O Projeto de Lei nº 4.148/2008 e o fim da rotulagem identificatória em alimentos transgênicos: a desconstrução do princípio da informação no direito do consumidor

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Resumo: O objetivo do presente está assentado em analisar o Projeto de Lei nº 4.148/2008 que coloca fim na obrigatoriedade da rotulagem em alimentos transgênicos e a violação ao princípio da informação. É indiscutível o relevo que reveste o Direito do Consumidor, sendo considerada, inclusive, como irrecusável importância jurídica, econômica e política, sendo dotado de caráter absolutamente inovador, eis que elevou a defesa do consumidor à posição eminente de direito fundamental, atribuindo-lhe a condição de princípio estruturador e conformador da própria ordem econômica. A metodologia empregada consiste na utilização do método hipotético-dedutivo, valendo-se de revisão bibliográfica e análise de situações concretas.

Palavras-Chave: Direito do Consumidor; Alimentos Transgênicos; Princípio da Informação

1 COMENTÁRIOS INTRODUTÓRIOS

Inicialmente, ao se dispensar um exame acerca do tema colocado em tela, patente se faz arrazoar que a Ciência Jurídica, enquanto um conjunto multifacetado de arcabouço doutrinário e técnico, assim como as robustas ramificações que a integram, reclama uma interpretação alicerçada nos plurais aspectos modificadores que passaram a influir em sua estruturação. Neste alamiré, lançando à tona os aspectos característicos de mutabilidade que passaram a orientar o Direito, tornou-se imperioso salientar, com ênfase, que não mais subsiste uma visão arrimada em preceitos estagnados e estanques, alheios às necessidades e às diversidades sociais que passaram a contornar os Ordenamentos Jurídicos. Ora, em razão do burilado, infere-se que não mais prospera o arcabouço imutável que outrora sedimentava a aplicação das leis, sendo, em decorrência dos anseios da população, suplantados em uma nova sistemática.

Com espeque em tais premissas, cuida hastear como flâmula de interpretação o “prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém” (VERDAN, 2009, s.p.). Destarte, com clareza solar, denota-se que há uma interação consolidada na mútua dependência, já que o primeiro tem suas balizas fincadas no constante processo de evolução da sociedade, com o fito de que seus Diplomas Legislativos e institutos não fiquem inquinados de inaptidão e arcaísmo, em total descompasso com a realidade vigente. A segunda, por sua vez, apresenta estrutural dependência das regras consolidadas pelo Ordenamento Pátrio, cujo escopo primevo é assegurar que não haja uma vingança privada, afastando, por extensão, qualquer ranço que rememore priscas eras em que o homem valorizava a Lei de Talião (“Olho por olho, dente por dente”), bem como para evitar que se robusteça um cenário caótico no seio da coletividade.

Ademais, com a promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, imprescindível se fez adotá-la como maciço axioma de sustentação do Ordenamento Brasileiro, precipuamente quando se objetiva a amoldagem do texto legal, genérico e abstrato, aos complexos anseios e múltiplas necessidades que influenciam a realidade contemporânea. Ao lado disso, há que se citar o voto magistral voto proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”(BRASIL, 2009, s.p.). Como bem pontuado, o fascínio da Ciência Jurídica jaz justamente na constante e imprescindível mutabilidade que apresenta, decorrente do dinamismo que reverbera na sociedade e orienta a aplicação dos Diplomas Legais.

Ainda neste substrato de exposição, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Aliás, há que se citar o entendimento de Verdan (2009, s.p.) “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação”. Destarte, a partir de uma análise, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica que Direito e, por conseguinte, o arcabouço normativo passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.

2 A VALORAÇÃO DOS PRINCÍPIOS: A INFLUÊNCIA DO PÓS-POSITIVISMO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO

Tendo como pilares de apoio as lições apresentadas por Marquesi (2004, s.p.) que, com substancial pertinência, dicciona que os postulados e dogmas se afiguram como a gênese, o ponto de partida ou mesmo o primeiro momento da existência de algo. Nesta trilha, há que se gizar, com bastante ênfase, que os princípios se apresentam como verdades fundamentais, que suportam ou asseguram a certeza de uma gama de juízos e valores que norteiam as aplicações das normas diante da situação concreta, adequando o texto frio, abstrato e genérico às nuances e particularidades apresentadas pela interação do ser humano. Objetiva, por conseguinte, com a valoração dos princípios vedar a exacerbação errônea do texto da lei, conferindo-lhe dinamicidade ao apreciar as questões colocadas em análise.

Com supedâneo em tais ideários, salientar se faz patente que os dogmas, valorados pelas linhas do pós-positivismo, são responsáveis por fundar o Ordenamento Jurídico e atuar como normas vinculantes, verdadeiras flâmulas desfraldadas na interpretação do Ordenamento Jurídico. Desta sorte, insta obtemperar que “conhecê-los é penetrar o âmago da realidade jurídica. Toda sociedade politicamente organizada baseia-se numa tábua principiológica, que varia segundo se altera e evolui a cultura e modo de pensar” (MARQUESI, 2004, s.p.). Ao lado disso, em razão do aspecto essencial que apresentam, os preceitos podem variar, de maneira robusta, adequando-se a realidade vigorante em cada Estado, ou seja, os corolários são resultantes dos anseios sagrados em cada população. Entrementes, o que assegura a característica fundante dos axiomas é o fato serem “galgados à condição de cânone escrito pelos representantes da nação ou de regra costumeira à qual democraticamente aderiu o povo” (MARQUESI, 2004, s.p.).

