Ausência de homologação da sentença estrangeira de divórcio litigioso não invalida novo casamento ou configura bigamia

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Resumo: Para que uma sentença proferida no exterior seja reconhecida e executada no Brasil, é preciso submetê-la a um procedimento de homologação perante o Superior Tribunal de Justiça. De acordo com a legislação processual pátria, essa exigência de homologação de sentença estrangeira aplica-se inclusive para o divórcio realizado no exterior, seja ele na modalidade consensual ou litigiosa. Essa necessidade de reconhecimento da sentença estrangeira de divórcio, porém, foi modificada pela Lei nº 13.105/2015, que introduz o novo Código de Processo Civil. Conforme dispõe a nova lei processual, prevista para entrar em vigor em março de 2016, permanece a exigência de homologação apenas para a sentença estrangeira que declarar o divórcio litigioso. Diante da alteração legislativa, o presente artigo tem como objetivo elucidar que ausência de homologação da sentença estrangeira de divórcio litigioso não configura óbice para a plena validade do novo casamento, assim como também não enseja caracterização do crime de bigamia para o divorciado no exterior que não providenciou a homologação da sentença do divórcio.

Palavras-chave: homologação – sentença estrangeira – divórcio – novo CPC – bigamia

Abstract: For a judgement rendered abroad to be recognized and enforced in Brazil, it must be submitted to a ratification proceeding before the Superior Court of Justice. According to the Brazilian procedural legislation, the ratification of foreign judgements is a requirement that applies including to the divorce decreed outside of Brazil, whether it is consensual or litigious. This need to ratify the foreign divorce decree, however, was modified by Law n. 13.105/2015, which introduces the new Procedure Code. Pursuant to the new procedural legislation, expected to come into force in March 2016, the obligation to ratify remains only for the foreign judgement that decrees the litigious divorce. Considering the legislative modification, the present article aims to elucidate that the absence of ratification of the foreign litigious divorce judgment does not denote any hindrance to the validity of the recent marriage, as well as it does not imply that the party divorced abroad committed the offense of bigamy just because the divorce decree was not submitted to the recognition proceeding.

Keywords: ratification – foreign sentence – divorce – new CPC – bigamy

Sumário: Introdução. 1. O reconhecimento de sentenças estrangeiras. 2. Homologação de sentenças estrangeiras de divórcio. 3. Ausência de homologação de sentença estrangeira de divórcio litigioso não configura bigamia ou nulidade do novo casamento. Conclusão. Referências.

Introdução

À luz da legislação processual brasileira, o divórcio proferido no exterior apenas surtirá efeitos no Brasil após a manifestação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) emitida em procedimento de homologação. Essa regra, que hoje se aplica tanto ao divórcio litigioso quanto ao consensual, será alterada quando da entrada em vigor da Lei nº 13.105/2015 (novo Código de Processo Civil), segundo a qual apenas o divórcio litigioso decretado no exterior precisará ser homologado pelo STJ.

Sob a ótica na nova lei processual, prevista para entrar em vigor em março de 2016, esse artigo tem como principal objetivo consolidar a validade do novo casamento realizado por parte divorciada no exterior sem prévia homologação da sentença de divórcio, assim como rejeitar eventual caracterização do crime de bigamia.

Dessa forma, delineia-se, inicialmente, a maneira pela qual o direito brasileiro promove o reconhecimento de sentenças proferidas no exterior, sujeitando a eficácia dessas sentenças ao pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça mediante processo de homologação.

Em sequência, são apresentados o processo de homologação da sentença estrangeira de divórcio sob a égide do atual Código de Processo Civil e sob a perspectiva da nova legislação processual. Adiante, fixa-se que o procedimento de homologação tem efeitos meramente formais, não influenciando na validade do ato de divórcio.

Por último, considerando que o divórcio proferido no exterior não tem sua validade dependente do procedimento de homologação, defende-se que o novo casamento realizado por parte que não providenciou o reconhecimento do divórcio estrangeiro não é ato nulo, afastando-se a configuração de bigamia.

