Resumo: Tendo em vista o atual estágio da sociedade brasileira, onde impera a importância de todos possuírem algo em detrimento de ser alguém, a cultura do consumo tem como um dos seus mecanismos de propagação, a publicidade, instrumento esse que tem como finalidade básica a apresentação de um produto ou serviço pelo empresário ao seu público-alvo, atividade essa que, inicialmente, se apresenta como lícita e plausível, já que poderá trazer diversos benefícios à economia de uma coletividade; porém, muitas vezes, na intenção gananciosa do lucro, são empregados mecanismos publicitários ilícitos para incutir a ideia da necessidade da aquisição mercantil (utilizando-se de subterfúgios afetivos, emocionais e não racionais), dentre os quais se encontra a “publicidade clandestina”, técnica essa que poderá ser repelida, em nosso ordenamento jurídico, pelo Código de Defesa do Consumidor, já que poderá influenciar negativamente o direito de escolha livre do consumidor, utilizando-se, para a elaboração deste trabalho, do método hipotético-dedutivo.
Palavra-chave: Publicidade clandestina. Código de Defesa do Consumidor. Consumidor. Atividade publicitária. Direito de escolha.
Abstract: Given the current level of the brazilian society, dominated by the importance of everybody have something rather than being someone, consumer culture has as one of its propagation mechanisms, market advertising, this instrument whose basic purpose is to present a product or service by the entrepreneur to your target audience, this activity that initially presents as lawful and reasonable can bring many benefits to the economy of a community; however, often the greedy intention of profit, are employed illegal advertising mechanisms to instill the idea of the need for market acquisition (using affective, emotional and not rational subterfuge), among which is the "surreptitious advertising" this technique which can be repelled, in our legal system, the Consumer Protection Code, as may adversely affect the right of free consumer choice, using, therefore, the hypothetical-deductive method in this article.
Keywords: Surreptitious advertising. Consumer Protection Code. Consumer. Advertising activity. Right to choose.
Sumário: Introdução. A atividade publicitária no Direito brasileiro: objetivo e limites. Publicidade clandestina: definição, formas de atuação e sua proibição pelo Código de Defesa do Consumidor. Conclusão. Referências.
Introdução
A publicidade, nos tempos atuais, tem sido a mola propulsora do sistema capitalista, pois, diante da complexidade da sociedade moderna, aquela também se aprimorou para, a cada dia mais, conquistar um potencial consumidor de um produto ou serviço, pois ao contrário do que ocorria num passado não tão remoto, onde a produção industrial não era em larga escala, o fornecedor do produto ou serviço não despendia tamanho esforço para conquistar seu cliente, relação essa que era baseada, exclusivamente, no conhecimento pessoal e na confiança depositada entre os participantes da relação de consumo, tornando-se a publicidade, nesta época, mero meio de informação, entre vendedor e comprador, das qualidades e características essenciais de tudo aquilo que era posto no mercado consumidor, tornando-se um convite ou apresentação da oferta do bem de consumo.
Com o advento da Revolução Industrial, no século XIX, a produção de produtos e serviços se massificou, com a consequente necessidade de expansão do mercado consumidor, antes de natureza meramente local (que se tornou incapaz de adquirir toda a oferta da produção industrial), passando a ares mundiais, modificando-se, pois a até então relação de natureza quase “pessoal” entre o vendedor e o comprador (como dito no parágrafo anterior), e, por consequência, a própria publicidade teve que se adequar aos novos tempos, já que, neste exato momento deveria ser dirigida a milhões de pessoas de cultura, hábito e língua diferentes, com o intuito de inserir a possibilidade e/ou necessidade de aquisição de bens para um novo público “globalizado”. Corrobora, neste sentido, Davi Severino dos Santos (2.003), ao afirmar que:
“(…) Quando de seu surgimento a publicidade se fazia tête-à-tête, pois vendedores e compradores eram velhos conhecidos. A Industrialização trouxe a massificação do consumo o que implica despersonalização do mercado, ou seja, compradores e vendedores tornaram-se desconhecidos. A publicidade perde o caráter individualista e passa a ser endereçada à coletividade. A relação de confiança não mais acompanha a relação de consumo como nos tempos pré-industrial.”
