Resumo: O presente trabalho monográfico tem como objetivo demonstrar o entendimento jurídico sobre a exclusão do herdeiro por indignidade no nosso ordenamento jurídico atual. O presente estudo faz uma breve demonstração do escopo histórico e do surgimento do instituto da indignidade. Além do mais, faz resumidas exposições do direito sucessório através de jurisprudências e grandes doutrinas. Como fontes foram utilizados livros e decisões dos tribunais brasileiros. É relevante o presente trabalho, já que a falta de uma sentença penal transitada em julgado, para declaração de indignidade, acarreta ao herdeiro vários prejuízos.[1]
Palavras-chave: Sucessões; Indignidade; Exclusão; Herança.
Introdução
Com o presente trabalho monográfico se pretende analisar a necessidade ou não do trânsito em julgado da sentença penal para que um herdeiro seja considerado como indigno.
Para que tal análise seja possível, necessário será que seja feita uma análise minuciosa sobre o instituto do direito sucessório que é um ramo de suma importância e relevância para o mundo jurídico e prático. Já que, é o presente ramo que cuida de disciplinar a transmissão do patrimônio do falecido a seus herdeiros determinando quem são os herdeiros e qual é a parte de cada um deles.
Conforme se objetiva demonstrar no presente trabalho, a capacidade e legitimidade para o recebimento da herança é a regra, sendo que, somente em casos excepcionais uma pessoa será excluída do recebimento da herança.
Para que seja possível o desenvolvimento do presente trabalho, necessário foi que o mesmo fosse dividido em 05 capítulos diversos. No primeiro capítulo cuidou-se de analisar de forma sucinta sobre a origem e a evolução histórica do instituto das sucessões. Já no segundo capítulo, fora explanado, de modo geral, sobre o direito sucessório, as espécies de sucessões, quando se dá a abertura da sucessão, bem como a transmissão da posse e também sobre as possibilidades de aceitação e renúncia dos bens, pelo herdeiro.
O terceiro capítulo ficou responsável pela introdução do tema do presente estudo, qual seja a exclusão do herdeiro, as possibilidades de exclusão, bem como um breve discurso sobre o instituto da deserdação. Por sua vez, no quarto capítulo, será analisado a fundo sobre o instituto da indignidade, momento pelo qual foram expostas as possibilidades de exclusão do herdeiro por indignidade, o procedimento pelo qual os herdeiros dignos devem respeitar para que vejam o indigno excluído da herança e, também, fora estudado neste capítulo, quais são os efeitos da indignidade, bem como a possibilidade do excluído ter sua “dignidade” de volta, através da reabilitação.
Por fim, no quinto capítulo se enfrenta o tema principal, oportunidade em que, se analisará a necessidade ou não do trânsito em julgado da sentença penal, para que um herdeiro seja considerado como indigno.
Para o desenvolvimento do trabalho foi utilizada a metodologia descritiva e qualitativa, já que, pretende-se verificar a necessidade de uma sentença penal, para posterior declaração de indignidade, por meio de estudos já realizados, observação de opiniões, interpretação e reflexões de dados e informações.
Percebe-se por todo o exposto que, o tema mostra-se de grande relevância já que, com a mesma se permite ampliar e fomentar a discussão de tema de tamanha importância e utilização nos dias atuais.
1. Origem e evolução histórica
Antes de adentrar ao assunto central do presente estudo, faz-se necessário expor, de forma sucinta, o surgimento e evolução histórica do instituto das sucessões, juridicamente reconhecido no atual direito brasileiro, mas que passou por diversas mudanças ao longo dos tempos.
Vários doutrinadores, ao lecionar sobre o direito sucessório, apontam a existência de vestígios de normas a respeito do direito de suceder nos códigos mais antigos.
Ressalta-se ainda, que o direito sucessório teve como fundamento inicial as questões religiosas e não o cunho econômico. De acordo com César Fiuza:
“A concepção religiosa exigia que tivesse o defunto um continuador de seu culto, que lhe fizesse os sacrifícios propiciatórios e lhe oferecesse o banquete fúnebre. O patrimônio era da família, que cultuava seus antepassados, na categoria de deuses domésticos. A sucessão era, assim, calcada no direito de primogenitura. O primogênito sucedia ao pater-familias na chefia da família e do patrimônio familiar.”(FIUZA, 2010, p. 1029)
Sílvio Rodrigues explica que o direito sucessório possui surgimento na antiguidade, e diz que:
“A possibilidade de alguém transmitir seus bens, por sua morte, é instituição de grande antiguidade, encontrando-se consagrada, entre outros, nos direitos egípcio, hindu, e babilônico, dezenas de séculos antes da Era Cristã. Todavia, as razões pelas quais a lei agasalha o direito hereditário têm variado no correr dos tempos. Por outro lado, não são poucas as vozes que, hoje como no passado, contestam tanto a legitimidade quanto a conveniência da sucessão hereditária”. (RODRIGUES, 2003, p. 4)
Neste mesmo sentido, Carlos Roberto Gonçalves menciona que:
“O direito sucessório, remonta a mais alta antiguidade, sempre ligado Índia, a religião desempenha grande importância na agregação familiar. Relata Fustel de Coulanges, a propósito, que o culto dos antepassados desenvolve-se diante do altar doméstico, não havendo castigo maior para uma pessoa do que falecer sem deixar quem lhe cultue, de modo a ficar seu túmulo ao abandono. Cabe ao herdeiro o sacerdócio desse culto”. (GONÇALVES, 2006, p. 3)
Já nas lições de César Fiuza, ao se expressar sobre o direito sucessório, aponta que:
“Originariamente não se cogitava de herança ou de sucessão causa mortis, pois não havia propriedade individual. Os bens pertenciam ao grupo. Posteriormente, a propriedade adquiriu caráter familiar e havia, então, a sucessão do novo chefe nos bens que se achavam sob a direção do chefe pré-morto”. (FIUZA, 2010, p. 1029)
Ainda, nos termos dos demais doutrinadores, Arnaldo Rizzardo nos ensina que o aparecimento da sucessão se deu em três momentos:
“Primeiramente, havia uma comunhão familiar, ou seja, os bens ficavam como grupo familiar, já que persistia a comunidade agrária, sendo as terras de propriedade coletiva da gens. Isto numa fase anterior, o que também se verificou em outros povos. Posteriormente, foram prevalecendo os sentimentos individualistas, surgindo a propriedade familiar, um grupo restrito e ligado ao parentesco próximo. Transmitia-se a propriedade do varão aos descendentes, considerado como um pequeno grupo. Finalmente, firma-se a propriedade individual, com o arrefecimento dos laços políticos, religiosos e de parentesco. Opera-se a transmissão não aos membros da família, mas aos herdeiros, assim considerados os que estavam submetidos diretamente à potestade do pai, e aos escravos instituídos herdeiros por testamento”(RIZZARDO, 2008, p. 06)
Após algum tempo, a ideia de sucessão ampliou-se, tendo como alicerce a própria continuidade patrimonial, ou seja, a sucessão deixou de acontecer por motivos religiosos, passando a ser de cunho totalmente econômico. Em outras palavras, de acordo com César Fiuza, “o desejo de segurança inspira a acumulação patrimonial; a proteção da prole inspira sua transmissão”. (FIUZA, 2010, p. 1029)
A ideia de sucessão como conhecemos hoje surgiu no Direito Romano, já que em Roma, naquela época mais remota, já havia diferença entre sucessão legítima e testamentária. (FIUZA, 2010). Diferença esta que continua a existir nos dias atuais.
Em conformidade com Sílvio de Salvo Venosa, que faz pequena alusão do direito sucessório em Roma, esclarece que:
“Os romanos, assim como os gregos, admitiam as duas formas de sucessão, com ou sem testamento. O direito grego, contudo, só admitia a sucessão por testamento, na falta de filhos. No direito romano a sucessão testamentária era a regra, daí a grande importância do testamento na época. Isso era consequência da necessidade de o romano ter sempre após sua morte quem continuasse o culto familiar.”(VENOSA, 2010, p. 3)
Todavia, naquela época, a sucessão nem sempre era vista como um benefício, já que o herdeiro não recebia apenas os bens móveis e valiosos da herança, mas também sucedia o de cujus em todas as relações jurídicas, ativa e passivamente, tanto em nível de relações jurídicas propriamente ditas, como relações religiosas. Assim sendo, o sucessor também se tornava responsável ante os credores do espólio. Destarte, Sílvio de Salvo Venosa explica que “a única forma que tinha o herdeiro para safar-se dessa responsabilidade era a renúncia da herança”. (VENOSA, 2010, pp. 23-24). Sendo eu, ao renunciar, renunciava o ativo e o passivo.
No Brasil, de acordo com os ensinamentos de Carlos Roberto Gonçalves, o princípio da droit de saisinefoi introduzido no Direito português. (GONÇALVES, 2006). Portanto, a codificação europeia influenciou o direito pátrio.
Nos dizeres de ElpídioDonizetti, droit de saisine é “a transmissão imediata da propriedade e da posse da herança aos herdeiros, e da propriedade e da posse indireta dos legados aos legatários”. (DONIZETTI, 2012, p. 1105). Vale dizer que, embora o princípio da saisine determine a transmissão direta, na realidade, a mesma fica pendente de aceitação ou renúncia por parte do herdeiro.
De acordo com Orlando Gomes, no direito pátrio, a ordem de vocação hereditária até 1907, era a seguinte, respectivamente: Descendente; Ascendentes; Colaterais até o 10º grau; Cônjuge sobrevivente; Fisco. Ainda, de acordo com o renomado doutrinador Orlando Gomes, a lei nº 1.839 de 31 de Dezembro de 1907, alterou este regramento, trazendo para o terceiro grau o cônjuge supérstite e limitando o parentesco até o 6º grau. Assim, o Código Civil de 1916 seguiu as mesmas diretrizes, mas a sucessão dos colaterais foi reduzida para o 4º grau. (GOMES, 1970, p. 24)
Desta feita, após explanar, em resumo, a origem e evolução do direito de sucessão do direito romano até o Código Civil de 1916, faz-se imperioso elucidar o conteúdo do direito de sucessão no ordenamento jurídico brasileiro nos dias atuais e o instituto com o surgimento do Código Civil de 2002, a luz da Constituição Federal de 1988. Citadas alterações serão expostas ao longo desse trabalho, na forma que se passa a explicar a seguir.
2. O direito sucessório
O direito sucessório é um dos ramos do direito civil de maior complexidade e divergência, isto porque, cuida de disciplinar exatamente a transmissão do patrimônio de uma pessoa aos seus herdeiros em razão da morte. Pode-se dizer que, a sucessão é o termo dado ao ato de transferir os bens de uma pessoa para outra. É a transferência de direitos entre as pessoas.