1. O reconhecimento de sentenças estrangeiras

Normalmente, para reconhecer a eficácia de sentenças estrangeiras em seu território, os Estados exigem a prévia verificação de determinados requisitos legais que atestem a compatibilidade dessa sentença com seu ordenamento jurídico.

Nem mesmo os acordos de cooperação firmados suprem a necessidade de reconhecimento da sentença estrangeira. Nessa toada manifesta-se Beat Walter Rechsteiner, segundo quem “[…] a sentença estrangeira somente não será reconhecida quando ferir a ordem pública, violando princípios fundamentais da ordem jurídica interna.” (2012, p. 345).

Ausente qualquer violação à ordem pública ou aos princípios internos, os Estados não têm razão para obstaculizar o reconhecimento da sentença estrangeira. Essa é a regra. Assim, a decisão prolatada no exterior, após seu reconhecimento, passa a ter, em território nacional, os mesmos efeitos jurídicos que lhe foram concedidos em seu país de origem.

No Brasil, para que uma sentença proferida por juiz ou tribunal estrangeiro tenha eficácia, é preciso o pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) mediante um procedimento denominado “homologação”, cuja finalidade é o “[…] reconhecimento da eficácia jurídica da sentença estrangeira perante a ordem jurídica brasileira.” (Rechsteiner, 2012, p. 349).

Conforme o direito brasileiro, a exigência da homologação da sentença estrangeira encontra amparo no art. 15 do Decreto-Lei nº 4.657/1942 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB), no art. 483 da Lei nº 5.869/1973 (atual Código de Processo Civil – CPC) e no art. 105, I, “i” da Constituição Federal.

Importante esclarecer que o art. 105, I, “i”, da Constituição Federal, introduzido pela Emenda à Constituição nº 45/2004, alterou fundamentalmente a competência para o reconhecimento de sentenças estrangeiras, transferindo-a do Supremo Tribunal Federal (STF) para o Superior Tribunal de Justiça.

Atualmente, estão sujeitas ao procedimento de homologação todas as espécies de sentenças proferidas no exterior, sejam elas declaratórias, constitutivas ou condenatórias (RECHSTEINER, 2012, p. 349).

Dessa forma, mesmo as sentenças estrangeiras meramente declaratórias do estado civil das pessoas, caso da sentença de divórcio, precisam ser primeiramente submetidas ao procedimento de reconhecimento perante o Superior Tribunal de Justiça.

A exigência de que todas as decisões estrangeiras precisam passar pelo processo de homologação foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro pelo art. 483 do CPC. Até então, o art. 15 da LINDB, em seu parágrafo único, excluía a necessidade de homologação das decisões declaratórias de mero estado, que podiam ser levadas diretamente a registro.

Todavia, essa orientação do parágrafo único do aludido art. 15 foi modificada pelo STF, que declarou a revogação tácita desse dispositivo legal pelo art. 483 do CPC (ARAUJO, 2008, p. 464).

Ademais, Nádia de Araujo esclarece que, mesmo com a previsão do parágrafo único do art. 15 da LINDB, “[…] com a modificação do CPC, a regra se aplica a todas as decisões estrangeiras, em face de seu caráter imperativo.” (ARAUJO, 2008, p. 310-311).

Note-se que com a entrada em vigor da Lei nº 12.036/2009, que alterou a LINDB para adequá-la à Constituição Federal, o aludido parágrafo único do art. 15 da LINDB foi expressamente revogado. De tal forma, permanece vigente no Brasil a regra de todo tipo de decisão estrangeira precisa passar pelo procedimento de homologação.