E no afã de se atingir o seu objetivo, a atual publicidade, rotineiramente, utiliza-se de conceitos e técnicas psicológicas para inserir, em seu público-alvo, a necessidade de se consumir determinado produto ou serviço que muitas vezes é dispensável; contudo, diante de uma sociedade mundial (incluída, pois a brasileira) cada vez mais consumista, onde há a prevalência do “ter” em detrimento do “ser”, o simples ato de adquirir determinada mercadoria poderá trazer certo “status” ou aceitação social ao seu comprador. Mas, da mesma forma que poderá trazer “benefícios”, essa mesma aquisição, induzida pela publicidade, poderá gerar reais malefícios para o consumidor. Explica-se: ao comprar algo que não necessita, se dispõe de uma quantia financeira que poderia ser melhor empregada ou até mesmo se utilizando, inconsequentemente, de um crédito financeiro, gerando um indesejado “super-endividamento”, diante das altas taxas de juros cobradas pelas instituições bancárias e financeiras brasileiras e, também, por sua compulsiva utilização, no intuito de saciar a crescente insatisfação das pessoas, que buscam, no consumo, uma forma de realização pessoal e aplacar suas carências, conforme bem definido por Augusto Cury (apud BITTENCOURT, 2.012) quando afirma que: “Esse sistema não tem por objetivo produzir pessoas resolvidas, saudáveis e felizes; a ele interessa as insatisfeitas consigo mesmas, pois quanto mais ansiosas, mais consumistas se tornam”. Além disso, o consumismo visa concretizar conduta tão de natureza humana – comportamento imitativo – o que nas palavras de LEVY (apud DA SILVA; HOCH; DE LA RUE, 2.012, p. 04): “[…] procuramos no consumo a conformidade com uma certa imagem e porque queremos quase sempre imitar o comportamento do grupo com o qual nos identificamos […]”.
Pode-se, assim, afirmar que a publicidade é um dos símbolos da sociedade atual consumista, pois, em todas as áreas, diante da necessidade de se vender cada vez mais os seus produtos ou serviços, o comércio e a indústria se valem deste instrumento eficaz que, hoje em dia, tem repercussão mundial na divulgação comercial, o que de acordo com André Augusto Lisboa (2.004, p. 14):
“O consumo está cada vez mais relacionado às formas diretas e indiretas de comunicação. Tal relação compreende vínculo contratual de fornecimento e aquisição de produtos ou serviços. A sociedade, de modo geral, precisa adquirir produtos ou serviços, como os de necessidade básica como aqueles considerados de luxo.”
Assim, diante de uma publicidade que se utilizando de diversas técnicas (muitas vezes, desrespeitando valores éticos, morais e culturais estabelecidos) que visam atingir o sentimento ou a necessidade do consumidor no intuito de se adquirir produtos ou serviços não necessários, provocando-lhe, por consequência, malefícios, com a intenção de suprir expectativas pessoais e da sociedade a qual está inserido, publicando em diversos meios publicitários (rádio, televisão, jornal, revista e internet) diversos apelos ao consumo, podemos deduzir a vulnerabilidade do consumidor[1], assim como a ilegalidade de tal conduta e que, por tal motivo, gera a necessidade de uma regulação pelo Estado para coibir tal abuso de direito, tornando-se, desta maneira, o objeto do presente artigo que tem por finalidade demonstrar, em específico, a figura da “publicidade clandestina” (tão presente em nosso cotidiano, muitas vezes, inclusive, passando despercebida por um olhar menos atento) e a sua regulação jurídica feita pelo ordenamento brasileiro, com a finalidade de se proteger um “potencial consumidor”, ou seja, o agente vulnerável de uma relação de consumo.
Antes de adentrarmos especificamente sobre o tema proposto, se faz necessária a distinção entre as figuras da “publicidade” e da “propaganda”, tão rotineiramente confundidas como sinônimas: esta é ligada ao meio de se divulgar ideias, crenças, princípios, por exemplo, de uma religião, partido político, de uma entidade pública, tudo sem qualquer conteúdo econômico; ao seu turno, a publicidade é o meio utilizado para apresentar ao seu futuro consumidor determinado produto ou serviço, criando, no mesmo, a necessidade de sua aquisição, ou seja, visa, obrigatoriamente, ao lucro do patrocinador da publicidade. Neste mesmo sentido, o exposto por Cláudia Lima Marques (apud SANTOS, 2.003): "publicidade é toda a informação ou comunicação difundida com o fim direto ou indireto de promover junto aos consumidores a aquisição de um produto ou serviço, qualquer que seja o local ou meio de comunicação utilizado". Portanto, na elaboração do presente trabalho, com o intuito de se atingir o seu objetivo, será utilizado especificamente o termo “publicidade” (inclusive, nomenclatura essa usada pelo Código de Defesa do Consumidor), tendo em vista que o mesmo visa incutir no público-alvo de uma empresa o interesse em adquirir determinado produto ou serviço, para aproveitamento próprio ou de sua família, não apenas informando, mas sim influenciando o comportamento do consumidor para, assim, participar de uma futura relação de consumo.
