, defiguraram o sistema. Exemplo significativo é o da fiança, que passa, com as alterações do Código, de instituto central no regime de liberdade provisória, a só servir para poucas situações concretas, ficando superada pela liberdade provisória sem fiança do parágrafo único do artigo 310.” […][23]
Ao projeto, foram apresentadas 10 emendas, todas pelo Ilustre Senador Álvaro Dias.
Após três anos, esses mesmos projetos fizeram parte do Pacto por um Judiciário mais Rápido e Republicano. E, nos dois anos seguintes, 2005 e 2006, foram promulgadas dez novas leis sobre o tema.
Já, em 26 de abril de 2007, foi aprovada, pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, a PEC 26/2002 propondo a redução da maioridade penal, tendo em vista a ampla repercussão do caso do menino João Helio.
À época, o então Ministro Márcio Thomaz Bastos assim se manifestou:
“Em vez de centrar a análise nas propostas que surgem no calor dos acontecimentos, seria importante retomar projetos que já foram amplamente debatidos e cuja concreta utilidade é reconhecida, como as propostas para aceleração do processo penal. É evidente que não adianta ampliar o tempo máximo de prisão ou o prazo para a progressão de regime se o julgamento pela prática de um delito demora oito ou nove anos para chegar a seu termo.”[24]
Ainda em 2007, foram aprovados os projetos que deram origem às leis 11.689 de 2008, que alterou o procedimento dos crimes dolosos contra a vida; 11.690 de 2008, que modificou a disciplina da prova; e 11.719 de 2008, que alterou dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à suspensão do processo, emendatio libelli, mutatio libelli e aos procedimentos.
A última mudança substancial no processo penal se deu em virtude da lei 12.403 de 04 de maio de 2011, que provocou profundas e importantes mudanças quanto a dois pilares processuais: prisão e liberdade.
“A lei 12.403/2011, fruto de lei já com dez ano de idade (PL 4.208/2001) e cujo texto original sofreu, durante esse decêndio, várias alterações, introduziu significativas alterações no Código de Processo Penal, na esteira das minirreformas processuais iniciadas em 2008, trazendo modificações e inovações no tratamento da prisão processual e outra medidas cautelares pessoais.”[25]
Como mencionado, as sucessivas reformas processuais do Código de Processo Penal o transformaram em uma colcha de retalhos, mas sempre com o intuito de dar-lhe mais eficiência por meio de atualizações gradativas. Contudo, algumas dessas reformas nada trouxeram de vantagens, ao contrário, algumas vezes somaram ao desgaste que já se fazia presente em certas questões processuais.
A Lei 12.403/2011, porém, trazendo nova disciplina às hipóteses de prisão preventiva, mas, principalmente, trazendo medidas alternativas à restrição da liberdade, é uma dessas reformas que realmente acrescenta alguma eficiência e modernização ao antigo texto do processo penal brasileiro de 1941.[26] No Estado Social e Democrático de Direito, a liberdade individual é a regra; a prisão cautelar, exceção. Vale dizer, que a tempos a doutrina pátria clamava por uma lei que trouxesse novos parâmetros para a prisão cautelar e o projeto que culminou na referida lei tramitava no legislativo nacional desde 2001.
1.3 Objetivo da reforma processual
Há muito tempo convivemos com a caótica situação do sistema penitenciário brasileiro, além das mazelas de um processo penal que sofre com as dificuldades da polícia judiciária produzir as provas necessárias para embasar uma condenação por conta de deficiências técnicas e estruturais, de um sistema recursal que leva o condenado a morrer de morte natural e não cumprir a pena aplicada, de uma desigualdade que gera miséria, fome e crimes, especialmente no campo das organizações criminosas que aproveitam a ausência do estado para estabelecer suas bases de tráfico de drogas, de armas e da prática de toda sorte de crimes.
Também é verdadeiro, que os nossos sistemas penal e processual penal estão desatualizados, a ensejar uma reforma radical que os aproximem da Carta Constitucional de 1988.
A lei 12.403/2011 entrou em vigor no dia 04 de julho de 2011, alterando todo o capítulo que trata das medidas cautelares pessoais, incluindo a liberdade provisória e outras medidas alternativas a prisão. A nova legislação passou dez anos em discussão como projeto de lei no Congresso Nacional. Não nasceu de afogadilho, não foi parida de uma medida provisória, nem foi uma resposta ao esforço de alguns da imprensa nacional que promovem o pior como forma de justificar audiência.
“Seu objetivo é claro, e consiste na adaptação das regras processuais penais ao perfil democrático desenhado pela Constituição Federal de 1988. Com efeito, o Código de Processo Penal foi idealizado no início da década de 1940, e concretizado pelo Decreto-Lei 3.689/1941. Destarte, sua criação se deu sob a égide da Carta Magna de 1937, imposta por Getúlio Vargas, de índole autoritária e conhecida como “Constituição Polaca”.[27]
A finalidade precípua da Lei 12.403 foi adaptar o Código de Processo Penal, concebido em um regime autoritário de poder, à sistemática instituída pela Constituição Federal, centrada na dignidade da pessoa humana, bem como nos princípios da presunção de inocência e da liberdade, tendo a prisão caráter excepcional, conforme pode-se observar no art. 5º, incisos LVII, LXI, LXV e LXVI da Constituição Federal.
“Art. 5º […];
LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;[…];
LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;[…];
LXV – a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;
LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;[…].[28]”
Como já citado, a Constituição de 1988 tem a liberdade como regra. A Lei 12.403/2011 reforça essa ideia, pois implantou reformas favoráveis ao entendimento de que a prisão do acusado é uma contingência excepcional, mas necessária, devidamente regrada e substancialmente motivada.[29]
Diante disto, a nova legislação passou a oferecer alternativas à prisão cautelar mais adequadas ao caso concreto e, que sirvam de instrumento para atender os princípios e direitos fundamentais expressos e implícitos na Constituição Federal de 1988.
“Com o intuito de concretizar o caráter subsidiário da prisão cautelar, diversas outras medidas cautelares são criadas (art.319), de sorte a conferir ao magistrado a possibilidade de decretar a prisão apenas como última ratio. […], o legislador trouxe alternativas à prisão processual, para que o magistrado possa adequá-las à realidade e à hipótese que está sub judice, pois o sistema anterior não permitia uma verdadeira gradação das medidas cautelares.[30]”
A lei em questão teve também como objetivo resguardar do convívio com presos com uma história de violência e criminalidade já reconhecidas pelo sistema penal, o suspeito ou acusado primário e que tenha praticado crimes sem violência, evitando assim uma verdadeira contaminação.
Tentou-se evitar que pessoas ainda não reconhecidamente culpadas convivessem em irritante promiscuidade com réus já condenados e cujos antecedentes espelham uma velha e reiterada atuação nas esferas do vício e do crime.[31]
A nova legislação além de buscar evitar a banalização da prisão provisória no Brasil teve por escopo, reduzir a população carcerária do país, que é extremamente alta, sendo a superlotação considerada inconstitucional e desumana. Ou seja, serve como válvula de escape, temporária, para o defasado e abarrotado sistema penitenciário brasileiro.
“A caótica situação do sistema carcerário brasileiro clamava por uma solução, haja vista, que o cárcere na atualidade tem se estabelecido mais como uma fábrica de criminosos do que medida de ressocialização do condenado. Com efeito, manter presos provisórios nesses estabelecimentos, sem que já tenham condenação, é antes de tudo violação ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, outrossim, traz graves preocupantes ao indiciado ou suposto acusado, que ainda pode ao final do processo ser declarado inocente.”[32]
Os números atuais, estimados pelos estudiosos da área, demonstram que o sistema conta com cerca de 44% de presos provisórios, em torno de 220 mil indivíduos, muitos deles levados à prisão sem ter cometido crime com violência ou ameaça, o que poderia justificar alguma outra medida cautelar prevista pela lei diversa da prisão preventiva.[33]
[…], “segundo as últimas informações do DEPEN, em dezembro de 2010 a nossa população carcerária era de 496.951, sendo que havia vagas apenas para 298.275, portanto um déficit de 198.676 vagas. Esse quadro demonstra às claras que os nossos presos levam uma vida subumana, estúpida e cruel.”[34]
Seguindo essa ideia afirma o Ilustre Doutrinador Rafael Eduardo de Andrade Soto:
“Assim é que uma das razões de política criminal da Lei nº 12.403/2011, […], é por óbvio, realizar uma efetiva diminuição do índice prisional no que tange a presos cautelares […], demonstrando […] a preocupação em não se manter o sistema punitivo cautelar como um fator criminológico crescente.”[35]
Na visão de Fábio Bittencourt, o objetivo da criação desta nova legislação, vai além do que podemos notar com uma análise superficial do tema, tendo ela motivação econômica:
“O alto custo de manutenção dos presídios afeta um Estado que tende a ser mínimo, vivendo às voltas com um déficit público perene. Prédios imensos demandam vultuosas quantias para construção e conservação, um pessoal especializado para guarda, controle e reeducação dos presos.”[36]
Nesse sentido expõem os promotores de justiça Antonio Sérgio Cordeiro Piedade e César Danilo Ribeiro de Novais:
“Frente à crise do sistema prisional, especificamente a superlotação carcerária e a ausência de investimento governamental na ampliação e construção de presídios, quis o legislador, a bem da verdade, sob o pseudofundamento de que a liberdade é a regra e a prisão é exceção, implementar uma política criminal contundente de descarcerização.”[37]
É verdade que o Estado terá que investir em equipamentos de monitorização eletrônica, porém esse custo, tanto financeiro como social, é muito mais em conta do que o custo de manter homens e mulheres no sistema penitenciário, que além de não atender a demanda também está obsoleto e caótico no país inteiro.
“Com uma menor população carcerária, o Estado terá maior aparato para reeducar o delinquente. Assim, talvez a ressocialização do condenado ainda pode ser uma medida considerada eficaz, diante da exacerbada criminalidade.”[38]
Tal mudança buscou também harmonizar a legislação processual penal às reformas ocorridas nas últimas décadas, dando-se coerência ao ordenamento jurídico.
[…], “embora tenham sido alterados 32 dispositivos pela Lei 12.403/2011, pode-se dizer que haverá outro sistema de medidas cautelares pessoais após a entrada em vigor desta Lei. A ideia, realmente, era remodelar completamente a disciplina processual penal no tocante à prisão e à liberdade, que ficara tão prejudicada, em termos de sistemática, em razão das diversas alterações que ocorreram desde a edição do CPP, há 70 anos.”[39]
A Lei 12.403/2011 aproxima o instituto da prisão preventiva ainda mais das noções humanitárias e da ideia da Carta Magna de criação de novo um sistema despenalizador, descarcerizador, que preserve o estado de inocência antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
2 Prisão cautelar
2.1 Em flagrante
De início é necessário conceituar prisão em flagrante, já que muito se fala sobre ela, deixando de lado seus requisitos ensejadores, visto que o que nos interessa são as alterações decorrentes da Lei 12.403/2011.
“Flagrante, do latim flagrans, flagrantis, do verbo flagrare (queimar), significa ardente, que está em chamas, que está ardendo, crepitando. Daí a expressão “flagrante delito” para significar o delito no instante mesmo da sua perpetração, […].”[40]
“A prisão em flagrante, espécie de prisão cautelar, consiste na mesma linha de qualquer medida cautelar pessoal em instituto de exceção, na medida em que apenas se efetivará estando presentes os requisitos fumus boni iuris e o periculum libertatis (pressupostos cautelares) e a verificação da compatibilidade da custódia decretada à luz dos princípios e preceitos constitucionais (pressuposto tridimensional).”[41]
Nos dizeres de Manzano: Prisão em flagrante é a supressão da liberdade individual daquele que é surpreendido ao praticar a infração penal, e que dispensa ordem escrita por razões óbvias.[42]
“A prisão em flagrante, independente de ordem judicial, existe em praticamente todo o mundo. E no Brasil deita suas raízes no próprio texto constitucional, possuindo também natureza cautelar. Se assim é, como toda medida cautelar, deve observar uma das finalidades previstas no art. 282, inc. I, do CPP, […].”[43]
A nossa legislação exige ordem escrita para a efetivação de qualquer prisão, exceto na hipótese de prisão em flagrante, por razões óbvias, pois não teria sentido se a Lei só permitisse a prisão de alguém no instante mesmo do cometimento do crime desde que o executor exibisse a ordem de prisão.[44]
O flagrante é possível em qualquer infração penal, incluindo tanto as contravenções quanto os crimes, dolosos e culposos.
Porém, há algumas exceções. O art. 283, § 1º, afirma que as medidas cautelares disciplinadas no Título IX do CPP (Da Prisão, das medidas cautelares e da liberdade provisória) não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativamente ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade.
Dispõe o art. 283 em seu § 1º: “As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade.”[45]
Assim, exclui-se a possibilidade de prisão em flagrante das infrações que não previrem a pena privativa de liberdade. No entanto pode haver a detenção, por motivos óbvios, pois se deve evitar a continuidade da prática do delito. Mas não poderá ser lavrado o auto de prisão em flagrante em hipótese alguma. Como por exemplo, o que ocorre com o artigo 28 da Lei de Drogas, uma vez que para o usuário de drogas não é possível aplicar qualquer pena privativa de liberdade.
Já no caso de crimes de menor potencial ofensivo, cuja competência é do Juizado Especial Criminal, o autor do fato, após a lavratura do termo deve ser imediatamente encaminhado ao juizado ou assumir o compromisso de a ele comparecer, sendo assim não se imporá prisão em flagrante, nem se exigirá fiança, conforme os termos do art. 69 da Lei 9.099.
“’Neste sentido, a prisão em flagrante não será efetuada em duas situações: se o agente for encaminhado diretamente ao Juizado ou se se comprometer a comparecer ao Juizado, quando intimado. Neste caso, a autoridade policial elaborará o termo circunstanciado e não o auto de prisão em flagrante. […].[46]”
Atualmente a prisão em flagrante justifica-se como salutar providência acautelatória da prova da materialidade do fato e da respectiva autoria, visto que a flagrância é uma das formas mais claras da evidência probatória no processo penal.[47]
O art. 306 da Lei 12.403/2011, por sua vez trouxe grande novidade ao incluir o Ministério Público, no rol dos comunicados quando da prisão, previsão esta que não se encontrava no Projeto de Lei 111/2008. Contudo, continua a previsão legal para comunicar a família, como medida de garantir a inviolabilidade física e psíquica do preso, e a comunicação à Defensoria Pública, quando este não constituir defensor, para que o preso tenha garantidos seus direitos constitucionais.
Art. 306. “A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.”[48]
“A comunicação da prisão representa, pois, direito constitucional subjetivo do conduzido.”[49]
“O teor da norma sugere que a obrigação de comunicar o flagrante ao Ministério Público incumbe à autoridade responsável pela lavratura do auto, pois também a ela acode a necessidade de cientificar o ato ao juiz competente, à família do preso ou pessoa por ele indicada. Essa obrigação restará cumprida com envio de cópia do auto do Parquet e, segundo cremos, não exime o juízo competente de dar vista do flagrante ao Promotor de Justiça antes de tomar alguma das providências contidas no art. 310, onde residem, sem dúvidas as principais novidades.[50]”
A nova redação do art. 310 traz quatro obrigações atribuídas ao juiz, quando receber o auto de prisão em flagrante delito, quais sejam: a primeira diz respeito à prisão ilegal que, obviamente, deverá ser relaxada; a segunda possibilidade é a de converter a prisão em flagrante em provisória, se preenchidos os requisitos do art. 312 Código de Processo Penal, e se as medidas cautelares previstas no art. 319 forem inadequadas ou insuficientes; a terceira é a de conceder liberdade ao réu com ou sem fiança, e impor as medidas cautelares; e a quarta e ultima possibilidade é a de conceder a liberdade provisória, se ausentes os requisitos da preventiva ou das demais cautelares.
“Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
I – relaxar a prisão ilegal;
II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão;
III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.[51]”
“É inegável que a prisão em flagrante tornou-se título prisional precário, que somente subsiste em, no máximo, 48 horas […].”[52]
O caráter cautelar desta prisão se identifica com conservação de pressupostos que possam justificar a sua manutenção, ou seja, ainda que presentes os pressupostos formais para manutenção da prisão em flagrante, a inexistência de requisitos materiais que envolvam a proteção ao processo e à prova a ele vinculadas é que justificará ou não a subsistência da prisão e flagrante durante o processo.[53]
Logo, neste âmbito, ficam afastadas as possibilidades de manutenção da prisão em flagrante por tempo indeterminado, o que antes do advento da Lei 12.403/2011 era feito, sem prazo definido. E no STF e no STJ, prevalecia o entendimento segundo o qual tal prazo deverá ser interpretado à luz do princípio da razoabilidade, o que motivou a edição das súmulas 52[54] e 64[55] ambas do STJ.
Deve-se ressaltar que o principio da razoabilidade se encontra inserido no art. 7°.5 do Pacto San José da Costa Rica[56].
Para Manzano, o excesso de prazo de prisão processual caracteriza constrangimento ilegal, e, enseja o relaxamento da prisão, sob pena de coação ilegal, sanável por Habeas Corpus.[57]
2.2 Preventiva
A prisão preventiva possui natureza instrumental, é o meio e não o fim. Sua função é dar segurança à prova e ao processo. Ao contrário da prisão temporária que tem como função específica assegurar a investigação, a prisão preventiva tem por escopo dar segurança à prova e ao processo.[58]
“A função da prisão preventiva não é a de servir como instrumento para assegurar uma medida semelhante a uma punição antecipada, ou seja, não se almeja sua utilização como efeito expiatório para confortar o clamor social.”[59]
A prisão preventiva é a prisão cautelar mais típica de nosso ordenamento jurídico. É estabelecida com o intuito de tutelar valores relacionados à persecução penal, bem como interesses da sociedade, que poderiam sofrer risco caso o autor do delito permanecesse em liberdade. Com o intuito de aperfeiçoá-la, a Lei 12.403/2011 alterou diversos dispositivos, especialmente com o intuito de adequá-la ao princípio da proporcionalidade, evitando-se a decretação da prisão preventiva em crimes de média e baixa gravidade. [60]
O art. 311 da Lei 12.403/2011 traz inovação ao incluir o assistente de acusação como legitimado para requerer a prisão preventiva.
“Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial.[61]”
“[…]. O assistente é a vítima ou seu representante legal, ou ainda, as pessoas indicadas no art. 31 do CPP […] que, na ação pública, buscam auxiliar o MP na persecução penal.”[62]
“Nesta senda, a nova redação do art. 311 passa a permitir ao assistente requerer, durante o processo penal, a prisão preventiva do acusado. O legislador demonstra, com tal alteração, que está completamente superada a ideia de que o assistente da acusação somente teria interesse em aspectos pecuniários e de indenização. Como já assevera a jurisprudência do STJ e do STF, a atuação do assistente justifica-se pelo desejo legítimo de buscar justiça, e não apenas eventual reparação cível.[63]”
Agora que o assistente pode pedir a prisão preventiva, com muito maior razão poderá recorrer da decisão que mantém o réu em liberdade, pois se possui legitimidade para provocar o juiz a quo, deve poder levar a questão ao Juízo ad quem, em caso de discordância, bem como recorrer em caso de denegação.
Logo, se o assistente pode pedir a prisão e recorrer, este também passa a poder intervir nos pedidos de habeas corpus impetrado pelo acusado, devendo ser alterada a posição jurisprudencial atualmente vigente, que nega tal possibilidade.[64]
“Da análise do dispositivo, é possível concluir que: a) a competência para a decretação é exclusiva do juiz; b) pode se dar no curso da investigação ou do processo criminal; c) no curso da investigação, só pode decorrer de representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, vedada a decretação de ofício; e d) no curso do processo criminal, a decretação pode se dar de ofício, pelo juiz, ou a requerimento das partes ou assistente […].[65]”
Como visto, tal artigo mantém a decretação da prisão de ofício, porém, apenas no curso da ação penal, o que é criticado por de Guilherme de Souza Nucci, nos seguintes termos:
“É mais uma mostra que o juiz, no processo penal brasileiro, afasta-se de sua posição de absoluta imparcialidade, invadindo seara alheia, que é a do órgão acusatório, decretando medida cautelar de segregação sem que qualquer das partes envolvidas no processo tenha solicitado.[66]”
O art. 312 com a redação dada pela Lei 12.403/2011, por sua vez, não traz inovação no caput, mantendo a decretação por: I) garantia da ordem pública; II) da ordem econômica; III) por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Porém seu parágrafo 6º, estabeleceu um novo requisito para a decretação da prisão preventiva: o seu caráter subsidiário, de sorte que somente é possível sua decretação se as medidas alternativas à prisão forem inadequadas ou insuficientes.
A ordem pública se relaciona ao meio social e se estabelece perante este, desde que relacionada a um comportamento do agente. Ela guarda caráter precipuamente preventivo. Sendo assim a finalidade desta prevenção está expressa nas circunstâncias previstas no art. 312 do CPP que justificam o caráter cautelar da prisão, acrescidas do pressuposto tridimensional de aferição da constitucionalidade da medida.[67]
[…], “para a decretação da prisão preventiva devem estar presentes seus pressupostos, que são a prova da materialidade e os indícios de autoria, nos termos do art. 312, parte final. Realmente, para que se possa decretar toda e qualquer medida cautelar, e com muito maior razão a prisão preventiva, urge que seja demonstrada a plausibilidade da prática de um delito por parte do indiciado/acusado. […].[68]”
Para Tourinho Filho, só se justifica a prisão preventiva para a conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal. [69]
Já para Beccaria, “o acusado não deve ser encarcerado senão na medida em que for necessário para impedi-lo de fugir ou de ocultar as provas do crime” [70]
“Segundo Luiz Flávio Gomes, ‘a prisão preventiva não é apenas a ultima ratio. Ela é a extrema ratio da ultima ratio. A regra é a liberdade; a exceção são as cautelares restritivas da liberdade (art. 319, CPP); dentre elas, vem por último, a prisão, por expressa previsão legal’.”[71]
E, no âmbito dos crimes contra a ordem econômica, Guilherme de Souza Nucci, leciona:
“Nesse caso, visa-se, com a decretação da prisão preventiva, impedir que o agente, causador de seríssimo abalo à situação econômico-financeira de uma instituição financeira ou mesmo de órgão do Estado, permaneça em liberdade, demonstrando à sociedade a impunidade reinante nessa área.” [72]
Outra alteração importante introduzida pela referida Lei foi a previsão de nova modalidade de prisão preventiva, estabelecida justamente em função do descumprimento das medidas alternativas à prisão, previsto no artigo 282, parágrafo 4 º, c.c. o artigo 312, parágrafo único, do CPP.
Dispões o parágrafo único do art. 312: “A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).”[73]
O parágrafo único do art. 312 do CPP adverte que, o descumprimento de qualquer outra medida imposta pelo juiz, poderá ensejar a decretação de prisão preventiva, fazendo, deste modo, que o indiciado ou acusado entenda o caráter coercitivo das medidas cautelares e não as leve como “presente do Estado”, já que estas poderão ser convertidas a qualquer momento, para medida extrema.
“Assim observa-se uma nova hipótese de decretação de prisão preventiva baseada no descumprimento das medidas cautelares impostas.”[74]
Inicialmente, deve-se constatar que a prisão preventiva substituta possui fonte normativa própria e autônoma, diversa do artigo 313. O fundamento para a decretação da prisão preventiva substituta defluiu do próprio artigo 282, parágrafo 4º em combinação com o artigo 312 parágrafo único. Há uma interligação próxima entre estes dois dispositivos, que dispensa a utilização do artigo 313. Veja o que dispõe o artigo 282, parágrafo 4º:
“§ 4o No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).[75]”
Embora, em uma leitura apressada, possa-se chegar à conclusão de que as condições de admissibilidade indicadas no art. 313 seriam aplicáveis a todos os casos de prisão preventiva, isto não é verdade. No caso da prisão preventiva substituta (aplicável em caso de descumprimento das medidas alternativas à prisão) isto não se faz necessário.[76]
“Em síntese, entender necessária a conjugação da prisão preventiva substitutiva […], com as condições de admissibilidade do art. 313 seria decretar a completa inefetividade das medidas alternativas à prisão e , sobretudo, a completa desproporção aos bens jurídicos e valores indicados no art. 282, inc. I, sempre que a pena fosse igual ou inferior a quatro anos e não estivessem presentes quaisquer das estritas exceções do art. 313 do CPP.[77]”
Vislumbra-se que a interpretação de que a prisão preventiva substituta também deveria observar as condições de admissibilidade estipuladas no artigo 313 criaria situação de impunidade e inefetividade, com graves riscos de desproteção aos bens jurídicos indicados no artigo 282, inciso I.
Nesse sentido expõe o ilustre Promotor de Justiça do Estado de São Paulo Cleber Rogério Masson:
[…]. “Se o acusado descumpre injustificadamente a medida cautelar, precisa suportar a sanção inerente à sua desídia perante a decisão judicial, com a decretação da prisão preventiva. Ademais, se não fosse assim nada poderia ser feito pelo magistrado, que ficaria sem autoridade para a condução da ação penal, tornando meramente simbólica a atuação da legislação processual.[78]”
“Com efeito, infringir as obrigações impostas configura demonstração patente de que as medidas cautelares não se mostram adequadas e necessárias, cabendo ao juiz, no caso concreto, analisar os meios que atenderão aos fins que se almeja.”[79]
Os autores Ferreira Lima e Ferraz Nogueira expõem uma alternativa à prisão preventiva nos casos de descumprimento das medidas cautelares diversas da prisão:
“É compreensível que o legislador, no intuito de dar efetividade às regras que preceitua, queira, na hipótese de descumprimento, conferir como consequência inexorável a decretação da prisão preventiva. Com efeito, o descumprimento das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares é, digamos, um forte indício de que se impõe a aplicação de medida mais gravosa, a fim de serem atendidas as máximas parciais do princípio da proporcionalidade […]; não obstante, nada impede que melhor se atenda a este princípio, v. g., a partir da aplicação cumulativa […] de outras medidas cautelares do que propriamente com a decretação da prisão. Ora, a própria Lei 12.403/11 previu a aplicação da prisão somente em “último caso” […].[80]”
O renomado Advogado Criminalista, Rafael Eduardo de Andrade Soto, especialista em Direito Penal e Política Criminal segue o mesmo entendimento, afirmando que:
“No tocante ao descumprimento da medida cautelar imposta, o juiz analisará quais os fatores da desobediência e deverá optar por outro mecanismo cautelar do art. 319 ou cumular o que fora imposto com outro e, em último caso, deve decretar a prisão preventiva […]. […]. De acordo com o dispositivo, mesmo com o descumprimento da medida, analisando-se os requisitos do art. 282, o juiz poderá tentar, mais uma vez, a imposição de outra medida cautelar, modificando-a e adequando-a ao caso concreto, de acordo com a intenção de eficácia à diminuição do risco.” […].[81]
Outra grande alteração foi a redação dada ao art. 313 da Lei 12.403/2011 que expressa que somente será admitida a preventiva nos crimes dolosos, ou seja, aqueles em que há intenção da prática do crime, punidos com pena privativa de liberdade (reclusão ou detenção) máxima superior a 4 (quatro) anos; se for reincidente em sentença transitada em julgado e/ou se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo, ou pessoa com deficiência, bem como, só caberá a prisão preventiva, se não for possível a liberdade provisória ou outras medidas cautelares.
“Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal;
III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;
IV – (revogado).
Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.[82]”
A mais importante condição de admissibilidade esta prevista no inciso I do referido artigo, afirmando ser cabível a prisão preventiva nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a quatro anos, afastando desde logo o cabimento da prisão preventiva em caso de contravenções, bem como em crimes culposos. Isto se aplica porque, nos crimes culposos não há limite de pena, em princípio, para substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, nos termos do art. 44, inc. I do CP.[83]
[…]. “A anterior redação do dispositivo admitia a decretação da prisão preventiva em qualquer crime punido com reclusão ou detenção […]. Agora, independentemente da espécie de pena […] é possível a restrição da liberdade, desde que o delito seja doloso e punido com uma sanção superior a quatro anos.[84]”
Dispõe o art. 313, inc. II, que será admitida a decretação da prisão preventiva “se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inc. I do caput do art. 64 do decreto-lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal”. Não houve alteração em relação à legislação anterior, uma vez que já era prevista esta situação, com a mesma redação, inclusive.
[…], “preocupa-se com a periculosidade do agente, que deve ser reincidente na prática de crime doloso e que vem a cometer igual espécie de delito. Nesse caso, é irrelevante a pena cominada na nova infração penal. O dispositivo ressalta que a condenação anterior, transitada em julgada, não pode ser considerada, para fins de decretação da prisão cautelar, se alcançada pela prescrição da reincidência […].[85]”
O inciso III afirma que será cabível a prisão preventiva se o crime envolver violência doméstica e familiar contra mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para assegurar a execução das medidas protetivas de urgência.
Por fim o parágrafo único, que também é uma exceção, cuida da hipótese onde há dúvida sobre identidade civil, onde há possibilidade de decretação da prisão não apenas em crime doloso, mas também culposo. Porém, como já foi dito, somente deve ser admissível em casos excepcionais, devendo o acusado ser liberado imediatamente após a identificação.
As condições de admissibilidade estão umbilicalmente ligadas ao princípio da proporcionalidade e seu subprincípio da homogeneidade, ou seja, a medida cautelar não pode ser mais gravosa que a pena a ser aplicada no final do processo. Como a prisão cautelar é um instrumento para tutelar o resultado final do processo, seria um contrassenso que, ao final, se aplicasse medida não privativa de liberdade.[86]
“No caráter de proporcionalidade, ainda, mister se atentar a dois efeitos. O primeiro deles diz que toda e qualquer forma de prisão antes de condenação transitada em julgado, para não interferir no princípio da não culpabilidade, deve estar revestida de caráter nitidamente cautelar […]. Deveras, somente o caráter nitidamente cautelar se afasta dessa proposta de punição antecipada. Só que essa relação cautelar precisa estar sempre vinculada. […].[87]”
Enfatiza o ilustre doutrinador Andrey Borges de Mendonça, citando Victor Moreno Catena que:
“Deflui do princípio da proporcionalidade que a prisão cautelar não pode ser mais gravosa que a pena a ser fixada ao final do processo, pois o remédio não pode trazer mais malefícios que a doença a ser curada. Não se pode admitir, como afirma Víctor Moreno Catena, o paradoxo de que o dia em que se profira a sentença condenatória daquele submetido à prisão provisória resulte ser o dia de sua liberação.[88]”
Cabe na presente discussão analisar a interferência das circunstâncias do delito, quais sejam: qualificadoras, causas de aumento e diminuição e circunstâncias agravantes e atenuantes, na possibilidade de decretação da prisão preventiva.
Quando se tratar de causas de aumento ou diminuição de pena com percentual variável, deve-se verificar qual a situação mais prejudicial possível ao réu (aumento máximo e diminuição mínima), pois assim se permite chegar à pena máxima que poderá receber naquele feito. Já as circunstâncias agravantes e atenuantes, como não podem alterar o limite mínimo e máximo da pena, não interferem na pena cominada e, portanto, na possibilidade ou não da prisão preventiva.[89]
A título de esclarecimento cita-se crimes de até quatro anos de prisão: furto simples; porte de arma de fogo; disparo de arma de fogo; receptação; apropriação indébita; homicídio culposo no trânsito; cárcere privado; corrupção de menores; formação de quadrilha; contrabando; armazenamento e transmissão de foto pornográfica de criança; destruição de bem público; comercialização de produto agrotóxico sem origem; etc. Estes e outros crimes, a princípio, não justificarão a decretação de prisão preventiva, exceto nos casos de violência doméstica ou de reincidência. Vale explicar que a reincidência prevista, diz respeito a sentença com trânsito em julgado. Logo, nada adiantará que o acusado ou indiciado tenha cometido outro crime se por este ainda não foi julgado. Neste caso, o Poder Judiciário não terá lastro para decretar a prisão preventiva.
2.3 Domiciliar
A nova disciplina legal, com a nova redação dada aos artigos 317 e 318, veio incorporar ao CPP o que antes somente era cabível nas hipóteses da Lei 5.256/1967[90]. A Lei de Execuções Penais assegura o direito ao cumprimento da prisão especial em domicílio se não houver na localidade estabelecimento adequado para tanto, ou em casos em que o agente estiver em regime semi aberto, nos termos do art. 117.
“Art. 117. Somente se admitirá o recolhimento do beneficiário de regime aberto em residência particular quando se tratar de:
I – condenado maior de 70 (setenta) anos;
II – condenado acometido de doença grave;
III – condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental;
IV – condenada gestante.[91]”
A Inovação da prisão domiciliar dada ao artigo 318 do Código de Processo Penal não se confunde de forma alguma com a prisão em residência particular do artigo 117 da Lei de Execução Penal. No primeiro caso trata-se de uma medida cautelar, já no segundo trata-se de uma hipótese de cumprimento da pena.
O art. 317 da Lei 12.403/2011 defende uma nova modalidade de prisão domiciliar, consistente no recolhimento do indiciado em seu domicílio, só podendo dele se ausentar com ordem judicial.
“Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial.”[92]
“A prisão domiciliar é uma substituição da prisão cautelar, aplicável para situações excepcionais e extremas em que, por nítidas questões humanitárias, a prisão preventiva se mostre extremamente cruel ou desumana, frontalmente violadora do princípio da dignidade humana. […].[93]”
Aplica-se a prisão domiciliar em situações restritas, indicadoras da inconveniência e da necessidade de se manter o recolhimento em cárcere.
“Pela sistemática introduzida, na prisão domiciliar a pessoa ficará reclusa em sua residência, onde terá sua saída controlada. A autorização judicial expressa no art. 317 poderá ser concedida para situações gerais, tais como ausentar-se em períodos e horários determinados, desde que justificada a necessidade. Assim, para ir ao médico, para comparecer às audiências judiciais, para assistir cultos religiosos ou, ainda, para consultar advogado. Mas não pode a autorização ser tão ampla a ponto de descaracterizar a restrição à liberdade, pois se deve relembrar que a prisão domiciliar substitui uma prisão preventiva anteriormente decretada.[94]”
O réu deve cumprir a prisão domiciliar na residência indicada pelo magistrado que impuser a medida. Embora o Código civil assevere a possibilidade de uma pessoa possuir vários domicílios ou residências, nos termos dos artigos 70 a 77, o réu não poderá transitar entre elas, aleatoriamente. Neste entendimento, embora a pessoa possa ter várias residências, para questões civis, a prisão domiciliar deverá ser cumprida em apenas uma delas, até mesmo para se permitir efetividade e fiscalização da medida. Em suma, se o réu possuir mais de uma residência, deverá o magistrado escolher aquela que lhe pareça mais adequada para atingir as finalidades da medida e proteção dos bens jurídicos do processo, sobretudo à luz do caso concreto.[95]
A prisão domiciliar pressupõe uma prisão preventiva anteriormente decretada, substituindo-a, provisoriamente, em virtude de questões humanitárias. Desta forma a prisão pode ser cumprida em domicílio, sem grandes riscos para o processo e para a sociedade, ao menos temporariamente.
