O árbitro deve decidir

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Pode parecer pura tautologia o título deste
Artigo.  Mas não é!  Há razões fundadas para que se diga que o
julgador privado deve julgar, que o árbitro precisa e deve decidir.

A Lei de
Arbitragem confere ao árbitro a qualidade de juiz de fato e de direito da
controvérsia submetida a arbitragem.  Em
compensação, impõe a ele requisito prévio à indicação – a independência – e
deveres no curso da arbitragem – imparcialidade, competência, diligência e
discrição – sem se mencionar a necessária manutenção da independência em
relação às partes e à controvérsia, seja aquela aferida pela inexistência de
conflitos ou, ainda, pelo que convencionamos denominar de desconforto
ético.  Pode-se dizer, portanto, que a
arbitragem encontra na Ética um de seus principais fundamentos.

Mas, antes de mais nada, devemos examinar quem é o árbitro.  Estatui a Lei que ele é um juiz privado, o
juiz de fato e de direito da controvérsia. 
Por outro lado, deve o árbitro ser pessoa capaz e gozar da confiança das
partes.  Decorre daí, como já tivemos a
oportunidade de sublinhar que, em nenhuma circunstância, exige-se que o árbitro
seja advogado.  No entanto, é mais fácil
entender-se a razão pela qual se elegeria um árbitro que seja advogado.  Sendo um juiz da controvérsia, poder-se-ia
imaginar que todas as controvérsias, em determinado momento, se resumem em
questões de direito.  Mas isso não é
necessariamente uma verdade.

Já foi objeto de crítica a exigência legal de que a sentença arbitral
contenha os fundamentos de fato e de direito da decisão, como se ambos fossem
elementos indissociáveis.  Alega-se, e
não sem razão, que pode haver controvérsia quanto a fatos, mas não quanto ao
direito, em relação aos quais as partes podem estar de pleno acordo.  Contrariamente, poderá inexistir qualquer
desacordo quanto ao direito aplicável, mas posições divergentes quanto aos
fatos efetivamente ocorridos.  Além
disso, vale lembrar que a nossa Lei de Arbitragem permite que se decidam os
casos com base na equidade e não nas normas legais, além de ser admissível a
solução de controvérsias com base nos usos e costumes e nas regras
internacionais de comércio.

Portanto, desde que o árbitro reuna as condições previstas na Lei,
nada se poderá opor ao fato de não ser ele um advogado.  Mas formação profissional à parte, já que é
matéria resolvida em sede legal, o que é, na realidade, um árbitro?

Em primeiro lugar, o árbitro é uma pessoa capaz que conta com a
confiança das partes.  Contar com a
confiança das partes significa que estas o enxergam como uma pessoa capaz de exercer
a função que a Lei lhe atribuiu, ou seja, de dirimir, por via privada, uma
controvérsia, isto é, que profira, ao final do procedimento, uma decisão pondo
fim à controvérsia.  Dispor ou contar com
a confiança das partes não o torna, e não pode, nem mesmo deve tornar o
árbitro, de qualquer forma, vinculado à parte que o indicou.  A confiança decorre não apenas de sua
competência, mas de sua independência e da certeza de que se conduzirá com
imparcialidade durante todo o procedimento. 
Por essa razão, a Ética desempenha, também na arbitragem, papel tão
relevante.

Por outro lado, veja-se a sabedoria do texto legal.  O árbitro é indicado por uma das partes, ou
seja, cada uma das partes poderá indicar o seu árbitro, ou um único, caso seja
adotada a composição unitária.  Mas a
indicação por uma das partes se refere a um só momento, pois, logo a seguir,
abre-se a oportunidade para que a outra parte exerça, em existindo fundamento
para tal, o direito de recusa do árbitro indicado.  Admitindo-se que o árbitro seja aceito pela
parte contrária, este passa a ser a pessoa capaz que conta com a confiança de
ambas as partes.  Dessa forma, a
vinculação do árbitro a quem o indicou é ilusória e equivocada, podendo,
inclusive, afetar a independência que lhe é exigida, devendo este se ater aos
contornos do caso submetido à sua decisão.

Muitas vezes, somos surpreendidos com chamadas na mídia que indicam
existir chances e oportunidades para os árbitros, como se o fato de ser nomeado
árbitro decorresse da escolha de uma profissão. 
Ser árbitro não é engajar-se numa nova profissão.  Ninguém é árbitro por profissão.  Árbitro é uma atividade circunstancial de um
profissional capaz de atrair para si a confiança das partes, e essa confiança,
como já se disse, decorre de sua competência profissional, independência
declarada e a certeza de que atuará com total imparcialidade.  O árbitro deve, no exercício da função,
colocar à disposição da solução da controvérsia toda a sua competência
profissional.

