Dilemas de um advogado: ética profissional x dinheiro fácil

Resumo: Esse artigo tem como objetivo abordar filosoficamente a aplicação da ética na prestação de serviço por parte dos advogados no Brasil. Os dilemas criados pela obrigatoriedade de seguir um padrão de conduta que muitas vezes vão de encontro às demandas do mercado, tendo em vista que o exercício da advocacia no Brasil não pode ter caráter mercantil. Até que ponto uma atuação antiética pode prejudicar a categoria e a dignidade da profissão de advogado no País? A clientela da advocacia brasileira está preparada para contratar advogados éticos ou esse é um tipo de profissional que não interessa a maioria dos contratantes? Na prática, o prestígio da função de advogado muitas vezes está aliado ao sucesso profissional, que por sua vez está vinculado a resultados positivos, o que leva muitos advogados à cometerem condutas antiéticas, como promessa de resultados positivos nas demandas. Esse tipo de conduta leva ao falso senso de realização profissional por parte do advogado e de seus clientes, pois pode até haver um retorno financeiro e reputação rápida, contudo, quando as condutas antiéticas começarem a dar seus frutos, a dignidade da função será mais prejudicada do que o profissional que a praticou.

Palavras-chave: Ética. Advocacia. Sucesso. Dignidade.

Abstract: This article has how objective address the form philosophical the application of ethics in the provision of service by lawyers in Brazil. The dilemmas created by the obligation to follow a pattern of conduct that is often against the market demand, given that the practice of law in Brazil can not have mercantile character. To what extent can an unethical act undermine a category and a dignity of the function of lawyer in the Country? Is a Brazilian law firm prepared to hire ethical lawyers or is this a type of professional that does not interest contractors? In practice, the prestige of the lawyer function is often allied with professional success, which in turn is tied to positive results, which many lawyers in committing unethical conduct as promising positive results in the lawsuits. This type of conduct leads to a false sense of professional fulfillment on the part of the lawyer and his clients, can be done with a quick financial return, however, when the anti-ethical conducts began to give results, the dignity of the function will be more impaired than the professional who practiced it.

Key-words: Ethics. Advocacy. Success. Dignity. Brazil.

Sumário: Introdução. Desenvolvimento. Conclusão.

Introdução

Todo advogado ao iniciar sua carreira jurídica no Brasil tem o desafio de se firmar em um mercado saturado, porém, sem concorrência. A conclusão da frase anterior parece ser uma informação conflitante, pois como não poderia haver concorrência em uma área que atualmente possui mais de 1.000.000,00 (um milhão) de profissionais? No desenvolvimento desse trabalho serão abordadas as premissas que ajudarão, através de um método dedutivo, a chegar a essa conclusão.

Essa afirmativa não está relacionada a uma máxima de autoajuda para encorajar os jovens advogados, mas sim a outro fantasma que atormenta aos menos experientes, o rótulo popular de que “todo advogado é ladrão”.

Pois, com a necessidade de desenvolvimento financeiro rápido, a boa técnica e o conhecimento jurídico estão sendo desprezados, tendo em vista ser o caminho mais longo do reconhecimento profissional, e assim são escolhidas práticas jurídicas “pobres” de resultado financeiro rápido. Contudo, o retorno dessas práticas duvidosas e até mercantilistas é a desvalorização da profissão. 

É justamente nesse ponto que esse artigo acadêmico alcança o ápice da discussão!  É possível o advogado se manter no mercado de trabalho brasileiro exercendo um trabalho ético e ainda assim conseguir ganhar dinheiro para manter o padrão social que a sociedade cobra de um advogado?

Existem muitos fatores sociais que influenciam nas práticas advocatícias, norteando as atitudes dos advogados, principalmente na captação de clientes.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem um Código de Ética que tenta regulamentar as ações de seus integrantes, contudo, na prática, muitas vezes esse regulamento é ignorado pelos profissionais em prol de objetivos pessoais.

