Resumo: O presente estudo tem como objetivo analisar o atuar do juiz quando da inquirição de testemunhas, com enfoque nas mudanças trazidas pela Lei nº 11.690 de 2008, a qual alterou, entre outras, a redação do artigo 212 do Código de Processo Penal. Este artigo objetiva, por meio de uma análise abrangente de todo o sistema processual penal, identificar como é a atuação do juiz em uma audiência de instrução e julgamento envolvendo sua postura enquanto interrogador, verificando se o juiz inicia questionando, no que se refere ao mérito, ou se, após as perguntas acerca do réu, passa a palavra às partes. Para responder a esta pergunta, o estudo fundamentou-se em pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, a fim de compreender como a jurisprudência atua perante essa indagação. Ao final, constatou-se que a posição majoritária do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul é de resistência à adoção do sistema acusatório, não se opondo à postura dos magistrados que seguem atuando de forma inquisitiva.
Palavras-chave: Inquirição de testemunhas. Artigo 212 do CPP. Sistema processual penal.
Abstract: This study aims to analyze the work of the judge when the hearing of witnesses, focusing on the changes introduced by Law No. 11,690 of 2008, which amended, among others, the wording of article 212 of the Criminal Procedure Code. This article aims, through a comprehensive analysis of the entire criminal justice system, to identify how the role of the judge in an instruction hearing and trial involving your posture while interrogator, making sure the judge starts questioning, as regards the merits, or if, after questions about the defendant, gave the floor to the parties. To answer this question, the study was based on bibliographic and jurisprudential research in order to understand how the law works before this question. In the end, it was found that the majority position of the Court of Justice of Rio Grande do Sul is resistance to the adoption of the adversarial system, not opposing the stance of judges who follow acting inquisitive way.
Keywords: Hearing of witnesses. Article 212 of the CPP. Criminal justice system.
Sumário: Introdução. 1. Sistemas processuais penais. 1.1. Sistema Acusatório. 1.2. Sistema Inquisitório. 1.3. Sistema Misto. 1.4. O Modelo Processual Penal Brasileiro. 2. Artigo 212 do Código de Processo Penal. 2.1. Entendimento Doutrinário. 2.2. Visão Jurisprudencial Do TJ/RS pós Lei Nº 11.690/2008 (2011-2014). 2.2.1 Da visão favorável à aplicação do artigo 212. 2.2.2. Da visão contrária à aplicação do art. 212. 3. Considerações finais.
INTRODUÇÃO
O juiz pode tomar a frente, enquanto inquisidor, em uma audiência, ou deve permanecer inerte e conferir a gestão da prova exclusivamente às partes? Afinal, quais são os limites do atuar do magistrado durante a oitiva de testemunhas?
A Lei nº 11.690 de 2008 alterou diversos dispositivos do Código de Processo Penal, trazendo profundas transformações para o processo penal brasileiro, algumas positivas e outras negativas. Dentre as alterações, uma das mais significativas foi a realizada no artigo 212, o qual versa sobre o modo de inquirição de testemunhas, dispositivo este que é objeto do presente estudo.
Antes da mencionada lei, o teor do artigo 212 do Código de Processo Penal era o seguinte:
“Art.212. As perguntas das partes serão requeridas ao juiz, que as formulará à testemunha. O juiz não poderá recusar as perguntas da parte, salvo se não tiverem relação com o processo ou importarem repetição de outra já respondida.”
Era cediço na jurisprudência e na doutrina brasileira a maneira como ocorria a inquirição de testemunhas antes do advento da Lei nº 11.690/08: o magistrado iniciava inquirindo a testemunha, perguntando o que quisesse; em seguida, as partes requeriam suas perguntas ao juiz, que, se as entendesse pertinentes, formulava-as à testemunha.
Dessa forma, era evidente o caráter presidencialista que o juiz exercia na tomada de depoimentos, não apenas garantindo a correição da solenidade, mas com ele próprio a conduzindo e sendo o principal gestor da prova, cabendo às partes uma função meramente supletiva.
Com a reforma da Lei nº 11.690 de 2008, o texto do artigo 212 do Código de Processo Penal alterou-se e passou a ter a seguinte redação:
“Art.212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.”
Com essa nova redação do artigo 212 do Código de Processo Penal, instaurou-se uma celeuma no campo doutrinário e jurisprudencial brasileiro: de um lado, aqueles que entendem que a partir de então são as partes que iniciam realizando as perguntas às testemunhas, cabendo ao juiz somente formular questionamentos suplementares, sobre pontos não esclarecidos[1]; de outro lado, os que entendem que a audiência continua seguindo o sistema presidencialista, sendo do juiz o direito (e o dever) de iniciar as perguntas, e que o mencionado dispositivo processual apenas permite às partes que perguntem diretamente às testemunhas, sem necessidade do intermédio do magistrado.[2]
Não obstante a alteração do dispositivo ter ocorrido em 2008. ainda existe divergência quanto à sua correta interpretação, sendo o principal motivo da discussão o papel do juiz, não só na audiência de instrução, mas em toda a persecução criminal. Discute-se, na doutrina e na jurisprudência, qual o correto modo de atuar do juiz no processo penal e como ele deve se comportar em relação à produção de provas.