A atividade publicitária no Direito brasileiro: objetivo e limites.
Conforme afirmado, a publicidade tem por objetivo a apresentação de um produto ou serviço no mercado consumidor, incutindo a ideia da necessidade de sua aquisição, para gerar lucro para a empresa anunciante, por consequência. Para a economia de uma sociedade, é um evento extremamente positivo, por um lado, pois, por meio de uma campanha publicitária de sucesso, poderá gerar a movimentação de elevado número de riqueza (em tese, quanto mais se compra determinado produto, mais se produz, gerando a necessidade de contratação de mais funcionários para a sua fabricação, maior demanda de matéria prima, etc.). Contudo, essa atividade também poderá trazer prejuízos, quando se utilizando de meios abusivos e, logicamente, ilícitos, os responsáveis pela publicidade desrespeitam valores inerentes da sociedade para se atingir o seu objetivo, incluindo nesta atividade, evidente prejuízo ao pretenso consumidor.
E tendo em vista tal situação, necessária se torna a intervenção do Estado para regular o apelo publicitário e salvaguardar de lesões todos aqueles presentes em seu território. E com tal intuito, encontra-se em vigor, no direito brasileiro, a lei 8.078, de 11 de setembro de 1.990 (Código de Defesa do Consumidor), trazendo, em seu bojo, mecanismos eficientes à disposição do nosso povo, para se defender de qualquer anúncio publicitário enganoso, clandestino ou abusivo (na realidade brasileira, existem duas formas de controle da publicidade: inicialmente, a legal ou jurídica baseada nas determinações do CDC[2], assim como o controle privado, sob o encargo do CONAR – Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária – ambas coexistindo; porém, para os fins específicos deste trabalho, ficaremos restritos à primeira modalidade, por ser a regulamentação estatal oficial, com seu poder imperativo).
A publicidade no Brasil, conforme informa André Augusto Lisboa (2.004), teve início no século XIX, com rudimentares anúncios publicitários nos jornais, cartazes e folhetos nas vias urbanas para se vender, principalmente, imóveis, escravos e serviços profissionais, utilizando-se de longos textos e poucas imagens, para se oferecer ao público-consumidor mencionados itens. E que de acordo com Jurema Brasil (apud LISBOA, 2.004, p. 12), ao comentar acerca da fundação do Diário do Rio de Janeiro (voltado exclusivamente para o anúncio publicitário), em 1.821, inclusive o que aumentou o volume das transações comerciais na época, aduz que: “Este tipo de jornal surge para facilitar as transações comerciais e são os primeiros diários que sobrevivem de anunciantes e não de assinaturas de leitores”.
Atualmente, acompanhando a evolução tecnológica, visualizamos a publicidade ser veiculada por diversos meios de comunicação como jornal, revista, outdoors, rádio e na internet, sendo que nesta última modalidade, o anúncio de um produto ou serviço pode ser feito por meio de sites de busca, rede social, link patrocinado ou banners, o que para DA SILVA, HOCH e de DE LA RUE (2.012, p. 02) essas últimas formas de divulgação publicitária são mais eficientes, pois:
“[…] alcançam consumidores e difundem marcas e conceitos de forma rápida, financeiramente mais viável e interativa, o que proporciona aos fornecedores, inclusive, o acompanhamento da aceitação e satisfação do público-alvo, em relação à marca ou produto, seja por meio do Twitter, Facebook, Orkut ou blogs”.