Evidentemente, os árbitros podem ser treinados quanto à forma de sua
atuação no julgamento de controvérsias. 
Além disso, os regulamentos de órgãos arbitrais, embora guardem
similaridade entre si, divergem na forma de condução.  No entanto, falar-se na formação de árbitros
é induzir terceiros em
erro.  Mais do que o
treinamento propriamente dito, deve-se valorizar sempre a competência
profissional, pois é por meio dela que o árbitro será escolhido e contribuirá
para a consecução de sua missão – o deslinde da controvérsia.  Enquanto este aspecto não for compreendido e
aplicado corretamente na prática, persistirão as dúvidas quanto à efetividade
da arbitragem.

E é justamente no efetivo deslinde da controvérsia que residiria a
aparente tautologia contida no título deste Artigo.  O julgador deve julgar e a Lei assim o
determina, atribuindo-lhe a função de juiz de fato e de direito, cuja decisão
não está sujeita a qualquer recurso, nem à homologação pelo Poder
Judiciário.  Mas a contrapartida dessa
autoridade está presente na equiparação do árbitro ao funcionário público para
fins penais.

Certamente, não se pode esquecer que num País onde a trajetória da
arbitragem tem sido pontuada por acidentes e incidentes da mais variada
natureza, o decidir parece impor responsabilidade maior do que a imensa responsabilidade
imposta ao árbitro por Lei.  A função de
decidir, num julgamento privado, é tão importante quanto àquela de que está
imbuído o juiz estatal.  Não há diferença
alguma.  Essa imensa responsabilidade
está implícita no fato de alguém ser tido como o juiz de fato e de
direito.  Além disso, a circunstância da
decisão não estar sujeita a recurso, nem a homologação do Poder Judiciário, faz
com que a função de árbitro seja de enorme responsabilidade.  Claro está que, por admitir a Lei que casos
há em que o procedimento poderá ser desvirtuado, criou ela oportunidades para a
declaração de nulidade da sentença.  Não
há incompatibilidade qualquer entre a autoridade do árbitro e as oportunidades
de revisão limitada pelo Poder Judiciário. 
É importante que se mencione que estas oportunidades constituem exceção
e existem em função da gravidade dos casos elencados na Lei, que afetam a
solução da controvérsia em sua essência.

Ser árbitro representa a assunção de prerrogativas do juiz de fato e
de direito, mas, sobretudo, de deveres e responsabilidades.  Mas ser árbitro significa o dever e a
obrigação de decidir e deslindar a controvérsia.  Esta é a razão mesma da arbitragem, sem a
qual ela não existiria.  Se insistimos na
aparente tautologia é porque, não raras vezes, seja por desconhecimento ou
insegurança, os árbitros se eximem de decidir dentro de sua competência,
remetendo as partes ao Poder Judiciário. 
Dessa forma, frustra-se o resultado pretendido, além de aumentar a carga
de questões submetidas ao Judiciário, obstruindo-o desnecessariamente.  Nesse aspecto, dá-se vazão à tradição
contenciosa por que somos tomados e que faz parte de nossa formação.  De nossa latinidade, enfim.

Mas não é isso o que deve ocorrer no caso da arbitragem.  O árbitro deve estar consciente de suas
responsabilidades e deveres, em especial, da diligência.  E o dever de diligência inclui
necessariamente o dever de decidir.  Não
negamos que casos há e haverá sempre em que o árbitro deverá remeter as partes
ao Judiciário, mas isso a Lei cuidou de determinar claramente, como é o caso de
medidas cautelares e assecuratórias de direitos, assim como o surgimento de
questões prejudiciais fundadas em direitos indisponíveis.  De forma idêntica, reconhecendo princípio
consolidado da doutrina, a Lei prevê a competência do árbitro em determinar a
sua própria competência para decidir, conhecido como o princípio da
competência-competência.

Se, de um lado, o árbitro dispõe dessa competência que lhe foi
outorgada por lei, as partes têm o dever de argüir quaisquer questões que
possam influenciar na decisão da controvérsia ou acarretar a nulidade da
sentença arbitral.  E isto devem fazer na
primeira oportunidade de que dispuserem após a instituição da arbitragem.  Logo, o dever de decidir a controvérsia passa
necessariamente por enfrentar questões da mais variada natureza, seja de ofício
ou por provocação das partes.

Finalmente, caso o árbitro não se veja como o único juiz de fato e de
direito da controvérsia, dificilmente decidirá, o que o levará a buscar o conforto
no Poder Judiciário para questões que se inserem no escopo de sua missão, o que
vale dizer de sua competência.  O
desenvolvimento da arbitragem, seu fortalecimento e maior utilização dependem e
muito da prática reiterada e contínua.  O
decidir as questões é fator preponderante e fundamental nesse processo.  O importante é que, passado o tempo, se possa
afirmar com convicção de que o título deste Artigo não passa de mera
tautologia.


Informações Sobre o Autor

José Emilio Nunes Pinto

Sócio responsável pela área de Arbitragem de Tozzini, Freire, Teixeira e Silva Advogados


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