Nesse ponto, destaca-se que o artigo 212 do Código de Processo Penal é um dos dispositivos chave nessa discussão, isso porquê, como mencionado acima, ele trata da inquirição de testemunhas, em outras palavras, da produção de uma das espécies de provas.
Assim sendo, para que se chegue à correta interpretação do artigo 212 do Código de Processo Penal, não é possível realizar mera interpretação literal e isolada do dispositivo (interpretação gramatical[3]). Não, toda e qualquer interpretação deve sempre considerar o ordenamento jurídico em volta (interpretação sistêmica[4]).
Dessa forma, para saber qual deveria ser o comportamento do juiz quando da inquirição de testemunhas, é necessário, primeiramente, perguntar-se como o juiz deve se comportar em relação a toda a produção de provas no processo penal. Isso significa, por consequência, determinar qual o modelo processual penal brasileiro.
Portanto, o presente trabalho encontra-se dividido fundamentalmente em duas partes, cada uma com seus objetivos: a primeira, discutir o modelo processual penal adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro; a segunda, partindo da premissa obtida no ponto anterior, verificar o atuar do juiz criminal ao inquirir testemunhas. Para atingir tal desiderato, utilizar-se-á os julgados do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul a partir do ano de 2011.
1. SISTEMAS PROCESSUAIS PENAIS
O estudo d exige um estudo acerca dos sistemas processuais penais, pois serão estes que determinarão se a atuação do magistrado em relação à prova assumirá postura de garantidor ou de inquisidor.[5]
Existem, de acordo com a maioria da doutrina brasileira, três sistemas processuais penais principais: o acusatório, o inquisitório e o misto, cada um com as suas peculiaridades específicas.
Primeiramente, cumpre definir o que são sistemas. Na noção de Miranda Coutinho, sistema pode ser compreendido como “um conjunto de temas jurídicos que, colocados em relação por um princípio unificador um todo orgânico que se destinam a um fim”[6].
Ainda na lição de Coutinho, não existem mais os sistemas puros, da forma histórica como foram concebidos, portanto, atualmente vigoram somente sistemas mistos. Todavia, os sistemas mistos não possuem um princípio unificador próprio, o que faz com que sejam ou essencialmente inquisitórios, com algumas características acusatórias, ou essencialmente acusatórios com algumas características inquisitórias.[7]
Assim, destaca Aury Lopes Jr., corroborando o discurso de Coutinho, que não existem sistemas mistos, que, no fundo, todo sistema é ou acusatório ou inquisitório, sendo necessário encontrar seu “ponto nevrálgico”, identificar o princípio informador do modelo. Portanto, tendo em vista que o processo penal busca sempre a reconstituição de um fato, a gestão da prova é o ponto chave, de modo que, de acordo com o autor, tem-se dois princípios informadores, os quais definem o modelo processual penal:[8]
“- Princípio dispositivo: funda o sistema acusatório; a gestão da prova está nas mãos das partes (juiz-espectador).
– Princípio inquisitivo: a gestão da prova está nas mãos do julgador (juiz-ator [inquisidor]); por isso, ele funda um sistema inquisitório.[9]“
Dessa forma, nos dizeres de Alexandre Morais da Rosa[10], o processo penal é uma atividade recognitiva e possui como critério identificador a gestão da prova. O sistema inquisitório guia-se pelo princípio inquisitivo, ao passo que o sistema acusatório segue o princípio dispositivo.
Nesse ponto, é necessário identificar qual o princípio informador do modelo processual penal brasileiro (o princípio dispositivo ou o princípio inquisitivo). Para tanto, passemos a uma análise histórica dos modelos acusatório, inquisitório e misto.
1.1. Sistema Acusatório
O sistema acusatório, com origem no Direito Grego, separa expressamente as funções de acusar e julgar, retirando a gestão probatória das mãos do juiz e conferindo-a às partes. Nele, o juiz é imparcial e o contraditório e a ampla defesa são plenos.