Em nosso Estado Democrático de Direito, o exercício da atividade publicitária é livre (inclusive, conforme afirmado, anteriormente, sendo benéfica à sociedade), mas ao anunciar seu produto ou serviço, o vendedor deverá respeitar diversos limites objetivos e subjetivos impostos pela coletividade, pois diante do apelo comercial, o indivíduo se vê compelido a consumir desenfreadamente, para aplacar sentimentos e emoções produzidos pelo anúncio, que, muitas vezes, não se apresenta como tal. Para isso, o comunicador poderá se utilizar de técnicas de convencimento e linguísticas para influenciar o seu público-alvo, inibindo, inclusive, a sua racionalidade para atingir o seu objetivo, ou seja, despertar a necessidade do consumidor por equiparação[3] em adquirir um bem exposto comercialmente, demonstrando-se, assim, o quão abusiva poderá ser tal conduta. Nesse sentido, aduz DEL MASSO (2.013, p. 165-166) que:
“Os mecanismos comunicativos utilizados para sedução serão desenvolvidos por meio de signos que ativam as emoções e inibem a racionalidade do receptor da mensagem. O desenvolvimento de tais técnicas passou a ser utilizado por comunicadores como uma forma de manipulação de desejos, pois tais comunicadores influenciam de forma bastante eficiente as condutas dos receptores de suas mensagens, que, seduzidos, praticam a conduta desejada, sem o exercício próprio e autônomo de declaração de vontade. Em outras palavras, o comunicador exercerá verdadeiro domínio sobre o receptor, retirando-lhe parte de sua liberdade. Para tanto, não permitirá o emissor que o receptor reconheça (decodifique) a sua intenção no ato comunicativo, pois tal reconhecimento lhe diminuirá a eficiência de dominação.”
A mensagem publicitária será, portanto, leal, a partir do momento em que o comunicador, de maneira direta (expressa), externar, por meio de sua mensagem, as qualidades, características, benefícios e riscos do produto ou serviço que está lançando no mercado consumidor (tudo isso com o intuito de lucro), respeitando os limites impostos pela própria sociedade, e o receptor daquela possa identificar a real intenção do anunciante, de imediato. Essa conduta de ofertar, inclusive, é a imposta legalmente pelo artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:
“A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.”
O problema reside a partir do momento em que para seduzir o potencial consumidor, o fornecedor ou produtor utiliza-se de subterfúgios para incutir a ideia da necessidade da aquisição do bem oferecido, sem a percepção desta técnica pelo público-alvo, tornando-se, desta forma, ilegal. Ao comentar acerca do tema, Fabiano DEL MASSO (2.013, p. 166-167), novamente, afirma que:
“[…] A consciência proporciona apenas a compreensão de parte das mensagens que efetivamente se recebe. Nos estudos de comunicação, encontram-se várias formas subliminares de recepção de mensagens, o que faz com que o receptor receba a mensagem também de forma inconsciente, por que estão abaixo do umbral sensorial mínimo ou acima do umbral sensorial máximo”.
Publicidade clandestina: definição, formas de atuação e sua proibição pelo Código de Defesa do Consumidor.
Em diversas áreas, não somente na venda de produtos ou serviços (ou seja, no universo consumidor), são utilizadas técnicas de persuasão subliminares do emissor em face do receptor, ou seja, de maneira camuflada e aceitas passivamente por esse, como anunciado por Lisboa (2.004), onde, por exemplo, empresas americanas, com a intenção de aumento da produtividade dos seus empregados, se valem de programas de computador que emitem frases, durante o expediente laboral, como “trabalhe mais depressa” ou “adoro meu serviço”, sugestionando, inconscientemente, ao cérebro dos trabalhadores para que sentissem a jornada mais agradável e curta, procedendo os mesmos de maneira célere e com afinco nos seus afazeres. Ao comentar acerca desta técnica, Mauro Sá Rego Costa (apud LISBOA, 2.004, p. 43) aduz que:
“Todas as mídias são meios subliminares. Marshall McLuhan falava a mesma coisa… O metrô é subliminar. Os shopping-centers são subliminares. As lanchonetes modernas todas paginadas, do hambúrguer à roupa do cozinheiro, são subliminares no seu efeito, no seu apelo, na sua sedução. Por que você volta sempre ao Mc Donald´s, mesmo depois de perceber que pesa, que é difícil de digerir?”