Nesta linha de exposição, os dogmas que são salvaguardados pela Ciência Jurídica passam a ser erigidos à condição de elementos que compreendem em seu bojo oferta de uma abrangência mais versátil, contemplando, de maneira singular, as múltiplas espécies normativas que integram o ordenamento pátrio. Ao lado do apresentado, há que se evidenciar que tais mandamentos passam a figurar como super-normas, isto é, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo” (VERDAN, 2009, s.p.). Os corolários passam a figurar como verdadeiros pilares sobre os quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar (2005, s.p.). Com efeito, essa concepção deve ser estendida a interpretação das normas que integram o ramo Consumerista da Ciência Jurídica, em especial devido à proteção dispensada pelo Ordenamento Pátrio aos consumidores, em razão da vulnerabilidade desses.

Salta aos olhos, desta sorte, o relevo indiscutível que reveste o Direito do Consumidor, sendo considerada, inclusive, como irrecusável importância jurídica, econômica e política, sendo dotado de caráter absolutamente inovador, eis que elevou a defesa do consumidor à posição eminente de direito fundamental, atribuindo-lhe, ainda, a condição de princípio estruturador e conformador da própria ordem econômica. Verifica-se, portanto, que com as inovações apresentadas no Texto Constitucional erigiram os consumidores como detentores de direitos constitucionais fundamentais, conjugado, de maneira robusta, com o relevante propósito de legitimar todas as medidas de intervenção estatal necessárias e a salvaguardar as disposições entalhadas na Carta de 1988.

Em decorrência de tais lições, destacar é crucial que o Código de Defesa do Consumidor deve ser interpretado a partir de uma luz emanada pelos valores de maciça relevância para a Constituição Federal de 1988. Isto é, cabe ao Arquiteto do Direito observar, de forma imperiosa, a tábua principiológica, considerada como essencial e exaltada como fundamental dentro da Carta Magna do Estado Brasileiro, ao aplicar a legislação abstrata ao caso concreto. A exemplo de tal afirmativa é possível citar tábua principiológica que orienta a interpretação das normas atinentes à Legislação Consumerista. Com o alicerce no pontuado, salta aos olhos a necessidade de desnudar tal assunto, com o intento de afastar qualquer possível desmistificação, com o fito primordial de substancializar um entendimento mais robusto acerca do tema.

3 OS PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DO DIREITO DO CONSUMIDOR: O RECONHECIMENTO DA VULNERABILIDADE COMO CARACTERIZADOR DO CONSUMIDOR

In primo locu, os denominados princípios informativos são considerados como o manancial das proposições diretoras as quais todo o desenvolvimento posterior é subordinado.  Afiguram-se, com destaque, como verdadeiras fontes robustas que dão corpo ao próprio fundamento das normas jurídicas ou, ainda, como um vetor que informa o conteúdo da norma jurídica, hasteando pavilhão que orienta o legislador na confecção dos diplomas legais e o julgador na sua aplicação. Com efeito, a proteção estatal ao consumidor, quer seja enquanto figura dotada de direito fundamental que foi positivada no próprio texto da Lei Maior, quer seja como mola propulsora da formulação e execução de políticas públicas, como também do exercício das atividades econômicas em geral. Ao lado disso, cuida anotar que a Carta Política conferiu ao direito do consumidor essência de meio instrumental direcionado como princípio constitucional impositivo a neutralizar o abuso do poder econômico perpetrado em detrimento das pessoas e de seu direito ao desenvolvimento e a uma existência digna e justa.

     Ademais, deve-se salientar que os princípios informativos têm o fito de dar concreção e significado a tais proclamações contidas no Texto Constitucional, pode- evidenciar que a Constituição Cidadã instaurou um estado de comunhão solidária entre as diversas esferas políticas, que integram a estrutura institucional da Federação brasileira, agrupando-as em torno de um fito comum, banhado do mais elevado sentido social. Além disso, os direitos do consumidor, conquanto despidos de caráter absoluto, qualificam-se, porém, como valores essenciais e condicionantes de qualquer processo decisório, manifestando-se, por vezes, através dos princípios informativos, visando compor situações de antagonismos oriundos das relações de consumo que se processam, na esfera da vida social, de modo tão desigual, caracterizado corriqueiramente pela conflituosidade, opondo, por extensão, fornecedores e produtores, de um lado, a consumidores, do outro. No mais, o reconhecimento dos princípios informativos, em matéria consumerista, traduz em verdadeira prerrogativa fundamental do cidadão, estando inerente à própria acepção do Estado Democrático e Social de Direito, motivo pelo qual cabe a toda coletividade extrair, dos direitos assegurados ao consumidor, a sua máxima eficácia.