Nos dizeres de César Fiuza, sucessão “é a continuação de uma pessoa em relação jurídica, que cessou para o sujeito anterior e continua com outro. É a transferência de direitos de uma pessoa para outra”. (FIUZA, 2010, p. 1025)
Corroborando, ElpídioDonizetti define sucessão como “a transmissão de uma situação de uma pessoa para outra. O direito admite que essa transmissão se dê não apenas entre vivos, mas também após a morte do transmitente”. (DONIZETTI, 2012, p. 1093)
Pode-se dizer então, que a palavra sucessão, ora é empregada no seu vocábulo amplo, ou seja, como sucessão de todo e qualquer ato, sejainter vivos ou mortis causa, ou no vocábulo restrito, significando a sucessão em razão da morte de uma pessoa.
Quando ocorre a sucessão por manifestação de vontades dá-se o nome de sucessão inter vivos e se a mesma acontece em função da morte denomina-se sucessão causa mortis. A que interesse no desenvolvimento do presente trabalho é a sucessão causa mortis.A sucessão causa mortis tem como pressuposto a morte de uma pessoa, daí, a transmissão de sua herança a seus herdeiros ou legatários.
Portanto, o Direto das Sucessões tem como objeto esta transmissão hereditária, aquela que se dá aos herdeiros em razão da morte de alguém que faleceu deixando patrimônio.A sucessão pode ocorrer nas espécies a seguir analisadas.
2.1. Das Espécies de Sucessões
As sucessões podem ser divididas em quatro espécies, sendo que sucessão legítima e testamentária é quanto às fontes das quais deriva e quanto aos efeitos que a sucessão produz, tem-se a sucessão universal e singular. A seguir será analisada cada uma delas.
2.1.1. Sucessão legítima e testamentária
Quanto à fonte, a sucessão pode ser legítima ou testamentária.
A sucessão legítima poderá ocorrer nos casos de inexistência de um testamento. Se não existe testamento ou se o mesmo não possui eficácia, a transmissão da herança será definida de acordo com a lei, conforme os artigos 1786 a 1788 do Código Civil Brasileiro de 2002 (CC/02).
Nos dizeres de Roberto Senise Lisboa:
“Sucessão legítima ou ab intestato é aquela que decorre de lei cogente que estabelece quais pessoas tem o direito de suceder, em conformidade com a ordem de vocação hereditária disposta pelo legislador.”(LISBOA, 2010, p. 347)
Confirmando, Sílvio Rodrigues nos ensina que a sucessão legítima ocorre quando:
“O defunto, por exemplo, deixou de fazer testamento, seu patrimônio, por força de lei, irá à seus descendentes; inexistindo descentes aos seus ascendentes; não havendo nem descendentes nem ascendentes, ao seu cônjuge; à falta daqueles parentes ou do cônjuge, aos colaterais até quarto grau[…] Nota-se que a transmissão da herança aos sucessores efetua-se sem manifestação de última vontade da falecida, mas decorrente da lei.”(RODRIGUES, 2003, p. 16)
Vale ressaltar o posicionamento de César Fiuza, para ele, sucessão legítima “é sucessão deferida por determinação da lei, quando o sucedendo morre intestado, ou seja, sem deixar testamento”. (FIUZA, 2010, p. 1039)
Por fim, a sucessão legítima também ocorre em outros momentos diversos da falta de testamento deixado pelo de cujus. Pode se dar em razão de testamento anulado ou quando há a caducidade do mesmo; quando o testador deixar parte da herança sem destinação ou ainda quando houver herdeiros necessários sendo que o testador só poderá dispor de metade de seu patrimônio.
Sendo assim, sucessão legítima é direito fundamental e o herdeiro só pode ser afastado por motivo de exclusão da herança. Vale dizer que, dentre os herdeiros legítimos tem-se os herdeiros denominados herdeiros necessários.
Os herdeiros necessários são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge do de cujus, conforme previsão do artigo1.845 do CC/02. De acordo com Sílvio Rodrigues, tais herdeiros, como o próprio nome já diz, não podem ser afastados inteiramente da sucessão, a não ser nos casos excepcionais de deserdação ou indignidade. (RODRIGUES, 2003)
Nestes mesmos termos, Washington de Barros Monteiro nos ensina que os herdeiros necessários são assim chamados porque sucedem de forma obrigatória, mesmo contra a vontade do autor da herança. (MONTEIRO, 2009)
Válido ressaltar que, tendo o de cujus algum dos herdeiros necessários, não poderá dispor, por testamento, de mais da metade de seus bens, pois, é de pleno direito, a metade do patrimônio do de cujus, aos herdeiros necessários. Sendo esta metade denominada de reserva ou legítima desses herdeiros.[2](RODRIGUES, 2003)
Contudo, de acordo com Maria Berenice Dias,
“A parte da herança chamada “legítima” não se destina aos herdeiros legítimos, mas aos herdeiros necessários. Todos os herdeiros necessários são herdeiros legítimos, mas a recíproca não é verdadeira. Aos herdeiros necessários é assegurado a legítima, isto é, a metade da herança. Os herdeiros legítimos têm mera expectativa de direito. Herdam se não existirem herdeiros necessários nem testamento destinando os bens a terceiros”. (DIAS, 2013, p. 137)
Já a sucessão testamentária,por sua vez, é aquela em que existiu a vontade do falecido expressa em testamento. Maria Helena Diniz citada por Maria Berenice Dias define sucessão testamentária como sendo:
“A transmissão da herança por meio de testamento. Ocorre quando houve manifestação de vontade da pessoa, elegendo quem deseja que fique com seu patrimônio depois de sua morte. A sucessão legitima é a regra e a testamentária a exceção”. (DIAS, 2013, p. 115)
Faz-se necessário mencionar que, para César Fiuza, a sucessão testamentária “é aquela que se dá em obediência a vontade do de cujus, vontade esta estabelecida em testamento válido. Apesar do testamento, prevalecem as disposições legais naquilo que constitua norma cogente, bem como naquilo em que for omisso o testamento”. (FIUZA, 2010, p. 1060)
Portanto, toda pessoa tem o direito e liberdade de realizar seu testamento, porém, este direito é limitado, uma vez que o autor da herança não pode dispor da totalidade de seus bens quando possui herdeiros necessários, conforme determina o artigo 1.857, §1º do Código Civil Brasileiro[3]. Ressalta-se ainda que, de acordo com o artigo 1.860, parágrafo único[4] do mesmo código, a capacidade para a feitura do testamento é atingida aos 16 anos de idade.
O testamento tem como características o fato de ser um negócio jurídico unilateral e personalíssimo, que no entendimentode Maria Helena Diniz significam:
“Unilateralidade, que significa dizer que somente pode ser feito pelo testador, motivo porque é dito personalíssimo, ou seja, não é permitido que haja participação de representante legal ou convencional. Por ser personalíssimo e unilateral, a lei veda o testamento conjunto, ou seja, aquele realizado por mais de uma pessoa”. (DINIZ, 2010, p. 72)
Além do mais, o testamento é gratuito, já que o testador não objetiva nenhuma vantagem em troca de sua causa mortis e também revogável, pois o testador tem a liberdade de dispor novamente de seu testamento no momento em que o desejar. (RODRIGUES, 2003)
Por fim, tem-se que o testamento é ato solene e que só produz seus efeitos após a morte do testador. E os beneficiários da herança deixada através de testamento poderão ser qualquer pessoa, tanto pessoas estranhas quanto os próprios herdeiros. (CATEB, 2003)
Várias são as espécies de testamentos existentes no ordenamento jurídico brasileiro, quais sejam, o testamento público, particular, cerrado (denominados de ordinários) e marítimo, aeronáutico e militar (denominados de especiais). Os requisitos variam de acordo com o tipo de testamento que está sendo feito.
2.1.2. Sucessão universal e singular
Essas duas espécies que se passa a mencionar a seguir dizem respeito aos efeitos que a sucessão produz, podendo a sucessão ser universal ou singular.
A sucessão universal decorre da transferência aos sucessores de todo patrimônio ou ainda um conjunto de bens que não sejam individualizados. Somente é admitida causa mortis.
O sucessor universal é aquele que assume toda herança do de cujus, trazendo para si todos os direitos e deveres, inclusive débitos, créditos e demais obrigações. Este é chamado de herdeiro, uma vez que sucede no todo a herança. (DIAS, 2013)
Segundo Sílvio Rodrigues, o sucessor universal se:
“Sub-roga na posição do finado, como titular da totalidade ou parte da universitas iuris, que é seu patrimônio, de modo que, da maneira que se investe na titularidade do seu ativo, assume a responsabilidade por seu passivo”. (RODRIGUES, 2003, p.17)
Deste modo, na sucessão universal o herdeiro sucede como suplente do de cujus, e como o próprio nome já diz, sucede em caráter universal, ou seja, de maneira completa, tomando o seu lugar na relação jurídica universal.
Quanto à sucessão a título singular, esta ocorre quando se é transmitido ao beneficiário bens pré-determinados, ou seja, bens individualizados. O herdeiro somente recebe o bem designado no testamento. (DIAS, 2013)
Neste caso, há disposição do testador sobre itens específicos da herança. Nas palavras de Rizzardo:
“A sucessão a título singular tem em vista mais o objeto em que se sucede do que o sujeito a quem se sucede. Tal é sucessão em uma dívida ativa ou passiva, a sucessão em um imóvel, em uma coisa ou em uma universalidade de coisas”. (RIZZARDO, 2005, p. 08)
Ademais, a sucessão a título singular pode ocorrer tanto por causa mortis como por ato inter vivos, porém, somente através de testamento poderão ser discriminados os bens a serem transmitidos e quem serão os beneficiários. (DIAS, 2013)
Em síntese, na sucessão singular, o bem que será reservado ao sucessor será específico e determinado, sendo o sucessor chamado de legatário (GOMES, 2004), recebendo este, apenas a parte determinada da herança, fazendo jus a um legado, que, nas palavras de Washington de Barros, não se confunde com a herança, pois:
“No primeiro, o objeto transmitido é definido, concreto, individualizado, por exemplo, o prédio da Rua Direito, n. 230, a quantia de R$ 100.000,00, ou tal joia. Na segunda, existe uma universalidade, abrangendo a totalidade da massa hereditária, ou parte da alíquota dela”. (MONTEIRO, 2009, p. 189)
Assim sendo, enquanto na sucessão universal o herdeiro receberá os bens em sua totalidade ou em partes iguais aos demais herdeiros, na sucessão singular, o legatário receberá de forma individualizada os bens deixados em testamento pelo de cujus. Para que um herdeiro seja denominado de singular, necessário se faz que seja, também, testamentário.