No universo comercial, lado outro, o empresário poderá emitir uma mensagem que, inicialmente, demonstra ser uma “propaganda”, ou seja, sem qualquer intenção de lucro, contudo, sob um olhar mais acurado, visualiza-se a sua verdadeira proposta empresarial, já que se utilizando de técnicas especializadas, trabalha não o consciente do seu público-alvo, mas sim os seus sentidos (formas subliminares de comunicação[4]) para incutir a necessidade de aquisição do seu produto ou serviço oferecido no mercado consumidor. Estamos diante da insidiosa figura da “publicidade clandestina” ou “camuflada” ou “simulada”. Esse meio de publicidade é de grande valor para o anunciante, pois o potencial consumidor não sabe que está diante de um apelo comercial e, por isso, credita maior importância ao anúncio que está exposto do que àquele que, de maneira clara, direta, expõe seu real desígnio[5].
Um exemplo, desta prática, é uma matéria jornalística em um respeitável telejornal que apresenta, com dados científicos, os benefícios de uma matéria prima (como uma fruta), despertando os sentidos, inconscientemente, do público espectador e, ao final, afirma que determinada empresa (somente esta, não citando qualquer outra) a comercializa (como suco, geléia, doce, etc.). Assim, observamos somente a verdadeira intenção da suposta “matéria jornalística”, após ter sido incutida a ideia, ao pretenso consumidor, da necessidade de se adquirir tal bem, pois o mesmo irá trazer benefícios (saúde, aparência saudável, etc.)[6].
Outra situação que pode ser considerada como publicidade clandestina seria a resenha postada em blogs especializados, buscados pelos internautas como fonte de conhecimento e informação e que, ao se deparar com os dados fornecidos, acaba por consumir os serviços e produtos expostos nos mesmos, já que há uma persuasão por meio da recomendação dos autores das postagens, reconhecidos no meio virtual como detentores de acurado saber sobre a matéria pesquisada pelo internauta. Ao comentarem acerca especificamente do assunto, quando pesquisaram diversas atualizações de blogs de beleza na internet, DA SILVA, HOCH e DE LA RUE (2.012, p. 10), identificam que os mesmos procederiam com mensagens subliminares, afirmando que:
“A princípio, não haveria nenhum problema na publicidade feita em blogs: seria como um anúncio em revista, jornal, televisão. No entanto, nestes espaços o anúncio é facilmente identificado, o que não necessariamente ocorre com as postagens em blog. Ao sugerir produtos, as autoras dos blogs de beleza muitas vezes realizam uma publicidade subliminar, vedada pelo ordenamento jurídico, tendo em vista a ausência de transparência e de clareza quanto ao fornecedor. […]
Neste contexto, sendo uma forma indireta de publicidade, as postagens feitas nos blogs vai de encontro a este princípio, pois, por ser implícita, não permite que os leitores identifiquem as mensagens das blogueiras como veiculação publicitária propriamente dita; embora seja uma forma das empresas divulgarem seus produtos, os quais são recomendados pelas autoras dos blogs e influenciam o comportamento das leitoras que acessam suas páginas.”
A publicidade clandestina é ilícita, pois, numa primeira instância, retira do seu público-alvo todo tipo de defesa psicológica que o mesmo poderia ter, se soubesse, de antemão, de que aquele anúncio tem caráter comercial; além disso, utilizando-se de figuras públicas ou instituições gabaritadas, que demonstram certa neutralidade ao expor sua mensagem, a probabilidade de êxito em seu objetivo inicial comercial é maior, caracterizando-se, assim, a sua enganosidade. Portanto, há nessa atitude publicitária, uma verdadeira manipulação da conduta do receptor do estímulo comercial por motivos emocionais (não racional ou lógico)[7]. Fere-se, com isso, o princípio da identificação da publicidade previsto no artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor, que afirma que: “A publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”, ou seja, o anúncio publicitário deverá ser imediatamente identificado como tal pelo receptor desta mensagem comercial, pois se não tiver essa característica, todo aquele que a promover poderá ser incurso na sanção criminal do artigo 67, § único da lei nacional 8.078/90 (pena de detenção: três meses a um ano e multa).