Como é cediço, a Constituição Federal de 1988 determinou, de maneira expressa, a proteção do consumidor e a elevou a categoria de direito fundamental e princípio a ser obedecido no referente à estabilidade da ordem econômica, conforme se depreende da redação dos artigos 5º, inciso XXXII e 170, inciso V. O artigo 5º do Texto Constitucional, ao estabelecer que o Estado deve promover a defesa do consumidor, com clareza solar, assegura ao cidadão essa proteção como um direito fundamental, implicitamente, reconheceu a vulnerabilidade do consumidor na relação de consumo. Foi, justamente, no princípio da vulnerabilidade do consumidor que o movimento consumerista se baseou para chegar a atual legislação protetora, tendo sido, inclusive, expressamente burilado no inciso I do artigo 4º do Código de Defesa do Consumidor. Como bem acentua Almeida (2009, p. 17), o reconhecimento da vulnerabilidade “é a espinha dorsal da proteção ao consumidor, sobre o qual se assenta toda a linha filosófica do movimento”.

O dogma em comento considera o consumidor a parte mais fraca da relação de consumo, uma vez que o consumidor se submete ao poder de quem dispõe o controle sobre bens de produção para satisfazer suas necessidades de consumo. Em outras palavras, o consumidor se submete às condições que lhes são impostas no mercado de consumo. A figura da vulnerabilidade, outrossim, para fins de aplicação das normas protetivas do Código de Defesa do Consumidor, tanto pode ser a econômica, a jurídica, a social, a técnica e outras mais. Neste sentido, oportunamente, colaciona-se o entendimento jurisprudencial construído pelo Superior Tribunal de Justiça, conforme se extrai:

“Ementa: Processo civil e Consumidor. Rescisão contratual cumulada com indenização. Fabricante. Adquirente. Freteiro. Hipossuficiência. Relação de consumo. Vulnerabilidade. Inversão do ônus probatório. – Consumidor é a pessoa física ou jurídica que adquire produto como destinatário final econômico, usufruindo do produto ou do serviço em beneficio próprio. – Excepcionalmente, o profissional freteiro, adquirente de caminhão zero quilômetro, que assevera conter defeito, também poderá ser considerado consumidor, quando a vulnerabilidade estiver caracterizada por alguma hipossuficiência quer fática, técnica ou econômica. – Nesta hipótese esta justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor, notadamente a concessão do benefício processual da inversão do ônus da prova. Recurso especial provido.” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1080719/MG/ Relatora Ministra Nancy Andrighi/Julgado em 10.02.2009/ Publicado no DJe em 17.08.2009)

Nessa esteira, Cláudia Lima Marques (2002, p. 370-373) obtempera acerca da existência de três espécies de vulnerabilidade, a saber: técnica, na qual o consumidor não é detentor do conhecimento específicos a respeito do objeto que está adquirindo, sendo, em decorrência disso, suscetível de ser enganado mais facilmente, no que tange às características ou, ainda, quanto à unidade do bem ou do serviço prestado. A segunda espécie de vulnerabilidade é a jurídica ou científica, cujo aspecto característico está arrimado na ausência de conhecimento jurídica específicos, de contabilidade ou mesmo de economia. Ademais, a terceira espécie de vulnerabilidade é denominada de fática ou socioeconômica, atrelada à posição de monopólio, fático ou jurídico, por meio do qual o fornecedor, que em razão de sua posição de monopólio, fático ou jurídico, abalizado em seu grande poderia econômico ou mesmo em decorrência da essencialidade do serviço, impõe a sua superioridade a todos que contratam com ele.

Nessa senda, ainda, cuida salientar que a concepção estruturante da vulnerabilidade técnica é presumida para o consumidor não-profissional, como também pode ser estendido, de forma excepcional, ao profissional, destinatário fático do bem ou do serviço. Ao lado do expendido, a vulnerabilidade jurídica, conquanto seja presumida para o consumidor não-profissional e para o consumidor pessoa natural, “para os profissionais e para as pessoas jurídicas, vale a presunção em sentido contrário, presume-se que possuem conhecimentos jurídicos e econômicos mínimos, ou que possam consultar  advogados e profissionais” (CARVALHO, 2008, p. 08), antes de firmarem a obrigação. No que concerne à vulnerabilidade fática, há que se frisar, com cores quentes, que subsiste uma presunção em favor do consumidor não-profissional, entrementes, tal conjectura não prospera em relação ao consumidor profissional e para o consumidor pessoa jurídica.