2. Homologação de sentenças estrangeiras de divórcio

Especificamente no que se refere ao divórcio, conforme esclarece Rechsteiner, o direito brasileiro atual exige a homologação do divórcio celebrado no exterior mesmo quando realizado por mútuo consentimento entre as partes:

“Se contiver os requisitos de uma sentença, deverá ser examinada exclusivamente à luz do direito brasileiro. Por essa razão, estão sujeitas à homologação, p. ex., decisões estrangeiras referentes a divórcios por mútuo consentimento, mesmo quando realizados no exterior, perante um órgão administrativo em conformidade com o sistema jurídico do país de origem.” (RECHSTEINER, 2012, p. 351. grifo nosso).

Muito embora a legislação pátria atual não faça distinção entre as modalidades de sentença estrangeira que estão sujeitas ao processo de reconhecimento pelo STJ, Rechsteiner (2012, p. 349) preleciona que existe uma crescente influência doutrinária defendendo que as sentenças estrangeiras que têm efeitos exclusivamente declaratórios deveriam ser dispensadas de homologação.

Essa tendência doutrinária ganhou especial força com a sanção do da Lei nº 13.105/2015, que introduz o novo Código de Processo Civil. De acordo com o novo regulamento processual, previsto para vigorar a partir de março de 2016, a sentença estrangeira que declarar o divórcio consensual não precisará mais ser submetida ao procedimento de homologação perante o STJ.

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No entanto, o art. 961 do novo CPC, que disciplina a homologação de decisão estrangeira, determina expressamente em seu parágrafo quinto que a sentença de divórcio consensual emitida no exterior produzirá efeitos no Brasil independentemente de reconhecimento pelo STJ:

“Art. 961.  A decisão estrangeira somente terá eficácia no Brasil após a homologação de sentença estrangeira ou a concessão do exequatur às cartas rogatórias, salvo disposição em sentido contrário de lei ou tratado.

§ 5o A sentença estrangeira de divórcio consensual produz efeitos no Brasil, independentemente de homologação pelo Superior Tribunal de Justiça”. (grifo nosso).

Essa novidade legislativa surtirá efeitos diretos sobre os processos de homologação de sentença estrangeira de divórcio consensual que estiverem em curso quando o novo diploma processual entrar em vigor, em março de 2016.

Com efeito, como o art. 1.046 do novo CPC estipula que suas disposições serão imediatamente aplicadas aos processos pendentes, as ações de reconhecimento de sentença estrangeira de divórcio consensual que estiverem sob análise do STJ serão extintas em razão da perda superveniente de seu objeto:

“Art. 1.046.  Ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973”.

Importante ressaltar que apenas as sentenças referentes ao divórcio realizado por consenso serão isentas do processo de reconhecimento. Quanto às sentenças de divórcio litigioso, mesmo após a entrada em vigor do novo CPC, permanecerá a exigência de sua homologação junto ao STJ.

 Assim, quando celebrado no exterior, o divórcio litigioso realizado entre partes brasileiras ou entre parte brasileira e parte estrangeira apenas poderá ser executado no Brasil depois de confirmada sua sintonia com a legislação pátria por meio do processo de homologação e registrada a carta de sentença de homologação do divórcio no cartório competente.

A obrigatoriedade do reconhecimento da sentença estrangeira de divórcio litigioso faz-se presente ainda que o casamento celebrado no exterior não tenha sido registrado em Repartição Consular e em cartório no Brasil.

O registro do casamento feito no exterior em cartório brasileiro, nos termos do art. 1.544 do Código Civil, deve ser providenciado no prazo de cento e oitenta dias contados da volta de um ou ambos os cônjuges ao Brasil. A inobservância desse prazo, contudo, não implica penalidade para qualquer dos cônjuges, tratando-se apenas de requisito formal. Nessa senda, destaca-se o julgado da 2ª Vara de Registros Públicos de São Paulo:

“A perda do prazo examinado não provoca o efeito questionado, sujeitando os cônjuges, tão somente, às conseqüências da demora na efetivação do registro em nosso país, na ausência de publicidade nas relações do casal e na vida em sociedade, nos aspectos jurídicos daí decorrentes.” (SÃO PAUO, CP 777/03-RC, 2005).