Assim, diante de tal prática, que poderá trazer diversos prejuízos ao potencial consumidor, em nosso ordenamento jurídico, o Código de Defesa do Consumidor vem para salvaguardar todos aqueles expostos pela publicidade clandestina, por meio dos direitos e instrumentos processuais expressamente previstos neste Codex, assim como a utilização de seus princípios específicos, dentre os quais: princípio da identificabilidade da mensagem publicitária (art. 36); princípio da vinculação contratual da publicidade (art. 30); princípio da veracidade (art. 37, §1º); princípio da não abusividade (art. 37, §2º); princípio do ônus da prova do fornecedor (art. 38); princípio da transparência (art. 36, § único); e, por fim, o princípio da correção do desvio publicitário (art. 56, XII).
Dentre todos, o princípio da identificabilidade da mensagem publicitária, previsto no artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor, está vinculado diretamente à proibição da “publicidade clandestina”, pois traz a obrigatoriedade de que o anúncio publicitário se identifique como tal, de maneira fácil, clara e imediata, perante o seu público-alvo, não permitindo a utilização de técnicas que, de maneira indireta, façam nascer inconscientemente a necessidade da aquisição daquele produto ou serviço oferecido ao pretenso consumidor. Ao explicar acerca do tema, Adalberto Pasqualotto (apud DA SILVA, HOCH, DE LA RUE, 2.012, p. 09) assevera que:
“Segundo a exigência legal, a veiculação da publicidade deve permitir a sua identificação fácil e imediatamente, ou seja, sem esforço ou exigência de capacitação técnica, e de pronto no momento da exposição. Quando isso não corre, não só o consumidor que pode estar sendo enganado. Também pode haver fraude à lei, pois a falta de identificação possibilita a transgressão de regras como a advertência necessária de restrição ao uso de alguns produtos (cigarros), o horário e o local de exposição do anúncio (bebidas alcoólicas) ou a proporção de publicidade em relação à programação (rádio e televisão) ou noticiário e reportagens (jornais e revistas).”
Quando nos referimos a esse princípio em específico, existem duas situações expostas pela doutrina nacional e que, muitas vezes, podem ser confundidas como “publicidade clandestina” ora em comento, porém não o são: em primeiro lugar, quando uma pessoa conhecida é fotografada ou filmada ou exposta perante o público utilizando determinado produto (roupa, calçado, material esportivo, alimento, veículo automotor, etc.) e questionada acerca do mesmo, emite a sua opinião positiva (prática tão comum em revistas e programas televisivos especializados em celebridades), não estará ocorrendo qualquer tipo de publicidade, já que estará exercendo a sua liberdade de pensamento e expressão (prevista constitucionalmente, no artigo 5º, inciso IV), além do que se exige, para caracterizar a atividade publicitária, uma ação (atitude positiva) do anunciante, o que no caso em tela, não acontece, pois, inicialmente, até que se prove em contrário, o famoso não recebeu qualquer incentivo para se manifestar favoravelmente à empresa.
A outra situação que é comumente confundida com a publicidade clandestina e que é vinculada também ao princípio da identificabilidade da mensagem publicitária, inserido no artigo 36 do Código de Defesa do Consumidor, é o merchandising, ou seja, a técnica utilizada por empresários de inserir seus produtos e serviços em programas de televisão, rádio ou filmes, para, assim, influenciar, indiretamente, o público-alvo na sua aquisição; não se dá nos intervalos da programação, mas sim durante a mesma, quando determinado núcleo de uma novela que ostenta um padrão social elevado, por exemplo, adquire veículos de uma marca específica, certamente isso irá influenciar em todos aqueles que a assistem e simpatizam pelos integrantes daquele segmento novelístico a optarem na compra daquela marca (o chamado “comportamento imitativo”[8]). Não é uma atividade proibida pela lei nacional 8.078/90, porém, para se respeitar ao retro mencionado princípio, essa atividade publicitária deverá ser identificada antes da sua ocorrência, para que assim, o espectador saiba que estará diante de um apelo comercial e possa se preparar psicologicamente para tal investida empresarial (o que, na prática, nem sempre acontece). Pois, ao contrário, se não proceder desta forma, poderemos enquadrar sim tal conduta como “publicidade clandestina” e, por tal motivo, ilegal.
Em época anterior ao Código de Defesa do Consumidor, no Brasil, acontecia com certa freqüência a utilização deste artifício (merchandising) em programas televisivos, sendo o famoso exemplo, trazido por André Augusto Lisboa (2.004), da novela “Dancing Days”, em 1.980, da Rede Globo, quando a protagonista, interpretada pela atriz Sonia Braga, dançava freneticamente em uma boate e que tinha ao fundo de suas cenas um letreiro expondo a marca de calça jeans “Staroup”. Em 1.979, essa empresa vendia a média de 40 mil produtos por mês e que após a sua inserção da sua imagem no folhetim televisivo, no ano posterior, suas vendas chegaram ao patamar de 300 mil peças mensais.