No Direito Romano da época da República[11] surgem as duas formas de processo penal: cognitio e accusatio. A cognitio surgiu primeiro, contudo esse procedimento começou a ser considerado insuficiente, pois escasso de garantias, principalmente para as mulheres e para os que não eram cidadãos.[12]
Com isso, surge a accusatio, no último século da República, marcando uma intensa e profunda alteração no Direito Processual romano. Neste modelo, o polo ativo era assumido espontaneamente por um cidadão do povo, e não mais pelo juiz.[13]
Como principais características do sistema acusatório destacam-se a separação das atividades de acusar e julgar, a atuação passiva do juiz, no sentido de que ele é receptor e não gestor da prova, bem como a não admissão de denúncia anônima.[14]
Quando da época do Império Romano, o sistema acusatório foi se mostrando insuficiente diante das novas necessidades, ainda mais por possibilitar a persecução criminal inspirada por ânimos e intenções de vingança.[15]
Em decorrência da insatisfação com o sistema acusatório, os juízes invadiram cada vez mais as atribuições dos acusadores privados, dando origem à reunião, em um mesmo órgão do Estado, as funções de acusar e julgar. Este foi o início do sistema inquisitório.[16]
1.2. Sistema Inquisitório
Até o século XII predominava o sistema acusatório, e ao longo do século XII até o XIV ocorreram transformações em que o sistema acusatório foi, paulatinamente, sendo substituído pelo inquisitório.[17]
O processo penal muda radicalmente com o sistema inquisitório: O juiz abandona sua posição de árbitro imparcial e assume a atividade de inquisidor, atuando desde o início também como acusador, investigando, dirigindo o processo, acusando e, ao final, julgando.[18]
O juiz passa a ter ampla liberdade probatória, ou seja, a gestão das provas estava concentrada nas mãos do juiz. Acreditava-se na descoberta de uma verdade absoluta, e por isso permitiam-se os mais diversos métodos em busca dessa verdade.[19]
O sistema inquisitório predominou até o início do Século XIX, quando a Revolução Francesa, com seus novos postulados, inciou a lenta transição para o sistema misto, que se estende até hoje[20],,embora já tenhamos visto que, em verdade, não existem sistemas mistos. É necessário identificar o princípio informador do sistema, dispositivo ou inquisitório, para descobrir se trata-se de modelo processual penal acusatório ou inquisitório.
1.3 Sistema Misto
O primeiro ordenamento jurídico que adotou o sistema misto foi o francês, no Code d'Instruction Criminale de 1808, cindindo as fases de investigação e juízo. O modelo misto divide o processo em duas fases, pré-processual e processual. A primeira fase é inquisitória, com instrução escrita e secreta, sem acusação e, portanto, sem contraditório. A segunda fase é acusatória, com o objetivo de apurar a materialidade e a autoria do fato delituoso. Nessa fase, de caráter acusatório, vigoram os princípios do contraditório, publicidade e oralidade.[21]
Posteriormente, esse modelo difundiu-se pelo mundo, e é o mais utilizado na atualidade.[22]
Todavia, como visto anteriormente, não existem sistemas mistos, da mesma forma que não existem mais sistemas puros tais quais foram historicamente estruturados.
1.4. O Modelo Processual Penal Brasileiro
Conforme Pacelli[23], antes da vigência da Constituição da República de 1988, a perspectiva teórica do Código de Processo Penal Brasileiro era nitidamente autoritária, prevalecendo sempre a preocupação com a segurança pública, pautando-se pelo princípio da culpabilidade e da periculosidade do agente, em que o processo penal era mero veículo de aplicação da lei penal.
A nova ordem constitucional, a partir de 1988, caminhou em direção diametralmente oposta, instituindo um sistema de amplas garantias individuais e buscando um processo justo, que atentasse para a desigualdade material entre os litigantes. A nova ordem passou a exigir que o processo penal fosse um instrumento de garantia do indivíduo em face do Estado.
Contudo, atualmente, no processo penal, há uma ampla liberdade de iniciativa probatória conferida ao juiz, frequentemente legitimada pelo princípio da verdade real[24], princípio este manipulado para justificar a substituição do Ministério Público pelo juiz, no que se refere ao ônus probatório que se reserva ao órgão acusador.[25]
A igualdade material das partes somente será alcançada quando não se permitir mais ao juiz uma atuação substitutiva ao Ministério Público. Para Pacelli[26], o processo penal brasileiro é um modelo de natureza acusatória, desde que o juiz não atue de forma substitutiva ao Ministério Público, e lhe sendo permitida a investigação de provas se tal ato for em benefício do réu.
Lopes Jr.[27] entende que o processo penal brasileiro é inquisitório, porém prefere chamá-lo de “(neo)inquisitório”, a fim de distingui-lo do sistema inquisitório histórico. Obviamente o autor defende a adoção do sistema acusatório, em consonância com o determinado pela Constituição da República, alertando ser insuficiente a separação inicial dos órgãos de acusação e julgamento, sendo necessário que a iniciativa probatória esteja sempre nas mãos das partes, afastando até mesmo a possibilidade invocada por Pacelli de o juiz poder buscar provas se for em benefício do réu, pois isso retiraria o juiz do seu estado de alheamento das partes, condição imprescindível para sua imparcialidade.
Nas palavras de Fernando da Costa Tourinho Filho[28], o processo penal adota um “sistema acusatório com laivos de inquisitivo”, fazendo menção aos diversos dispositivos do CPP que conferem ao juiz poderes que deveriam ser próprios das partes.