“Importante ressaltar, interpretando-se de maneira conjugada os arts. 317 e 318, que a prisão domiciliar não é meramente uma medida cautelar substitutiva da prisão preventiva, podendo ser determinada de maneira autônoma, consoante os requisitos gerais previstos no art. 282.[96]”
Não há razão para se duvidar do significado das palavras escolhidas pelo legislador para indicar quando certo tipo de decisão é obrigatória ou facultativa. No caso da prisão domiciliar trata-se de uma faculdade. Basta uma simples leitura na nova lei para perceber a evidente e intencional diferenciação.
“Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: […]”[97]
[…] “ao tratar da prisão domiciliar, diz o art. 318 do CPP que o juiz poderá substituir a prisão preventiva pela domiciliar. É claro, portanto, que se trata de mera faculdade do juiz e não de direito subjetivo do acusado, podendo o magistrado, de forma fundamentada, negar o benefício quando entender que a prisão, na forma domiciliar, não afasta os riscos à coletividade demonstrados pela gravidade diferenciada do fato ou outro motivo qualquer.[98]”
Vale destacar, que não se deve admitir que o preso domiciliar possa trabalhar, pois as situações que autorizam a sua concessão são incompatíveis logicamente com a possibilidade laboral.
[…]. “Realmente, nenhuma das hipóteses indicadas no texto legal pode ser conciliada com o trabalho. Se o agente é maior de 80 anos, se está extremamente debilitado por motivo de doença grave, se sua presença na residência é imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou com deficiência ou, ainda, se é gestante a partir do sétimo mês de gravidez ou sendo esta de alto risco, inviável a concessão de autorização de saída para o trabalho. Vislumbra-se, inclusive, que se houver capacidade de trabalho, em princípio, não deve ser concedida a prisão domiciliar ou deve esta ser revogada. […].[99]”
Segundo entendimento de Dotti, “A Prisão domiciliar não constitui espécie de pena privativa de liberdade”.[100]
No entanto se faz importante ressaltar que o legislador tratou a prisão domiciliar no Capítulo IV, em tópico diverso daquele em que se disciplinou as outras medidas cautelares alternativas à prisão, previstas no art. 319. Este aspecto sistemático não pode ser desconsiderado, a indicar que o legislador considera a prisão domiciliar como uma forma de prisão preventiva e não como medida cautelar alternativa a prisão.
“Em outras palavras, a prisão domiciliar não foi estipulada, em princípio, com a finalidade de impedir a decretação da prisão preventiva, mas justamente de substituí-la, por questões humanitárias e excepcionais, indicadas no art. 318 do CPP.”[101]
Ao se considerar a prisão domiciliar como uma espécie de prisão preventiva decorrerão diversas consequências. Inicialmente, será cabível a utilização do habas corpus para impugná-la. Ademais, a prisão domiciliar não pode durar indefinidamente, podendo haver eventual excesso de prazo.
Ainda também em razão de sua natureza, privativa de liberdade, a jurisprudência entende admissível a detração em caso de prisão domiciliar. Neste sentido, inclusive, já decidiu o STJ.
Veja a seguinte ementa:
“PENAL. PROCESSUAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRISÃO DOMICILIAR. PRAZO. DETRAÇÃO. ‘HABEAS CORPUS’. O tempo de prisão cautelar efetivamente cumprida em regime domiciliar deve ser computado na pena privativa de liberdade, para fins de detração (CP, art. 42). ‘Habeas Corpus’ conhecido, pedido deferido.[102]”
“Ademais, como se trata de espécie de prisão, a ser cumprida na residência, é plenamente possível que haja vigilância contínua na residência, caso se entenda necessária e conveniente, desde com discrição e sem constrangimento ao preso.”[103]
O art. 318 da lei em comento por sua vez, foi bem claro ao elencar quem pode ser beneficiado com a prisão domiciliar, quais sejam: o maior de 80 anos; o extremamente debilitado por motivo de doença grave; aquele que for imprescindível para os cuidados de menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; e a gestante a partir do 7° mês ou gestação de risco.
“Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:
I – maior de 80 (oitenta) anos;
II – extremamente debilitado por motivo de doença grave;
III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;
IV – gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco.
Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo.[104]”
A primeira hipótese, prevista no inc. I, do art. 318, ocorre como já foi citado quando o agente for maior de 80 anos. Em princípio, verificando que o réu, com a referida idade é pessoa já debilitada e que sua manutenção no cárcere não faz mais sentido, deve o juiz determinar a prisão domiciliar.
[…]. “Mas nada impede que o magistrado entenda, excepcionalmente, por manter a prisão preventiva, mesmo para pessoas maiores de 80 anos, desde que fundamentadamente demonstre que a prisão domiciliar é inadequada. Isto se torna ainda mais importante quando se verifica que, com o aumento da expectativa de vida, as pessoas, mesmo em idade avançada, ainda se encontram plenamente ativas. Tanto assim que a redação do projeto 4.208/2011, tal qual a LEP, previa idade de 70 anos, que foi aumentada para 80 na tramitação legislativa, uma vez que atualmente é muito comum ver pessoas com 70 anos totalmente ativas e sem qualquer demonstração de debilidade. […]. […]. Não há, portanto, óbice absoluto à decretação e manutenção da prisão preventiva de pessoas acima de 80 anos, especialmente quando devidamente justificadas por circunstâncias concretas. Inexiste, assim, direito adquirido à prisão domiciliar pelo simples fato de possuir o acusado mais de 80 anos. Somente se no caso concreto se demonstrar que a prisão domiciliar é mais adequada é que o juiz deve concedê-la, especialmente quando à idade se unam circunstâncias pessoas que demonstrem a grave fragilidade e debilidade do agente, a indicar que a prisão em domicílio é a única solução possível, em termos humanitários”.[105]
Já no inciso segundo, pode-se observar que a nova lei permite a substituição da prisão preventiva por domiciliar quando o acusado estiver extremamente debilitado por motivo de doença grave.
[…]. “Veja que não basta ser portador de doença grave para fazer jus, por si só, à medida. É necessário, conforme dicção legal, que o acusado esteja extremamente debilitado. Neste ponto o referido dispositivo foi mais feliz que a LEP, que faz menção única e exclusivamente à doença grave.” […].[106]
De qualquer sorte, uma vez superada a situação de debilidade por parte do réu, deve cessar o benefício.
A hipótese de substituição de prisão preventiva por domiciliar, quando o acusado é imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de seis anos de idade ou deficiência nos termos do art. 318, inc. III, já possuía previsão semelhante na LEP, que permite à mulher condenada com filho menor ou deficiente físico ou mental cumprir pena em prisão domiciliar.
[…]. “O CPP, ao contrário da LEP, não exige que se trate de mulher, o que nos parece correto, à luz do princípio da isonomia de do interesse de proteção integral do menor ou do deficiente. Pode haver situações em que a única pessoa responsável seja o pai ou outro homem da família, como por exemplo, quando o genitor possui a guarda exclusiva dos filhos menores. […]. O intuito é não prejudicar a criança ou a pessoa com deficiência em virtude da prisão da pessoa responsável pelos seus cuidados.”[107]
Nesse caso o interesse tutelado é da criança e da pessoa com deficiência, não de preso. Busca-se evitar que a prisão cautelar, em razão da situação de hipossuficiência, seja prejudicial aos interesses da criança ou do deficiente, que merecem proteção integral.
Sendo assim, a situação deve ser bem interpretada pelos Tribunais e ser aplicada em situações extremas. Se houver familiares em liberdade que possam cuidar da criança ou do deficiente, não se deve permitir a medida. Isto para se evitar que criminosos utilizem seus filhos como escudos para evitar a decretação da prisão preventiva.
Neste sentido o STJ já firmou que, se for possível assegurar o direito à amamentação contínua na prisão, não há que se conceder o direito à prisão domiciliar.
Veja a seguinte ementa:
“SENTENCIADA CUMPRINDO PENA NO REGIME FECHADO. DIREITO À AMAMENTAÇÃO. PRISÃO DOMICILIAR. ART. 117, LEP. Na hipótese dos autos, contudo, não obstante as afirmações feitas pelo impetrante da necessidade de a paciente ser colocada em prisão domiciliar, em face de suposta deficiência física de seu filho menor, essa exigência não encontra amparo nos elementos constantes nos autos, porquanto conforme anotado pelo e. Tribunal a quo ao denegar a ordem anteriormente impetrada, os cuidados indicados por meio de laudo médico (v.g.: amamentação contínua) estão sendo criteriosamente observados, o que, por si só afasta a possibilidade de se excepcionar a regra do art. 117 da LEP. Ordem denegada.[108]”
Por fim, o inc. IV prevê que é possível a substituição da prisão preventiva por domiciliar em caso de gestante a partir do sétimo mês ou sendo a gravidez de alto risco. A nova legislação vem mais completa, com a nova redação não basta ser gestante, como dizia a LEP em seu art. 117, inc. IV, tem haver alto risco na gravidez.
Sobre a questão da gestante a partir do sétimo mês, surge a mesma questão de se tratar ou não de direito adquirido. Também aqui somente deverá ser concedida a prisão domiciliar se o estabelecimento prisional não puder conceder tratamento adequado.
“Interessante notar que legislador não estabeleceu o termo ad quem da prisão domiciliar nesse caso, mas se infere que é até o nascimento ou, ao menos, após o puerpério.”[109]
Contudo, observa-se que não basta que esteja presente um dos pressupostos indicados no art. 318 para que o réu tenha direito, automaticamente, à prisão domiciliar. O princípio da adequação deve vigorar, de sorte que somente se a medida de prisão domiciliar se mostrar adequada à situação concreta é que o magistrado deverá decretá-la. “O juiz verificará se a situação excepcional (idade, doença, gravidez, etc.) diminuirá o risco que o réu, em sua residência, possa causar aos interesses processuais tutelados (de obstrução à instrução, ameaça de fuga ou prática de novas infrações penais)”. [110]
Luiz Guilherme Moreira Porto leciona sobre a presença de uma das hipóteses do art. 318:
“Constitui requisito mínimo, mas não suficiente, para a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, porquanto caberá ao magistrado verificar, caso a caso, se é conveniente e necessário manter o indicado ou o acusado preso, ou se é possível que ele fique recolhido na própria residência.”[111]
Nota-se que a prisão domiciliar é uma medida precária e temporária, pois é instituída em vista de situações excepcionais, que, em princípio, são limitadas no tempo.
Verifica-se também que este novo capítulo substituiu aquele da apresentação espontânea do acusado.
Para Hélio Tornaghi, este dispositivo foi criado com o intuito de eliminar dúvidas:
“Aliás, esse dispositivo apenas visa a dirimir qualquer dúvida, pois, na verdade, com ele ou sem ele a situação seria a mesma: não havendo em lei a proibição de decretar a prisão preventiva do acusado que se apresenta espontaneamente, subtender-se-á a permissão.” [112]
Logo, mesmo após o advento da Lei 12.403/2011, quando houver a apresentação espontânea do acusado, poderá ser decretada a sua prisão preventiva, em estando presentes os motivos para tanto.
3. Medidas cautelares alternativas à prisão preventiva
A nova sistemática estabelecida pela Lei 12.403/2011 introduziu em nosso ordenamento jurídico diversas medidas cautelares alternativas à prisão. A partir de então, além da liberdade provisória com fiança e a liberdade provisória sem fiança que serão analisadas no próximo capítulo, é possível que o magistrado conceda liberdade provisória mediante a fixação de uma ou várias das medidas previstas no art. 319 do CPP.
“A Lei 12.403/2011 ao alterar o art. 319 do Código de Processo Penal, o qual tratava da prisão administrativa, passa com o novo texto elencar em nove incisos medidas cautelares diversas da prisão, em consonância com o Princípio da Não-Culpabilidade previsto na Lei Maior, inciso LVII, do art. 5º, que determina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”.[113]
As novas medidas cautelares têm preferência sobre a decretação da prisão preventiva. O magistrado pode optar por uma ou mais cautelares concomitantemente, sempre justificando sua decisão.
[…]. “O magistrado, portanto, terá um leque de medidas a serem aplicadas, intermediárias entra à prisão cautelar e a liberdade incondicionada. E a possibilidade de o magistrado aplicar isolada ou cumulativamente as medidas cautelares alternativas à prisão permite uma ampla adaptação da medida ao caso concreto, de acordo com o bom senso e o juízo criterioso do magistrado. […].[114]”
As novas medidas cautelares processuais penais, de acordo com a referida Lei passam a vigorar como regra, passando a Prisão em Flagrante e a Prisão Preventiva funcionar em casos excepcionais. É o que se verifica da nova redação disposta no §6º, do art. 282 do Código de Processo Penal, que assim dispõe “a prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319)”.[115]
Em síntese, houve uma diversificação das medidas cautelares passíveis de serem aplicadas, afastando-se, assim, do modelo bipolar até então vigente, em que diante do periculum libertatis, o juiz somente poderia ou manter o réu preso ou conceder-lhe liberdade provisória, com tênues vínculos.
René Ariel Dotti aplaudiu a criação destas medidas cautelares alternativas à prisão, ao lecionar:
“Diversamente das penas, institucionalmente cominadas, aplicadas e executadas, o sistema positivo das reações anticriminais prevê algumas medidas de caráter transitório e que procuram resguardar determinados interesses humanos e sociais, relativos à instrução do processo criminal, à garantia da ordem pública, da ordem econômica ou para assegurar a efetiva aplicação da lei penal.[116]”
3.1 Rol
A nova redação do art. 319 do Código de Processo Penal reza:
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
“I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;
VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX – monitoração eletrônica.
§ 4º – A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares.[117]”
Neste passo, analisaremos cada uma das medidas alternativas à prisão. No exame de cada medida serão indicadas quais as finalidades cautelares que poderão buscar.
A primeira medida cautelar alternativa à prisão em espécie diz respeito ao comparecimento periódico em juízo e está disposta no art. 319, inc. I. Neste caso o magistrado poderá determinar o comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas, para informar e justificar atividades.
“Consiste na determinação de que o indiciado ou réu compareça à presença do magistrado em periodicidade que vier a ser definida […], para demonstrar, por meio de prova idônea, as atividades que realiza, o que permitirá ao juízo exercer alguma fiscalização sobre ele.[118]”
“Não se trata de medida desconhecida em nosso sistema penal, haja vista, que já existia como uma das condições para suspensão condicional do processo, como reza o inciso IV, §1º, do art. 89, da Lei 9.099/95.”[119]
“O nosso legislador simplesmente criou a medida sem traçar seus contornos. Não obstante, deverá o juiz, na aplicação desta, levar em consideração tais fatores. […] diferentemente do que ocorre com o art. 89 da Lei 9.099/95, no qual o próprio legislador fixou o comparecimento mensal, o art. 319, I do CPP, deixou ao juízo a fixação dos prazos e das condições de comparecimento.[120]”
A finalidade desta medida é vincular o réu ao juízo, especialmente quando há algum risco de que possa vir a fugir ou ausentar-se por longo período de tempo, sem conhecimento de seu paradeiro, com prejuízos para a aplicação futura da lei penal.
[…]. “A maior ou menor frequência com que deverá se apresentar ao órgão jurisdicional será estabelecida à luz e na proporção da necessidade de manter o juízo informado com certa frequência do paradeiro daquele que se encontra em liberdade provisória. Poderá ser semanal, mensal ou em períodos maiores que um mês. Ademais, nada impede que, em casos particulares e devidamente justificados, o comparecimento seja até diário, desde que haja fundamentação convincente para tanto, indicando a necessidade da medida. De qualquer sorte, o comparecimento deve ser pessoal, pois não há sentido em qualquer forma de cumprimento diversa […], uma vez que a medida tem em vista a pessoa do réu.[121]”
Se o réu reside em outra comarca ou subseção, caberá ao magistrado decidir se o mais adequado é que o réu compareça no próprio juízo onde tramita o processo ou se, pelo contrário, melhor que o acompanhamento da medida seja feito no juízo onde o réu reside, expedindo-se, para tanto, carta precatória. As duas hipóteses são possíveis, ficando a critério do magistrado.
“É importante que, sempre que aplicar essa medida, o juiz empenhe-se em entrevistar diretamente o destinatário, com intervalos não muito longos entre os comparecimentos, para que a providência não passe a constituir mera formalidade, tal como ocorreria se a tarefa de indagar e ouvir o indiciado ou réu fosse entregue a serventuário ou se tivesse lugar de forma demasiado espaçada.[122]”
A segunda medida alternativa está esculpida no inciso II do mesmo artigo, que estabelece a proibição de acesso ou de frequência a determinados lugares.
“O inciso II, do art. 319, […], traz como medida cautelar a “proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações”. Medida cautelar, também, já descrita anteriormente como uma das condições para suspensão condicional do processo, inciso II, §1º, do art. 89 da Lei 9.099/95, bem como na Lei Maria da Penha.[123]”
O dispositivo fala em proibição de acesso e proibição de frequência, onde segundo entendimento do Ilustre procurador da República Andrey Borges Mendonça, “na proibição de acesso, a vedação é de adentrar em determinado lugar sequer uma única vez. Na proibição de frequência, veda-se a repetição de acessos, ou seja, a contumaz visita a determinado local. A vedação pode ser de locais públicos […], ou privados […].”[124]
A finalidade é que o réu permaneça distante desses locais para evitar o risco de cometer novas infrações, bem como afastá-lo de determinados lugares que possam estimular as práticas delitivas. Porém, nada impede que o magistrado imponha esta medida como forma de evitar pressões sobre testemunhas e, também, para acautelar outras provas, a depender da situação concreta.[125]
Nesse mesmo entendimento expõe Alexandre Cebrian Araújo Reis:
“É possível que a frequência do indiciado ou réu a determinados lugares ou a estabelecimentos de certa natureza favoreçam o cometimento de novas infrações por ele, daí porque o juiz, frente a tal constatação, poderá interditar-lhe a estada em um ou vários lugares. É recomendável que esta medida seja aplicada cumulativamente com a monitoração eletrônica, para que se possa fiscalizar se o destinatário respeitará as restrições estabelecidas.[126]”
A referida medida traz também a possibilidade de afastamento do lar, já prevista na Lei 9.099/1995 em seu art. 69, parágrafo único e também na Lei Maria da Penha, art. 22, inciso II. Sendo assim a proibição de acesso ou frequência pode ser em relação à residência do próprio acusado, quando a vítima lá residir, em relação de coabitação.