A ausência de registro, no Brasil, do casamento realizado no exterior não significa que as partes continuam solteiras. Pelo contrário, mesmo sem registro, o casamento celebrado no exterior é válido para o Brasil. Assim preleciona Maria Helena Diniz:

“O casamento celebrado no exterior, segundo as formalidades legais, será reconhecido como válido no Brasil, ante o princípio do respeito do direito adquirido no estrangeiro, ressalvados os casos de ofensa à ordem pública brasileira e de fraude à lei nacional.” (DINIZ, 2007, p. 48).

Nesse mesmo sentido posiciona-se Jacob Dolinger, cuja lição esclarece não ter sido intenção do legislador obrigar o registro, mas tão somente garantir prova do casamento celebrado no exterior, sendo que “[…] o reconhecimento de sua validade no Brasil se dá independentemente do registro local” (1997, p. 49) [1].

De acordo com o art. 32 da Lei de Registros Públicos, Lei nº 6.015/73, o casamento realizado no exterior é válido se realizado em conformidade com a legislação do local onde for celebrado. Dolinger corrobora a previsão legislativa ao elucidar que:

“O registro no Brasil não torna eficaz o casamento celebrado no exterior, pois, para todos os efeitos de direito, ele é eficaz no Brasil a partir do momento em que efetuado validamente no exterior, na conformidade das leis do local de sua celebração. O registro é necessário tão-somente para fazer prova.” (DOLINGER, 1997, p. 49).

Desse modo, se as partes não possuíam quaisquer impedimentos ao casamento realizado conforme as leis do país onde foi realizado, nada impede que esse ato seja imediatamente válido no Brasil, ficando sua eficácia, porém, condicionada ao registro nos termos do art. 32, §1º da referida Lei.

O STJ já se posicionou nesse sentido ao reconhecer que o casamento realizado no exterior é válido no Brasil independentemente de registro, sendo necessária sua averbação apenas para formalizar o ato e, assim, garantir os efeitos do casamento em território brasileiro (STJ, REsp nº 280.197-RJ, 2002).

É certo, portanto, que a homologação do divórcio litigioso estrangeiro é requisito inafastável para que as partes possam atualizar seu estado civil, sendo exigido inclusive no caso de ausência de registro de casamento no Brasil.

3. Ausência de homologação de sentença estrangeira de divórcio litigioso não configura bigamia ou nulidade do novo casamento

Diante da exigência de homologação da sentença de divórcio estrangeiro quando realizado de forma litigiosa, questiona-se sobre a caracterização do crime de bigamia para as partes que, embora divorciadas no exterior, não tenham providenciado a homologação de seu divórcio antes de realizarem novo casamento.

A legislação penal pátria, visando proteger o sistema monogâmico como a forma de organização da família, tipificou como crime de bigamia a celebração de novo casamento por pessoa já casada. Esse delito está regulado pelo art. 235 do Código Penal, e sua prática está sujeita à aplicação de sanções penais:

“Art. 235 – Contrair alguém, sendo casado, novo casamento:

Pena – reclusão, de dois a seis anos.

§ 1º – Aquele que, não sendo casado, contrai casamento com pessoa casada, conhecendo essa circunstância, é punido com reclusão ou detenção, de um a três anos.[2]

§ 2º – Anulado por qualquer motivo o primeiro casamento, ou o outro por motivo que não a bigamia, considera-se inexistente o crime.”

À luz do disposto no referido art. 235, o crime tipificado como bigamia diz respeito à prática de novo casamento por pessoa que se encontra casada. Referida disposição, porém, nada esclarece acerca de eventual caracterização de bigamia no caso de realização de novo casamento sem a prévia homologação do divórcio estrangeiro pelo STJ.

Diante do lapso legislativo, a doutrina e a jurisprudência debruçam-se acerca da aplicação do crime de bigamia para o casamento realizado por parte que não providenciou a homologação da sentença estrangeira de seu divórcio.