Discorda desse pensamento Guilherme Nucci[29], o qual vislumbra na Constituição da República o sistema acusatório e enxerga no Código de Processo Penal o sistema inquisitório; dessa maneira, para o autor, da junção dos dois surge o sistema misto. Entende Nucci que não é possível adaptar a interpretação dos dispositivos inquisitórios do Código de Processo Penal à luz do sistema acusatório, determinado pela Constituição da República, devendo apenas serem implementadas as garantias e os direitos fundamentais por essa assegurados, mas persistindo a validade dos dispositivos que conferem ao juiz poderes de gestão probatória.
Neste sentido, destaca-se que, nas palavras de Renato Brasileiro[30], “o que efetivamente diferencia o sistema inquisitorial do acusatório é a posição dos sujeitos processuais e a gestão da prova”.
Quando o Código de Processo Penal entrou em vigor, em 1941, prevalecia o entendimento de que o sistema nele previsto era misto, embora já tenhamos visto que não existam sistemas mistos – ele era, na verdade, inquisitório. Com o advento da Constituição Federal em 1988, prevendo a separação das acusações de defender, acusar e julgar, e assegurando diversas garantias do indivíduo em face do estado, adveio o sistema acusatório.[31]
Portanto, pode-se observar que existe uma visão dicotômica na doutrina, tendo, de um lado, o pensamento de Nucci, o qual defende a coexistência entre o sistema inquisitorial do Código de Processo Penal e o sistema acusatório da Constituição Federal, e, de outro lado, diversos doutrinadores, como, por exemplo, Renato Brasileiro, Aury Lopes Jr., Paulo Rangel, Coutinho e muitos outros, os quais afirmam que a legislação infraconstitucional, no caso, o Código de Processo Penal, deve ser relida diante da nova ordem constitucional, respeitando, assim, o modelo processual penal adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro.
2. ARTIGO 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL
Após as considerações realizadas sobre os modelos processuais penais e a demonstração de que a Constituição Federal, através da consagração das garantias de contraditório, ampla defesa, imparcialidade, e outras, prevê a adoção do princípio dispositivo, tornando necessário que a leitura dos dispositivos do Código de Processo Penal, em especial o artigo 212, seja realizada à luz deste princípio, passemos então à análise do referido artigo.
2.1. Entendimento Doutrinário
Paulo Rangel declara que, com a reforma de 2008, a tomada de depoimento das testemunhas passou a respeitar o princípio acusatório, de forma que o juiz não mais exerce o sistema presidencialista. O autor esclarece que o juiz passou a ter uma função supletiva e que somente poderá fazer perguntas sobre pontos não esclarecidos. Também entende Rangel que são as partes quem devem iniciar as perguntas, para só então o juiz fazer as perguntas cabíveis[32].
Fazendo coro a Rangel, Tourinho Filho também entende que o sistema de inquirição das testemunhas modificou-se:
“A nova redação dada ao art. 212 do CPP pela Lei 11.690/08 determina que as vítimas, as testemunhas e o acusado sejam ouvidos direta e primeiramente pela acusação e na sequência pela defesa, possibilitando ao magistrado complementar a inquirição se entender necessários esclarecimentos.[33]“
Lopes Jr. reforça a adoção do modelo acusatório, o qual demarca a separação das funções de acusar e julgar, bem como estabelece a gestão da prova às partes, o que atribui ao juiz não um papel de juiz-ator, mas sim de juiz-espectador. Assim, entende também que cabe às partes iniciarem a inquirição de testemunhas, competindo ao juiz uma função meramente completiva.[34]
Renato Brasileiro de Lima aduz que a redação do artigo 212 do Código de Processo Penal significa que as partes deverão formular perguntas em primeiro lugar, e somente após o exame direto e cruzado poderá o juiz complementar a inquirição, formulando perguntas sobre pontos não esclarecidos.[35]
Destoa desse entendimento, Norberto Avena, para o qual a Lei nº 11.690/08, que alterou a redação do artigo 212 do Código de Processo Penal, apenas abandonou o sistema presidencialista. Dessa forma, seria permitido às partes perguntarem diretamente às testemunhas, contudo, a iniciativa da inquirição continuaria sendo do magistrado.[36]
Nucci vai ainda mais longe. Para ele, o sistema processual penal não é o acusatório, e reforça seu argumento apontando que o juiz tem o poder de produzir tantas provas quantas quiser, sem que nenhuma das partes manifeste interesse, e também que o magistrado pode arrolar as testemunhas que bem entender. Ressalta, Nucci, que o julgador continua a ser o presidente da instrução, não cabendo, portanto, às partes iniciarem as indagações, mas tão somente reperguntar.[37]
Portanto, percebe-se uma compreensão majoritária da doutrina apontando para o abandono do sistema presidencialista das audiências de instruções bem como para a interpretação de que cabe às partes iniciar a inquirição das testemunhas, devendo o juiz complementá-las, se for o caso. E a tendência é que com o tempo o entendimento doutrinário se pacifique neste sentido.