Já no inciso III, do art. 319, fala da proibição de manter contato com pessoa determinada, medida esta que já estava prevista na Lei 11.340/2006 (art. 22, inc. III, “b”) e agora foi ampliada para outras situações.
Importante ressaltar, que as duas medidas cautelares descritas acima, são mais abrangentes do que aquelas previstas na Lei Maria da Penha como medidas protetivas, uma vez que, no sistema processual penal para a concessão das medidas não há necessidade de ocorrência de violência doméstica e nem tampouco estas se restringem ao sexo da vítima.[127]
“A proibição de contatar é adequada para situações em que houve grave ameaça ou violência à pessoa […]. Neste caso, poderá o magistrado determinar a proibição ao réu de ter qualquer tipo de contato com a vítima, seja pessoalmente ou pelo telefone e, inclusive, por meios modernos de comunicação, tais como msn, skype, redes sociais etc. Em síntese, pode ser vedado qualquer tipo de contato, seja escrito, verbal ou visual e, inclusive, por qualquer meio.[128]
A norma apresenta amplitude quando fala em ‘proibição de manter contato’, e isso quer dizer, contato físico, telefônico, eletrônico etc. A Lei 12.403/11, tal qual a Lei Maria da Penha, não definiu a distância que deverá ser mantida, o que passa ao ‘prudente’ arbítrio do juiz. [129]”
O magistrado nesse caso pode fixar uma distância mínima, em metros ou quilômetros, que o investigado deve manter da vítima ou de sua residência, distância essa que, se for ultrapassada, importará no descumprimento da medida cautelar.
“Claro que o contato que se busca evitar é o voluntário, a procura por contato, pois, como lembra Pacelli, é possível haver contato involuntário, casual, sem se falar em descumprimento da medida. O estabelecimento de uma distância mínima, em metros, permitirá dar maior segurança à vítima, pois, mesmo que o encontro seja casual, o agente estará limitado a não se aproximar além de determinada distância. [130]”
“Se as circunstâncias do fato indicarem a necessidade, o juiz poderá proibir que o indiciado ou acusado mantenha contato com certas pessoas, como a vítima, testemunha, coator, etc.”[131]
Sendo assim, a presente medida cautelar é mais ampla do que o contato apenas com a vítima. O art. 319, inc. III, fala em contato com pessoa determinada, isso pode abranger a testemunha, para evitar qualquer risco de ameaça ou de constrangimento ou, ainda a vedação de contato do acusado com algum comparsa, por entender o magistrado que o contato entre eles pode ser um estímulo para a prática delitiva.
“Nesse caso, há total compatibilidade com a Constituição, vez que tem nítida raiz cautelar, destinada à prevenção de determinada pessoa (vítima, testemunha etc.), sendo importante para preservação da prova.”[132]
Já o inciso IV traz a possibilidade de proibição de o réu ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução. Medida cautelar já prevista como uma das condições para suspensão condicional do processo, inciso III, §1º, do art. 89 da Lei 9.099/95.
Embora não esteja expresso, a referida medida pode incluir a vedação à saída do país, pois é óbvio que quem sai do País, necessariamente se ausentará da comarca. O art. 320 faz menção expressa a tal possibilidade. No caso da Justiça Federal, não há comarca, mas subseção judiciária. Assim, pode o juiz federal determinar que não saia da subseção, que é o foro onde exerce a sua jurisdição.
[…], “sempre que o magistrado decretar a medida de proibição de ausentar-se do País deve comunicar as autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional e intimar o indiciado ou acusado para entregar o passaporte no prazo de 24 horas, nos termos do art. 320 do CPP, conforme sua nova redação. Se o acusado não entregar o passaporte no referido prazo, a medida poderá ser revogada.[133]”
“Art. 320. A proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas.”[134]
“Quanto à finalidade da medida, afirma o dispositivo que deve ser aplicada quando a permanência for “conveniente ou necessária para a investigação ou instrução”. Pode até se pensar em uma hipótese em que a permanência na cidade é conveniente ou necessária para a investigação criminal, tal como ocorre se for imprescindível o reconhecimento pessoal do réu. Porém, isto é excepcional e a medida cautelar em análise possui âmbito propício e mais adequado de aplicação especialmente nas situações em que houver perigo de fuga, ou seja, quando houver risco para a aplicação da lei penal. [135]”
Tanto é esse o principal objetivo que a redação originária do projeto 4.208/2001 como a versão aprovada na Câmara previa claramente a dúplice finalidade da medida: “para evitar fuga, ou quando a permanência seja necessária para a investigação ou instrução.” No entanto a redação foi alterada, restando dúvidas quanto à finalidade da medida, uma vez que, alguns doutrinadores entendem que pode ser estendida quando houver risco de que o acusado possa se furtar à aplicação da lei penal, outros entendem que aplica-se somente quando houver necessidade para a instrução.
“Entendemos que uma medida de proibição de se ausentar da comarca teria mais sentido para garantir a aplicação da lei penal. Porém, o legislador preferiu vincular a garantia da investigação ou instrução, trazendo assim limitações práticas, uma vez que encerrada a fase investigatória ou instrutória, a medida não pode ser mais aplicada.[136]”
“Na medida em que a lei não faz qualquer distinção, é irrelevante se o destinatário da medida reside ou não na comarca em cujos limites territoriais terá de permanecer.”[137]
“A proibição em questão pode ser absoluta, quando o juiz entender que se justifica a imposição de restrição total à possibilidade de saída do território da comarca. Pode, também, ser relativa, acaso se entenda que sua finalidade será alcançada ainda que o indiciado ou réu seja autorizado, por exemplo, a sair da comarca para trabalhar.[138]”
No período de aplicação da medida cautelar, é inequívoco que o réu poderá obter, ou sequer tentar obter novo passaporte, sob pena de descumprir a medida.
O art. 319, em seu inc. V, assevera que o magistrado poderá determinar o recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga, quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos. É uma medida cautelar que visa impor ao réu a permanência em sua residência durante os períodos indicados, seja demonstrando que não possui intenção de fugir ou, ainda, de praticar delitos nos referidos períodos.[139]
“O recolhimento em período noturno ou nos dias de folga tem natureza cautelar, tanto para tutelar a prova, quanto para diminuir o risco de fuga, embora seja verdade que sua eficácia para tais escopos é pequena. Ao nosso sentir, a medida acabará por ser mais utilizada com fins diversos dos cautelares, como a prevenção geral ou específica, traduzindo-se em mais uma subversão à presunção de inocência.[140]”
Nesse sentido, expõe Alexandre Cebrian Araújo Reis:
“Para que a medida em estudo possa ter eficácia deverá o juiz aplicá-la, em regra, cumulativamente com a medida de monitoração eletrônica, pois a mera obrigação de recolher-se, sem a correspondente fiscalização, desnatura a medida. É possível que a fiscalização seja cometida à Polícia Judiciária, hipótese em que o juiz deverá exigir relatório circunstanciado das diligencias periodicamente realizadas.[141]”
“Trata-se de uma medida que restringe claramente o direito de liberdade de locomoção do indivíduo, podendo ser tratada como uma espécie de prisão domiciliar, a qual deve ser decretada em casos mais graves.”[142]
“Esta medida é menos grave do que a prisão domiciliar, pois a restrição à liberdade ambulatorial é limitada no tempo: apenas no período noturno (em geral, das 18 horas até as 6 horas da manhã) e nos dias de folga (finais de semana e feriados, em geral). O recolhimento noturno poderá ser adequado especialmente para aquelas situações em que a privação do trabalho traria ao réu ou a sua família prejuízos financeiros sensíveis. Vales destacar que não se pode, ao aplicar uma medida cautelar, privar o réu de qualquer forma de sustento, sob pena de se macular a própria dignidade da pessoa humana, estatuída como princípio fundamental de nossa Constituição (art. 1º, inc. III) e o próprio princípio da razoabilidade, também de estatura constitucional.[143]”
No entanto alguns doutrinadores entendem que não se trata apenas do período noturno, mas sim do período em que o réu estiver ocioso, visto que o mesmo pode trabalhar no período noturno.
“Entendemos ainda que a medida não dever ser interpretada ipsis litteris, devendo-se buscar o espírito da norma. Assim, a finalidade da medida é assegurar a permanência do indivíduo em sua residência no período de inatividade, pouco importando o horário de sua jornada de trabalho.[144]”
Sendo assim, a medida em testilha é adequada para situações em que o réu possui residência e profissão fixas. Porém a expressão profissão deve ser abrandada, pois em situações em que o réu estiver estudando a medida poderá ser adequada. Conforme a Lei 12.433/2011 que alterou o art. 126 da Lei de Execução Penal, dispondo sobre remição de parte por tempo de execução da pena por estudo ou trabalho. Tal fato já era admitido pela jurisprudência, nos termos da Súmula 341 do STJ[145] a indicar que o estudo, assim como o trabalho, deve ser estimulado pelo Poder Público. Sendo assim, também deve ser permitida a medida do art. 319, inc. V, se o investigado ou acusado estiver estudando.[146]
Se o réu estiver desempregado ou não estiver estudando, se o juiz entender que, à luz do caso concreto, é relevante que o agente se recolha ao domicílio no período noturno e finais de semana, no intuito de evitar cometimento de novas infrações poderá conceder a medida, utilizando o princípio da adequação.[147]
Outra medida cautelar é a suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais, disposta no VI do art. 319. Situação semelhante já era prevista como possível pena restritiva de direitos no art. 292[148] do Código de Trânsito Brasileiro, assim como no Código Penal em seu art. 43.
“A medida cautelar em análise consiste na vedação temporária do exercício de determinada função pública ou, ainda, de atividade de natureza econômica ou financeira. […]. Em outras palavras exercem função pública todos aqueles que prestam serviços ao Estado e às pessoas jurídicas da Administração indireta, englobando os agentes políticos, os servidores públicos, e os particulares em colaboração com o Poder Público. Dúvidas surgirão se a medida inclui também o exercício do poder parental, da tutela e da curatela. Deve-se admitir a possibilidade de o magistrado suspendê-lo, como medida cautelar durante o processo, seja em razão de eventual ampliação do conceito de função pública ou, ainda, por aplicação do poder geral de cautela, evitando-se que o poder parental seja utilizado para a prática delitiva. [149]”
“Nos crime que envolvem o Erário Público, […] a fundamentação dos magistrados para decretar a prisão preventiva sempre foi no sentido de preservar a ordem pública, haja vista a qualidade do agente que está envolvido no fato criminoso.”[150]
“Contudo, com o dispositivo em tela, os julgadores não terão qualquer razão para decretar a prisão preventiva, uma vez que ordenada a suspensão da atividade de natureza econômica exercida pelo agente, faltarão fundamentos idôneos para se decretar e/ou manter alguém preso nessas circunstâncias.[151]”
“O afastamento do cargo deve ter pertinência temática com o crime. A princípio, não faz sentido aplicar o afastamento de função pública em razão de uma lesão corporal dolosa ou furto, que se tenha se valido da atividade que exerce e se pretende afastá-lo.”[152]
“Evidentemente que essa medida acautelatória deve ser aplicada em casos de crimes praticados contra a administração Pública, contra a ordem econômico-financeira, fiscais, previdenciários ou contra a economia popular.”[153]
“Havendo fundamento para concluir que o exercício de função pública ou de atividade econômica ou financeira favoreça a prática de nova infração penal, o juiz poderá interditar temporariamente seu exercício, comunicando, conforme o caso, ao respectivo órgão público ou entidade de classe.[154]”
Segundo o dispositivo legal, a finalidade da suspensão da função pública e da atividade de natureza econômica ou financeira é evitar, a sua utilização para a prática de infrações penais. Buscando, precipuamente, evitar que o agente se valha das facilidades desta função ou atividade para a prática de novas infrações. Sendo possível também a suspensão quando necessária para a investigação ou instrução criminal. Assim o afastamento do cargo poderá ser determinado para que o acusado não se utilize dele para destruir provas, pressionar testemunhas, intimidar as vítimas, ou seja, para obstruir a investigação de qualquer forma ou prejudicar a instrução.[155]
“Mais uma vez, o legislador redigiu mal, associando a medida à prevenção específica, fundada no receio da prática de infração penal, o que lhe retira a natureza cautelar. Para nós, a medida só pode ser aplicada para a garantia da instrução criminal, fundada no receio de que o agente, valendo-se de sua função ou atividade, destrua documentos, intimide testemunhas ou altere situações fáticas.[156]”
A medida cautelar em questão somente deve ser aplicada quando houver fundamento suficiente para tanto, não bastando meras alegações ou suspeitas, visto que o exercício da função ou atividade pública quando interrompido pode ser prejudicial para toda coletividade.
Nesse sentido, expõe o Ilustre Procurador da República Andrey Borges de Mendonça:
[…] “a medida não pode ser aplicada automaticamente, em hipótese alguma. Somente deve ser determinada pelo magistrado se houver elementos concretos de que a continuidade do exercício da função pública ou da atividade econômica ou financeira poderá colocar em risco os bens jurídicos indicados no art. 282, inc. I. Não basta, […], meras alegações ou conjecturas. Urge a existência de prova concreta de que a continuidade no exercício da função ou atividade será prejudicial para a persecução penal ou para a sociedade, […].[157]”
Em princípio entende-se que a suspensão é aplicável a qualquer agente público. Porém há uma exceção, pois torna-se inviável a suspensão daqueles que possuem imunidade absoluta à prisão preventiva, como por exemplo o Presidente da República e o diplomata. Porém, para todos aqueles que podem ser presos, é possível a suspensão das atividades. Embora os deputados e senadores possuam um estatuto constitucional para protegê-los no exercício de suas atividades, isto não é impedimento para que o Poder Judiciário suspenda-o de suas atividades. Em suma, se é possível a medida mais gravosa, como a prisão preventiva, não há restrição para a aplicação de medidas menos graves. O que não se pode é decretar a perda do cargo do Deputado ou Senador, pois isto depende de um procedimento constitucionalmente previsto. [158]
[…], “embora não previsto expressamente, o juiz pode decretar medida menos gravosa que a suspensão da função pública, qual seja, o afastamento das atividades específicas então desempenhadas pelo agente público, se entender que é medida suficiente e adequada. Assim pode o juiz determinar a retirada do servidor de determinado setor, para que atue apenas em outro, se entender que isto será suficiente e adequado para impedir a continuidade das práticas delitivas.[159]”
A lei além de prever a suspensão do exercício da função pública, previu também a suspensão de quem exerce atividade de natureza econômica ou financeira, quando está estiver sendo utilizada para a prática de crimes. Atividade de natureza econômica é toda e qualquer atividade desenvolvida no âmbito da economia formal ou informal, seja na produção de riquezas, na compra, venda ou intermediação de bens e mercadorias ou, ainda, na prestação de serviços.
“O magistrado também pode, com base na autorização do art. 319, inc. VI, vedar que o empresário continue na condução e direção de uma empresa, suspendendo-o do exercício da atividade empresarial e impedindo-o de se valer da empresa para práticas delitivas, como a lavagem de dinheiro, a sonegação fiscal etc.[160]”
A suspensão da atividade financeira do agente diz respeito, sobretudo, com os delitos que envolvam violações ao sistema financeiro, notadamente aqueles tipificados na Lei 7.492/1986, que trata de crimes contra o sistema financeiro, e os crimes contra o mercado de capitais, previstos nos artigos. 27-C, 27-D, 27-E da Lei 6.386/1976.
Quando se trata de funcionário público, a suspensão deverá ser comunicada ao órgão público onde exerce atividades. Caso se trate de profissão ou atividade que dependa de autorização, o magistrado comunicará ao respectivo órgão profissional regulador, vedando o exercício temporário da atividade. Se não houver órgão profissional regulador, então a decisão do magistrado será mandamental. Se houver descumprimento da ordem de suspensão das atividades, será possível a apuração de delito previsto no art. 359 do Código Penal, qual seja, desobediência a decisão judicial sobre perda ou suspensão de direito. [161]
No que diz respeito a diminuição do pagamento dos vencimentos em caso de suspensão, expressa Borges de Mendonça que:
“Quando há a suspensão do exercício de função pública, deve-se questionar se é possível diminuir ou cessar o pagamento dos vencimentos do servidor, quando houver previsão na legislação respectiva. Embora o STJ tenha decidido pela possibilidade de diminuição dos valores quando o réu estiver preso, o STF deliberou em sentido diametralmente oposto, ou seja, que em caso de prisão de funcionário público, a diminuição ou cessação do salário antes do trânsito em julgado violaria o princípio da presunção de inocência. […].[162]”
Porém, é visível que o STF não adotou a melhor posição, visto que não há qualquer inconstitucionalidade em normativas que diminuem o salário dos servidores presos ou com suas atividades suspensas. Realmente o servidor não estará trabalhando no período de sua prisão ou suspensão de suas atividades, não podendo der beneficiado pela prática delitiva. Seguindo este entendimento afirma a Ministra Maria Thereza de Assis Moura que “trata-se de redução temporária de vencimentos decorrente de sua ausência ao serviço.”[163]
A questão não passa pelo princípio da presunção de inocência, mas sim pela análise de outros princípios. Desta feita, parece ser possível a suspensão parcial do pagamento dos salários daquele funcionário público que tiver suas funções suspensas, nos termos do art. 319, inc. VI. Porém, até mesmo para garantia do princípio da dignidade da pessoa humana, estabelecido como princípio fundamental em nossa Constituição, não é possível a suspensão total dos pagamentos, sob pena de o réu ficar em situação de miserabilidade.