Importante ressaltar ainda que a doutrina tem convergido no sentido de que há a possibilidade de a pessoa jurídica, mesmo não sendo a destinatária final do produto ou serviço adquirido, receber a proteção das normas inseridas no Código de Defesa do Consumidor quando provar, na concretude do caso, a sua situação de vulnerabilidade frente ao fornecedor. Com efeito, é possível elencar a vulnerabilidade técnica, isto é, ausência de conhecimentos específicos sobre o produto ou serviço adquirido, podendo, em função disso, ser mais facilmente iludido. Já a vulnerabilidade jurídica é materializada em decorrência da ausência de conhecimentos jurídicos que o auxiliariam a melhor portar-se na relação negocial. No mais, a vulnerabilidade fática está alicerçada na situação de desvantagem real, seja pelo grande poderio do fornecedor, sua situação econômica, seja pela essencialidade do bem, do qual necessita, impreterivelmente, o consumidor. Por derradeiro, a vulnerabilidade informacional é aquela que decorre da especial importância das informações recíprocas prestadas no bojo das relações negociais, que, em regra, revelam-se deficitárias quanto ao consumidor. Colhe-se o seguinte precedente jurisprudencial, proveniente do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, o qual acena no seguinte sentido:

“Ementa: Agravo Interno na Apelação Cível – Preliminar de não conhecimento do recurso em razão da ausência de dialeticidade – Rejeitada – Código de Defesa do Consumidor – Inaplicabilidade – Critério do Consumidor Final – Recurso a que se nega provimento.  […] 2- A priori, não somente as pessoas físicas, como também as jurídicas, podem figurar como consumidoras em uma relação comercial e, portanto, desfrutar da proteção regulamentada pela lei 8078⁄90, devendo o intérprete, ao proceder a tal identificação, atentar-se à dicção do artigo 2º do mencionado diploma, que nos mostra como aspecto caracterizador de consumidor a sua posição como destinatário final do objeto negocial. 3- Deste modo, tem-se que para que o consumidor seja considerado destinatário econômico final, o produto ou o serviço não pode guardar qualquer relação, direta ou indireta, com a atividade econômica por ele exercida, devendo, assim, ser utilizado para o atendimento de uma necessidade própria, pessoal do consumidor, o que não fora demonstrado no caso em comento. 5- Importante ressaltar ainda que a doutrina tem convergido no sentido de que há a possibilidade de a pessoa jurídica, mesmo não sendo a destinatária final do produto ou serviço adquirido, receber a proteção das normas inseridas no CDC quando provar, no concretude do caso, a sua situação de vulnerabilidade frente ao fornecedor. 5- Assim, percebe-se que a agravante não demonstrou a existência do estado de vulnerabilidade que pudesse ensejar à aplicação do Código de Defesa do Consumidor. 6- Recurso a que se rejeita a preliminar e no mérito, nega-se provimento.” (Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – Quarta Câmara Cível/ Agravo Interno – (Arts. 557/527, II CPC) em Apelação Cível Nº. 24070327713/ Relator: Desembargador Maurílio de Almeida de Abreu/ Julgado em 17 ago. 2010/ Publicado em 05 out. 2010)

Mister faz-se aduzir que não há que confundir a vulnerabilidade, enquanto princípio orientador para a aplicação do Código de Defesa do Consumidor, com a denominada hipossuficiência econômica ou técnica da parte autora, eis que, em razão do corolários emanados pelo aludido dogma, nem todo consumidor deverá ser coberto pelo véu da hipossuficiência, mesmo sendo sempre vulnerável. Plus ultra, dado ao aspecto geral da vulnerabilidade, verifica-se que as flâmulas por ela hasteadas deflui da simples situação de consumidor, ao passo que a hipossuficiência, ao reverso, reclama a presença de condições pessoais e relativas a cada consumidor, devendo-se, por extensão, confrontá-las com as condições pessoais do respectivo fornecedor.

Com efeito, a vulnerabilidade se reveste de presunção, quando o consumidor for pessoa natural, enquanto a vulnerabilidade da pessoa deve ser demonstrada e será aferida, quando o magistrado analisar a situação concreta trazida a Juízo. Ao lado disso, acinzele-se que a hipossuficiência reclama um exame acurado, analisando cada caso, já a vulnerabilidade do consumidor é inerente à sua própria condição. No mais, o princípio em estudo é traço universal de todos os consumidores, independente de sua condição econômica ou grau de instrução, motivo pelo qual seu ponto de escora está alicerçada na ausência de conhecimento técnico para a elaboração do produto ou para a prestação do serviço.

4 OS PRINCÍPIOS DA INFORMAÇÃO E DA TRANSPARÊNCIA COMO PROEMINENTES BASTIÕES ORIENTADORES DAS RELAÇÕES CONSUMERISTAS

Calha rememorar que o direito à informação se apresenta como o mais básico dos direitos do consumidor, configurando-se como verdadeiro dever-direito. Ao lado disso, cuida salientar que informação consiste no ato de comunicar, compartilhar o que se tem conhecimento de boa-fé, cooperando, assim com o outro. Como dever, a informação é motivada, em juízo ético-político-jurídico, de um lado pela própria competência técnica ou profissional do fornecedor, de outro pela inexperiência ou incapacidade do consumidor de se informar. Ao lado do exposto, a proeminência do dever-direito de informação é decorrente dos diversos atribuições e funções que desempenha, tanto no que tange à sustentação do modelo capitalista do livre mercado, substancializado notadamente na proteção da concorrência, assim como na viabilização de vários outros direitos relativos ao consumidor, como, por exemplo, o acesso à justiça.