2.2. Visão Jurisprudencial Do TJ/RS pós Lei Nº 11.690/2008
Ante o exposto, faz-se pertinente uma análise do comportamento das Câmaras Criminais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul acerca do tema objeto do presente artigo.
O Tribunal de Justiça Gaúcho encontra-se dividido em oito Câmaras Criminais, nas quais serão analisados julgados a partir do ano de 2011, escolhendo-se alguns dos principais argumentos utilizados pelos Desembargadores quando decidem sobre o assunto do estudo em tela.
Escolheu-se o ano de 2011 como marco inicial do período de análise dos julgados, ou seja, três anos após o advento da Lei de Reforma, por se entender que este seria o lapso temporal necessário para que a matéria fosse amplamente discutida, permitindo que as Câmaras consolidassem e amadurecessem seus entendimentos e se posicionassem, possibilitando, assim, um estudo mais acurado acerca do tema.
2.2.1. Da visão favorável à aplicação do artigo 212
Atualmente prevalece no Tribunal Gaúcho, por força da jurisprudência dos Tribunais Superiores, que a não observância do artigo 212 do Código de Processo Penal gera nulidade relativa, em vez de absoluta, e que, portanto, existe a necessidade de demonstração do prejuízo em momento oportuno para a declaração da nulidade.
Não obstante, a Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul possui alguns julgados que destoam desse viés inquisitorial, conforme se demonstrará a seguir.
Primeiramente, aponta-se a apelação crime nº 70052446697, da Terceira Câmara Criminal, de relatoria do Desembargador Jayme Weingartner Neto, julgada em 28 de março de 2013, em que foi acolhida a alegação de ofensa ao procedimento do artigo 212 do Código de Processo Penal sob o fundamento de que, se tratando de nulidade relativa, a mesma foi arguida em momento oportuno, na audiência de instrução, e o prejuízo restou demonstrado, haja vista que a atuação do magistrado violou o caráter complementar da inquirição, no entendimento do Desembargador.
Outra hipótese ensejadora de declaração de nulidade repousa na ausência do Ministério Público à audiência de instrução, ocasião que propicia o excesso da conduta do magistrado, fazendo com que este se exceda e passe da complementaridade ao protagonismo na produção de provas.
Na apelação crime nº 70058068370, da Terceira Câmara Criminal de Justiça do Rio Grande do Sul, de relatoria do Desembargador Jayme Weingartner Neto, julgada em 03 de abril de 2014, foi reconhecida a nulidade de uma audiência de instrução em que o órgão acusador não compareceu e o juiz atuou de forma substitutiva ao Ministério Público, causando efetivo prejuízo à parte.
Nesse sentir, importante destacar trecho da ementa da apelação crime nº 70059789511, também da Terceira Câmara Criminal, de relatoria do Desembargador João Batista Marques Tovo, julgada em 10 de julho de 2014: “Se o Magistrado deixa de fazer perguntas, sem suplementar a ausência do Ministério Público, apenas dando palavra à defesa para formular suas perguntas, ainda se pode aceitar que a atipicidade seja indiferente”.
Isso significa que, no entendimento do Desembargador Tovo, caso o Promotor de Justiça não compareça à audiência de instrução, deve o Magistrado eximir-se de realizar perguntas, e tão somente passar a palavra à defesa.
Até então foram apresentados julgados em que os desembargadores trataram a nulidade como relativa e a declararam por terem entendido que houve demonstração do prejuízo em decorrência de violação ao preceituado no artigo 212 do Código de Processo Penal. No entanto, a Terceira Câmara Criminal também possui decisões nas quais profere entendimento de que a ofensa a este dispositivo caracteriza nulidade absoluta.
Entretanto, deve-se reconhecer e alertar que estes julgados são tão atuais, e que perderam representatividade na medida em que os Tribunais Superiores alteraram seus entendimentos.
Na apelação crime nº 70036511103, julgada em 24 de fevereiro de 2011, o relator Odone Sanguiné declarou que houve violação do princípio acusatório (igualdade de armas entre as partes e imparcialidade judicial) e do devido processo legal, caracterizando, por consequência, nulidade absoluta do processo a partir da audiência de inquirição de testemunhas em que o artigo 212 foi desrespeitado.
Interessante observar, também, a apelação crime nº 70040507428, igualmente da Terceira Câmara Criminal do Tribunal Gaúcho, julgada em 17 de março de 2011, de relatoria do Desembargador Nereu José Giacomolli, em que entendeu-se pela decretação da nulidade de uma de três inquirições em que a defesa alegava nulidade.
O relator delimitou expressamente até onde seria permitido o magistrado ir na audiência de instrução. Nas inquirições que não foram declaradas nulas, o Magistrado limitou-se a, após a qualificação, perguntar o que a testemunha lembrava a respeito do ocorrido, e em seguida passou a palavra para as partes.