2.2. Abertura da sucessão e transmissão da posse
O momento da abertura da sucessão se dá com o falecimento do autor da herança, e nos dizeres de Maria Berenice Dias a abertura da sucessão “nada mais significa do que o momento da morte de alguém e o nascimento do direito dos herdeiros aos bens do falecido”. (DIAS, 2013, p. 103)
Ainda, neste mesmo sentido, Maria Helena Diniz nos ensina que:
“Com o falecimento do de cujus a herança é oferecida a quem possa adquiri-la, o que envolve a questão da prova da morte, que é feita pela Certidão de Óbito passada pelo oficial de Registro (…). O domínio os bens da herança transfere-se, portanto, ao herdeiro do de cujus automaticamente no momento do passamento, e não no instante da transcrição da partilha feita no inventário, de modo que o fisco só poderá cobrar o imposto causa mortis baseado nos valores do instante do óbito”. (DINIZ, 2010, pp. 27-28)
Como já vimos acima, hoje em dia o Brasil adota o princípio da droitde Saisine, ou seja, no momento da abertura da sucessão, o patrimônio do de cujus, com o nome de herança, se transmite aos herdeiros legítimos e aos testamentários, e esta transferência ocorre de forma imediata, para fins de que o patrimônio não reste sem dono por qualquer momento. (DIAS, 2013)
Adiante, continua a ilustre doutrinadora, diferenciando a abertura da sucessão da abertura do inventário:
“Abertura da sucessão não se confunde com abertura do inventário. São momentos distintos. A transmissão ocorre independentemente do inventário, porque é inadmissível relação jurídica decapitada, sem um sujeito de direito para titularizá-la. A abertura da sucessão se dá no momento da morte, termo final da personalidade natural, e a abertura do inventário ocorre quando do ingresso em juízo da ação correspondente, sempre depois da abertura da sucessão.”(DIAS, 2013, p. 103 apud NOGUEIRA, 2007, p. 01)
Em breve apanhado, abre-se a sucessão com a morte do autor da herança, e o patrimônio do de cujus é automaticamente transmitido aos herdeiros, sejam eles legítimos ou testamentários, ainda que tais herdeiros e legatários não tenham conhecimento da morte do seu titular.[5]
Porém, há que se fazer uma distinção, quanto à transmissão da posse e da propriedade. O herdeiro legítimo, com a morte do autor da herança, recebe tanto a propriedade dos bens deixados pelo de cujus, como, também, a posse indireta, já que a direta ficará a cargo do inventariante. Já o herdeiro legatário (testamentário e singular), com o falecimento recebe apenas a propriedade, devendo aguardar a aprovação do testamento para ter direito à posse.
Apesar do princípio da saisine determinar que a transmissão seja automática, na realidade, com a morte do autor da herança, nasce para o herdeiro o direito de acertar (confirmar) ou renunciar a herança, conforme se verá no tópico a seguir.
2.3. Aceitação e renúncia
A aceitação, nos dizeres de Maria Berenice Dias, se trata de uma ficção, já que é instantânea a transmissão dos bens do de cujus aos herdeiros, sendo o simples silêncio suficiente para se reconhecer a aceitação. E ainda, de acordo com seus ensinamentos, “por uma espécie de artifício, os momentos da morte, da aceitação e da atribuição dos bens aos herdeiros se confundem”. (DIAS, 2013, p. 193)
Portanto, apesar da aceitação ser um ato meramente confirmativo, o herdeiro poderá aceitá-la de forma expressa ou tácita. E a aceitação se faz necessária para que o herdeiro manifeste sobre o seu desejo de receber o seu acervo hereditário.
De acordo com César Fiúza, “a aceitação pode ser expressa, quando resultar de declaração escrita; nunca verbal, ainda que perante testemunhas”. E pode ser também de forma tácita, “quando o herdeiro pratica atos compatíveis com sua condição hereditária, tais como administração”. (FIUZA, 2010, p. 1034)
Ademais, a ilustre doutrinadora Maria Berenice Dias leciona que:
“O herdeiro não precisa manifestar-se para que ocorra a transmissão. A aquisição da herança é tácita e se dá no momento da morte do de cujus. A lei simplesmente assinala que a transmissão é definitiva desde a abertura da sucessão. A herança é deferida ao herdeiro com a ocorrência da morte. Apenas tem ele a faculdade de renunciar”. (DIAS, 2013, p. 194)
Segundo os ensinamentos de Washington de Barros Monteiro:
“Com a morte do de cujus, o domínio e a posse da herança transmitem-se ipso jure ao herdeiro, independentemente de qualquer outro ato deste. A aceitação não passa, pois, de mera confirmação, por parte do herdeiro, da transferência que lhe havia sido feita. Não se imagine, porém, se trate de ato supérfluo ou desnecessário. Ninguém deve ser herdeiro contra a própria vontade, sabido que não mais vige a parêmia filius ergo heres. Requer-se, por isso, aceitação, por via da qual o herdeiro manifesta o propósito de adir a herança”. (MONTEIRO, 2009, p. 51)
Ressalta-se que, mesmo não sendo imposta por lei, a aceitação se faz necessária de forma que servirá como uma mera confirmação do recebimento da herança.
Assim sendo, a aceitação não tem uma forma rigorosa prevista em lei. Pode a mesma ser expressa ou tácita, previstas no artigo 1.805 do CC/02[6] ou presumida, conforme o artigo 1.807 do CC/02[7].
A aceitação é expressa quando manifestada por escrito. Em conformidade com os ensinamentos de Sílvio Rodrigues, esta maneira de aceitação não é a maneira mais utilizada hoje em dia.(RODRIGUES, 2003)
Nos dizeres de Washington de Barros Monteiro, ocorre a aceitação expressa “quando o herdeiro declara por escrito, público ou particular, que deseja receber a herança” (MONTEIRO, 2009, p. 51), ou seja, há aceitação expressa, como o próprio nome já diz, quando o herdeiro declara, de forma expressa e por escrito, a sua vontade de herdar os bens que lhe cabem.
A aceitação pode ser também tácita. Nesta modalidade, basta o herdeiro praticar atos compatíveis com o caráter de herdeiro para caracterizar a sua aceitação.
Sobre aceitação tácita, Silvio Rodrigues nos ensina que:
“Essa aceitação manifesta-se tacitamente, inferindo-se da prática de atos peculiares e específicos de herdeiros. A aceitação tácita resulta, portanto, de qualquer ato, positivo ou negativo, que demonstre, de modo seguro e certo, intenção de adir a herança. Assim, se o herdeiro intervém no inventário e nele se faz representar por advogado, concordando com as primeiras declarações, avaliações e outros atos do processo; se administra, sem ser em caráter provisório, os bens herdados, benfeitorizando-os, satisfazendo-lhes os impostos, praticando, em suma, atos privativos ou característicos do herdeiro; de semelhante atuação se dessume, indiscutivelmente, intento do herdeiro em adir a herança”. (RODRIGUES, 2003, p. 52)
Ressalta-se que, hoje em dia, a aceitação tácita impera, não sendo habitual que o herdeiro compareça ao processo de inventário para externar sua aceitação. (MONTEIRO, 2009)
Outra modalidade de aceitação da herança é a aceitação presumida, prevista no artigo 1807 do Código Civil, que diz que “o interessado em que o herdeiro declarese aceita, ou não, a herança, poderá, vinte dias após aberta a sucessão, requerer ao juiz prazo razoável, não maior de trinta dias, para, nele, se pronunciar o herdeiro, sob pena de se haver a herança por aceita”.[8]
Nas palavras de Maria Berenice Dias, “não se manifestando o herdeiro quando intimado, considera-se presumida a aceitação”, ou seja, havendo o silencio do herdeiro, após intimação, será entendido que o mesmo aceitou a herança, sem qualquer outra formalidade.(DIAS, 2013, p. 195)
Conforme se viu acima, a aceitação da herança é automática, e caberá ao herdeiro a possibilidade de renunciá-la, ou seja, recusar o recebimento do patrimônio, abrindo mão de sua titularidade.
Nas lições de César Fiuza, “a renúncia é o direito que tem o herdeiro de rechaçar a herança”. (FIUZA, 2010, p. 1035). Ou seja, a renúncia é um direito pelo qual o herdeiro declara não aceitar a herança que lhe cabe.
Para ElpídioDonizetti, a renúncia é:
“Um ato jurídico voluntário, puro e simples (art. 1808) e irrevogável (art.1812). Ou seja, não se admite renúncia parcial, nem a imposição de condições, termo ou encargo, nem retratação”. (DONIZETTI, 2012, p. 1113)
Neste mesmo sentido, Dimas Messias de Carvalho nos ensina que “a renúncia surge como o ato jurídico unilateral, por meio do qual o herdeiro declara não aceitar a herança, repudiando a transmissão que a lei opera em razão da ordem de vocação hereditária ou testamentária, despojando-se da sua titularidade”. (CARVALHO, 2009, p. 21)
Portanto, com a renúncia, o herdeiro abre mão de ter qualquer direito, e fica estimado como se nunca tivesse existido, ou melhor, como se jamais houvesse herdado.
Ademais, ainda de acordo com os ensinamentos do ilustre doutrinador ElpídioDonizetti, a renúncia “trata-se de ato solene, que deve tomar a forma de instrumento público ou termo judicial (artigo 1.806 do Código Civil/02), sob pena de nulidade”. (DONIZETTI, 2012, p. 1113). Ou seja, diferentemente da aceitação, a renúncia não ocorrerá de forma tácita, devendo sempre ser feita por instrumento público ou termo judicial para que se tenha validade.[9]
2.4. Capacidade para sucessão legítima e testamentária
Como se viu acima, a sucessão testamentária é uma sucessão regulada por um testamento válido e eficaz, proveniente de um ato de última vontade. Já a sucessão legítima, é a determinada por lei, quando o de cujus, por qualquer motivo, não deixou testamento.
A capacidade passiva para sucessão, seja ela testamentária ou legítima, nada mais é do que a aptidão do herdeiro para receber o patrimônio deixado pelo falecido. E nos dizeres de Silvio Salvo Venosa, “para que uma pessoa possa ser considerada herdeira, há que se atentar para três requisitos: deve existir, estar vivo ou já concebido na época da morte, ter aptidão específica para aquela herança e não ser considerado indigno”. (VENOSA, 2010, p. 47)
Em regra, é capaz para suceder, qualquer pessoa física ou jurídica que exista ou já concebida ao tempo da abertura da sucessão. (CARVALHO, 2009)
Nas lições de Maria Berenice Dias, a legitimidade passiva para suceder “é regida pela lei vigente ao tempo da abertura. Trata-se de regra de direito intertemporal (art. 1.787, CC). Nesta data o herdeiro precisa ter nascido ou já ter sido concebido (art. 1.798, CC)”.(DIAS, 2013, p. 120)
O Código Civil Brasileiro de 2002, em seu artigo 1.798, inovou ao incluir o nascituro na regra geral, ou seja, as pessoas já concebidas no instante da abertura da sucessão, nascendo com vida, receberão os bens, frutos e rendimentos desde o falecimento do autor da herança. Porém, se nascer sem vida, nada herdará, por não ter possuído capacidade civil. (CARVALHO, 2009)
Além dos já concebidos, as pessoas ainda não concebidas têm legitimidade para ser herdeiro, contudo, apenas na sucessão testamentária. Estes serão os chamados de filiação eventual (DIAS, 2013), ou seja, os filhos ainda não concebidos de pessoas certas, desde que vivas no momento da morte do testador terão direito aos frutos e ao patrimônio do falecido. (CARVALHO, 2009, p. 80)
Quanto às pessoas jurídicas, estas não possuem capacidade ativa para testar, porém, do mesmo modo da filiação eventual, as pessoas jurídicas possuem capacidade para tomar parte na sucessão testamentária.