Essa discussão ganha especial dimensão no que se refere às sentenças de divórcio litigioso prolatadas fora do Brasil. Quando o novo CPC afastou expressamente a necessidade de homologação do divórcio estrangeiro consensual, determinou que os efeitos desse divórcio seriam imediatos, podendo as partes ser consideradas divorciadas desde a prolação da sentença estrangeira.

Porém, ao manter a exigência de homologação do divórcio estrangeiro litigioso, conservou a situação civil das partes como casadas no Brasil até o efetivo registro da carta de homologação de sentença em cartório.

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Por isso, em razão de o estado civil das partes divorciadas no exterior em processo de divórcio litigioso permanecer inalterado até a homologação, uma corrente defende que novo casamento realizado antes dessa homologação seria nulo, restando a(s) parte(s) sujeita(s) às penalidades do delito de bigamia.

O Tribunal de Justiça de São Paulo já esposou entendimento nesse sentido:

“[…] Casamento – Anulação – Bigamia – Cônjuge varão casado e divorciado no estrangeiro – Sentença não homologada pelo STF [hoje STJ] – Invalidade do casamento contraído em segundas núpcias no Brasil – Arts. 15, e, da Lei de Introdução ao CC, 483 do CPC e 102, I, h, da Constituição da República [art. 105, I, i, da CF/88]”. (TJSP, RJTJSP 110/503, apud BOTINHA; CABRAL, 2011).

Essa posição, entretanto, é guerreada pela outra corrente, segundo a qual a ausência de homologação da sentença de divórcio litigioso não implica a nulidade do novo casamento e, assim, não enseja a caracterização do crime de bigamia.

De acordo com essa segunda visão, à qual nos filiamos, o novo casamento celebrado anteriormente à homologação do divórcio litigioso estrangeiro pelo STJ não possui vício insanável a ponto de ser considerado nulo.

Com razão, a falta de homologação da sentença de divórcio não constitui causa que não possa ser convalidada a posteriori pelas partes, bastando que providenciem, oportunamente, o reconhecimento dessa sentença pelo STJ. Além disso, mesmo na eventualidade de rejeição da homologação desse divórcio litigioso, o novo casamento não é nulo, mas apenas anulável (BOTINHA; CABRAL, 2011).

Rechsteiner também adota esse entendimento, ao lecionar que a homologação da sentença estrangeira de divórcio não é condição para que o Brasil reconheça o novo casamento:

“Como consequência disso, por exemplo, casamentos de brasileiros em segundas núpcias, celebrados no exterior, devem ser reconhecidos no País, sem que seja necessária a prévia homologação da sentença estrangeira de divórcio pelo Superior Tribunal de Justiça, quando estes tiveram a sua residência e o seu domicílio em país estrangeiro à época do divórcio.” (RECHSTEINER, 2012, p. 241).

Em sintonia com a doutrina defendida pela segunda corrente, o Manual de Serviço Consular e Jurídico, aprovado pela Portaria nº 457, de 02 de agosto de 2010, determina que a sentença de divórcio proferida no exterior deve ser homologada no STJ para possibilitar o registro do novo casamento:

“4.3.34 A sentença estrangeira de divórcio resultante de casamento realizado entre brasileiros ou entre brasileiro(a) e estrangeiro(a), deverá ser homologada no Brasil pelo STJ, ainda que o casamento não tenha sido registrado na Repartição Consular e/ou no Brasil. Somente após a homologação e a respectiva averbação do divórcio em cartório brasileiro poderá ser feito o registro de novo casamento. […]”. (grifo nosso).

A previsão do artigo 4.3.34 desse Manual é indiscutível ao estabelecer que a homologação da sentença estrangeira e sua posterior averbação em cartório são requisitos fundamentais apenas para o registro do novo casamento, em nada influindo, portanto, na validade do ato em si.

Decerto, ao estabelecer que a homologação é elemento fundamental para o registro do novo casamento, o Manual reforça a posição de que esse novo casamento é ato válido.