Ao lado disso, insta aduzir que a informação, como integrante da extensa rubrica de princípios orientadores do Direito do Consumidor, apresente como axioma maciço a educação e a harmonia de fornecedor e consumidores, no que se referencia aos seus direitos e deveres, com o escopo de promover a melhoria do mercado de consumo. Neste sentido, com clara dicção, o artigo 4º, inciso IV, da Legislação Consumerista, ao dispor sobre os preceitos contidos na Política Nacional de Defesa do Consumidor, espanca, dentre o rol de princípios inspiradores, a “educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo” (BRASIL, 1990, s.p.). Destarte, salta aos olhos que a informação, neste sedimento, se apresenta como postulado da liberdade, eis que inexiste plena liberdade sem acesso à informação.

Afora isso, impõe o reconhecimento que a informação é a pedra de sustento que viabiliza a utilização, por parte dos consumidores, dos produtos comercializados com ampla segurança e de modo satisfatório aos interesses acalentados. Neste alamiré, tão somente os consumidores bem informados conseguem, de fato, usufruir, de maneira integral dos benefícios econômicos que o produto ou serviço lhe proporciona, assim como proteger-se de maneira adequada dos riscos apresentados. A proteção contra riscos materializa a obrigação de informar decorre dos ideários fundantes da obrigação de segurança que, contemporaneamente, por força das imposições legais, são colocados como premissas para o exercício de qualquer atividade profissional no mercado de consumo, assumindo verdadeira natureza autônoma. Ademais, há que se anotar que a informação é elemento preponderante ao fomento da concorrência, porquanto, em sendo os consumidores bem informados, poderão adquirir produtos e serviços, de maneira mais consciente, ou mesmo evitando a sua aquisição.

No que tange ao cânon da transparência, de modo geral, impende salientar que tal dogma tem como fértil sedimento a clareza qualitativa e quantitativa da informação que incumbe, de maneira recíproca, às partes conceder, nas relações jurídicas. Tal escopo, acresça-se, só será alcançado a partir da adoção de medidas que impliquem no fornecimento de informações verdadeiros, objetivas e precisas ao consumidor, assim como ao fornecedor, por parte do destinatário final do produto e serviço. “Visa, também, proteger o consumidor contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos ou serviços” (CARVALHO, 2008, p. 10). Trata-se de instrumento apto a robustecer a concepção de reequilíbrio das forças na relação de consumo, maiormente na conclusão de contratos de consumo, estabelecidos na Legislação Consumerista, como modo de alcançar a ambicionada justiça contratual. No mais, como já se decidiu no Superior Tribunal de Justiça, a inobservância do axioma em destaque acarreta em sanção, pois configura como verdadeiro ilícito administrativo, devendo, portanto, o Ente Estatal, no uso de seu poder de polícia, coibir tais práticas atentatórias. Ao lado disso, colhe-se o seguinte aresto:

“Ementa: Administrativo – Regulação – Poder de Polícia Administrativa – Fiscalização de Relação de Consumo – INMETRO – Competência relacionada a aspectos de conformidade e metrologia – Deveres de Informação e de Transparência Quantitativa – Violação – Autuação – Ilícito Administrativo de Consumo – Responsabilidade Solidária dos Fornecedores – Possibilidade. 1. A Constituição Federal/88 elegeu a defesa do consumidor como fundamento da ordem econômica pátria, inciso V do art. 170, possibilitando, assim, a criação de autarquias regulatórias como o INMETRO, com competência fiscalizatória das relações de consumo sob aspectos de conformidade e metrologia. 2. As violações a deveres de informação e de transparência quantitativa representam também ilícitos administrativos de consumo que podem ser sancionados pela autarquia em tela. 3. A responsabilidade civil nos ilícitos administrativos de consumo tem a mesma natureza ontológica da responsabilidade civil na relação jurídica base de consumo. Logo, é, por disposição legal, solidária. 4. O argumento do comerciante de que não fabricou o produto e de que o fabricante foi identificado não afasta a sua responsabilidade administrativa, pois não incide, in casu, o § 5º do art. 18 do CDC. Recurso especial provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Segunda Turma/ REsp 1118302/SC/ Relator Ministro Humberto Martins/ Julgado em 01.10.2009/ Publicado no DJe em 14.10.2009)

Averbe-se, por necessário, que o princípio da transparência desfralda como pavilhão a obrigação do fornecedor de informar, de maneira prévia, o consumidor, assentando-se em conteúdo claro e correto, como, por exemplo, a respeito das qualidades do produto, da quantidade, aspectos característicos, composição e preço. Com espeque no artigo 46 do Código de Defesa do Consumidor, verifica-se que em sendo o contrato redigido de maneira a acarretar dificuldade a compreensão de seu sentido e alcance, a avença será tida como inexistente, demonstrando, via de consequência, a atenção dispensada pelo legislador ao preceito em comento.