Desta feita, a publicidade é utilizada para projetar os desejos dos seus espectadores, fazendo, assim, nascer ou crescer a necessidade da aquisição de um produto ou serviço para suprir sua carência que certamente se identificará com a mensagem publicitária, que se utilizando, muitas vezes, de elementos emotivos em detrimento do racional, seduz o futuro consumidor com a possibilidade de alcançar a sua tão sonhada “identificação ou aceitação social”. E o sucesso do anúncio empresarial será ainda maior quando o consumidor estiver indefeso psicologicamente diante da investida comercial, seja através de uma simples menção de uma personagem em um programa televisivo (como dito anteriormente, sem qualquer aviso acerca de tal apelo publicitário – técnica chamada também de “product placement”) ou de um discurso de uma pessoa ou instituição pública pretensamente “neutra” sobre os benefícios de um produto ou serviço disposto no mercado. Daí a ilicitude da publicidade clandestina, que se utilizando de técnicas refinadas, impossibilita que o consumidor perceba fácil e imediatamente que se está diante de uma mensagem comercial, enganando-o.
Porém, quando se discute acerca dos limites da publicidade, os seus defensores afirmam que há um protecionismo excessivo do consumidor em detrimento da liberdade de pensamento e de sua expressão, previstos na própria Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988. Devemos lembrar, porventura, que a própria Magna Carta traz (em seu artigo 220, § 3º, II e § 4º) a necessidade, também, de que o próprio ordenamento brasileiro estabeleça mecanismos de proteção à pessoa e à família em face de propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser caracterizados como nocivos, assim como a necessidade de que a programação radiofônica e a televisiva respeite os valores éticos e sociais vigentes (art. 221, IV)[9]. Ao tratar acerca do tema, Paulo Vasconcelos Jacobina (apud SILVA, 2.004) afirma que:
“É preciso lembrar que não existe, no estado de Direito, liberdade fora ou acima do Direito. A liberdade é sempre exercida dentro dos limites jurídicos. Se a publicidade não pode se conter dentro dos limites do ordenamento jurídico democrático, há algo errado com a publicidade, não com o ordenamento jurídico”.
Não se está aqui a defender a liberdade “desmedida” da atividade publicitária ou um “suposto” rigor na defesa do consumidor, por meio de censura de órgãos estatais. O que é necessário é estar num equilíbrio, ou seja, ter uma atividade publicitária sadia, sem qualquer desrespeito de qual ordem for, havendo um controle por parte do Estado para se evitar situações que venham a repercutir negativamente na sociedade, oriundas de práticas ilícitas de prestadores ou fornecedores de produtos e serviços, que no afã de querer vender, possam desrespeitar valores sociais, legais e morais estabelecidos[10]. Podendo, inclusive, o Ente Estatal utilizar-se de mecanismos legais para coibir e punir todos aqueles que venham a lesar direitos básicos do consumidor (por exemplo, com a imposição da contrapropaganda, prevista no artigo 60 do Código de Defesa do Consumidor). Nesse sentido, em recente decisão, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou a condenação dada pelo PROCON/SP à empresa de calçados gaúcha Grendene em penalidade pecuniária no valor de R$ 3,1 milhões, pela utilização desta modalidade publicitária (conforme noticiado pelo site “Consultor Jurídico”) por duas campanhas comerciais intituladas “Hello Kitty Fashion Time” e “Guga K. Power Games”, veiculadas no ano de 2.009, e voltadas ao público infantil e que, pelo entendimento judicial, induziam as crianças, por meio da clandestinidade, a um comportamento adulto (faixa etária que, pela sua maior vulnerabilidade, assim como os idosos, deve ter um tratamento especial pela legislação e pelos aplicadores do Direito, e que, na atualidade, por diversos motivos, é uma fatia considerável de consumidores ativos no Brasil, sinal da nossa sociedade consumista reinante), sendo inclusive caracterizado legalmente como prática abusiva vedada pelo artigo 39, IV do CDC, in verbis: “Artigo 39: É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços: (…) IV. prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”.