De acordo com os preceitos de Maria Berenice Dias, as pessoas jurídicas,
“Possuem legitimidade passiva de receber por testamento, como herdeiras testamentárias ou legatárias. Mas precisam já estar constituídas (art. 1799, II, CC). Ainda assim, é possível que o testador determine a organização de fundação para que sejam contempladas” (1799, III). (DIAS, 2013, p. 122)
Ressalta-se que, a capacidade sucessória em nada se confunde com capacidade civil, uma vez que, alguém pode ser incapaz civilmente e isso nada prejudicar em sua capacidade para suceder, como também, alguém pode ser absolutamente capaz para seus atos da vida civil e não ter capacidade para suceder. Ou seja, “a capacidade civil é a aptidão de uma pessoa para exercer, por si, os atos da vida civil (…). Legitimidade sucessória é a aptidão da pessoa para receber os bens deixados pelo de cujus”. (DIAS, 2013, p. 120)
Por fim, oportuno registrar, que em nosso ordenamento jurídico somente possui legitimidade para suceder quem pertence à espécie humana, ou seja, “coisas e animais não podem suceder, posto que não são sujeitos de direito e não têm capacidade”. (CARVALHO, 2009, p. 82)
Porém, embora a capacidade passiva para suceder seja a regra, algumas pessoas são consideradas como incapazes para o recebimento de herança testamentária, sendo elas as descritas no artigo 1.801 do CC/02:
“Art. 1.801. Não podem ser nomeados herdeiros nem legatários:
I – a pessoa que, a rogo, escreveu o testamento, nem o seu cônjuge ou companheiro, ou os seus ascendentes e irmãos;
II – as testemunhas do testamento;
III – o concubino do testador casado, salvo se este, sem culpa sua, estiver separado de fato do cônjuge há mais de cinco anos;
IV – o tabelião, civil ou militar, ou o comandante ou escrivão, perante quem se fizer, assim como o que fizer ou aprovar o testamento.”[10]
O objetivo de se afastar do recebimento da herança as pessoas elencadas no artigo 1801 é evitar que algumas pessoas utilizem de má-fé para se auto beneficiarem.
3. Da exclusão do herdeiro: considerações gerais
Conforme elucidado anteriormente, é com a abertura da sucessão que se dá início ao direito hereditário e onde o domínio e a posse da herança transferem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. E, em regra, todas as pessoas, nascidas ou concebidas, possuem capacidades para suceder.
No ordenamento jurídico pátrio, existem duas formas pela qual o herdeiro poderá ser excluído da sucessão, quais sejam, a deserdação e a indignidade. E são os artigos 1.814 a 1.818 e 1.961 a 1.965 do Código Civil que nos trazem as hipóteses de exclusão do herdeiro da sucessão, tratando também de suas espécies.
Segundo o que ensina Maria Berenice Dias:
“O afastamento do direito sucessório não ocorre exclusivamente por desejo do herdeiro. É possível ser imposto judicialmente. Tanto herdeiros como legatários podem ser excluídos da sucessão por razões de ordem ética. Trata-se da perda de direito com natureza punitiva. Dois institutos preveem tal possibilidade: a indignidade e a deserdação. Ambos são formas de penalizar o herdeiro que se conduziu de forma injusta contra o autor da herança de modo a merecer reprimenda, tanto do ponto de vista moral como legal. No entanto, são institutos que não se confundem, apesar de quase identidade de motivos e a consequência ser a mesma: a exclusão do herdeiro”.(DIAS, 2013, p. 297)
Ambas as modalidades de exclusão do herdeiro serão melhor abrangidas posteriormente, mas no momento, podemos conceituar a exclusão por indignidade como sendo aquela onde há o cometimento de uma das ações descritas nos incisos do artigo 1.814 do Código Civil Brasileiro[11] e, necessitando para sua declaração de indigno uma ação declaratória de indignidade. A deserdação, por sua vez, acontece quando o testador dispuser, em seu testamento, de modo expresso, a exclusão da sucessão de um dos seus herdeiros por ter agido na prática de um dos comportamentos descritos no artigo 1.962 do CC/02[12].
3.1. Formas de exclusão
Como se viu acima, existem duas formas de exclusão do herdeiro, a indignidade, prevista nos artigos 1.814 a 1.818 do Código Civil de 2002; e a deserdação, expressa nos artigos 1.961 a 1.965 do mesmo código.
De acordo com Silvio Rodrigues, nesses dois episódios, o herdeiro não se mostra digno de embolsar a parte da herança que lhe cabe já que:
“(…) a sucessão hereditária assenta na afeição real ou presumida do defunto pelo sucessor, afeição que deve despertar nesse último um sentimento de gratidão. A quebra desse dever de gratidão acarreta a perda da sucessão; nisso se combinam a indignidade e a deserdação.” (RODRIGUES, 2003, p. 66)
Vale ressaltar que, embora a indignidade e a deserdação, sejam formas de excluir do recebimento da herança herdeiros, no primeiro caso, legítimos e testamentários e, no segundo caso, herdeiro necessário, são institutos distintos. A diferença básica entre a indignidade e a deserção, nos dizeres de Dias é:
“(…) a indignidade alcança todos os herdeiros: legítimos, necessários, facultativos, testamentários e legatários. A deserdação é restrita aos herdeiros necessários, e só pode ser imposta por testamento, com expressa declaração da causa que motivou o testador a querer privá-los da herança”. (DIAS, 2013, p. 298)
Por fim, diante de tais considerações, faz-se-á, nesse momento, uma análise a respeito de cada um dos institutos.
3.2. Da deserdação
A deserdação acontece quando o herdeiro necessário é excluído da sucessão. Essa exclusão se dará através de testamento válido deixado pelo autor da herança, com expressa manifestação do evento causador da deserdação.
O grande doutrinador Roberto Senise Lisboa nos explica que:
“(…) a deserdação é o ato voluntário do testador de afastar o herdeiro necessário do direito à sucessão, mediante cláusula testamentária, por causa de infração grave por ele cometida, prevista em lei”. (LISBOA, 2004, p. 444)
Nessa mesma linha de raciocínio, César Fiuza afirma que a deserdação nada mais é do que a:
“Exclusão de um ou mais herdeiros necessários, pelo próprio testador, no testamento. Só terá validade se o testador explicitar a causa da deserdação. Assim é que a deserdação só atinge os herdeiros necessários, uma vez que, em relação aos demais, basta que o testador não os contemple. Mas os necessários que, como vimos, têm que ser contemplados com 50% da herança, estes sim pode ser deserdado pelo sucedido, desde que o faça em testamento. Para deserdar, não basta que o testador queira. A deserdação, assim como a exclusão por indignidade tem que ter fundamento. E este fundamento é dado pela própria lei”. (FIUZA, 2004, p. 996)
Como já visto anteriormente, os casos de deserdação encontram-se previstos nos artigos 1.961 a 1.965 do Código Civil de 2002, e caberão, exclusivamente, contra os herdeiros necessários.
As hipóteses de exclusão por deserdação mais comuns são também as causas que motivam a exclusão por indignidade (FIUZA, 2004). Contudo, a deserdação possui um leque ainda mais amplo de motivos. Conforme expresso no artigo 1.962 do CC/02, também permite a deserção a ofensa física (mesmo que de natureza leve), a injúria grave, a ocorrência de relações ilícitas com o cônjuge ou companheiro do autor da herança e o desamparo do testador quando este estiver em alienação mental ou gravemente enfermo.
“Art. 1.962. Além das causas mencionadas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos descendentes por seus ascendentes:
I – ofensa física;
II – injúria grave;
III – relações ilícitas com a madrasta ou com o padrasto;
IV – desamparo do ascendente em alienação mental ou grave enfermidade.”[13]
O artigo 1.962 do CC/02 supra mencionado, prescreve as hipóteses em que o ascendente pode deserdar descendente, porém, esta não é a única hipótese. O descendente, também, pode deserdar o ascendente. Os casos estão previstos no artigo 1963 do CC/02. Veja-se:
“Art. 1.963. Além das causas enumeradas no art. 1.814, autorizam a deserdação dos ascendentes pelos descendentes:
I – ofensa física;
II – injúria grave;
III – relações ilícitas com a mulher ou companheira do filho ou a do neto, ou com o marido ou companheiro da filha ou o da neta;
IV – desamparo do filho ou neto com deficiência mental ou grave enfermidade”.[14]
A deserdação somente atinge os herdeiros necessários, ou seja, ascendente deserda descendente e descendente deserda ascendente. O cônjuge, embora seja herdeiro necessário, não pode ser deserdado, não havendo previsão para tanto. Por outro lado, vale dizer que, para afastar o cônjuge do recebimento da herança, basta o divórcio, meio mais rápido e eficaz.
Ademais, os efeitos da deserdação são pessoais, e atingirá somente o culpado, ou seja, somente alcançará aquele que cometeu o ato censurado por lei. Assim, nos casos de deserdação e nos de indignidade, diferentemente dos casos de renúncia da herança,
“(…) o afastamento do herdeiro tem caráter punitivo. Como a pena não pode ir além da pessoa, os descendentes do indigno e do deserdado são convocados a receber o quinhão em nome do excluído, ou seja, representam quem foi afastado, herdam por direito de representação”. (DIAS, 2013, p. 298)
Por fim, conforme visto acima, para que haja a deserdação, necessário se faz a presença dos requisitos básicos para tal, quais sejam, a existência de um testamento válido, bem como a cláusula expressa dos motivos previstos em lei que ensejaram a deserdação.
Além do mais, vale dizer, que a deserdação, para surtir os efeitos desejados, necessário é o ajuizamento de ação, após a morte do de cujus, provando a veracidade dos motivos alegados pelo testador. O prazo para que, tal ação seja ajuizada é de 4 anos sob pena do objetivo da deserdação não ser atingido. (DIAS, 2013)
A partir deste momento, será estudado de maneira detalhada e completa o instituto da exclusão da sucessão por indignidade, núcleo deste trabalho.
4. Da indignidade: noções gerais
A palavra indignidade vem do latim, e seu significado diz respeito à ausência de honra e respeitabilidade, assim como as palavras ultraje, afronta e a injúria.(VENOSA, 2004)
De modo geral, sabe-se que o instituto da indignidade está previsto entre os artigos 1.814 a 1.818 do Código Civil Brasileiro, e diz respeito à situação onde, tanto o herdeiro legatário, quanto o herdeiro testamentário, nas circunstâncias previstas em lei, pode ser excluído da herança.