Por outro lado, em relação à inquirição que foi anulada, o magistrado, em vez de passar a palavra às partes, realizou mais questionamentos, e somente depois passou a palavra.
Dessa forma, é possível concluir que quando o magistrado permite que a testemunha realize relato livre dos fatos, isso não caracteriza nulidade. Contudo, se o juiz formula perguntas específicas sobre o fato ou sobre pontos referidos pelo depoente quando do seu relato livre, atuará de forma inquisitorial, configurando nulidade por violação ao artigo 212 do Código de Processo Penal.
2.2.1 Da visão contrária à aplicação do art. 212
A ampla maioria das decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul são no sentido de improcedência dos pedidos de nulidade por suposta violação ao artigo 212 do Código de Processo Penal.
Essa posição estende-se por todas as Câmaras Criminais Gaúchas e é sustentada por diferentes fundamentos, a depender da Câmara e do Relator. Por exemplo, na Terceira Câmara Criminal[38] é notório o entendimento de que o Magistrado deve atuar somente de forma complementar na audiência de inquirição, e se isso não ocorrer, será caso de nulidade relativa, dependendo de demonstração de prejuízo em momento oportuno.
Na Quarta Câmara Criminal[39], por outro lado, vigora o entendimento de que a alteração trazida pela Lei nº 11.690/08 somente agilizou o procedimento de inquirição, permitindo que as partes perguntem diretamente à testemunha, e que o magistrado continua com os poderes instrutórios de antes.
Por sua vez, a Segunda Câmara Criminal[40], que possui entendimento semelhante ao da Quarta Câmara Criminal, utiliza-se muito do princípio da verdade real, para o fim de justificar a atuação inquisitória do juiz na audiência de inquirição.
Esses três pontos são os principais argumentos que sustentam as decisões de improcedência dos pedidos de nulidade por ofensa ao artigo 212 do Código de Processo Penal.
As demais Câmaras Criminais não possuem uma tese de destaque, de forma que o fundamento a ser utilizado depende do Relator.
Na apelação crime nº 70038973459, da Primeira Câmara Criminal, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado em 26 de janeiro de 2011, o Relator Manuel José Martinez Lucas[41] fundamentou a ausência de nulidade pelo fato de o Magistrado ter conduzido a inquirição em nome do princípio da verdade real, como é possível aferir de trecho da ementa:
“A finalidade da inquirição de testemunha é a busca da verdade real pelo juiz, de forma que inexiste qualquer impedimento para que o magistrado formule questionamentos, o que está previsto expressamente no parágrafo único do art. 212 do CPP.” (grifou-se)
Contudo, a posição do Desembargador é deveras controversa, para não dizer mais. Diversos doutrinadores, como Alexandre Morais[42], Aury Lopes Jr.[43], Lenio Streck e Rafael Tomaz de Oliveira[44] utilizam a palavra “mito” ao se referirem ao “princípio da verdade real”.
Primeiramente, importante destacar que acreditar no princípio da verdade real significa validar a prática de arbitrariedades e violação de direitos individuais em prol da verdade absoluta, como se fosse possível alcançá-la no processo penal, atividade recognitiva que o é.[45]
Assim, doutrinariamente construiu-se a ideia de “verdade processual”, na qual a verdade são os elementos de prova legalmente produzidos que se encontram dentro dos autos. Inclusive, Paulo Rangel aduz que “a verdade é dentro dos autos e pode, muito bem, não corresponder à verdade do mundo dos homens”.[46]
Alexandre Morais da Rosa consigna que é dever das partes produzirem as provas, descabendo, neste aspecto, qualquer atribuição ao julgador. Ainda, o autor assevera a impossibilidade de se interpretar o regime de provas através da leitura do equivocado artigo 155 do Código de Processo Penal[47] (artigo claramente inquisitivo), clamando por uma interpretação constitucionalizada (sistema acusatório).[48]
Cumpre referir que alguns doutrinadores, como, por exemplo, Aury Lopes Jr., que abandonam até mesmo a noção de verdade, por entenderem-na inadequada para o processo penal[49]. De qualquer forma, percebe-se que é descabida a utilização do princípio da verdade real, como feito pelo Desembargador Martinez Lucas, pois não é possível a violação de garantias processuais penais em nome de uma verdade inatingível.
Deve-se ressaltar que no julgado em tela o julgador admitiu que houve inobservância do artigo 212 do diploma processual penal, contudo, aduziu que não houve demonstração do prejuízo.
Inicialmente o relator alegou que o princípio da verdade justifica a formulação de questionamentos do juiz. Todavia, como visto acima, a utilização do princípio da verdade real implica na ofensa a garantias processuais penais e, irremediavelmente, no prejuízo de uma ou ambas as partes. No entanto, mesmo indicando o princípio da verdade real, o relator apontou, em outro momento de seu voto, que se tratava de nulidade relativa, a qual necessita da demonstração de prejuízo para sua concretização, o que, no seu entender, não ocorreu.