No que diz respeito ao princípio da liberdade de profissão é assegurado pela Carta Magna a livre iniciativa em diversos dispositivos. Porém, esta liberdade não é absoluta e pode ser restringida em favor de outros bens jurídicos também constitucionalmente tutelados. O próprio texto constitucional permite e delega à lei em seu art. 170, parágrafo único[164], a possibilidade de restrição à liberdade de iniciativa.
Outra medida elencada no art. 319, agora no inc. VII é a possibilidade de internação provisória em caso de inimputável ou semi-imputável, quando se tratar de crimes praticados com violência ou grave ameaça e houver risco de reiteração.
“Em boa hora veio a nova disciplina. Como se entendia que não era possível a interdição provisória da pessoa que se encontrava em situação de inimputabilidade ou semi-imputabilidade, na prática decretava-se a prisão preventiva quando houvesse risco de continuidade delitiva.[165]”
Com essa medida alternativa buscou-se evitar a prisão preventiva de doentes mentais, colocando-os em estabelecimentos prisionais ao lado de pessoas sãs.
O novo dispositivo estabelece três requisitos que devem estar presentes para adoção da medida, quais sejam: crime praticado com violência ou grave ameaça; peritos concluírem que é inimputável ou semi-inimputável e existência de risco de reiteração criminosa.
“Cuida-se de medida aplicável somente em relação a infrações praticadas com violência ou grave ameaça e que pressupõe, além da constatação, em decorrência da instauração de incidente de insanidade, de que o indiciado ou réu é inimputável ou semi-inimputável e que apresenta considerável potencial de reincidência. […].[166]”
A internação provisória será cumprida em estabelecimento hospitalar propício, ou seja, em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, nos termos do art. 96, inc. I, do CP. Nesse sentido dispõe o art. 99 da LEP, o acusado inimputável ou semi-imputável ficará no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico. Porém, se não houver referido local, deve o indivíduo ser mantido em outro estabelecimento adequado, devendo o juiz adotar medidas necessárias para prevenir os perigos de fuga e de cometimento de novos crimes.
Em caso de situações onde não houver vaga em estabelecimento público ou adequado, se o réu estiver extremamente debilitado, poderá ser concedida a prisão domiciliar, cumulada com tratamento ambulatorial. Isto, se o réu não demonstrar que voltará a cometer delitos, pois seria realmente temerário conceder liberdade a um agente inimputável que demonstre risco de voltar a cometer crimes.
“Questão interessante é sobre a possibilidade de ser determinada a internação provisória em clínicas particulares. Se houver estabelecimento público propício para a internação, deve o magistrado dar preferência a este, especialmente porque haverá maior controle sobre o cumprimento da medida e de suas finalidades. No caso de não haver estabelecimento propício e se a família do preso se dispuser a pagar o valor, parece-nos que o magistrado pode permitir, oficiando-se para que a clínica realize o controle (inclusive apresentando, se for o caso, relatórios).[167]”
“Portanto, é preciso que fique claro na decisão periculum libertatis. Ademais, a internação provisória deve ser em Hospital de Custódia e Tratamento, jamais em estabelecimento prisional comum.”[168]
A internação provisória pode ser decretada durante as investigações ou, ainda, durante o curso do processo.
A oitava medida cautelar trazida pela Lei n. 12.403/2011, inciso VIII, do art. 319 do CPP, trata da “fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial”.
“Trata-se, em verdade, de medida de contracautela, que tem lugar para evitar que o indiciado ou acusado permaneça preso provisoriamente […] na eventualidade de poder oferecer garantia ao juízo, de modo a reduzir a probabilidade de lançar-se a terras distantes.[169]”
Poderá o magistrado fixar fiança, nas infrações que a admitem para assegurar o comprometimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial. A fiança, por razões óbvias, só será possível em crimes afiançáveis. Porém, o simples fato de a infração ser afiançável não significará a aplicação automática da fiança. Somente se houver necessidade de sua aplicação, para a persecução penal dos interesses indicados no art. 282, inc. I, do CPP.
O legislador não estabeleceu qualquer restrição para a aplicação cumulativa da fiança com outras medidas cautelares. Porém, somente será possível se houver compatibilidade lógica entre as medidas.
[…] “não é possível a cumulação da fiança com a prisão preventiva, com a prisão domiciliar e com a internação provisória do inimputável, pois estas medidas já restringem a liberdade de ir e vir e impor maiores restrições – como a fiança – poderia transformar a medida cautelar em mais gravosa que a própria pena – o que afrontaria o princípio da proporcionalidade. Seria compatível a fiança com a medida de recolhimento domiciliar noturno? Perece-nos que sim, uma vez que não há vedação legal e as medidas são compatíveis e logicamente conciliáveis.[170]”
Outra medida alternativa está prevista no art. 319, inc. IX. Trata-se do monitoramento eletrônico, que já havia sido introduzido em nosso ordenamento jurídico pela Lei 12.258/2010, mas apenas para a execução penal e, mais especificamente, para saída temporária no regime semiaberto e na prisão domiciliar, conforme estabelece o art. 146-B[171], disciplinando o chamado monitoramento-sanção. O sistema introduzido pela LEP é chamado de back-door, pois visa utilizar o monitoramento para retirar antecipadamente do sistema carcerário aquelas pessoas presas que possuam condições de terminar o cumprimento da pena fora do cárcere. Busca-se, portanto, reduzir o tempo de cumprimento da pena na prisão. Por sua vez, a nova redação dada pela Lei 12.403/2011, previu o monitoramento eletrônico como medida cautelar alternativa à prisão, instituindo em nosso ordenamento jurídico o monitoramento processual. Adota-se, então, o sistema do monitoramento eletrônico chamado front-door, ou seja, em que se busca evitar o ingresso do agente na prisão. [172]
“Consiste na sujeição do destinatário a fiscalização por meio de sistemas eletrônicos, de modo a permitir sua imediata localização. Para execução dessa medida, o indiciado ou réu deverá utilizar, junto ao corpo, dispositivo tecnológico próprio, vedada a utilização de equipamentos que exponham a risco sua saúde.[173]”
O monitoramento eletrônico, como permite saber a localização da pessoa, além de ser uma medida cautelar em si, aplicada isoladamente, pode ser usada para auxiliar a aplicação de outra medida alternativa à prisão, aplicada cumulativamente com essa. Se aplicada isoladamente, o monitoramento eletrônico servirá, sobretudo, para a hipótese de risco de fuga. A utilização de pulseira nesse caso poderá indicar eventualmente o intuito de fuga. Porém, deve-se ter cautela, pois é possível o rompimento da pulseira a qualquer tempo, devendo-se verificar a efetiva possibilidade de se realizar a prisão antes que se consume a evasão.[174]
O monitoramento isoladamente terá pouca eficácia, visto que saber a localização da pessoa não impedirá de cometer novos delitos ou de ameaçar testemunhas, ou ainda destruir documentos. Sendo assim, a aplicação do monitoramento eletrônico isoladamente deve ser excepcional, para situações devidamente justificadas.
Tal medida cautelar deverá ser usada com bastante parcimônia e exclusivamente para evitar o encarceramento provisório, mesmo porque, ela não é capaz de evidenciar qualquer reiteração criminosa por parte do condenado nem sua eventual falta de adaptação social.[175]
A contrário censo entendem Paulo Iász de Morais e Felipe Pinheiros Nascimento que:
“O monitoramento eletrônico como nova forma de medida cautelar, que já é aplicada em outros países com enorme sucesso, se bem e corretamente utilizada, poderá trazer grande melhorias para o sistema penitenciário brasileiro, uma vez que possibilitará o mais absoluto controle sobre o vigiado sem que ele seja colocado na “escola da criminalidade”[176]”
No entanto, é visível que a medida cautelar em questão terá muito mais eficácia se, aplicada juntamente com outra medida cautelar elencada no art. 319, o que é permitido pela nova legislação.
“Certamente a maior importância do monitoramento eletrônico é como medida auxiliar, a ser aplicada cumulativamente como outra medida cautelar, especialmente para fiscalizá-la. Assim, caso o juiz determine que o réu permaneça em seu domicílio ou que não se aproxime de determinada residência, o monitoramento poderá auxiliar em muito na identificação do espaço geográfico onde se encontra o réu, permitindo a fiscalização da medida. Neste sentido, sua aplicação cumulativa é compatível com a prisão domiciliar (art. 317) e com as medidas do art. 319, incs. II (proibição de acesso ou frequência a determinados lugares), III (proibição de manter contato com pessoa determinada ou obrigação de permanecer distante dela), IV (proibição de ausentar-se da comarca) e V (recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga).[177]”
As possibilidades de utilização do monitoramento eletrônico dependerão da tecnologia disponível, visto que “[…], é noticiado que alguns Estados do País enfrentam dificuldades para aplicação dessa medida, sob argumento de que falta verba para implantar essa tecnologia aos réus que podem ser beneficiados [..].”[178]
Assim, algumas questões devem ser esclarecidas. Inicialmente, trata-se de sistema que trabalha basicamente com zonas de inclusão e exclusão, ou seja, locais em que o monitorado poderá ou não permanecer ou frequentar.
Existem três gerações de tecnologia de monitoramento eletrônico conhecidas.
A primeira geração engloba o sistema passivo e o ativo. No passivo, um computador ou uma pessoa efetua ligações, em determinados momentos ou aleatoriamente, para o monitoramento, com intuito de verificar se realmente está no local determinado. Deve haver uma forma de reconhecimento de que se trata o próprio réu, seja pelo reconhecimento da voz, impressão digital, íris, etc. Já no sistema ativo, há um monitoramento contínuo da pessoa, permitindo saber a localização do monitorado continuamente, sem necessidade de sua colaboração. Nessa modalidade o réu tem um transmissor acoplado ao corpo, via de regra um transmissor que envia sinais através de um receptor transmissor, que geralmente fica na residência do acusado, para uma central.[179]
A segunda geração permite a vigilância por meio de dispositivos de localização global, especialmente o conhecido GPS, em que se indica a localização do monitorado por meio de satélites, enviando tais dados para uma central. Nesse caso, há três componentes: a utilização de satélites, uma rede de estações em terra e os braceletes ou tornozeleiras eletrônicas.[180]
Por fim, a terceira geração comporta a utilização de dispositivos que, uma vez inseridos sob a pele ou no corpo do agente, detectam que um crime está prestes a ser cometido, disparando choques ou liberando sedativos na corrente sanguínea do indivíduo. Essa geração é pouco aceita, apresentando grandes resistências em sua aceitação, em razão das intervenções corporais que impõe. Porém, no Reino Unido se estuda aplicar referido controle para pedófilos.[181]
“De qualquer sorte, o monitoramento eletrônico não deve ser visto como a panaceia de todos os males. O magistrado deve ter bastante cautela ao impor o monitoramento eletrônico, especialmente à luz do risco que visa neutralizar. Se há risco de que o agente volte a delinquir, deve-se analisar se haverá condições pragmáticas de a polícia agir rapidamente e impedir a prática do delito antes que se consume. Ademais, se houver risco de fuga a medida poderá se mostrar ineficiente no caso concreto, pois mesmo que a polícia possa deslocar-se imediatamente ao local onde se verificou o rompimento da pulseira, será possível que o monitorado o faça pouco antes de embarcar em uma estação de trem ou de metrô, por exemplo, inviabilizando sua localização posterior. Nos casos em que há risco para a investigação ou para a instrução criminal, deve o magistrado analisar, com cautela, qual o risco que a liberdade poderá trazer para prova. Se o réu ameaçou testemunha, por exemplo, o monitoramento poderá ser ineficiente, pois será possível que o réu continue a ameaçá-la por outros meios, como telefone, e-mail, correio, etc. Mas se o que se busca é preservar determinado documento, que se encontre em determinado local, contra destruição, a medida poderá ser adequada. Tudo, portanto, passará pela análise da adequação da medida, sobretudo à luz do risco que visa neutralizar.[182]”
O legislador foi muito lacônico na regulamentação da medida. Não tratou dos deveres daquele que utiliza o monitoramento e nem das hipóteses de revogação da medida. Nesse caso, aplicam-se por analogia os deveres indicados no art. 146-C da LEP.
A monitoração eletrônica poderá ser revogada quando se tornar desnecessária ou inadequada e se a pessoa violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua vigência, nos moldes do art. 146-D[183] da LEP c.c. o art 282, § 4º do CPP.
“Haverá descumprimento da medida, ainda, se o indiciado ou acusado danificar o aparelho ou tentar ludibriar, por qualquer meio, o sistema de vigilância, assim também quando se recusar a atender ao chamado do juiz ou do órgão ou instituição responsável pelo monitoramento.[184]”
Em caso de rompimento voluntário da pulseira, além de ser possível, […], a eventual responsabilização do monitorado pelo crime de dano, o agente passa a ser considerado, imediatamente, evadido, sendo possível a sua prisão imediata, nos termos do art. 684 do CPP, que afirma que a recaptura do réu evadido não depende de prévia ordem judicial e poderá ser efetuada por qualquer pessoa.
Apesar de alguns entendimentos no sentido de que a medida é inconstitucional, por violar a dignidade da pessoa humana, por estigmatizar o preso, no entendimento majoritário não há nenhuma inconstitucionalidade, visto que a medida visa evitar os malefícios da prisão e preservar a dignidade e a liberdade ao próprio réu.
“A medida em questão, assim como as demais cautelares, tem caráter coercitivo, daí porque é desnecessária a anuência de indiciado ou acusado para sua decretação. É bem verdade que não se pode constranger o destinatário da medida, física ou moralmente, a utilizar o equipamento eletrônico, mas sua recusa, que importa em descumprimento da obrigação imposta, é motivo para decretação da prisão preventiva […].[185]”
“Tal monitoramento, […], vindo em boa hora, pela primeira vez, passou a ser possível de ser utilizado como meio apto a possibilitar a fiscalização do cumprimento de medidas cautelares.”[186]
Por fim a última medida cautelar alternativa a prisão, se trata da prisão domiciliar disposta nos arts. 317 e 318, tratada em capítulo específico.
“A partir da nova Lei, a prisão provisória tem caráter subsidiário, devendo ser decretada tão apenas em casos extremos, nos quais as medidas cautelares não sejam suficientes para assegurar o processamento do feito e, quando cabível, a devida condenação penal. Isto porque, a medida deve servir à finalidade do processo, ou seja, assegurar que o resultado último aconteça.[187]”
Do estudo exposto acima, pode-se depreender que as medidas cautelares não foram introduzidas em nosso sistema processual penal com a finalidade de abolir a prisão provisória, mas, sim, com o objetivo de consolidar o seu caráter de excepcionalidade, já previsto na Lei Maior.
3.2 Aplicação
O art. 319 não estabeleceu o âmbito de aplicação de cada uma das medidas cautelares e também não fixou uma escala de gravidade entre elas. O critério para fixar qualquer das medidas será observado pelo magistrado, em face das circunstâncias do caso concreto e à luz do princípio da adequação, ou seja, o juiz deve verificar a específica idoneidade da medida em razão da natureza e do grau de exigência cautelar a satisfazer no caso concreto.
O art. 282 do Código de Processo Penal estabelece os critérios que devem nortear a decisão acerca do cabimento das medidas cautelares em geral. São eles:
a) necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais.
“Para que a medida cautelar seja decretada não basta a mera conveniência de sua adoção, exigindo-se que haja fundamento para concluir-se que se mostra imprescindível para tutela dos meios e dos fins do processo.”[188]
“Três são os gêneros de circunstâncias que possibilitam a adoção de medida cautelar:
1) risco para aplicação da lei penal: ocorre quando se verifica a probabilidade de que o investigado ou acusado tentará subtrair-se ao cumprimento da pena acaso venha a ser condenado.
2) Risco para a investigação ou instrução criminal: tem lugar quando o investigado ou acusado cria sérios embaraços para a regular obtenção de provas, tal como na hipótese de ameaçar ou corromper testemunhas.
3) Nos casos expressamente previstos, risco de o investigado ou acusado voltar a praticar infração penal: hipótese em que a personalidade ou os antecedentes do investigado ou réu ou, ainda, as circunstâncias da conduta autorizam a conclusão de que o agente apresenta considerável potencia de reincidência.[189]
O primeiro inciso praticamente descreve os requisitos da prisão preventiva descritos no art. 312 do Código de Processo Penal, porém de forma diferenciada. Consta que as medidas cautelares deverão ser impostas observando-se, de forma alternativa, a existência de prova concreta capaz de evidenciar impossibilidade de aplicação da lei penal, prejudicialidade à investigação ou prejuízos à instrução criminal. Aqui está previsto o requisito da necessidade de aplicação da medida, no qual o dever de aplicação constante no caput se torna fragilizado, quase que uma faculdade, pois a necessidade será verificada por meio de conteúdo probatório.[190]”
b) adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado, em consonância com o Princípio da Proporcionalidade.
“A parte final desse inciso prevê aplicação da cautela nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais, legalizando um temerário subjetivismo profetizatório na aplicação da medida cautelar, bastando uma frágil fundamentação […] de que há possibilidade de reiteração criminosa.[191]”
“Deverá sempre haver sempre proporcionalidade na atuação do juiz no que diz respeito à garantia da utilidade e da eficácia do processo. Equivale a dizer que o juiz deverá estar atento à gravidade abstrata e concreta da infração e às condições de providência cautelar, […]."[192]
“O legislador tampouco estabeleceu requisitos mínimos – como pena, por exemplo – para aplicação das referidas medidas. Assim, em princípio, somente há a restrição prevista no art. 283, § 1º (“As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade”). Apenas para a medida de internação provisória (art. 319,inc. VII) é que estabeleceu a necessidade de infração ser cometida com violência ou grave ameaça à pessoa.[193]”
Em suma, só não é possível a aplicação das medida cautelares alternativas à prisão, quando à infração não for cominada pena privativa de liberdade em nenhuma de suas formas.