No entendimento de Salomão de Araújo Cateb, tem-se que indignidade é uma:
“Forma de exclusão de herdeiros legítimos e testamentário, e abrange, portanto, a sucessão legítima e a testamentária; embora tendo a capacidade para suceder, o excluído perde-a, como pena civil, pela prática de determinados atos determinados pela lei, como danosos à vida, à honra ou à liberdade de testar do autor da herança.”(CATEB, 2007, p. 97)
Seguindo o mesmo ensinamento de Cateb, o doutrinador Roberto Senise Lisboa diz que “a indignidade é a pena civil causada por ato reprovável cometido contra o autor da herança, em desfavor do herdeiro ou legatário, o que significa que poderá ser aplicada tanto na sucessão legítima como na testamentária”. (SENISE, 2004, p.438-439)
Na mesma linha de entendimento dos renomados doutrinadores Cateb e Senise, Cláudia de Almeida Nogueira entende a indignidade como sendo uma pena civil imposta aos herdeiros e/ou legatários que participem de qualquer das hipóteses expressas no artigo 1.814 do CC/02[15], ficando privados do recebimento dos bens da pessoa ofendida (autor da herança). (NOGUEIRA, 2007)
Em síntese, na indignidade, os herdeiros são afastados por causas posteriores ou anteriores a abertura da sucessão, podendo ser derrubado tanto os herdeiros legítimos como os herdeiros testamentários e estes no momento em que são declarados indignos serão destituídos por indignidade de todo o direito sucessório.
Nota-se que, apesar de semelhantes, há muitas diferenças entre a exclusão por indignidade e o afastamento por deserdação. Sílvio Rodrigues afirma que:
“Exclusão por indignidade e deserdação, todavia, são institutos paralelos, que remedeiam a mesma situação, visto que por intermédio deles se afasta da sucessão o beneficiário ingrato, pois, como observa LACERDA DE ALMEIDA, a sucessão hereditária assenta na afeição real ou presumida do defunto pelo sucessor, afeição que deve nesse último o sentimento de gratidão. A quebra desse dever de gratidão acarreta a perda da sucessão; nisso se combinam a indignidade e a deserdação”.(RODRIGUES, 2003, p. 66)
Já Washington de Barros Monteiro define a indignidade, preferindo por distingui-la da deserdação:
“A indignidade constitui pena civil cominada a herdeiro acusado de atos criminosos ou reprováveis contra o de cujus. Com a prática desses atos, incompatibiliza –se ele com a posição de herdeiro, tornando-se incapaz de suceder. Não se deve confundir indignidade com deserdação. Certamente, têm ambas a mesma finalidade, a punção de quem se portou ignobilmente com o falecido, e o mesmo fundamento, a vontade presumida do de cujus, que não desejaria, por cetro, fossem seus bens recolhidos por quem se mostrou capaz de tão grave insídia. Ambos os institutos procuram afastar aquele que não em razão do reprovável que teve em relação ao autor da herança. Mas a pena de indignidade é cominada pela própria lei, nos casos expressos que enumera, ao passo que a de deserdação repousa na vontade exclusiva do autor da herança, que a impõe ao culpado no ato de última vontade, desde que fundada em motivo legal.”(MONTEIRO, 2009, p. 62)
Além do mais, vale ressaltar que, não se pode confundir o instituto da indignidade com a incapacidade sucessória, uma vez que, a “incapacidade para suceder, é a inaptidão de alguém para receber uma herança, por razões de ordem geral que independem de seu mérito ou demérito, e indignidade, é a perda da herança como pena imposta ao sucessor capaz, em virtude de atos de ingratidão por ele praticados contra o defunto”. (RODRIGUES, 2003, p. 66)
Nesse mesmo sentido, com o intuito de não se confundir a indignidade com a incapacidade sucessória, Cateb:
“Difere, também, a indignidade da incapacidade: na indignidade, a pessoa recebe a coisa e a perde; na incapacidade, a pessoa nunca recebeu, pois não tinha a capacidade para tal; a indignidade é uma pena civil aplicada a determinada pessoa pela prática de atos, enquanto na incapacidade existe um fato, decorrente da personalidade do herdeiro; o incapaz não existe para a sucessão, o indigno existe, recolhe a herança, perdendo-a”. (CATEB, 2007, p. 97)
Entretanto, o ordenamento jurídico pátrio apenas permite que um herdeiro seja considerado indigno após sentença transitada em julgado e assim, conforme dito no artigo 1.815 do Código Civil Brasileiro, quando aberta a sucessão, o herdeiro está hábil a ganhar a parte da herança que lhe compete, sendo compelido a proceder com a restituição no caso de haver a declaração por indignidade.[16]
Deste modo, para que um herdeiro legítimo ou legatário seja estimado indigno, necessário se faz a propositura da ação ordinária pertinente, cujos legitimados são as pessoas que têm interesse na sucessão e na exclusão do indigno. (DIAS, 2013). Ainda, para que esta ação seja julgada procedente, o requerente terá que demonstrar que o herdeiro praticou algum dos casos explícitos de indignidade, previstos no art. 1.814 e incisos do Código, casos estes que será melhor ponderado em itens futuros do presente estudo.
4.1. Das causas de exclusão por indignidade
Observa-se até aqui que a indignidade decorre de Lei, deste modo, as possibilidades que acarretam a indignidade do herdeiro e o levam a ser excluído da herança são taxativas. Tais possibilidades, como se sabe, estão previstas no Código Civil, artigo 1.814 em seus incisos:
“Art. 1.814. São excluídos da sucessão os herdeiros ou legatários:
I – que houverem sido autores, co-autores ou partícipes de homicídio doloso, ou tentativa deste, contra a pessoa de cuja sucessão se tratar, seu cônjuge, companheiro, ascendente ou descendente;
II – que houverem acusado caluniosamente em juízo o autor da herança ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro;
III – que, por violência ou meios fraudulentos, inibirem ou obstarem o autor da herança de dispor livremente de seus bens por ato de última vontade”.[17]
Logo, as causas trazidas no artigo supracitado, são numerusclausus (limitados/taxativos), não havendo qualquer possibilidade de que seja ampliado os motivos que acarretam a indignidade, ante ao princípio nullapoenasine lege (princípio da legalidade). Conforme entendimento de Maria Helena Diniz:
“As causas que autorizam a exclusão do herdeiro ou do legatário da sucessão estão arroladas no art. 1.814 do Código Civil, podendo ser resumidas em: atentados contra a vida, a honra e a liberdade do de cujus ou de membros de sua família. Como se trata de pena civil, a exclusão por indignidade só pode ocorrer nos casos expressamente mencionados em lei, não comportando interpretação extensiva ou aplicação analógica ante o princípio nullapoenasinelege.”(DINIZ, 2010, p. 51)
Como se pode notar, as causas que excluem o herdeiro da sucessão podem ser abreviadas em: a) atentados contra a vida (inciso I); b) à honra (inciso II); c) e a liberdade do de cujus (inciso III). E, a partir de agora, far-se-à, de forma sucinta, a análise de cada respectiva causa que caracteriza a indignidade.
4.1.1. Do atentado contra a vida
No que se refere o inciso I do artigo 1.814 do CC/02[18], é tido como indigno aquele herdeiro que atentar, for co-autor ou cúmplice de homicídio contra a vida do autor da herança, de seu descendente, ascendente, cônjuge ou companheiro. “Assim, quem mata ou tenta matar o pai, a esposa ou a companheira dele, o avô ou algum irmão, pode perder o direito à herança do genitor”. (DIAS, 2013, p. 309)
Seguindo os preceitos da ilustre doutrinadora, ressalva-se que, só gerará indignidade quando o atentado contra a vida for de forma dolosa, seja o crime tentado ou consumado, não sendo aceitável, portanto, a declaração de indignidade nas hipóteses de homicídio de forma culposa. (DIAS, 2013)
Segundo Cateb, a indignidade:
“Não se estende, no caso, ao delito culposo, como não tem cabimento no error in persona e na aberractioictius. O dolo é elementar na determinação do fato causal da exclusão, não se podendo cogitar desta em qualquer situação e que a perda da vida resultou de uma ausência de animus necandi. A vontade dirigida, o resultado alcançado ou pretendido, o homicídio voluntário ou a tentativa deste, não basta o simples planejamento ou querência. A ação criminosa é condição indiscutível para a exclusão do herdeiro por esse motivo.”(CATEB, 2007, p. 56)
É válido lembrar que, quando o parente colateral que for herdeiro ou legatário e atentar contra a vida do irmão do autor da herança, seja dolosa ou culposamente, não se caracterizará causa de indignidade e assim não poderá ser retirado do monte hereditário, assim como aquele que cometer lesão corporal.
Outro ponto a ser ressaltado é que não se pode reconhecer como causa de afastamento por indignidade se a morte decorreu de culpa, ou seja, por imprudência, imperícia ou negligência, como nos casos de acidente de trânsito. (DIAS, 2013)
Ademais, da mesma forma que nos casos supracitados não se pode falar em exclusão por indignidade, nas hipóteses de legítima defesa, estado de necessidade, exercício regular de um direito[19], loucura[20] e embriaguez[21] também não poderão ser causas geradoras da indignidade, pois em todos esses fatos, a conduta lesiva não foi voluntária, não havendo animus necandi (intenção de matar) e como já foi dito, o dolo é característica principal para que se determine como hipótese de exclusão prevista no inciso I do artigo 1814, do CC/02. (GONÇALVES, 2010)
Completando o que vem sendo estudado, Monteiro diz que:
“No direito pátrio, porém, o reconhecimento da indignidade não depende de prévia condenação do indigno no juízo criminal. Não há interdependência entre as duas jurisdições; a prova da indignidade pode ser produzida no juízo cível. Mas, se há sentença no juízo criminal, absolvendo o réu, por não lhe ser imputável o fato, ou por não ter este existido, não mais será possível questionar a respeito no juízo cível, de acordo com o art. 935 do Código Civil de 2002. A sentença criminal produz efeito de coisa julgada e lícito não será reconhecer a indignidade no juízo cível.” (MONTEIRO, 2010, p. 64)
Em síntese, conclui-se que, conforme já foi explanado acima, o dolo é fundamental para que se caracterize o caso de exclusão prevista no inciso I do artigo 1.814 do Código Civil Brasileiro.
4.1.2. Do atentado contra a honra
Quanto ao atentado contra a honra do autor da herança, previsto no inciso II do artigo 1.814 do CC/02[22], sabe-se que, “os que acusarem caluniosamente em juízo ou incorrerem em crime contra a sua honra, ou de seu cônjuge ou companheiro” (PEREIRA, 2007, p. 33) serão excluídos da sucessão, sendo privados de receber o quinhão que lhes cabe.