Ora, como pôde o Magistrado do juízo a quo atuar legitimado pelo princípio da verdade real (portanto, violando garantias individuais) e ao mesmo tempo não causar prejuízo às partes?
Essa incongruência do Desembargador leva a crer que ele primeiro julgou e depois fundamentou. Em outras palavras, primeiro decidiu que não anularia o feito em razão da inobservância do artigo 212 do Código de Processo Penal, e somente após buscou argumentos para embasar tal decisão, mesmo que, conforme visto, contraditórios entre si.
Encontra-se postura ainda mais inquisitória na 6ª Câmara Criminal[50], em especial nos julgados de relatoria do Desembargador Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak. Na apelação crime nº 70060552858, julgada em 17 de dezembro de 2014, o mencionado relator deixou bem claro que acredita no princípio da verdade real:
“Ao juiz ficou mantida a possibilidade de inquirir testemunhas, a vítima e realizar o interrogatório, pois a alteração legislativa não o impediu de presidir a audiência e buscar a verdade real.” (grifou-se)
Contudo, diferentemente do julgado analisado anteriormente, neste o relator entendeu que a alteração legislativa passou a permitir somente que as partes perguntassem diretamente à testemunha, sem intermediação do magistrado[51], ou seja, na visão do Desembargador Vanderlei Kubiak, não houve desrespeito à forma preceituada no artigo 212 do Código de Processo Penal. Tudo em nome do indigitado princípio da verdade real.
O Desembargador fundamenta que o magistrado é o destinatário da prova, e aponta que, de acordo com os artigos 156 e 209 do Código de Processo Penal, ao juiz é permitido ordenar de ofício a produção das provas que entender necessárias, podendo, inclusive, outras testemunhas.
No entanto, essa argumentação encontra um pequeno, porém fatal, erro: como visto alhures, o modelo processual penal brasileiro é o acusatório, conforme determinado pela Constituição da República, de modo que a gestão das provas deve ser atribuída às partes. Assim, a interpretação lógica do artigo 212 do Código de Processo Penal, o qual, diga-se de passagem, possui redação em conformidade com a Carta Magna, é a de que o magistrado não deve inquirir as testemunhas, exceto ao final da inquirição realizada pelas partes, momento em que poderá realizar questionamentos complementares, eximindo-se, então, da iniciativa probatória.
Porém, Kubiak inverte a lógica e faz o caminho inverso daquele que deveria ser trilhado. Ele utiliza como ponto de partida artigos do Código de Processo Penal que atribuem carga probatória ao magistrado, portanto, dispositivos de caráter evidentemente inquisitorial, para analisar artigos que não conferem iniciativa probatória ao magistrado.
Dessa forma, o relator obtém um resultado inquisitorial da leitura do artigo 212 do Código de Processo Penal, ao passo que deveria ser exatamente o contrário! A partir do artigo 212 do Código de Processo Penal, e da Constituição Federal, principalmente, dever-se-ia emprestar interpretação acusatória aos artigos em conflito com a nova ordem constitucional.
Tal qual mencionado anteriormente, um dos fundamentos utilizados para não reconhecer a nulidade advinda do desrespeito do artigo 212 do Código de Processo Penal é o de que se trata de nulidade relativa.
Assim, analisando a apelação crime nº 70052446697, da Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, julgado em 28/03/2013, de relatoria do Desembargador Jaym Weingartner Neto, este concluiu por afastar a preliminar suscitada, por entender se tratar de nulidade relativa e por esta não ter sido apontada em momento oportuno.
O Desembargador reconheceu que a atuação do magistrado na inquirição de testemunhas “limita-se à complementaridade”, e que, portanto, é o último a realizar perguntas. Todavia, afirmou ser caso de nulidade relativa, pois o magistrado é o destinatário da prova e “poderia fazer as mesmas perguntas, na linha complementar, ao final da inquirição”.
A esse comportamento, Lenio Streck e Rafael Tomaz de Oliveira dão o nome de “tese da ‘não validação do artigo 212'”[52]. Ademais, o voto em análise incorreu em dois gravíssimos erros: primeiro ao justificar a iniciativa probatória do juiz por ser ele o destinatário da prova. Neste ponto, basta fazer uma analogia simples com o envio de cartas: quando se envia cartas, o destinatário não as escreve, somente as lê. Da mesma forma o magistrado, como destinatário da prova, não deve produzi-las, mas apenas receber as provas produzidas pelas partes. Permitir que o juiz escreva e leia as cartas (produza e analise as provas) é um sintoma do ranço inquisitório ainda impregnado na mente de nossos julgadores.