5 ALIMENTOS TRANSGÊNICOS: UMA TEMA DE INCERTEZAS NO FUTURO

Nas últimas décadas, o desenvolver-se e o emprego dos organismos geneticamente modificados, ou simplesmente transgênicos, em larga escala na agricultura têm se amparado sob três principais argumentos: a preservação do meio ambiente, o aumento da produção para combater a fome e a redução dos custos de produção. Organizações governamentais e intergovernamentais têm planejado estratégias e protocolos para o estudo da segurança de alimentos derivados de cultivos geneticamente modificados. É nessa linha que verificasse a necessidade de alertar os cidadãos sobre as “verdades científicas” veiculadas nas mídias ou nos discursos políticos sociais.  Ribeiro e Marin discutem que:

“Ainda hoje, pesquisas e estudos que envolvem os potenciais riscos ao consumo humano de AGM ainda são muito restritos. No entanto, existem estudos sobre o efeito da ingestão de soja Roundup Ready em ratos, que demonstraram em análises ultraestruturais e imunocitoquímica, alterações em células acinares do pâncreas (redução de fatores de "splicing" do núcleo e do nucléolo e acúmulo de grânulos de pericromatina); em testículos (aumento do número de grânulos de pericromatina, diminuição da densidade de poros nucleares e alargamento do retículo endoplasmático liso das células de Sertoli), havendo a possibilidade de tais efeitos estarem relacionados ao acúmulo de herbicida presente na soja resistente, além de alterações em hepatócitos (modificações na forma do núcleo, aumento do número de poros na membrana nuclear, alterações na forma arredondada do nucléolo, indicando aumento do metabolismo) sendo potencialmente reversíveis neste último grupo de células” (RIBEIRO; MARIN, 2012, p.362).

 De maneira feliz, a posse das discussões sobre a ciências, ética e meio ambiente não pertence mais unicamente aos adeptos do desenvolvimento científico e tecnológico. Não obstante, as controvérsias científicas sempre fizeram parte da cultura da ciência. Já na década de 1950, Jacques Ellul, filósofo francês, abordava essa discussão (Le système technicien, Paris: Calman-Levy, 1977):

“Mais o progresso técnico cresce, mais aumenta a soma de efeitos imprevisíveis. Certos progressos técnicos criam incertezas permanentes e em longo prazo […] Processos irreversíveis foram já implementados, particularmente no campo do meio ambiente e da saúde. Os problemas ambientais são exemplares. Criados pelo desenvolvimento tecnológico desenfreado e irrefletido, necessitam sempre de novos instrumentos e técnicas para resolvê-los. Os problemas de saúde pública ou de segurança alimentar são sistematicamente reformulados de modo que possam receber soluções técnicas ao invés de soluções políticas” (ZANONI; FERMENT. 2011, p. 14).

A temática dos transgênicos cobre um conjunto de domínios e aspectos sociais, econômicos culturais e ambientais. A grande questão que vem sendo levantada é o quão seguras são essas tecnologias, se elas estão de acordo com o Guia Internacional para Segurança em Biotecnologia(IGSB) aceito pelo Programa Ambiental das Nações Unidas (MOSS, 2008, s.p.).  Ultimamente, os assuntos dos adeptos do princípio da precaução forçam os governos de muitos países incluindo o Brasil, a modificar suas políticas e desistir da produção de variedades geneticamente modificadas. Assegura Rubens Onofre Nodari (2003) sobre o assunto, que os testes de segurança são conduzidos caso a caso e modelados para as características específicas das culturas modificadas e as mudanças introduzidas através da modificação genética. Todavia o mesmo autor salienta que o maior problema na análise de risco de organismos geneticamente modificados, é que seus efeitos não podem ser previstos na sua totalidade.  Os riscos à saúde humana incluem aqueles inesperados, alergias, toxicidade intolerância. No ambiente, as consequências são a transferência lateral (horizontal) de genes, a poluição genética e os efeitos prejudiciais aos organismos não alvos.

Estudos elaborados por Costa (2007) apontam que, todos os fenômenos e eventos indesejáveis resultantes do crescimento e consumo dos organismos geneticamente modificados podem ser classificados em três grupos de risco: alimentares, ecológicos e agrotecnológicos. Os riscos alimentares compreendem: a) efeitos imediatos de proteínas tóxicas oualergênicas do OGM; b) riscos causados por efeitos pleiotrópicos das proteínas transgênicas no metabolismo da planta; c) riscos mediados pela acumulação de herbicidas e seus metabólitos nas variedades e espécies resistentes; d) risco de transferência horizontal das construções transgênicas, para o genoma de bactérias simbióticas tanto de humanos quanto de animais. Os riscos ecológicos abarcam: a) erosão da diversidade das variedades de culturas em razão da ampla introdução de plantas GM derivadas de um grupo limitado de variedades parentais; b) transferência não controlada de construções, especialmente daquelas que conferem resistência a pesticidas e pragas e doenças, em razão da polinização cruzada com plantas selvagens de ancestrais e espécies relacionadas. Os possíveis resultados são o declínio na biodiversidade das formas selvagens do ancestral; c) risco de transferência horizontal não controlada das construções para a microbiota da rizosfera; d) efeitos adversos na biodiversidade em razão de proteínas transgênicas tóxicas, afetando insetos não alvos, assim como a microbiota do solo, rompendo desta forma a cadeia trófica; e) risco de rápido desenvolvimento de resistência às toxinas implantadas no transgênico por insetos fitófagos, bactérias, fungos e outras pragas devido à pesada pressão seletiva; f) riscos de cepas altamente patogênicas de fitovírus emergirem em razão da interação do vírus com a construção transgênica que é instável no genoma dos organismos receptores e, portanto, são alvos mais prováveis para recombinação com DNA viral.