Com relação ao assunto em questão, este pode ser dividido em duas formas. O primeiro caso está previsto no artigo 339 do Código Penal (CP)[23], e diz respeito ao indigno que acusar caluniosamente o de cujus em juízo, ou seja, o indigno, mesmo sabendo que o autor da herança é inocente, comete a denunciação caluniosa contra ele. A segunda parte do dispositivo está relacionada aos crimes contra a honra da pessoa cuja sucessão se trata, ou de seu cônjuge ou companheiro. Em outras palavras, esta segunda hipótese, diz respeito aos crimes de calúnia, difamação e injúria expressos nos artigos 138[24], 139[25] e 140[26] do CP. (RODRIGUES, 2003)
Vale ressaltar que, “o Código exige a acusação caluniosa no juízo criminal, seja com a formulação de queixa, seja mediante representação ao Ministério Público”. (PEREIRA, 2010, p. 33). Deste modo, a denunciação caluniosa deve ser levada em juízo criminal, mesmo que a lei não imponha a condenação criminal daquele que praticou o ato contra a honra do autor da herança, como requisito para que o mesmo seja excluído da herança.
Para melhor explicar, Caio Mário da Silva Pereira diz que “não é necessária a condenação do herdeiro, bastando haja este provocado a ação penal contra o de cujus. O vocábulo “acusar” não é tomado no sentido estrito de um trâmite da ação penal, porém na acepção comum, de denunciação de um fato delituoso”. (PEREIRA, 2010, p. 33)
4.1.3. Do atentado contra a liberdade de testar
Essa hipótese, prevista no inciso III do já mencionado artigo 1.814 do CC/02[27], refere-se apenas à liberdade do autor da herança, não podendo se estender aos seus parentes, cônjuge ou companheiro e, diz respeito aos herdeiros que, inibirem ou obstarem o autor da herança de livremente dispor de seus bens em testamento ou codicilo usando de violência ou qualquer meio fraudulento. (PEREIRA, 2010)
Sobre o referido inciso, Maria Berenice Dias entende que:
“O herdeiro que, por violência física ou psicológica, ou por meios fraudulentos, inibiu ou obstou o autor da herança de livremente dispor de seus bens por testamento ou codicilo. A proteção é somente à liberdade do testador e não se estende aos seus familiares. Qualquer interferência causada por violência física ou psicológica, ou ainda por meio fraudulento, gera a possibilidade de exclusão”. (DIAS, 2013, pp. 310-311)
Na mesma linha de ideias, Fiuza manifesta que:
“O atentado ocorre por violência ou fraude, consistindo em inibir alguém de livremente dispor de seus bens por testamento ou codicilo, ou obstar a execução dos atos de última vontade. As espécies de comportamento são as mais variadas: o indigno pode coagir o testador a testar-lhe favoravelmente. Pode falsificar o testamento, destruí-lo, esconde-lo”. (FIUZA, 2010, p. 1.058)
Sabe-se que, todos têm liberdade para dispor de seus bens para após o falecimento. Esta manifestação de vontade é um direito assegurado ao autor da herança e, está previsto no artigo 1.857 do Código Civil Brasileiro[28].
Cateb nos ensina que:
“A liberdade de testar, de dispor de bens após sua morte, é uma manifestação livre e espontânea, e deve ser preservada pelo Direito. É bastante antiga essa forma de manifestação, sabendo-se que, na primeira fase do direito romano, era ampla e irrestrita, existindo, sem dúvida uma liberdade absoluta de dispor por meio de liberalidade. Data dessa época a preocupação do pater com a continuação de sua família, dos seus costumes religiosos, a preservação desses princípios e, muitas vezes, a ideia de idolatria do próprio pater”. (CATEB, 2007, pp. 71-72)
Deste modo, sendo o autor da herança impedido pelo herdeiro, obrigatoriamente através de violência (ação física) ou meios fraudulentos (ação psicológica), de fazer seu testamento ou codicilo, violando sua liberdade de testar, acarretará sua exclusão por indignidade. Carlos Roberto Gonçalves manifesta a respeito, conceituando que inibir o autor da herança é cercear a liberdade do mesmo da disposição dos bens e obstar corresponde a impedir tal disposição. (GONÇALVES, 2010)
Nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa, fraude nada mais é do que:
“Todo artifício malicioso que uma pessoa emprega com a intenção de transgredir o Direito ou prejudicar interesses de terceiros. Portanto, a fraude é aquela conduta que ilude a lei ou terceiros por via indireta, sem que haja um ato ostensivo de desrespeito ao direito”. (VENOSA, 2003, p. 155)
Em suma, o que o legislador almejou com a criação desse inciso III do artigo 1.814 do CC/02, foi proteger a liberdade que o de cujus tem de dispor de seus bens, castigando o herdeiro que tenha praticado alguma conduta fraudulenta, dolosa ou coercitiva, contra o testador, de forma que violou o seu direito de dispor de seus bens, o privando de expressar sua vontade. De modo geral, Venosa entende que, esse inciso veio para defender a liberdade de testar, cominando uma punição ao herdeiro ou legatário que por algum motivo corromperam a vontade do testador, privando – o de sua liberdade. (VENOSA, 2003)
Por fim, ressalva-se que, caso não consiga comprovar que o herdeiro inibiu ou obstou, por violência ou meio fraudulento, a liberdade do autor da herança de fazer um testamento ou codicilo, a indignidade deverá ser afastada.
4.2. Ação declaratória de indignidade
Em qualquer dos casos de exclusão do herdeiro (deserdação e indignidade), necessário se faz que a justiça seja provocada, em consonância com princípio da inércia da jurisdição e da demanda. Assim, é forçoso o ajuizamento de uma ação, a fim de se obter uma sentença, reconhecendo o herdeiro como indigno, impedindo que o mesmo receba a herança. Ou seja, para ver a indignidade reconhecida judicialmente, “não basta a existência do fato”, é necessário provocar a jurisdição. (PEREIRA, 2010, p. 35)
Melhor dizendo, e usando as palavras de Maria Berenice Dias:
“Ainda que o agir do herdeiro tenha sido indigno e mesmo que o testador tenha deserdado, a inércia para a propositura da ação simplesmente faz desaparecer as causas de exclusão e o herdeiro é contemplado com o seu quinhão hereditário, como se nada tivesse feito de errado.” (DIAS, 2013, p. 299)
Como essa ação tem a finalidade meramente de reconhecimento de indignidade, é chamada de Ação Declaratória, na qual, ao final, será proferida uma sentença declaratória. (GONÇALVES, 2010, p. 123)
Segundo Monteiro:
“A indignidade não opera ipso jure. Trata-se de pena que só se aplica mediante provocação dos interessados. Para que se exclua o herdeiro da sucessão preciso se torna que a indignidade seja reconhecida por sentença, proferida em ação ordinária intentada com esse escopo pelo interessado. A indignidade depende, portanto, de procedimento judicial, sendo pronunciada officiojudicis. A sentença não é o título constitutivo, mas apenas declarativo da incapacidade para suceder”. (MONTEIRO, 2009, p. 67)
Deste modo, imperioso se faz demonstrar o procedimento e o posicionamento da doutrina sobre a ação declaratória de indignidade.
A ação declaratória de indignidade só pode ser ajuizada a partir da abertura da sucessão. Pereira nos explica que:
“Ação declaratória de indignidade deve ser proposta depois da abertura da sucessão; não tem cabimento em vida do hereditando, pois que até então inexiste a sucessão: hereditasviventis non datur. Exclui-se, portanto, a iniciativa da ação pelo próprio ofendido. A ele reserva, contudo, a lei o direito de deserdar o ofensor.” (PEREIRA, 2010, p. 35)
Maria Berenice Dias acrescenta que:
“Como se trata de direito potestativo, o prazo é decadencial. Mas o termo inicial para a propositura das demandas é distinto: para a ação de indignidade o dies a quo é a abertura da sucessão, enquanto para a demanda de deserdação o marco é a abertura do testamento”. (DIAS, 2013, p. 299)
Além do mais, apesar da deserdação e da indignidade ter o mesmo objetivo, ou seja, punir quem ofendeu o autor da herança, ambos os institutos são distintos, pois, de acordo Maria Helena Diniz:
“a) a indignidade funda-se, exclusivamente, nos casos expresso no art. 1.814 do Código Civil, ao passo que a deserdação repousa na vontade exclusiva do auctorsuccessionis, que a impõe ao ofensor no ato da última vontade, desde que fundada em motivo legal (CC, arts. 1.814, 1.962 e 1.963); b) a indignidade é própria da sucessão legítima, embora alcance o legatário (CC, art. 1.814), enquanto a deserdação só opera na seara de sucessão testamentária; c) a indignidade priva da herança sucessores legítimos e testamentários; e a deserdação é o meio usado pelo testador para afastar de sua sucessão os seus herdeiros necessários (descendentes e ascendentes)”. (DINIZ, 2002, pp. 49-50)
Conforme se extrai dos ensinamentos de Caio Mário e demais renomados doutrinadores, entende-se que a ação declaratória não pode ser proposta em vida pelo hereditando, cabendo apenas aos interessados, após abertura da sucessão.
No que se refere à legitimidade para propositura da demanda declaratória, o artigo 1.815 do CC/02[29] deixa claro que, apenas os herdeiros ou legatários são quem pode compor o polo ativo da ação, uma vez que eles são os interessados na herança deixada pelo de cujus.
Contudo, o ajuizamento da ação declaratória pelo Ministério Público tem se tornado comum nos dias atuais. Essa hipótese já foi comentada por Sílvio Rodrigues, que manifesta da seguinte forma:
“O que convém ter em vista é que a matéria é de interesse privado, e não público, de sorte que só aqueles que se beneficiariam com a sucessão poderiam propor a exclusão do indigno. Se o herdeiro legítimo ou testamentário assassinou o hereditando, mas as pessoas a quem sua exclusão beneficiaria preferissem manter-se silentes, o assassino não perderia a condição de herdeiro e receberia os bens da herança, não podendo a sociedade, através do Ministério Público, impedir tal solução”. (RODRIGUES, 2003, p. 71)
O entendimento de Rodrigues vai de encontro ao entendimento de Maria Helena Diniz. Veja-se:
“Como o novo Código Civil foi omisso a respeito, o Ministério Público poderia também propô-la, por ser o guardião da ordem jurídica (CF, art. 127) e pelo fato de haver interesse social e público de evitar que herdeiro ou legatário desnaturado receba vantagem, beneficiando-se da fortuna deixada pela sua vítima”. (DINIZ, 2009, p. 70)
Já Dias, sustenta que o Ministério Público possui legitimidade para propor a ação declaratória, contudo, reconhece que este entendimento não é o majoritário. Nas palavras de Maria Berenice Dias:
“Vem a doutrina sustentando a legitimidade do Ministério Público para propor a ação de indignidade em face de sua condição de guardião da ordem jurídica (CF, 127). Esta posição, no entanto, não é majoritária, sendo reconhecida a legitimidade ministerial somente na hipótese de haver herdeiros incapazes, ou interesse público. Mister distinguir. Quando o ato de indignidade constituiu crime de ação pública incondicionada, possível conceder legitimação extraordinária ao agente ministerial. Com referência às outras causas de indignidade, a omissão do interessado faz desaparecer a possibilidade de ser buscada a exclusão. O indigno herda.”