Em segundo lugar, errou o Desembargador ao declarar que o magistrado “poderia fazer as mesmas perguntas, na linha complementar, ao final da inquirição”. Realmente é perfeitamente possível que o juiz realize perguntas de caráter complementar ao final da inquirição, contudo, é inconcebível que formule questionamentos complementares no início da inquirição, pois é impossível complementar o “nada”. Para que o magistrado complemente, ele deve permitir que as partes iniciem a inquirição.
A partir dessa análise é perceptível que o Desembargador Jayme Weingartner Neto, embora reconheça a alteração trazida pela reforma de 2008, não compreende os seus postulados e ignora a adoção do sistema acusatório pela Constituição Federal.
Portanto, observa-se que na maioria dos julgados[53] os desembargadores reconhecem a alteração trazida ao artigo 212 do Código de Processo Penal, contudo, o fazem por força da literalidade do dispositivo, e não por respeito ao sistema acusatório.
Tal constatação é perigosa, pois em razão disso o Tribunal de Justiça Gaúcho entende que a inobservância do artigo 212 do Código de Processo Penal acarreta nulidade relativa e requer sua alegação em momento oportuno e demonstração de prejuízo para sua decretação.
Com efeito, isso significa que na prática o Tribunal embora reconheça a alteração trazida pela lei de 2008, permite que a praxe forense continue sendo a mesma (tese da não validação do artigo 212), ao exigir que para a decretação da nulidade do ato a parte demonstre prejuízo advindo da inobservância do dispositivo, tarefa em que raramente se logra êxito, principalmente por entenderem os desembargadores que a atuação do magistrado se justifica em nome da busca da verdade real, o que já se demonstrou acima ser desarmônico com a nova ordem constitucional.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A doutrina pesquisada é uníssona ao dizer que a Constituição da República de 1988 adotou o sistema acusatório, o qual tem como núcleo essencial o princípio dispositivo, que determina o afastamento do juiz criminal da gestão probatória.
Assim, apesar de o Código de Processo Penal ser evidentemente inquisitorial, pois data de 1941, ou seja, pré-Constituição Federal, deve tal diploma ser (re)lido à luz do que dispõe a Carta Magna.
Com efeito, tem-se que, no momento da inquirição de testemunhas, é dever das partes formular as perguntas para os depoentes, ao passo que cabe ao magistrado tão somente realizar questionamentos suplementares, além, obviamente, de garantir o bom andamento da solenidade.
Este é o dever-ser do juiz no processo penal brasileiro: manter-se afastado da gestão das provas. Porém, conforme pesquisa jurisprudencial realizada, o atuar do magistrado gaúcho encontra-se distante daquele determinado pelo modelo acusatório, e sua postura em audiência denota expressamente a existência de resquícios do sistema inquisitório, e o Tribunal de Justiça Gaúcho mostrou-se conivente com este modo de atuar.
É possível observar que o principal argumento em que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul sustenta o seu posicionamento é o princípio da verdade real. No entanto, este princípio possui origens inegavelmente inquisitoriais, haja vista que por meio dele são justificadas violações a direitos e garantias do indivíduo em nome da obtenção da verdade.
Assim, tal princípio não encontra amparo no ordenamento jurídico brasileiro no que tange à seara criminal, devendo o seu uso ser extirpado do processo penal. E apenas isso, a exclusão do princípio da verdade real do arcabouço de argumentos dos desembargadores gaúchos, já seria o suficiente para notar uma drástica mudança nas decisões acerca da produção de provas na persecução processual penal, em especial nos casos do artigo 212 do Código Processual Penal, tendo em vista que este princípio é, claramente, o maior legitimador de atitudes inquisitoriais por parte dos magistrados.
Outro argumento utilizado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, apoiado na jurisprudência dos Tribunais Superiores, é o de defender que a inobservância do artigo 212 se trata de nulidade relativa.
Todavia, como visto no decorrer do trabalho, este pensamento ignora que sobre o processo penal vigora o princípio acusatório, o qual determina a observância do contraditório, ampla defesa, imparcialidade e o devido processo legal.
Dessa forma, a violação à regra processual de inquirição de testemunhas implica em violação de norma federal cogente e de ordem pública, bem como da Constituição Federal, acarretando nulidade absoluta.
Ante todo o exposto, foi possível observar que o modo de atuar do Magistrado Gaúcho tem se mostrado claramente inconstitucional, possuindo postura com ranço notadamente inquisitorial e agindo quase sempre objetivando a busca da verdade real, mesmo que para isso se faça necessária a supressão de certas garantias processuais penais constitucionalmente consagradas. Portanto, é imprescindível que se proceda a uma (re)leitura do Código de Processo Penal, inclusive do artigo 212, sob a luz do disposto na Constituição Federal de 1988, para que se obtenha uma interpretação em consonância com o modelo acusatório e com a Carta Magna.
Informações Sobre o Autor
Felipe Pereira Rodrigues
Bacharel em Direito formado na Faculdade Cenecista de Osório/RS