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No que compete aos riscos agrotecnológicos, é possível explicitar: a) riscos de mudanças imprevisíveis em propriedades e características não alvo das variedades GM e em razão dos efeitos pleiotrópicos de um gene introduzido; b) riscos de mudanças transferidas nas propriedades de variedade GM que deveriam emergir depois de muitas gerações em razão da adaptação do novo gene ao genoma, com manifestação da nova propriedade pleiotrópica e as mudanças já citadas; c) Perda da eficiência do transgênico resistente a pragas em razão do cultivo extensivo das variedades GM por muitos anos; d) possível manipulação da produção de sementes pelos donos da tecnologia “terminator”. Entretanto, observa-se que a preocupação com a produção e utilização dos OGM por sua vez, e a combinação de riscos complexos e incertos com a existência de vulnerabilidades sociais e ambientais, torna ainda mais explosiva a necessidade da dialética entre produção-destruição inerente aos atuais modelos de desenvolvimento econômico e tecnológicos.

6 O PROJETO DE LEI Nº 4.148/2008 E O FIM DA ROTULAGEM IDENTIFICATÓRIA EM ALIMENTOS TRANSGÊNICOS: A DESCONSTRUÇÃO DO PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO NO DIREITO DO CONSUMIDOR

Inicialmente, cuida reconhecer que o nascimento de um forte direito à informação é corolário de todas essas normas relacionadas à função social e à boa-fé, por intermédio das quais a liberdade de contratar assume novel feição, uma vez que a lei, detentora de preponderante papel nessa nova realidade, impõe a necessidade de transparência em todas as fases da contratação: desde o momento pré-contratual, passando pela formação e execução do contrato, e até mesmo o momento pós-contratual.  Ao lado disso, insta aduzir que a informação, como integrante da extensa rubrica de princípios orientadores do Direito do Consumidor, apresente como axioma maciço a educação e a harmonia de fornecedor e consumidores, no que se referencia aos seus direitos e deveres, com o escopo de promover a melhoria do mercado de consumo. Neste sentido, com clara dicção, o artigo 4º, inciso IV, da Legislação Consumerista, ao dispor sobre os preceitos contidos na Política Nacional de Defesa do Consumidor, espanca, dentre o rol de princípios inspiradores, a “educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo” (CARVALHO, 2008, p. 10).

Destarte, salta aos olhos que a informação, neste sedimento, se apresenta como postulado da liberdade, eis que inexiste plena liberdade sem acesso à informação. O direito à informação, enquanto integrante da robusta coluna principiológica de sustentação do Direito do Consumidor, visa a assegurar ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento informado ou vontade qualificada. Afora isso, impõe o reconhecimento que a informação é a pedra de sustento que viabiliza a utilização, por parte dos consumidores, dos produtos comercializados com ampla segurança e de modo satisfatório aos interesses acalentados.

“Conquanto seja um direito básico do consumidor, e uma decorrência do princípio da transparência, a informação ao consumidor assume posição relevante para instrumentalizar sua defesa. É obrigação do fornecedor informar ao consumidor todos os dados acerca dos produtos e serviços, como quantidade, riscos, características, composição, data de validade, qualidade e preço, para que o consumidor possa exercer livre e conscientemente sua escolha (CDC, art. 6º, III, c/c os arts. 8º, 9º e 10). Entre o direito do consumidor e a obrigação do fornecedor intercala-se o dever do Estado de exigir e fiscalizar que essa informação seja efetivamente procedida e da forma adequada. Só assim estará implementado o direito e assegurado o cumprimento da obrigação”. (ALMEIDA, 2009, p. 62).

Neste alamiré, tão somente os consumidores bem informados conseguem, de fato, usufruir, de maneira integral dos benefícios econômicos que o produto ou serviço lhe proporciona, assim como proteger-se de maneira adequada dos riscos apresentados. A proteção contra riscos decorre dos ideários fundantes da obrigação  de  segurança  que,  contemporaneamente,  por  força  das  imposições legais, são colocados como premissas para o exercício de qualquer atividade profissional no mercado de consumo, assumindo verdadeira natureza autônoma. Ademais, há que se anotar que a informação é elemento preponderante ao fomento da concorrência, porquanto, em sendo os consumidores bem informados, poderão adquirir produtos e serviços, de maneira mais consciente ou mesmo evitando a sua aquisição, sendo que o corolário em comento se apresenta como axioma que fomenta a conscientização do consumidor. À sombra do expendido, o direito à informação, consagrado na Legislação Consumerista, está indissociavelmente atrelado aos elementos essenciais para que o consumidor manifeste seu consentimento, de maneira esclarecida e ciente.

Dessa sorte, a informação deve guardar relevância para o uso do produto, para a sua aquisição, para a segurança. No mais, a informação tem como fito: (i) a conscientização crítica dos desejos de consumo e da priorização das preferências que lhes digam respeito; (ii) possibilidade de averiguação, em consonância com os critérios técnicos e econômicos acessíveis ao leigo, as qualidades e o preço de cada produto ou de cada serviço; (iii) diversificação de oportunidades para comparar os múltiplos  produtos;  (iv)  conhecimento  dos  entendimentos  jurídicos  subjetivos próprios e alheios que se manifestam na contextualidade das séries infindáveis de situações de consumo; (v) celeridade e efetivação da presença estatal preventiva, mediadora ou decisória, de conflitos de mercado de consumo.