Nota-se que há uma divergência entre os doutrinadores com relação a legitimidade do Ministério Público, no entanto, sem dúvida, há interesse público e social ao impedir que um filho desvirtuado, que matou seu próprio genitor, venha desfrutar da riqueza que este deixou, motivo que leva o Ministério Público a intentar contra o indigno.
Porém, existem alguns aspectos que interferem no andamento desse processo, uma vez que, as causas de indignidade estão ligadas a objetos de tutela criminal, e seus efeitos, ligam-se a objetos de tutela do juízo civil. Causas essas que motivaram o presente estudo. Ao final, se verá uma análise específica sobre a questão.
Em razão do exposto acima é que a jurisprudência tem determinado que a decisão da ação declaratória de indignidade depende da decisão do juízo criminal.
O Tribunal de Justiça de Minas Gerais vem decidindo que:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO DECLARATÓRIA DE EXCLUSÃODE HERDEIRO POR INDIGNIDADE –PROCESSO CRIMINAL EM CURSO –SUSPENSÃO DO PROCESSO NA ESFERA CÍVEL – POSSIBILIDADE – ARTIGO 265, INCISO IV, ALÍNEA A,DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – QUESTÃO PREJUDICIAL – DECISÃO MANTIDA. 1 – À inteligência do artigo 265, inciso IV, alínea a, do Código de Processo Civil, suspende-se o processo quando a sentença de mérito depender do julgamento de outra causa, ou da declaração da existência ou inexistência da relação jurídica, que constitui o objeto principal de outro processo pendente. 2 – Recurso a que se nega provimento.” (TJMG, Agravo de Instrumento nº 100240570080620011, Órgão julgador: 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Relator Desembargador Batista Franco, Julgado em 07/02/2011, Publicado em 10/03/2006)[30]
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – DECLARATÓRIA DE EXCLUSÃO DE HERDEIRO POR INDIGNIDADE. Decreto de suspensão do processo de conhecimento. Independência de jurisdição restrita à consequência da responsabilidade civil e criminal. Necessidade indispensável à apuração da autoria do disparo mortal (homicídio x suicídio). Aplicação do princípio da segurança jurídica. Primazia de pronunciamento de único órgão do Poder Judiciário. Justificável cautela para evitar soluções conflitantes sobre a análise de mesmo fato e provas. Reconhecimento de paralisação até julgamento da ação penal – Decisão interlocutória mantida Recurso desprovido.” (TJSP, Agravo de Instrumento nº 0181258-60.2011.8.26.0000, Órgão julgador: 8ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Salles Rossi, Julgado em 13/10/2011, Publicado em 14/10/2011)[31]
Assim sendo, conforme se extrai dos entendimentos dos tribunais supramencionados, é imprescindível uma sentença criminal anterior, para o juízo cível declarar a indignidade do herdeiro. E, sendo o herdeiro culpado na esfera criminal, a ação do juízo civil poderá ser julgada procedente, quando começam os efeitos para o herdeiro declarado indigno.
4.3. Efeitos da indignidade
Após a ação declaratória, se afirmada a indignidade do herdeiro, começa este sofrer com os efeitos da exclusão. Destarte, vale-se aqui dos mandamentos doutrinários para melhor compreensão dos reais efeitos provocados pela indignidade.
Com o trânsito em julgado da sentença que declarou o herdeiro como indigno, segundo ElpídioDonizetti, teremos os seguintes efeitos:
“(1) a exclusão da sucessão; (2) a consideração como morto para fins da sucessão do ofendido; (3) a proibição do usufruto e da administração dos bens ereptícios; (4) a exclusão da sucessão dos bens ereptícios; (5) a validade das alienações a terceiro de boa fé e o correspondente dever de indenizar os ereptores; (6) a obrigação de restituir os frutos e o direito à indenização das despesas de conservação.”[32] (sem grifos no original) (DONIZETTI, 2012, p. 1.152)
Já para Venosa, os efeitos são os seguintes:
“1-efeito retroativo, desde a abertura da sucessão (extunc) os descendentes do indigno sucedem como se ele morto fosse (art. 1816); 2- o indigno é obrigado a devolver os frutos e rendimentos da herança, já que é considerado possuidor de má-fé com relação aos herdeiros, desde a abertura da sucessão (art. 1817); 3- na forma do art. 1817, os atos da administração e as alienações praticadas pelo indigno antes da sentença de exclusão são válidos. Trata-se de dispositivo que merecerá maior estudo a seguir por envolver questões de herdeiro aparente. Contudo o efeito, aqui, é ex nunc. Só não valem as alienações praticadas após a sentença de indignidade. E ressalvado o direito pessoal do novo herdeiro em cobrar perdas e danos do indigno.” (sem grifos no original) (VENOSA, 2003, p. 78)
Portanto, o principal efeito depois de declarada a indignidade, o herdeiro fica excluído da sucessão como se dela nunca tivesse participado e, a sentença declaratória dispõe de eficácia extunc à data da abertura da sucessão. Deste modo, a herança que se encontrava na posse do indigno é devolvida aos demais herdeiros em sua integralidade, bem como os frutos e rendimentos provenientes desses bens. (RODRIGUES, 2003).Porém, ao mesmo tempo que o efeito é extunc, os atos praticados pelo excluído terão validade, não podendo ser atingidos os terceiros de boa-fé, a título oneroso.
Nos dizeres de Maria Berenice dias:
“Ainda que o herdeiro tenha recebido a posse dos bens da herança, é necessário que os devolva, tão logo transite em julgado a sentença que o declarar indigno. Além dos bens, também tem de devolver os frutos e rendimentos (CC 1.817 parágrafo único). Os demais sucessores podem exigir do herdeiro excluído a reposição patrimonial, bem como perdas e danos, eis que possuem o direito à integralidade da herança desde a abertura da sucessão.” (DIAS, 2013, p. 311)
Ademais, a devolução dos bens, pelo indigno, aos demais herdeiros, após a declaração de indignidade, não pode ser utilizada como instrumento de enriquecimento por parte do herdeiro digno. Injusto seria. Assim, conforme o artigo 1.817 do CC/02, o indigno teria direito de reclamar indenização por ampliações e benfeitorias feitas visando à conservação dos bens hereditários.[33]
Nesse sentido, Cateb explana que se o indigno não agiu exageradamente ou dolosamente com relação às benfeitorias de conservação, deverá ser ressarcido pelas despesas efetuadas nos bens hereditários. (CATEB, 2007)
Ressalva-se que, os herdeiros não podem exigir nada do terceiro adquirente de boa fé, e nesse sentido Dias sustenta:
“A declaração judicial de exclusão do direito à herança tem efeito extunc à data da abertura da sucessão. Porém, ainda que a sentença tenha efeito retroativo não pode prejudicar terceiros de boa-fé. Em respeito ao princípio da aparência que visa a resguardar os terceiros de boa-fé, o indigno que esta na posse e administração dos bens da herança é considerado herdeiro aparente. São válidas as alienações feitas a terceiro de boa-fé (CC 1.827 parágrafo único). Como afirma Maria Helena Diniz, é preciso levar em conta a boa-fé do adquirente, que acreditou não só na legalidade do ato negocial efetivado, mas também na condição de herdeiro do alienante, que, até o instante da exclusão, aos olhos de todos, era o “real” herdeiro.” (DIAS, 2013, pp. 311-312)
Também, quanto aos efeitos da exclusão, válido destacar o julgado de um dos casos de indignidade que mais repercutiram em todo o Brasil e no mundo, o caso de Suzane Louise Von Richthofen. Nesse caso, Andreas Albert Von Richthofen ingressou com um litígio contra sua irmã, que com a ajuda de seu cunhado e seu namorado, assassinou brutalmente os seus genitores.
“ANDREAS ALBERT VON RICHTHOFEN moveu AÇÃO DE EXCLUSÃO DE HERANÇA em face de sua irmã SUZANE LOUISE VON RICHTHOFEN, por manifesta indignidade desta, pois teria ela, aos 31 de outubro de 2002, em companhia do seu namorado, Daniel Cravinhos de Paula e Silva, e do irmão dele, Cristian Cravinhos de Paula e Silva, barbaramente executado seus pais… Conheço desde logo do pedido, pois se trata de matéria exclusiva de direito, estando a lide definida com a condenação penal, transitada em julgado, da herdeira Suzane Louise Von Richthofen pela morte de seus pais, pela qual foi condenada a 39 anos de reclusão e seis meses de detenção. A indignidade é uma sanção civil que causa a perda do direito sucessório, privando da fruição dos bens o herdeiro que se tornou indigno por se conduzir de forma injusta, como fez Suzane, contra quem lhe iria transmitir a herança… Ante o exposto, julgo PROCEDENTE a presente Ação de Exclusão de Herança que Andreas Albert Von Richthofen moveu em face de Suzane Louise Von Richthofen e, em conseqüência, declaro a indignidade da requerida em relação à herança deixada por seus pais, Manfred Albert Von Richthofen e Marísia Von Richthofen, em razão do trânsito em julgado da ação penal que a condenou criminalmente pela morte de ambos os seus genitores, nos exatos termos do disposto no artigo 1.814, I, do Código Civil. Condeno também a requerida a restituir os frutos e rendimentos dos bens da herança que porventura anteriormente percebeu, desde a abertura da sucessão, nos termos do § único, artigo 1.817, também do Código Civil. Condeno a requerida ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios, que, diante dos critérios do art. 20, do Código de Processo Civil, fixo em 15 % sobre o valor corrigido da causa, ressalvando que tal verba será cobrada, se o caso, nos termos dos artigos 11, § 2º e 12, da Lei nº 1.060/50. Junte-se cópia deste decisório nos autos principais de inventário dos genitores do autor. P.R.I.”[34]
Conforme demonstrado acima, a Suzane foi declarada indigna sendo excluída da herança de seus pais. Além do mais, foi condenada a devolver ao seu irmão os rendimentos e frutos dos bens que estavam em sua posse até o momento de sua exclusão, conforme ensina o artigo 1.817 do CC/02.