“Situação interessante […] é sobre a aplicabilidade das medidas cautelares em se tratando de réu que cumpre pena. Nessa situação, parece que não há aplicabilidade de alternativa cautelar em nova acusação, piorando-se a situação do apenado. […].”[194]
“As medidas alternativas à prisão previstas no art. 319 aplicam-se não apenas aos procedimentos regulados no CPP, mas todo e qualquer procedimento criminal, em primeira ou em segunda instância, como decorrência do próprio art. 1º, parágrafo único, do CPP.”[195]
4 Liberdade provisória
4.1 Com fiança
A liberdade provisória com fiança perdera muito de seu sentido e aplicação em razão de reformas legislativas sem coerência. Especialmente após 1977, com a introdução da liberdade provisória sem fiança do art. 310, parágrafo único, a regra era a liberdade provisória ser sem fiança, o que trazia incoerências difíceis de serem superadas.
Visando dar coerência ao sistema, a Lei 12.403/11 revalorizou a fiança, ao lado de diversas outras medidas cautelares alternativas à prisão, que poderão ser cumuladas com a liberdade provisória com fiança, nos termos do art. 319, § 4º.[196]
“A análise da mens legis da Lei 12.403/11 permite ao hermeneuta afirmar que, ao conferir fôlego à liberdade provisória com fiança […], buscou o legislador inverter o quadro hodierno, no qual a liberdade provisória sem fiança tem sido deveras mais frequente.”[197]
Expõe Ferraz Nogueira e Ferreira Lima que “trata-se a fiança de uma medida liberatória. Eis sua natureza jurídica.”[198]
A fiança exerce duas funções diversas. Pode ser medida cautelar originária ou, ainda, substitutiva da prisão, como contracautela.
A fiança como medida cautelar originária, pode ser decretada mesmo que não haja uma prisão anteriormente decretada, nos termos do art. 319, inc. VIII, do CPP. Mesmo que o agente não tenha sido preso em flagrante e nem tenha havido decretação de sua prisão preventiva, poderá o magistrado, ao receber a denúncia ou em qualquer outro momento procedimental, decretar a fiança, impondo ao réu o pagamento de determinado valor, assim como a observância de todos os deveres referentes à fiança. De outro giro, a fiança também pode substituir alguma prisão anterior, como contracautela. Caso o magistrado, no momento que receber o auto de prisão em flagrante, entenda desnecessária a prisão, poderá conceder a liberdade provisória com fiança. Da mesma forma, caso tenha sido decretada a prisão preventiva em algum momento procedimental, poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela liberdade provisória com fiança, nos termos do art. 321 do CPP.[199]
Como medida cautelar a fiança deve perseguir umas das finalidades indicadas no art. 282, inc. I, do CPP. O art. 319, inc. VIII, concretiza tal dispositivo e afirma que a fiança é especialmente adequada “para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do sue andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial.” Tais conceitos devem ser interpretados conjuntamente com o art. 282, inc. I.[200]
“A fiança é uma garantia patrimonial concedida pelo réu ou por qualquer pessoa por ele, para evitar a prisão ou para substituí-la, vinculando-o ao processo mediante o cumprimento de deveres processuais, sob pena de retorno ao cárcere e perda de parte ou de todo o valor dado como garantia.[201]”
Trata-se, portanto, de uma garantia patrimonial, que vincula o réu ao processo, sob pena de perda do valor e volta ao cárcere. O agente desta forma se compromete à observância dos deveres processuais estabelecidos e, sobretudo, a não fugir.
“A fiança também funciona como mecanismo a assegurar o pagamento das custas processuais e da reparação do dano causado pelo crime. O réu hoje, além da condenação que experimenta pelo crime, é obrigado a arcar com as custas do processo.”
Como toda medida cautelar, a fiança será decretada e mantida enquanto houver necessidade. Desta forma o juiz poderá revogar ou substituir por outra medida se verificar a falta de motivo que subsista. De qualquer sorte, uma vez extinto o processo ou absolvido o réu, a fiança deverá ser devolvida. Isto porque é efeito natural da absolvição a cessação das medidas cautelares e provisoriamente aplicadas.[202]
“A liberdade provisória com fiança somente é cabível nas infrações afiançáveis. A partir da Lei 12.403 ampliou-se bastante as hipóteses de infrações afiançáveis, que passaram a ser a maioria. Chega-se ao conceito de infração afiançável por exclusão, ou seja, pela análise, a contrario sensu, dos arts. 323 e 324, que tratam das hipóteses de inafiançabilidade. Todas as demais situações serão de afiançabilidade.[203]”
Com a Lei n. 12.403/2011, houve aumento significativo das hipóteses em que a autoridade policial poderá arbitrar a fiança. Antes do advento da Lei, ora em comento, somente era permitido à autoridade policial arbitrar fiança na hipótese de prática de crime punido com detenção ou prisão simples, conforme antiga redação do art. 322 do Código de Processo Penal. Com a alteração legislativa e nova redação dada ao art. 322, a autoridade policial poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.
“Pela nova disposição do art. 322, a autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos; nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em quarenta e oito horas. Caso a autoridade policial recuse ou retarde a concessão da fiança, o preso, ou alguém por ele, poderá prestá-la, mediante simples petição, perante o juiz competente, que decidirá em quarenta e oito horas.[204]”
“A fiança é o instituto mais amplo de liberdade – enquanto medida cautelar pessoal – que se pode apresentar. Prova disso é que ela poderá ser de competência tanto da autoridade policial na fase do inquérito como também do juiz de direito.”[205]
“A antiga disciplina legal afirmava que o delegado somente poderia conceder fiança nas infrações afiançáveis apenadas com detenção e prisão simples. Nos delitos apenas com reclusão, caberia somente ao juiz conceder a fiança. A nova legislação afastou-se da distinção entre delitos apenados com reclusão e detenção, que realmente possui pouco sentido atualmente e, muitas vezes, não reflete a gravidade do crime. Segundo a nova redação do art. 322, caput, a autoridade policial poderá conceder fiança nos casos de infração afiançável cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a quatro anos. Assim, ampliou-se bastante a margem de discricionariedade para o delegado de polícia conceder liberdade provisória com fiança. O intuito foi agilizar a concessão da liberdade provisória à pessoa detida, naqueles crimes de menor e médio potencial ofensivo. […].[206]”
Nesse sentido expõe Ferreira Lima e Ferraz Nogueira:
[…], “com a Lei 12.403/11, permitiu-se à autoridade policial conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade seja inferior a 4 anos. Antes da lei em comento, somente era possível a concessão de fiança pela autoridade policial nos crimes punidos com detenção ou prisão simples, o que acabava por enfraquecer o instituto sub examine.[207]”
Importante ressaltar que a capitulação fixada pelo delegado é sempre provisória e nada impede que seja alterada pelo Ministério Público no momento do oferecimento da denúncia, ou mesmo posteriormente, no curso do processo.
Não há previsão expressa acerca do prazo para a autoridade policial conceder fiança. Mas em vista de interpretação sistemática, deve ser concedida em 24 horas a contar da prisão, pois este é o prazo que a autoridade tem para lavrar o auto de prisão em flagrante e encaminhá-lo ao juiz. Sendo que quando fizer essa comunicação, deve a autoridade policial já ter decidido sobre o cabimento ou não da fiança, bem como sobre o valor. A concessão de fiança pelo delegado não depende de requerimento e, em caso de indeferimento, deve ser motivada. De qualquer sorte, se nos crime afiançáveis a autoridade policial não conceder a fiança, o preso ou alguém por ele, “poderá prestá-la mediante simples petição, perante o juiz competente, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas”, segundo a nova redação do art. 335[208]. Neste caso a nova legislação dispensa a oitiva do delegado pelo juiz, ao contrário da antiga disciplina, e fixa o prazo de 48 horas para o magistrado decidir sobre a fiança, prazo esse inexistente na antiga lei.[209]
Por outro lado, nas infrações cuja pena máxima seja superior a quatro anos, a concessão da fiança é de competência exclusiva do juiz, que poderá concedê-la no prazo de 48 horas, segundo o teor do parágrafo único do art. 322.
Importante ressaltar que, nas análises da pena máxima do delito, deve-se verificar eventual concurso de crimes, somando-se as penas em caso de concurso material ou ampliando-se a majorante ao máximo, se concurso formal ou crime continuado, conforme raciocínio constante da Súmula 81[210] do STJ. Da mesma forma, as qualificadoras e causas de aumento e diminuição também devem ser consideradas.
[…], “em caso de prisão em flagrante, a autoridade competente para conceder a fiança será o delegado que lavrou o respectivo auto. Se a prisão decorrer de mandado, o juiz que houver expedido já fixará o valor da fiança, se for cabível. Se não o tiver feito, o fará a autoridade judiciária ou policial a quem tiver sido requisitada a prisão, nos termos do art. 332 do CPP.[211]”
“Art. 332 – Em caso de prisão em flagrante, será competente para conceder a fiança a autoridade que presidir ao respectivo auto, e, em caso de prisão por mandado, o juiz que o houver expedido, ou a autoridade judiciária ou policial a quem tiver sido requisitada a prisão.[212]”
Segundo a dicção legal, o MP não precisa ser ouvido sobre a concessão da liberdade com fiança, em decorrência da necessidade de celeridade na concessão da liberdade. A pessoa presa assim já é colocada em liberdade mediante pagamento de fiança para evitar que venha a ficar presa desnecessariamente. Porem quando se trata de concessão de fiança pelo juiz, inexiste justificativa para a não oitiva do MP, visto que o prazo para a concessão da liberdade provisória pelo juiz será de 48 horas. Se assim é, o ideal é que o magistrado ouça, previamente, o MP sobre a fiança, no prazo de 24 horas.[213]
“Ademais, a liberdade provisória concedida pelo juiz não é somente mediante fiança, ao contrário da concedida pela autoridade policial. […], a concessão de fiança pela autoridade policial, mesmo tendo sido ampliado seu campo de abrangência […], traz apenas duas alternativas: conceder fiança ou manter o réu preso. Ao contrário, o juiz terá um amplo leque de situações que poderão ser analisadas, podendo conceder liberdade provisória mediante a aplicação cumulativa de medidas cautelares (art. 282, § 1º). […][214]”
A lei em comento trouxe várias outras alterações no tocante à fiança, quais sejam: adaptou as hipóteses de crimes inafiançáveis conforme as previsões constitucionais; o fato de o réu ser vadio deixou de ser causa de não concessão da fiança; da mesma forma, o clamor público não é mais causa de não concessão da fiança; o fato de o réu estar no gozo de suspensão condicional da pena ou de livramento condicional não mais está entre as hipóteses de não concessão de fiança; aumentou o valor da fiança, podendo chegar, hoje, a até R$ 108 milhões.[215]
Os valores da fiança foram atualizados e consideravelmente aumentados pela nova disciplina legal. O art. 325 indica quais são os limites para a fixação do valor da fiança, estabelecendo o mínimo e o máximo dentro do qual o juiz ou a autoridade poderão fixar a fiança. Atualmente tais patamares variam de acordo com a pena máxima do delito.
“Art. 325 – O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites:
I – de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos;
II – de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos.
§ 1º Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser:
I – dispensada, na forma do art. 350 deste Código;
III – aumentada em até 1.000 (mil) vezes.[216]”
Explica o Ilustre Doutrinador Rômulo de Andrade Moreira sobre os valores fixados para fiança pela nova legislação:
“O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder entre um a cem salários-mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grã máximo, não for superior a quatro anos e de dez a duzentos salários-mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a quatro anos. Nada obstante tais limites, se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser dispensada na hipótese do art. 350 […], ser reduzida até o máximo de dois terços ou ser aumentada em até mil vezes. A fiança poderá ser prestada enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória.[217]”
Pode ser que a situação econômica do preso indique a necessidade de aumentar o valor da fiança, pois o valor máximo pode se mostrar inadequado, em razão do alto patrimônio do réu. Nesse caso, o juiz poderá aumentar em até mil vezes o valor da fiança, conforme dispõe o art. 325, § 1º, III. Porém em ralação à dispensa do valor, o art. 325, § 1º, I, remete a questão ao art. 350 do Código de Processo Penal, que assim dispõe:
“Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares, se for o caso.”[218]
Até a edição da lei em comento, a fixação do valor da fiança era tão complexa que as corregedorias do Poder Judiciário e da Polícia editavam tabelas para indicar qual seria o valor da fiança. A nova legislação, porém afastou as dificuldades, estabelecendo o salário mínimo a ser utilizado para fixação da fiança.
“Embora o legislador não deixe claro, na consideração do valor do salário mínimo, deve a autoridade utilizar aquele em vigor na data da decisão judicial e não do fato delituoso. Como a fiança é instituto tipicamente processual, não se aplica o princípio da anterioridade, sendo impertinente invocá-lo, por não se tratar de pena ou sanção penal. Aplica-se o princípio da aplicação imediata, em raciocínio semelhante ao que guia o art. 2º do CPP.[219]”
Dentro de cada patamar, o magistrado deverá fixar o valor observando os critérios dispostos no art. 326 do CPP, dispositivo este que não foi alterado pela Lei 12.403/11.
“Art. 326 – Para determinar o valor da fiança, a autoridade terá em consideração a natureza da infração, as condições pessoais de fortuna e vida pregressa do acusado, as circunstâncias indicativas de sua periculosidade, bem como a importância provável das custas do processo, até final julgamento.[220]”
Embora a fiança, em caso de condenação, possa vir a servir também para a indenização do dano e, com a nova redação do art. 336, também para o pagamento da prestação pecuniária, tais critérios não são mencionados expressamente no art. 326 como orientadores para a fixação do valor da fiança. Porém, o valor do dano causado à vítima, certamente, deve influenciar o magistrado na fixação da fiança, especialmente porque esta deve espelhar a natureza da infração praticada.[221]
“Art. 336. O dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu for condenado.
Parágrafo único. Este dispositivo terá aplicação ainda no caso da prescrição depois da sentença condenatória (art. 110 do Código Penal)..[222]”
Como já mencionado, a nova redação do art. 336 inclui a prestação pecuniária, que é uma das penas restritivas de direito passíveis de serem impostas ao réu, nos termos do art. 43, inc. I, do CP.
De outro giro, no caso de extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão executória, o art. 336, parágrafo único, afirma que o valor não será devolvido a quem prestou fiança, mas será utilizado para os fins indicados no caput.
O afiançado fica vinculado ao processo, mediante o estabelecimento de diversos deveres processuais. Exige-se do réu afiançado que mantenha boa conduta, de acordo com a lealdade processual e de boa-fé, durante todo o processo, a indicar que faz jus à manutenção de sua liberdade. Justamente por isto se afirma que o descumprimento injustificado dos deveres pelo afiançado levará ao quebramento da fiança, nos termos do art. 341.[223]
“Considerar-se-á quebrada a fiança quando o acusado, regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo; quando deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo ou descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança; se resistir injustificadamente a ordem judicial ou, por fim, se vier a praticar nova infração penal doloso. Nesse caso de injustificado o quebramento, o acusado perderá metade do valor prestado, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva. No caso de quebramento de fiança, deduzidas as custas e mais encargos a que o acusado estiver obrigado, o valor restante será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei.[224]”
Sobre a quebra da fiança dispõe Ferreira Lima e Ferraz Nogueira:
[…]. “Trata-se do descumprimento de alguma das obrigações processuais impostas quando da concessão da liberdade provisória (arts. 327 e 328 do CPP)[225]. A consequência é a revogação da liberdade, id est, a prisão, desde que presentes os pressupostos cautelares e tridimensional, vez que não se admite prisão consequencial no Brasil.[226]”
O mais importante dever processual do afiançado é o de pagar a fiança. Em verdade, muito mais que propriamente um dever, é o pressuposto para concessão ou manutenção da liberdade do réu. Sendo assim, caso seja fixada a fiança e o réu não a recolha, será mantido preso ou poderá o juiz decretar medida mais gravosa.