Nesse sentido, afirma André Augusto Lisboa (2.004, p. 33):
“Como já visto anteriormente, no Código de Defesa do Consumidor há o Princípio da Não-Abusividade e neste há um ‘sub-princípio’ que é a Inofensividade da Publicidade. Aqui há a proibição da publicidade que seja capaz de induzir um comportamento prejudicial ou que seja perigoso à saúde segurança do consumidor. Dessa forma, a publicidade que, de certa forma induz a insegurança, deve ser observada com cautela quando o destinatário final for a criança.”
Conclusão
E, com tal entendimento, o nosso ordenamento jurídico brasileiro, mais especificamente com a lei nacional 8.078/90, traz como regra geral o controle da publicidade, sem excluí-la. Nesse sentido, David Severino dos Santos (2.003) afirma que: “[…] em função do influxo de informações que o consumidor recebe, estas informações tendem a formar nele uma convicção que difere da realidade, sendo função do Código, eliminar as publicidades enganosas ou abusivas”. E tendo em vista, a forma como será exposta perante o público, o estímulo poderá ser ainda maior, já que, o brasileiro está extremamente exposto aos encantos da “sereia” televisiva e aos valores por ela expostos e determinados, que conforme bem afirmado por Fabiano Del Masso (2.013, p. 179), “[…] o papel que a televisão representa na vida daqueles que se sentem fascinados pelo próprio meio que parece representar algo de mágico para a maioria das pessoas”. E tendo em vista que a publicidade provoca ou cria necessidades no ser humano, não se pode utilizar de mecanismos camuflados no discurso publicitário para potencializar esse sentimento na busca da aquisição de um produto ou serviços, como se os mesmos, por si só, trouxessem a “felicidade” ao consumidor (sentimento arraigado como regra em nossa atual sociedade consumista), pois, procedendo, desta forma, estaremos diante da insidiosa figura da “publicidade clandestina”, como comentada no decorrer deste trabalho, sendo, caracterizada, portanto, como ilícita, pois está indo contra o que a sociedade entende, no seu íntimo, como moral e de acordo com os bons costumes.
Poderá, sim, concluindo-se, a publicidade utilizar-se de mecanismos afetivos, emocionais, não racionais, para expor a sua mensagem perante o público e, assim, vender seu produto ou serviço. Mas, para fazer valer o princípio da identificabilidade da atividade publicitária prevista no Código de Defesa do Consumidor, deverá, de antemão, demonstrar a sua real intenção (caracterizando-se, desta forma, a sua boa-fé), para que, assim, o público-alvo possa se preparar psicologicamente ao anúncio e racionalmente possa ceder ou não ao apelo publicitário. O ato comunicativo deverá ser totalmente transparente, punindo toda e qualquer manifestação oculta de seu real significado comercial que venha a determinar lesão ao seu receptor através do induzimento à aquisição (não livre) de determinado produto ou serviço, inclusive de maneira criminal, pela conduta que vem a atentar os direitos básicos do consumidor.
Resumindo: todo aquele que vier a se utilizar de mecanismo publicitário, deverá se ater aos preceitos básicos contidos no Código de Defesa do Consumidor, pois se valendo de subterfúgios clandestinos, como expostos no decorrer deste trabalho, vier a lesionar o direito à livre escolha do consumidor, estará sujeito ao controle legal, já que estará atentando contra ordem pública estabelecida, por meio do ordenamento jurídico, ou seja, tudo aquilo que é defendido como valor social e ético pela sociedade. Não se está combatendo a publicidade clandestina tão-somente pelo potencial prejuízo econômico que poderá trazer ao consumidor, mas para se fazer valer o princípio da dignidade da pessoa humana, previsto na Constituição da República Federativa do Brasil de 1.988, já que essa modalidade publicitária trará efetivamente danos emocionais ao indivíduo e, por consequência, levar a um comportamento, muitas vezes, perigoso e prejudicial a sua saúde e segurança.
Informações Sobre o Autor
Edson Camara de Drummond Alves Junior
Bacharel em Direito pelas Faculdades Integradas Vianna Junior (FIVJ/MG) e Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Candido Mendes (UCAM/RJ). Advogado e Professor de Direito Civil da Universidade Vale do Rio Verde (UNINCOR/MG) e da Faculdade de São Lourenço (UNISEP)