Diante desse cenário, não há que se falar em nulidade do casamento realizado por brasileiro divorciado no exterior ou por estrangeiro que se divorciou de brasileiro sem providenciar a homologação do divórcio litigioso estrangeiro pelo STJ.

Exatamente por esse segundo casamento ser ato válido em sua origem, inexistindo vício insanável na sua celebração, afasta-se a incidência do crime de bigamia para quem, devidamente divorciado no exterior, apenas não providenciou a homologação e registro da decisão estrangeira de divórcio no Brasil.

A modificação introduzida pelo art. 961, §5º, do novo CPC, corrobora esse posicionamento de que o reconhecimento da decisão estrangeira de divórcio não é pressuposto de validade para o novo casamento.

Mesmo não tendo dispensado integralmente a homologação da sentença de divórcio proferida no exterior, ao determinar que o divórcio consensual realizado no exterior surtirá efeitos imediatos no Brasil, o novo CPC consolida o entendimento de que novo casamento feito por parte divorciada no exterior é perfeitamente possível.

Conclusão

Espera-se, por fim, que a entrada em vigor do novo regulamento processual pacifique as discussões acerca da validade do casamento realizado diante da ausência de homologação pelo STJ da sentença de divórcio proferida no exterior, afastando definitivamente a ameaça de caracterização de bigamia.

 

Referências
ARAUJO, Nádia de. Direito internacional privado: teoria e prática brasileira. 4. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
 BOTINHA, Sérgio Pereira Diniz; CABRAL, Manuella Bambirra. Eficácia no Brasil de casamento e divórcio realizados no Exterior. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 87, abr 2011. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9360&revista_caderno=16>. Acesso em: jul. 2015.
BRASIL. Portaria nº 457, de 02 de agosto de 2010. Dispõe sobre a aprovação do Manual do Serviço Consular e Jurídico (MSCJ), a criação da Comissão Permanente de Revisão do MSCJ e a criação do Curso de Especialização em Assuntos Consulares.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 280.197-RJ, Terceira Turma. Rel.: Min. Ari Pargendler. Data de julgamento: 11/6/2002.
BRASÍLIA. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Apelação Cível nº 2010.01.1.179158-5. Rel.: Des. Ângelo Canducci Passareli. Data de julgamento: 12/02/2014.
DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
DOLINGER, Jacob. Direito Civil Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. v. I.
RECHSTEINER, Beat Walter. Direito internacional privado: teoria e prática. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
SÃO PAULO. 2ª Vara de Registros Públicos. Processo CP 777/03-RC. Rel.: Juiz Márcio Martins Bonilha. Data de Julgamento: 21/08/2005. Disponível em:<http://2registrocivil.com.br/arpensp/?p=98>. Acesso em: jul. 2015.
SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. RJTJSP 110/503. apud BOTINHA, Sérgio Pereira Diniz; CABRAL, Manuella Bambirra. Eficácia no Brasil de casamento e divórcio realizados no Exterior. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 87, abr 2011. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9360&revista_caderno=16>. Acesso em: jul. 2015.
 
Notas:
[1] Nesse mesmo sentido, vale a leitura do julgamento proferido pelo Desembargador Ângelo Passareli na Apelação Cível nº 2010.01.1.179158-5 (TJDF. Apelação Cível nº 2010.01.1.179158-5. Rel.: Des. Ângelo Canducci Passareli. Data de julgamento: 12/02/2014).

[2] Nesse sentido, a tutela à estrutura familiar estende-se, inclusive, à pessoa solteira, viúva ou divorciada que se casar com quem saiba ser casado. Essa hipótese encontra amparo no §1º do aludido art. 235 do Código Penal, e diz respeito ao crime de bigamia imprópria.


Informações Sobre o Autor

Alessandra H. Fortes Lobo

Advogada associada no Porto Fonseca Advogados. Formada pela UFMG, especialista em Direito Público e pós-graduanda em Gestão de Contencioso. Foi intercambista na Universität des Saarlandes (ALE) e estudante convidada no L.L.M. do Europa Institut. Mantém o blog Direito for Startups


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