Outros deveres do afiançado são: comparecer perante a autoridade todas as vezes que for intimado para atos do inquérito, do processo ou para o julgamento; não mudar de residência sem prévia permissão da autoridade processante, nos termos do art. 328 do CPP; não se ausentar por mais de oito dias de sua residência, sem comunicar à autoridade o lugar onde será encontrado, também nos termos do art. 328 do CPP; contribuir para regular andamento do processo, onde segundo o inc. II do art. 341, será motivo para quebra da fiança quando o acusado deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo; cumprir a medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança; não resistir injustificadamente a ordem judicial; e também não praticar nova infração penal dolosa, conforme a nova redação do art. 341, inc. V.[227]
Eis o teor do dispositivo acrescido pela referida lei:
“Art. 341. Julgar-se-á quebrada a fiança quando o acusado:
I – regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo;
II – deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo;
III – descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança;
IV – resistir injustificadamente a ordem judicial;
V – praticar nova infração penal dolosa.[228]”
O acréscimo realizado é, deveras, pertinente, especialmente no que concerne ao descumprimento de medida cautelar imposta cumulativamente com fiança. De fato, ao proceder desta forma, o legislador conferiu maior eficácia ao instituto recém-criado das medidas cautelares alternativas à prisão, dispostas no art. 319, na medida em que acarreta como consequência do descumprimento das obrigações impostas a quebra da fiança.[229]
Caso ocorra a quebra da fiança, haverá três consequências importantes. A primeira é a perda de metade do valor da fiança, nos termos do art. 343, primeira parte, do CPP. Neste caso, esse valor será utilizado para pagamento das custas e demais encargos a que estiver obrigado. A segunda consequência, também prevista pelo art. 343 do CPP, é que o juiz analisará o cabimento da decretação de medida cautelar mais gravosa, dentre elas a decretação da prisão preventiva. [230]
“Art. 343. O quebramento injustificado da fiança importará na perda de metade do seu valor, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva.”[231]
A terceira consequência da quebra da fiança é que naquele processo o acusado não poderá mais prestar fiança, nos termos do art. 324, inc. I[232], do CPP. Ou seja, uma vez quebrada a fiança, não será mais permitido ao réu a mesma prerrogativa, tornando-se, naquele feito, inafiançável a infração. Porém nada impede que outras medidas cautelares sejam aplicadas ao réu.[233]
Nesse sentido expõe Ferreira Lima e Ferraz Nogueira:
[…], “o art. 343 manteve o perdimento de metade do valor, alterando o dispositivo no que tange ao recolhimento obrigatório à prisão. Com efeito, não há mais falar em prisão consequencial, razão pela qual o legislador previu que, no caso de quebramento da fiança, procederá o juiz à imposição de outras medidas cautelares (diversas da prisão) e, se for o caso (rectius: “em último caso”, na esteira do § 4º inserido ao art. 282 do CPP pela Lei 12.403/11), decretará a prisão cautelar, desde que presentes os requisitos tridimensional e cautelares.[234]”
Dispõe o art. 282 da Lei 12.403/11 em seu § 4º:
“§ 4o No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).[235]”
Tendo em vista as graves consequências do quebramento da fiança, o legislador impõe, no art. 329, parágrafo único[236], que o escrivão notifique e esclareça o réu e quem irá prestar a fiança dos deveres impostos e das sanções previstas, fazendo constar nos autos. Se não for feita esta notificação ou não houver como provar que a mesma foi feita, não serão impostas as consequências do descumprimento da fiança, conforme já decidiu o STJ.[237]
No que diz respeito ao perdimento da fiança, dá-se o perdimento na hipótese de o condenado não se apresentar à prisão quando do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
De fato, nesse sentido é a Lei 12.403/11 que alterou o art. 344 do CPP, nos seguintes temos:
“Art. 344. Entender-se-á perdido, na totalidade, o valor da fiança, se, condenado, o acusado não se apresentar para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta.”[238]
Em caso de perda da fiança, o art. 345, também com nova redação, afirma que serão deduzidos os encargos a que o réu está obrigado, ou seja, aqueles indicados no art. 336.
“Art. 345. No caso de perda da fiança, o seu valor, deduzidas as custas e mais encargos a que o acusado estiver obrigado, será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei.” [239]
Além de tudo o que foi explanado acima, há alguns incidentes relativos à fiança que não foram alterados pela Lei 12.403/2011, quais sejam: reforço, cassação da fiança, bem como fiança sem efeito. Vejamos resumidamente.
“É possível que seja necessário exigir o reforço da fiança, quando circunstâncias posteriores a torne insuficiente. Ou seja, em momento posterior à fixação da fiança, será necessário um novo aporte, depositando-se bens ou valores para complementar o valor devido.”
Justamente nesse sentido, o art. 340 assim dispõe:
“Art. 340. Será exigido o reforço da fiança:
I – quando a autoridade tomar, por engano, fiança insuficiente;
II – quando houver depreciação material ou perecimento dos bens hipotecados ou caucionados, ou depreciação dos metais ou pedras preciosas;
III – quando for inovada a classificação do delito.
Parágrafo único – A fiança ficará sem efeito e o réu será recolhido à prisão, quando, na conformidade deste artigo, não for reforçada.[240]”
Caso seja determinado o reforço da fiança e o réu, ou alguém por ele, não o faça, a fiança ficará sem efeito, nos termos do art. 340, parágrafo único.
“Se a fiança for declarada sem efeito ou passar em julgado sentença que houver absolvido o acusado ou declarada extinta a ação penal, o valor que constituir, atualizado, será restituído sem desconto, salvo no caso da prescrição depois da sentença condenatória (art. 110 do Código Penal).[241]”
A cassação da fiança ocorre quando se reconheça, em decisão posterior, não ser cabível a fiança anteriormente concedida, nos termos dos arts. 338 e 339. Assim, ocorrerá quando foi concedida a fiança em hipótese que passou a não ser cabível a fiança, diante da nova classificação do delito. Trata-se da chamada fiança inidônea, ou seja, aquela fiança concedida em hipótese na qual não era admissível.[242]
“Em caso de cassação da fiança, o valor depositado será devolvido ao acusado. Realmente, como a questão diz respeito à divergência na classificação do delito, não há qualquer responsabilidade do afiançado na mudança da tipificação do delito.”[243]
“Outra consequência indireta da cassação da fiança seria que o réu, em princípio, deveria recolher-se à prisão. Porém, aqui também o juiz somente deve decretar a prisão preventiva se for o caso, pois pode entender cabível e mais adequada outra medida alternativa à prisão (art. 319). […].[244]”
4.2 Sem fiança
No que tange à liberdade provisória sem fiança, uma incoerência no sistema de medidas cautelares pessoais. No Brasil é mais fácil se conseguir a concessão de liberdade provisória sem fiança do que com fiança, isso se dá em razão da série de requisitos que se exige para a liberdade provisória com fiança, em contraposição à liberdade provisória sem fiança, instituto mais simples, porém de maior grau de subjetivismo.[245]
Existem três hipóteses em que é aplicável a liberdade provisória sem fiança. A primeira ocorre quando, mesmo sendo afiançável a infração, a situação econômica de penúria do réu indicar a necessidade de dispensa do pagamento da fiança, nos termos do art. 350 do CPP. Embora não se faça menção expressa, o referido dispositivo deve ser aplicado somente nas hipóteses de pobreza, como fazia a antiga redação do CPP. A nova redação do dispositivo não exige mais que seja “impossível” o pagamento da fiança pelo réu. Referida disposição denotava rigor excessivo, uma vez que em muitas situações, o pagamento da fiança é possível, mas exige tamanhos sacrifícios à subsistência e ao mínimo de bem-estar do acusado ou de sua família. Nesse caso os vínculos serão os mesmos da fiança, porém não haverá o pagamento do valor.[246]
A segunda hipótese será no caso de o juiz verificar que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incs. I a III do caput do art. 23 do Código Penal, ou seja, sob o manto de uma causa excludente de antijuridicidade, nos termos do art. 310, parágrafo único, do CPP. Nestes casos há uma grande probabilidade de o agente vir a ser absolvido ao final, qualquer medida cautelar mais gravosa mostrar-se-á desproporcional em relação ao provável resultado futuro do processo. Sendo assim, teremos a liberdade provisória mais tênue de todas: o vínculo consistirá somente no comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação.[247]
Por fim, a terceira e mais importante situação, quando a situação for inafiançável. Neste caso, o magistrado poderá impor as medidas alternativas indicadas no art. 319, isolada ou cumulativamente, com exceção da fiança, vinculando-o mais ou menos ao processo. As situações onde ocorre a inafiançabilidade estão indicadas nos artigos 323 e 324 do CPP, já alterados pela Lei 12.403/2011.[248]
Dispõe os artigos 323 e 324 da referida Lei:
“Art. 323. Não será concedida fiança:
I – nos crimes de racismo;
II – nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos;
III – nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
IV – (revogado);
V – (revogado).
Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:
I – aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código;
II – em caso de prisão civil ou militar;
III – (revogado);
IV – quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).[249]”
No art. 323 são indicados os crimes que, pela sua própria natureza e gravidade, são inafiançáveis. Por sua vez, o art. 324 traz situações que podem ser aplicáveis a qualquer infração, em princípio afiançável, mas que pela presença dos requisitos do art. 324 passarão a ser inafiançáveis. Há, portanto, crimes inafiançáveis no art. 323 e hipóteses de inafiançabilidade no art. 324.[250]
“O fato de uma infração ser inafiançável não impede a liberdade provisória. Impede tão somente a liberdade provisória com fiança. É, ao menos, o que prevalece.”[251]
[…], “inafiançabilidade é característica daquilo que não comporta fiança. Se a pretensão do legislador constituinte era dizer mais que isso, deveria dizer que aqueles crimes a que se referiu eram insuscetíveis de liberdade provisória. Mas não disse, e por isso podemos dar interpretação mais ampla ao dispositivo que impõe restrição ao sagrado direito à liberdade, valor de extração máxima no Texto Constitucional.[252]”
Nesse sentido expõe Fernando Capez: “Em se tratando de infrações inafiançáveis, como crimes hediondos, racismo, tráfico de drogas, etc., não havendo necessidade de prisão preventiva, nem de providências cautelares alternativas, também caberá liberdade provisória.”[253]
“O simples fato de uma infração ser abstratamente grave não pode ser justificativa para a manutenção do cárcere […], pois, neste caso, a prisão perderia seu caráter cautelar para ser antecipação de pena, em afronta ao princípio da presunção de inocência. Neste sentido quando a Constituição nega a fiança, isto não significa, em hipótese alguma, a negativa de liberdade, podendo ser obtida a liberdade provisória sem fiança. O próprio art. 5º, inc. LXVI, faz menção à possibilidade de outro tipo de liberdade provisória, sem necessidade de pagamento da fiança. O que leva à negativa da liberdade provisória não é o cabimento ou não da fiança, mas sim haver ou não necessidade da prisão.[254]”
Se o magistrado vislumbrar a necessidade da decretação da prisão preventiva, o réu deverá ficar preso, enquanto a prisão se mostrar necessária e adequada. Porém, ausente a necessidade da prisão, não há razoabilidade em vedar a liberdade provisória ao réu, mantendo-o preso durante todo o processo, pelo fato de ter sido preso em flagrante e se tratar de infração inafiançável. Inclusive, a Lei 12.403/11 veio sepultar, de maneira definitiva, qualquer possibilidade de haver prisão ou qualquer outra medida cautelar automática.[255]
No entanto, os vínculos impostos na liberdade provisória sem fiança não podem ser mais tênues que os vínculos impostos na liberdade provisória com fiança. Em outras palavras, para os crimes inafiançáveis o magistrado deve, em princípio, impor vínculos mais gravosos que para infrações afiançáveis, em observância ao mandado constitucional.
Para tanto, poderá aplicar isolada ou cumulativamente as medidas alternativas à prisão do art. 319. Esta interpretação está de acordo com a nova disciplina legal, pois o art. 282, inc. II, afirma que a medida cautelar deve ser adequada, entre outros fatores, à gravidade do crime.
A regra deve ser, portanto, que a liberdade provisória sem fiança nos crimes inafiançáveis seja mais severa e com vínculos mais fortes que a liberdade provisória com fiança. Caso contrário, para infrações mais graves haveria tratamento mais benevolente, o que afrontaria o princípio da isonomia e manteria a incoerência presente na sistemática legal anterior à Lei 12.403/2011.
Sobre a liberdade provisória nos crimes inafiançáveis entende o ilustre doutrinador Fernando Capez:
[…]. “Em vez de gravame, ao que parece, estamos diante de um benefício: mesmo que o juiz queira impor uma fiança de 200 mil salários mínimos para um traficante, a lei o impedirá, pois se trata de crime inafiançável. Com efeito, essa estranha figura da liberdade provisória sem fiança (criada pela Lei n. 6.416/77), torna mais vantajoso responder por um crime inafiançável do que por um crime afiançável, já que a liberdade provisória, quando for o caso, jamais poderá ser concedida acompanhada pela incômoda fiança.[256]”
Após a entrada em vigor da Lei em questão, os crimes cometidos com violência ou grave ameaça passaram a ser afiançáveis. Da mesma forma, o reincidente poderá fazer jus à fiança. Porém, nada impede que a autoridade analise tais circunstâncias para asseverar que a infração é inafiançável por estar presentes os motivos da prisão preventiva, nos termos da atual redação do art. 324, inc. IV.[257]
No que tange as hipóteses de inafiançabilidade em legislação especial, “parece-nos que houve revogação tácita dos dispositivos previstos em legislação especial. Em uma primeira leitura, poderia parecer que foram mantidas as hipóteses de vedação previstas em legislação especial, por aplicação do princípio da especialidade. Porém, não é o caso.”[258]
Um dos objetivos explícitos da Lei 12.403/2011 foi dar coerência à liberdade provisória. Para tanto, disciplinou completamente a matéria no texto do CPP, de maneira ampla. O legislador não se conteve em disciplinar as hipóteses gerais, mas fez menção a vários crimes previstos inclusive em legislação especial, tais como crime de racismo, terrorismo, etc. Como tratou e regulou inclusive crimes previstos e disciplinados em legislações especiais, resta claro que a nova sistemática buscou disciplinar de maneira ampla e total a questão, afastando qualquer disposição paralela ou diversa.[259]
6 Conclusão
O trabalho realizado demonstrou a evolução histórica das reformas no âmbito processual penal, as causas de sua ocorrência, os seus reflexos na sociedade, partindo da análise da Lei 12.403/2011, que alterou dispositivos do Código de Processo Penal, alguns vigentes desde a criação do Diploma Legal supracitado em 1941.
A Lei em comento, ainda recente em nosso ordenamento jurídico, desde sua publicação e entrada em vigor tem causado grandes embates jurídicos, isto porque parcela considerável de doutrinadores processualistas e a sociedade de uma forma geral, têm pregado a benevolência da nova legislação, asseverando ser mais uma forma de assegurar a impunidade.
Entretanto, deixar de decretar a prisão cautelar para decretar medidas cautelares mais brandas a pessoas que ainda não podem ser consideradas culpadas, não é fomentar a impunidade, mas, sim ir de encontro com o que estabelece a Lei Maior. Ademais, os acusados que já mereciam responder presos aos processos, em face de suas condições pessoais ou da gravidade concreta dos crimes praticados, continuarão privados da liberdade. E os réus em relação aos quais a prisão processual se mostrava exagerada, e permaneciam em liberdade plena, agora serão atingidos pelas medidas cautelares, sendo que, se as obrigações decorrentes da medida cautelar não forem cumpridas, será possível a decretação da prisão preventiva. Um avanço, sem dúvida.
A flexibilidade dada ao juiz foi de extrema valia, visto que antes o magistrado deveria decidir entre converter o flagrante em preventiva ou soltar o acusado. Sendo que muitas das vezes, mantinha-se a prisão. Porém, ao final, na sentença condenatória, o transgressor recebia uma pena privativa de liberdade inferior a que ele já havia cumprido, levando-se em conta a morosidade do processo penal atual, e, em muitos casos, o apenado, que conviveu na “escola do crime”, ao sair da prisão, cometia atrocidades piores do que as anteriores.
Desta feita, a ampliação do rol das cautelares, com natureza excepcional a prisão, medida que deve, portanto, funcionar como ultima ratio, é algo a ser festejado. Agora, o juiz não fica mais escravo da prisão provisória, podendo lançar mão de outras medidas em substituição a ela. Esse talvez seja o ponto mais relevante da reforma.
A criação de medidas cautelares diversas da prisão humaniza a persecução penal, porquanto possibilita a imposição de mecanismos de restrição menos gravosos que a prisão, embora eficazes a atingir o mesmo fim. A necessidade da medida excepcional da prisão passa a ser avaliada não só a partir de um juízo de probabilidade, como também de certeza, diante da prova cabal da ineficácia de tutela inibitória mais branda, resultante de seu descumprimento por parte do investigado ou réu.
A nova legislação veio em boa hora também para desafogar a caótica situação do sistema carcerário brasileiro, que clamava por uma solução há muito tempo, haja vista, que até a entrada em vigor da Lei 12.403/2011, cerca de 44% dos presos eram provisórios.
O cárcere na atualidade tem se estabelecido mais como uma fábrica de criminosos do que medida de ressocialização do condenado. Com efeito, manter presos provisórios nesses estabelecimentos, sem que já tenham condenação, é antes de tudo violação ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, outrossim, traz graves preocupantes ao indiciado ou suposto acusado, que ainda pode ao final do processo ser declarado inocente.
Contudo, a Lei em questão, assim como as demais Legislações tem duas vertentes, apresenta também seu lado negativo, pois, na prática, trará as ruas, centenas de transgressores que ainda não foram condenados, os quais em dado momento poderá ofender os direitos fundamentais dos demais cidadãos, criando motivos para afastá-los do convívio social.
Sendo assim, fica evidente que a lei em testilha viola o texto constitucional, uma vez que, por força dos seus artigos 5º e 144, os direitos à vida, incolumidade física, liberdade, segurança, propriedade, ordem pública ficam fragilizados e desprotegidos.
Nesse sentido, o temor é que as novas medidas não sirvam para diminuir o número de presos provisórios, mas que consistam em instrumento de expansão do sistema penal, colocando restrições sobre aqueles que não necessitam. Desta forma, é forçoso reconhecer a necessidade de controle de constitucionalidade da Lei n. 12.403/2011, com o escopo de proteger a contento os direitos fundamentais em ambas as vertentes do garantismo penal.
A Lei em questão também encerra falhas, ao não prever formas de fiscalização das medidas cautelares, já que estas são a essência da nova lei. Qualquer lidador da arena jurídica criminal sabe que o Estado não detém a mínima estrutura para fiscalizar o cumprimento de tais medidas pelo beneficiado, tornando-as absolutamente inócuas.
Diante disto, caberá ao magistrado impor medidas cautelares que não necessitem de fiscalizações de outros agentes, como por exemplo, o comparecimento mensal em fórum; suspensão do exercício de função pública; monitoramento eletrônico; fiança; entrega de passaporte, etc.
Com toda a certeza, a nova legislação trouxe inúmeras discussões a tona, seja por seus prós ou contras. No entanto, mesmo possuindo algumas falhas suas alterações foram de grande valia ao Processo Penal, que implorava por alterações há muito tempo. Mal ou bem, o legislador fez o seu papel, dotando o Estado de instrumentos processuais capazes de evitar ou de minorar o problema. Percebemos que, do ponto de vista sistêmico, houve melhora e o elevado índice de prisão só não diminuirá se a cultura jurídica autoritária não permitir.