Por fim, cabe saber que, mesmo que só um interessado nos bens do de cujus ingresse com a declaratória de indignidade, todos os demais interessados se beneficiarão, uma vez que, a ordem da vocação hereditária não tem caráter individual, e a condição de herdeiro é indivisível. Ademais, a exclusão do herdeiro por indignidade está relacionada à herança, sendo os demais herdeiros beneficiários do mesmo modo. (VENOSA, 2003)
4.4. Reabilitação do indigno
Existe no ordenamento jurídicoa possibilidade de o herdeiro indigno ser perdoado pelo ofendido. O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.818, salienta que:
“Aquele que incorreu em atos que determinem a exclusão da herança será admitido a suceder, se o ofendido o tiver expressamente reabilitado em testamento, ou em outro ato autêntico.Parágrafo único. Não havendo reabilitação expressa, o indigno, contemplado em testamento do ofendido, quando o testador, ao testar, já conhecia a causa da indignidade, pode suceder no limite da disposição testamentária.”[35]
Conforme prevê o artigo supramencionado, o perdão deverá ocorrer de modo solene, tendo em vista que a lei só prevê as possibilidades de reabilitação mediante ato autêntico, ou em testamento, ou seja, o perdão, obrigatoriamente, deve ser expresso.
Dias leciona que:
“O perdão é chamado de reabilitação: declaração expressa do autor da sucessão, perdoando a indignidade de seu herdeiro. A reabilitação precisa ser levada a efeito por testamento ou ao autentico. Ato autentico não é somente a escritura pública. Também o escrito particular firmado pelo de cujus, subscrito por testemunhas, serve para traduzir o desejo de que o herdeiro ingrato continue herdeiro. O codicilo pode ser considerado como ato autêntico para perdoar o herdeiro.” (DIAS, 2013, p. 315)
Ressalva-se que, de acordo com Monteiro, apesar de não serem exigidas palavras sacramentais, o perdão, uma vez concedido, torna-se irretratável, sob pena de tolerar-se arrependimento no perdão, a não ser que, revogue o testamento ou destrua o documento em que havia perdoado o indigno. (MONTEIRO, 2009)
Como o perdão é ato personalíssimo e acontece antes da abertura da sucessão, não se pode dizer que o herdeiro que praticou ato indigno recuperou sua capacidade sucessória, já que ele não pode reaver o que não perdeu. Simplesmente o herdeiro continua a integrar a ordem de vocação hereditária. (DIAS, 2013)
Washington de Barros Monteiro entende que, não existe o perdão de forma tácita ou presumido, nem pode ele ser concedido oralmente ou por instrumento particular sem autenticidade (MONTEIRO, 2009).
Nessa mesma linha de raciocínio, Maria Berenice Dias manifesta que:
“Não existe reabilitação tácita (CC 1.818 parágrafo único). Se o autor da herança, em vez de afirmar que perdoa o herdeiro, simplesmente o contempla no testamento, tal não configura perdão. E, como não houve reabilitação – que a lei quer que seja expressa -, pode ser proposta ação para declaração da indignidade. Declarado indigno, o herdeiro é excluído da sucessão legítima, mas não perde o direito de receber o legado que lhe deixou o testador.” (DIAS, 2013, p. 316)
Assim sendo, apenas haverá o perdão de forma expressa, de modo que, mesmo o indigno sendo beneficiado em testamento, poderá ser excluído da sucessão legítima, recebendo apenas o que lhe foi deixado em testamento. Além disso, se por algum motivo o testamento for considerado nulo, o indigno nada receberá.
4.5. Projeto de Lei 118/2010: Breves considerações
Sobre o Projeto de Lei nº 118/2010[36], este vai ao encontro do entendimento dos tribunais, já que visa a modificação, não só com relação a sentença penal para posterior declaração de indignidade, mas também outros aspectos.
O projeto lei visa legalizar as situações que já são aceitas pela jurisprudência, como, garantir ao Ministério Público legitimidade para propor ação declaratória de indignidade. Outro ponto importante que pretende reformar, é com relação ao prazo de ajuizamento da demanda, que será de 2 anos, todavia, não será computado apenas da abertura da sucessão, mas também da descoberta da conduta do indigno.
A justificativa do projeto lei funda-se nos seguintes termos:
“Altera os arts. 1.814 a 1.818 e 1.961 a 1.965 da Lei n.º 10.406/2002 (Código Civil), para dar novo tratamento aos institutos da exclusão da herança, por indignidade sucessória, e da deserdação. Modifica a denominação do Capítulo V – Dos Excluídos da Sucessão – que passará a ser Dos Impedimentos de Suceder por indignidade e do Capítulo X – Da Deserdação -, que deverá ser chamado Da privação da Legítima. Impede de suceder, por indignidade, aquele que houver abandonado, ou desamparado, econômica ou afetivamente, o autor da sucessão acometido de qualquer tipo de deficiência, alienação mental ou grave enfermidade. Dispensa a declaração por sentença do impedimento por indignidade quando houver anterior pronunciamento judicial, civil ou criminal, que já tenha expressamente reconhecido a prática da conduta indigna. Autoriza a deserdação do herdeiro quando este tenha se omitido no cumprimento das obrigações do direito de família que lhe incumbiam legalmente; tenha sido destituído do poder familiar; não tenha reconhecido voluntariamente a paternidade ou maternidade do filho durante a sua menoridade civil. Reduz o prazo do direito de demandar a privação da legítima de quatro para dois anos, contados da abertura da sucessão ou do testamento cerrado.”[37]
Entretanto, o referido projeto já foi aprovado pelo Senado em março de 2011. Todavia, como se trata de lei ordinária, faz-se necessário a aprovação pelas duas casas, o que ainda não ocorreu.
5. A necessidade ou não da sentença penal transitada em julgado para declaração de indignidade
Diante de todo o exposto no presente trabalho, nota-se que há uma grande necessidade de mudança em nosso ordenamento jurídico. Não digo só com relação ao direito sucessório, mas num todo. Contudo, neste momento, ressalta-se a necessidade de grandes alterações no que diz respeito ao direito sucessório, mais especificamente, quanto ao instituto da indignidade.
Levando-se em conta o princípio da inocência, garantido pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso LVII, somente poderia o herdeiro ser declarado indigno após o trânsito em julgado da sentença penal que condenar o herdeiro como autor, co-autor ou partícipe do crime que incorreu em indignidade. Nos exatos termos da Constituição Federal, “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.[38]
Já que é de competência do juízo criminal o julgamento das causas de indignidade previstas no artigo 1.814 do Código Civil, justificativa não há para que o herdeiro seja considerado indigno antes de se provar a sua culpabilidade.
Conforme ficou demonstrado em tópicos anteriores, inclusive os tribunais de justiça estão julgando no sentido de aguardar uma futura sentença penal para ser declarada a exclusão do herdeiro que praticou algum ato de indignidade. Nesse sentido, por voto unânime, veja-se:
“CIVIL. SUCESSÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INDIGNIDADE. EXCLUSÃO DA HERDEIRA. CRIME CONTRA A HONRA DO OFENDIDO. AUSÊNCIA DE CONDENAÇÃO PENAL. 1. Para que a ré fosse excluída da sucessão, em razão do cometimento de crime contra a honra do autor da herança, como previsto no inciso II, segunda parte, do artigo 1.814 do código civil, seria necessária a sua condenação prévia, pelo juízo criminal, que tem competência para averiguar a materialidade e a autoria do crime, após o ajuizamento de ação penal própria. 2. recurso não provido.”(TJDFT, Apelação Civil nº20090110101017APC, Órgão Julgador: 4ª Turma Cível, Relator Desembargador Cruz Macedo, Julgamento em 20/07/2011, Publicado no DJE em 12/08/2011)[39]
Em seu voto, o Ilustre Desembargador Cruz Macedo sustentou que:
“A despeito de teses doutrinárias e jurisprudenciais contrárias, filio-me ao entendimento segundo o qual seria necessária a condenação prévia, na esfera criminal, para que a ré fosse excluída da sucessão, em razão do cometimento de crime contra a honra do autor da herança, como previsto no inciso II, segunda parte, do artigo 1.814 do Código Civil.Isso porque, da leitura do referido dispositivo, infere-se que serão excluídos da sucessão aqueles que “incorrerem em crime”, ou seja, que cometerem uma ação típica e antijurídica, culpável e punível. Nesse aspecto, é o juízo criminal quem tem competência para declarar a existência ou não da materialidade e da autoria, após, é claro, o ajuizamento de ação penal própria, com regular trâmite processual, observando-se a ampla defesa e o contraditório.Portanto, não caberia ao juízo cível, nesse aspecto, verificar a ocorrência do crime relatado pelos autores, ainda mais se levarmos em consideração que a ação penal própria, nesse caso, é de iniciativa privada, dependente de registro de queixa pelo ofendido, o que não ocorreu.”[40]
Por fim, tendo em vista que o herdeiro será presumidamente inocente até o momento do trânsito em julgado da sentença penal e, enquanto não transitar em julgado a sentença condenatória, a culpa não se estabelece, necessário se faz o aguardo desse trânsito para posterior julgamento da indignidade na esfera cível. Apoiando-se no princípio da inocência, resguardado a todos, em nossa Constituição Federal.
Considerações finais
Depois de realizada toda a pesquisa visando o desate do trabalho, neste momento se cuidará de tecer algumas considerações finais acerca do presente estudo.
Percebeu-se, durante o desenvolvimento do trabalho monográfico, que há uma necessidade de renovar o instituto da indignidade no Direito Sucessório, vez que o princípio da presunção da inocência, resguardado pela Constituição Federal de 1988, está sendo violado.
Nota-se que em nosso ordenamento jurídico não tem uma previsão expressa quanto a necessidade de uma sentença penal transitada em julgado para que o juízo cível julgue procedente a ação declaratória de indignidade. Sendo possível que a ação de indignidade seja julgada independente de uma condenação tutelada na esfera criminal.
Diante da ausência de norma expressa e da independência das sentenças da esfera civil e penal, num primeiro momento, o herdeiro poderia ser declarado indigno, ainda que não tenha sido julgado culpado na esfera penal, o que configuraria uma ofensa ao princípio da inocência.
Apesar da pretensão da ação declaratória de indignidade dizer respeito à tutela civil, o objeto da demanda é eminentemente da esfera penal, sendo este o motivo que leva a entender que a ação declaratória de indignidade depende da decisão do juízo criminal. Ressalta-se que, este também é o entendimento dos tribunais, conforme ficou demonstrado no curso do trabalho.
Por fim, conclui-se que, a indignidade tem a função de evitar que o herdeiro que cometeu atos de indignidade contra o de cujus, atos previamente e taxativamente, previstos em lei, se beneficie da herança, ficando excluído totalmente dos bens que lhe caberia. Não seria justo que o herdeiro, capaz de praticar atos reprováveis pela lei, contra seu genitor, fosse beneficiário da herança do mesmo!
Mas, justo também não seria, se o herdeiro fosse excluído antes de uma sentença penal transitada em julgado, uma vez que, sendo o herdeiro declarado como indigno na esfera cível e absolvido na tutela criminal, corre-se o risco de não haver possibilidade reaver os bens que perdeu, incorrendo assim num enorme prejuízo para o herdeiro indigno absolvido.
Informações Sobre o Autor
Lorena Alves Costa Ferreira
Graduada pela Faculdade Dinâmica. Advogada