Aplicação das disposições sobre ações civis públicas em matéria eleitoral, considerando o disposto no art. 105-A da Lei das Eleições e a jurisprudência do TSE

Resumo: Este trabalho tem como meta analisar a aplicabilidade das disposições sobre ações civis públicas em matéria eleitoral, considerando o disposto no art. 105-A da Lei das Eleições e a jurisprudência do TSE.

Palavras-chave: Aplicabilidade. Ações civis públicas. Matéria Eleitoral.

Abstract: This work aims to analyze the applicability of the provisions on class actions in electoral matters, considering the provisions of art. 105-A of the Law on Elections and the TSE's jurisprudence.

Keywords: Applicability. Class actions. Electoral Matter.

Sumário: 1. Introdução. 2. Análise da legislação aplicável e da jurisprudência. 3. Conclusão. 4. Referências.

Introdução

Em 2009 foi sancionada por meio da Lei n. 12.034 a chamada “Minirreforma Eleitoral”, que alterou, dentre outras leis, a Lei n. 9.504/1997, também conhecida por Lei das Eleições.

Uma das principais alterações promovidas foi a inclusão do art. 105-A ao texto da Lei n. 9.504/1997, que assim passou a dispor: litteris:

“Art. 105-A.  Em matéria eleitoral, não são aplicáveis os procedimentos previstos na Lei n. 7.347, de 24 de julho de 1985.  (Incluído pela Lei nº 12.034, de 2009)”

Análise da legislação aplicável e da jurisprudência

Percebe-se, desde logo, que a norma então inclusa refere-se à não aplicação, em material eleitoral, dos procedimentos previstos na Lei da Ação Civil Pública (Lei n. 7.347/85).

Com isso, basicamente, tanto o inquérito civil quanto a ação civil pública, objetos notoriamente fundamentais para a regular atuação do Ministério Público em defesa da ordem democrática e do regime jurídico, previstos nos arts. 127 e 129 da Constituição Federal, tiveram seu uso obstado pela nova legislação no que pertine à matéria eleitoral.

Sendo assim, o Ministério Público Eleitoral não poderia, em princípio, fazer uso do inquérito civil para a promoção de investigações e posteriormente o ajuizamento da ação civil pública perante a Justiça Eleitoral.

Trata-se, assim, de uma verdadeira forma de restrição do uso de determinadas ferramentas jurídicas e de atuação por parte do Parquet.

A Lei de Ação Civil Pública tem por escopo a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Para isso, prevê termos de ajustamento de conduta e manejo de inquérito civil.

O inquérito civil é uma peça inquisitorial que tem por fim colher subsídios aptos a lastrear uma ação civil pública (Lei n. 7.347/85, especificamente no artigo 8º, § 1º).

Trata-se de um procedimento administrativo cuja finalidade é permitir ao Ministério Público obter elementos e subsídios para o ajuizamento de uma ação civil pública, com o fito de zelar pela probidade administrativa e patrimônio público1.

A peça foi originariamente criada para a ação civil pública, mas, segundo alguns doutrinadores, ganhou vôo, e pode ser alçada para outros procedimentos. Não raro, há a utilização do inquérito civil aos ilícitos eleitorais sob o argumento de se garantir uma maior transparência na investigação.

Em outras palavras, instaura-se um inquérito civil, inato às ações civis Públicas, para subsidiar ações eleitorais (Ação de Captação Ilícita de Sufrágio, de Cassação de Mandato Eletivo, Investigação Judicial Eleitoral), que não têm a natureza jurídica de ação civil pública.

Segundo os que defendem tal posicionamento, trata-se de uma ferramenta com função instrumental de possível manejo sempre que a situação concreta possibilitar a atuação institucional do Ministério Público.

Apesar de tudo isso, o Tribunal Superior Eleitoral vem firmando sua jurisprudência no entendimento de que as provas produzidas em inquérito civil, ainda que visem a subsidiar ações de natureza eleitoral, configuram vícios de procedimento que não podem ser superados.

Em outras palavras, realmente, com base no art. 105-A da Lei n. 9.504/1997, o MPE não pode instaurar inquérito civil para colher provas para futuro ajuizamento de ação eleitoral, sob pena de nulidade, senão vejamos o seguinte precedente:

"ELEIÇÕES 2012. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL (AIJE). ABUSO DE PODER ECONÔMICO, POLÍTICO/AUTORIDADE E CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO. PREFEITO. INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO. PROVA ILÍCITA. ART. 105-A DA LEI Nº 9.504/97. DEMAIS PROVAS. ILICITUDE POR DERIVAÇÃO. AGRAVOS REGIMENTAIS DESPROVIDOS. 1. O art. 105-A da Lei nº 9.504/97 estabelece que, para a instrução de ações eleitorais, o Ministério Público não pode lançar mão, exclusivamente, de meios probantes obtidos no bojo de inquérito civil público. 2. Ilícitas as provas obtidas no inquérito civil público e sendo essas o alicerce inicial para ambas as AIJEs, inarredável o reconhecimento da ilicitude por derivação quanto aos demais meios probantes, ante a aplicação da Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada. 3. Agravos regimentais desprovidos." (TSE – AgR-REspe: 89842 RN , Relator: Min. LAURITA HILÁRIO VAZ, Data de Julgamento: 28/08/2014, Data de Publicação: DJE – Diário de justiça eletrônico, Tomo 173, Data 16/09/2014, Página 129/130) (grifos acrescidos)

Citam-se outros arestos: AgR-RO 502965-AM,  AgR-RO 499408-AM, AgR-RO 488761-AM , etc.

No entendimento do TSE, portanto, deveria o MPE se valer não do inquérito civil, e sim de outros instrumentos jurídicos à disposição, notadamente a investigação judicial eleitoral disciplinada pelo art. 22 da LC n. 64/1990.

Apesar disso, importante ressaltar que em 2009, o Partido Democrático Trabalhista (PDT) ajuizou a ADI n. 4352 perante o STF, cuja relatoria é do Ministro Luiz Fux, questionando a constitucionalidade da Lei n. 12.034/2009, e um dos artigos impugnados é exatamente o art. 105-A da Lei de Eleições. Referida ação direta está ainda pendente de julgamento.

Em relação à ADI n. 4352, um fato relevante  nos chamou a atenção e se refere ao parecer dado pela Procuradoria-Geral da República. Em suas manifestações apresentadas em 31/3/2013, o Parquet, atuando como fiscal da lei opinou pela procedência parcial do pedido. Na visão ministerial, de fato, o art. 105-A da Lei n. 9.504/97 é inconstitucional, mormente o fato de que a partir de 1988, a legitimação do Parquet para promover o inquérito civil e a ação civil pública passou a constituir prerrogativa constitucional da Instituição, assegurada pelo art. 129, III, da CR.

Conclusão

Ante o exposto, ao meu ver, ao restringir indevidamente o exercício de funções institucionais do Ministério Público, o art. 105-A da Lei n. 9.504/1997 viola não só as disposições do art. 129, III, da CR, como também os princípios da moralidade, da probidade e da coibição ao abuso do poder político e econômico, além de também ferir de morte o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, que dispõe sobre a inafastabilidade da jurisdição.

Referências
GONÇALVES, Marcus Vinícius Rios. Tutela de interesses difusos e coletivos. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 139.

Informações Sobre o Autor

Vinicius de Freitas Escobar

Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP-Anhanguera


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