Neste cenário, o Projeto de Lei nº 4.148, de 16 de outubro de 2008, já aprovado na Câmara dos Deputados Federais e pendente de votação no Senado Federal, representa verdadeiro retrocesso aos direitos contidos na legislação consumerista, eis que ofende o princípio da informação, suprimindo a imprescindibilidade do ícone identificador dos alimentos transgênicos na rotulagem dos produtos. O texto disciplina as informações que devem constar nas embalagens para informar sobre a presença de ingredientes transgênicos nos alimentos. Na prática, o projeto em análise revoga o Decreto 4.680/03, que já regulamenta a temática. Em consonância com o texto aprovado pela Câmara dos Deputados, nos rótulos de embalagens para consumo final de alimentos e ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal deverá ser informada ao consumidor a presença de elementos transgênicos em índice superior a 1% de sua composição final, se detectada em análise específica. Com destaque, a alteração pretendida pelo projeto de lei em comento possui como redação final, quando da aprovação na Câmara dos Deputados, o seguinte conteúdo:

“Art. 40. Os rótulos dos alimentos e dos ingredientes alimentares destinados ao consumo humano ou animal, oferecidos em embalagem de consumo final, que contenham ou sejam produzidos a partir de OGM ou derivados com presença superior a 1% (um por cento) de sua composição final, detectada em análise específica, conforme regulamento, deverão informar ao consumidor a natureza transgênica do alimento.

§1º A informação estabelecida neste artigo deve constar nos rótulos dos alimentos embalados na ausência do consumidor, bem como nos recipientes de alimentos vendidos a granel ou in natura diretamente ao consumidor, devendo ser grafada, em destaque, de forma legível, utilizando-se uma das seguintes expressões, conforme o caso, “(nome do produto) transgênico” ou “contém (nome do ingrediente) transgênico”.

§ 2º Aos alimentos que não contenham organismos geneticamente modificados será facultada a rotulagem “livre de transgênicos”, comprovada a total ausência no alimento de organismos geneticamente modificados, por meio de análise específica.

§ 3º A informação de que trata o § 1º deverá atender ao tamanho mínimo de letra definida no Regulamento Técnico de Rotulagem Geral de Alimentos Embalados”. (destaque nosso).

Verifica-se, portanto, que a redação do projeto retira a imprescindibilidade da identificação, imposta pelo decreto, de o consumidor ser informado sobre a espécie doadora do gene no local reservado para a identificação dos ingredientes. Além do fim do símbolo que identifica os produtos com transgênicos, no caso dos alimentos que não contenham OGM, o projeto mantém regra do atual decreto que permite o uso da rotulagem “livre de transgênicos”. Ora, há que reconhecer que o projeto de lei em comento, caso aprovado pelo Senado Federal e sancionado pela Presidente da República, materializará ofensa patente ao princípio da informação, porquanto omitirá dado imprescindível para o conhecimento do consumidor, no que toca à composição do alimento adquirido. Mais que isso, quadra esclarecer que, independente da porcentagem de elementos transgênicos constantes no produto, é fato que o consumidor possui direito à tal informação.

7 CONCLUSÃO

Por se tratar de uma nova tecnologia e considerando o reduzido conhecimento científico a respeito dos riscos de OGMs, torna-se indispensável que a liberação de plantas transgênicas para plantio e consumo, em larga escala, seja precedida de uma análise criteriosa de risco à saúde humana e do efeito desses produtos e serviços ao meio ambiente, respaldadas em estudos científicos, conforme prevê a legislação vigente. Assim, normas adequadas de biossegurança, licenciamento ambiental, e mecanismos e instrumentos de monitoramento e rastreabilidade são necessários para assegurar que não haverá danos à saúde humana, animal e ao meio ambiente. Também são imprescindíveis estudos de impacto socioeconômicos e culturais, daí a relevância da análise da oportunidade e conveniência que uma nação deve fazer antes da adoção de qualquer produto ou serviço decorrente da transgenia.

Ora, há que se reconhecer que a supressão do símbolo identificador de elementos transgênicos em produtos a serem adquiridos pelo consumidor, ainda que em quantidade inferior a 1% (um por cento), materializa clara afronta ao direito à informação e ao escopo sustentador do Direito do Consumidor, porquanto retira importante conquista na tábua de direitos inerentes àquele. Mais que isso, o Projeto de Lei nº 4.148/2008 materializa, de maneira ofuscante, o interesse dos fornecedores e grandes conglomerados empresariais em detrimento dos direitos do consumidor. Desta feita, há que se reconhecer que sobredito projeto ofende, diretamente, a tábua principiológica do Direito do Consumidor, notadamente o aspecto de vulnerabilidade e o direito à informação.

 

Referências:
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Informações Sobre o Autor

Tauã Lima Verdan Rangel

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES


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