A Lei nº 12.403/2011 veio em boa hora e de maneira positiva, buscando encerrar os excessos na decretação de prisões cautelares e impor limites mais adequados ao acusado em processo não findo, sem, entretanto, privar-lhe do bem tão precioso que é a liberdade.
Enfim, todas essas inovações se traduzem em emanações concretas do direito à liberdade, dos princípios da não culpabilidade, da proporcionalidade, do devido processo legal e, sobretudo, da dignidade da pessoa humana.
Conclui-se, o presente trabalho, buscando arrimo nas palavras do hermeneuta Antonio Scarance Fernandes, “a história é marcada por movimentos pendulares, ora prevalecendo ideias de segurança social, de eficiência repressiva, ora predominando pensamentos de proteção ao acusado, de afirmação e preservação de suas garantias.”[260]
ANEXO – QUADRO COMPARATIVO
Lei 12.403/2011: altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos à prisão processual, fiança, liberdade provisória, demais medidas cautelares, e dá outras providências. Quadro comparativo: |
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ANTES |
DEPOIS |
Art. 282. À exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão em virtude de pronúncia ou nos casos determinados em lei, e mediante ordem escrita da autoridade competente. |
Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título[1] deverão ser aplicadas observando-se a: I – necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais; II – adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado. § 1o As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente. § 2o As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público. § 3o Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo. § 4o No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único). § 5o O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem. § 6o A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319). (NR) |
Art. 283. A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio. |
Art. 283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva. § 1o As medidas cautelares previstas neste Título não se aplicam à infração a que não for isolada, cumulativa ou alternativamente cominada pena privativa de liberdade. § 2o A prisão poderá ser efetuada em qualquer dia e a qualquer hora, respeitadas as restrições relativas à inviolabilidade do domicílio. (NR) |
Art. 289. Quando o réu estiver no território nacional, em lugar estranho ao da jurisdição, será deprecada a sua prisão, devendo constar da precatória o inteiro teor do mandado. Parágrafo único. Havendo urgência, o juiz poderá requisitar a prisão por telegrama, do qual deverá constar o motivo da prisão, bem como, se afiançável a infração, o valor da fiança. No original levado à agência telegráfica será autenticada a firma do juiz, o que se mencionará no telegrama. |
Art. 289. Quando o acusado estiver no território nacional, fora da jurisdição do juiz processante, será deprecada a sua prisão, devendo constar da precatória o inteiro teor do mandado. § 1o Havendo urgência, o juiz poderá requisitar a prisão por qualquer meio de comunicação, do qual deverá constar o motivo da prisão, bem como o valor da fiança se arbitrada. § 2o A autoridade a quem se fizer a requisição tomará as precauções necessárias para averiguar a autenticidade da comunicação. § 3o O juiz processante deverá providenciar a remoção do preso no prazo máximo de 30 (trinta) dias, contados da efetivação da medida. (NR) |
Art. 289-A. O juiz competente providenciará o imediato registro do mandado de prisão em banco de dados mantido pelo Conselho Nacional de Justiça para essa finalidade. § 1o Qualquer agente policial poderá efetuar a prisão determinada no mandado de prisão registrado no Conselho Nacional de Justiça, ainda que fora da competência territorial do juiz que o expediu. § 2o Qualquer agente policial poderá efetuar a prisão decretada, ainda que sem registro no Conselho Nacional de Justiça, adotando as precauções necessárias para averiguar a autenticidade do mandado e comunicando ao juiz que a decretou, devendo este providenciar, em seguida, o registro do mandado na forma do caput deste artigo. § 3o A prisão será imediatamente comunicada ao juiz do local de cumprimento da medida o qual providenciará a certidão extraída do registro do Conselho Nacional de Justiça e informará ao juízo que a decretou. § 4o O preso será informado de seus direitos, nos termos do inciso LXIII do art. 5o da Constituição Federal e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, será comunicado à Defensoria Pública. § 5o Havendo dúvidas das autoridades locais sobre a legitimidade da pessoa do executor ou sobre a identidade do preso, aplica-se o disposto no § 2o do art. 290 deste Código. § 6o O Conselho Nacional de Justiça regulamentará o registro do mandado de prisão a que se refere o caput deste artigo. |
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Art. 299. Se a infração for inafiançável, a captura poderá ser requisitada, à vista de mandado judicial, por via telefônica, tomadas pela autoridade, a quem se fizer a requisição, as precauções necessárias para averiguar a autenticidade desta. |
Art. 299. A captura poderá ser requisitada, à vista de mandado judicial, por qualquer meio de comunicação, tomadas pela autoridade, a quem se fizer a requisição, as precauções necessárias para averiguar a autenticidade desta. (NR) |
Art. 300. Sempre que possível, as pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem definitivamente condenadas. |
Art. 300. As pessoas presas provisoriamente ficarão separadas das que já estiverem definitivamente condenadas, nos termos da lei de execução penal. Parágrafo único. O militar preso em flagrante delito, após a lavratura dos procedimentos legais, será recolhido a quartel da instituição a que pertencer, onde ficará preso à disposição das autoridades competentes. (NR) |
Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou a pessoa por ele indicada. § 1o Dentro em 24h (vinte e quatro horas) depois da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. § 2o No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e o das testemunhas. |
Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada. § 1o Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. § 2o No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas. (NR) |
Art. 310. Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato, nas condições do art. 19, I, II e III, do Código Penal, poderá, depois de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação. Parágrafo único. Igual procedimento será adotado quando o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva (arts. 311 e 312). |
Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente: I – relaxar a prisão ilegal; ou II – converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III – conceder liberdade provisória, com ou sem fiança. Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação. (NR) |
Art. 311. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público, ou do querelante, ou mediante representação da autoridade policial. |
Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, de ofício, se no curso da ação penal, ou a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial. (NR) |
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. |
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria. Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o). (NR) |
Art. 313. Em qualquer das circunstâncias, previstas no artigo anterior, será admitida a decretação da prisão preventiva nos crimes dolosos: I – punidos com reclusão; II – punidos com detenção, quando se apurar que o indiciado é vadio ou, havendo dúvida sobre a sua identidade, não fornecer ou não indicar elementos para esclarecê-la; III – se o réu tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no parágrafo único do art. 46 do Código Penal. IV – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei específica, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência. |
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva: I – nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos; II – se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal; III – se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência; IV – (revogado). Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. (NR) |
Art. 314. A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições do art. 19, I, II ou III, do Código Penal. |
Art. 314. A prisão preventiva em nenhum caso será decretada se o juiz verificar pelas provas constantes dos autos ter o agente praticado o fato nas condições previstas nos incisos I, II e III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal. (NR) |
Art. 315. O despacho que decretar ou denegar a prisão preventiva será sempre fundamentado. |
Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada. (NR) |
Art. 317. A apresentação espontânea do acusado à autoridade não impedirá a decretação da prisão preventiva nos casos em que a lei a autoriza. |
Art. 317. A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial. (NR) |
Art. 318. Em relação àquele que se tiver apresentado espontaneamente à prisão, confessando crime de autoria ignorada ou imputada a outrem, não terá efeito suspensivo a apelação interposta da sentença absolutória, ainda nos casos em que este Código lhe atribuir tal efeito. |
Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for: I – maior de 80 (oitenta) anos; II – extremamente debilitado por motivo de doença grave; III – imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência; IV – gestante a partir do 7o (sétimo) mês de gravidez ou sendo esta de alto risco. Parágrafo único. Para a substituição, o juiz exigirá prova idônea dos requisitos estabelecidos neste artigo. (NR) |
Art. 319. A prisão administrativa terá cabimento: I – contra remissos ou omissos em entrar para os cofres públicos com os dinheiros a seu cargo, a fim de compeli-los a que o façam; II – contra estrangeiro desertor de navio de guerra ou mercante, surto em porto nacional; III – nos demais casos previstos em lei. § 1o A prisão administrativa será requisitada à autoridade policial nos casos dos ns. I e III, pela autoridade que a tiver decretado e, no caso do no II, pelo cônsul do país a que pertença o navio. § 2o A prisão dos desertores não poderá durar mais de três meses e será comunicada aos cônsules. § 3o Os que forem presos à requisição de autoridade administrativa ficarão à sua disposição. |
Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão: I – comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades; II – proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações; III – proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante; IV – proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução; V – recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos; VI – suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais; VII – internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração; VIII – fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial; IX – monitoração eletrônica. § 1o (Revogado). § 2o (Revogado). § 3o (Revogado). § 4o A fiança será aplicada de acordo com as disposições do Capítulo VI deste Título, podendo ser cumulada com outras medidas cautelares. (NR) |
Art. 320. A prisão decretada na jurisdição cível será executada pela autoridade policial a quem forem remetidos os respectivos mandados. |
Art. 320. A proibição de ausentar-se do País será comunicada pelo juiz às autoridades encarregadas de fiscalizar as saídas do território nacional, intimando-se o indiciado ou acusado para entregar o passaporte, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas. (NR) |
Art. 321. Ressalvado o disposto no art. 323, III e IV, o réu livrar-se-á solto, independentemente de fiança: I – no caso de infração, a que não for, isolada, cumulativa ou alternativamente, cominada pena privativa de liberdade; II – quando o máximo da pena privativa de liberdade, isolada, cumulativa ou alternativamente cominada, não exceder a três meses. |
Art. 321. Ausentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva, o juiz deverá conceder liberdade provisória, impondo, se for o caso, as medidas cautelares previstas no art. 319 deste Código e observados os critérios constantes do art. 282 deste Código. I – (revogado) II – (revogado). (NR) |
Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração punida com detenção ou prisão simples. Parágrafo único. Nos demais casos do art. 323, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas. |
Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos. Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas. (NR) |
Art. 323. Não será concedida fiança: I – nos crimes punidos com reclusão em que a pena mínima cominada for superior a 2 (dois) anos; II – nas contravenções tipificadas nos arts. 59 e 60 da Lei das Contravenções Penais; III – nos crimes dolosos punidos com pena privativa da liberdade, se o réu já tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado; IV – em qualquer caso, se houver no processo prova de ser o réu vadio; V – nos crimes punidos com reclusão, que provoquem clamor público ou que tenham sido cometidos com violência contra a pessoa ou grave ameaça. |
Art. 323. Não será concedida fiança: I – nos crimes de racismo; II – nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos; III – nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático; IV – (revogado); V – (revogado). (NR) |
Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança: I – aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se refere o art. 350; II – em caso de prisão por mandado do juiz do cível, de prisão disciplinar, administrativa ou militar; III – ao que estiver no gozo de suspensão condicional da pena ou de livramento condicional, salvo se processado por crime culposo ou contravenção que admita fiança; IV – quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312). |
Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança: I – aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código; II – em caso de prisão civil ou militar; III – (revogado); IV – quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312). (NR) |
Art. 325. O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites: a) de 1 (um) a 5 (cinco) salários mínimos de referência, quando se tratar de infração punida, no grau máximo, com pena privativa da liberdade, até 2 (dois) anos; b) de 5 (cinco) a 20 (vinte) salários mínimos de referência, quando se tratar de infração punida com pena privativa da liberdade, no grau máximo, até 4 (quatro) anos; c) de 20 (vinte) a 100 (cem) salários mínimos de referência, quando o máximo da pena cominada for superior a 4 (quatro) anos. § 1o Se assim o recomendar a situação econômica do réu, a fiança poderá ser: I – reduzida até o máximo de dois terços; II – aumentada, pelo juiz, até o décuplo. § 2o Nos casos de prisão em flagrante pela prática de crime contra a economia popular ou de crime de sonegação fiscal, não se aplica o disposto no art. 310 e parágrafo único deste Código, devendo ser observados os seguintes procedimentos: I – a liberdade provisória somente poderá ser concedida mediante fiança, por decisão do juiz competente e após a lavratura do auto de prisão em flagrante; Il – o valor de fiança será fixado pelo juiz que a conceder, nos limites de dez mil a cem mil vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional – BTN, da data da prática do crime; III – se assim o recomendar a situação econômica do réu, o limite mínimo ou máximo do valor da fiança poderá ser reduzido em até nove décimos ou aumentado até o décuplo. |
Art. 325. O valor da fiança será fixado pela autoridade que a conceder nos seguintes limites: a) (revogada); b) (revogada); c) (revogada). I – de 1 (um) a 100 (cem) salários mínimos, quando se tratar de infração cuja pena privativa de liberdade, no grau máximo, não for superior a 4 (quatro) anos; II – de 10 (dez) a 200 (duzentos) salários mínimos, quando o máximo da pena privativa de liberdade cominada for superior a 4 (quatro) anos. § 1o Se assim recomendar a situação econômica do preso, a fiança poderá ser: I – dispensada, na forma do art. 350 deste Código; II – reduzida até o máximo de 2/3 (dois terços); ou III – aumentada em até 1.000 (mil) vezes. § 2o (Revogado): I – (revogado); II – (revogado); III – (revogado). (NR) |
Art. 334. A fiança poderá ser prestada em qualquer termo do processo, enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória. |
Art. 334. A fiança poderá ser prestada enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória. (NR) |
Art. 335. Recusando ou demorando a autoridade policial a concessão da fiança, o preso, ou alguém por ele, poderá prestá-la, mediante simples petição, perante o juiz competente, que decidirá, depois de ouvida aquela autoridade. |
Art. 335. Recusando ou retardando a autoridade policial a concessão da fiança, o preso, ou alguém por ele, poderá prestá-la, mediante simples petição, perante o juiz competente, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas. (NR) |
Art. 336. O dinheiro ou objetos dados como fiança ficarão sujeitos ao pagamento das custas, da indenização do dano e da multa, se o réu for condenado. Parágrafo único. Este dispositivo terá aplicação ainda no caso da prescrição depois da sentença condenatória (Código Penal, art. 110 e seu parágrafo). |
Art. 336. O dinheiro ou objetos dados como fiança servirão ao pagamento das custas, da indenização do dano, da prestação pecuniária e da multa, se o réu for condenado. Parágrafo único. Este dispositivo terá aplicação ainda no caso da prescrição depois da sentença condenatória (art. 110 do Código Penal). (NR) |
Art. 337. Se a fiança for declarada sem efeito ou passar em julgado a sentença que houver absolvido o réu ou declarado extinta a ação penal, o valor que a constituir será restituído sem desconto, salvo o disposto no parágrafo do artigo anterior. |
Art. 337. Se a fiança for declarada sem efeito ou passar em julgado sentença que houver absolvido o acusado ou declarada extinta a ação penal, o valor que a constituir, atualizado, será restituído sem desconto, salvo o disposto no parágrafo único do art. 336 deste Código. (NR) |
Art. 341. Julgar-se-á quebrada a fiança quando o réu, legalmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem provar, incontinenti, motivo justo, ou quando, na vigência da fiança, praticar outra infração penal. |
Art. 341. Julgar-se-á quebrada a fiança quando o acusado: I – regularmente intimado para ato do processo, deixar de comparecer, sem motivo justo; II – deliberadamente praticar ato de obstrução ao andamento do processo; III – descumprir medida cautelar imposta cumulativamente com a fiança; IV – resistir injustificadamente a ordem judicial; V – praticar nova infração penal dolosa. (NR) |
Art. 343. O quebramento da fiança importará a perda de metade do seu valor e a obrigação, por parte do réu, de recolher-se à prisão, prosseguindo-se, entretanto, à sua revelia, no processo e julgamento, enquanto não for preso. |
Art. 343. O quebramento injustificado da fiança importará na perda de metade do seu valor, cabendo ao juiz decidir sobre a imposição de outras medidas cautelares ou, se for o caso, a decretação da prisão preventiva. (NR) |
Art. 344. Entender-se-á perdido, na totalidade, o valor da fiança, se, condenado, o réu não se apresentar à prisão. |
Art. 344. Entender-se-á perdido, na totalidade, o valor da fiança, se, condenado, o acusado não se apresentar para o início do cumprimento da pena definitivamente imposta. (NR) |
Art. 345. No caso de perda da fiança, depois de deduzidas as custas e mais encargos a que o réu estiver obrigado, o saldo será recolhido ao Tesouro Nacional. |
Art. 345. No caso de perda da fiança, o seu valor, deduzidas as custas e mais encargos a que o acusado estiver obrigado, será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei. (NR) |
Art. 346. No caso de quebramento de fiança, feitas as deduções previstas no artigo anterior, o saldo será, até metade do valor da fiança, recolhido ao Tesouro Federal. |
Art. 346. No caso de quebramento de fiança, feitas as deduções previstas no art. 345 deste Código, o valor restante será recolhido ao fundo penitenciário, na forma da lei. (NR) |
Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando ser impossível ao réu prestá-la, por motivo de pobreza, poderá conceder-lhe a liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328. Se o réu infringir, sem motivo justo, qualquer dessas obrigações ou praticar outra infração penal, será revogado o benefício. Parágrafo único. O escrivão intimará o réu das obrigações e sanções previstas neste artigo. |
Art. 350. Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando a situação econômica do preso, poderá conceder-lhe liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328 deste Código e a outras medidas cautelares, se for o caso. Parágrafo único. Se o beneficiado descumprir, sem motivo justo, qualquer das obrigações ou medidas impostas, aplicar-se-á o disposto no § 4o do art. 282 deste Código. (NR) |
Art. 439. O exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço público relevante, estabelecerá presunção de idoneidade moral e assegurará prisão especial, em caso de crime comum, até o julgamento definitivo. |
Art. 439. O exercício efetivo da função de jurado constituirá serviço público relevante e estabelecerá presunção de idoneidade moral. (NR) |
Informações Sobre o Autor
Vanessa Carnieto
Policial Militar graduada em Direito pela Faculdade Maringá, Pós-graduada em Processo Civil e Direito Civil em 2014 pelo Instituto Paranaense de Ensino concluindo especialização em e Processo Penal e Direito Penal também pelo Instituto Paranaense de Ensino