Como consequência social de uma atuação dos advogados sem limites ou princípios morais e éticos, cria-se um prejuízo na imagem da categoria, chegando a perder credibilidade e prestígio.

Portanto, esse é um tema secular, um problema social atemporal, que aparentemente parece ser muito subjetivo, com consequências apenas pessoais, todavia, se não for controlado, pode à longo prazo ter desdobramentos que prejudicarão a evolução da sociedade, nesse caso, a brasileira, como será possível obervar no decorrer do texto.

1.2 – Desenvolvimento

No Brasil a área jurídica é popularmente considerada como uma ferramenta de mobilidade social vertical positiva, ou seja, uma forma das pessoas ascenderem socialmente, principalmente em suas três principais carreiras: Advogado, Juiz de Direito e Promotor Público.

Nos últimos anos, com a facilitação da autorização por parte do Ministério da Educação (MEC) às Faculdades para ofertarem os cursos de direito, através de bacharelados de qualidade duvidosa, quem sabe até a banalização do curso, a formação de profissionais de alta qualidade foi posta em xeque.

É importante ressaltar que com essa ampliação da oferta acadêmica, cresceu assustadoramente a quantidade de bacharéis em direito, resultando na saturação do mercado, principalmente da advocacia.

Para se ter uma ideia do quanto esse mercado cresceu, podemos tomar como referência os números apresentados na XXII Conferência Nacional da OAB, que diz que o número de faculdades de Direito cresceu 778,18% (setecentos e setenta e oito virgula dezoito por cento) em 19 anos. Em 1995 eram 165 faculdades e em 2014 esse número já era de 1.284¹.

Com esse crescimento na oferta do curso de direito, o número de profissionais formados também disparou e junto com eles a concorrência tornou-se muito grande. Consequentemente, a disputa fez com que os profissionais da advocacia adotassem diversas táticas de captação de clientes para sobreviverem no mercado, e ao que parece, essas táticas não foram tão éticas, tendo em vista que a reputação da categoria não reflete positivamente em grande parte da população, que enxerga a profissão na maioria das vezes como um degrau para “o dinheiro”.

A imagem de que o advogado não usa comportamentos éticos é tão marcante que ficou imortalizada em uma frase de um dos personagens mais famosos do cinema de todos os tempos, Dom Corleone, do filme Poderoso Chefão, que diz: “Um advogado com uma pasta na mão pode roubar mais do que mil homens armados”.² Essa frase reflete bem o senso comum em relação ao comportamento de muitos advogados, que acabam manchando a profissão.

O código de ética da OAB em seu artigo 2º faz menção à importância da atuação de um advogado, o caracterizando como “indispensável” à Justiça e defensor do Estado Democrático de Direito.³

No parágrafo único do artigo supramencionado existe um rol de 13 incisos com instruções para nortear a atuação do advogado, que caso sejam seguidos, essa atuação poderá ser considerada como uma atuação “Ética”, que coloca a função social do advogado acima dos interesses pessoais.

Esse rol de deveres também possui a função de dirimir qualquer dúvida do profissional quando os interesses pessoais estiverem em conflito com a dignidade da função, devendo sempre esse segundo interesse prevalecer, sob pena de em casos de descumprimento, ser considerado inapto para o exercício da função.

Porém, o advogado, principalmente o jovem advogado, em sua carreira jurídica, sofre pressões sociais, especialmente da família, no sentido de ter que provar que é um bom profissional e que o investimento financeiro realizado não foi em vão.

No mercado capitalista, uma das melhores táticas para provar ser um profissional capacitado é com a ascensão material. Apesar da OAB vedar a prática da advocacia de forma mercantilista, a área jurídica não está livre dessas influências, pois o cliente brasileiro, ainda associa o bom advogado aos seus bens materiais e não ao conhecimento jurídico!

Esse conflito de valores cria um dilema crucial na vida de um advogado, é o momento em que ele deverá decidir qual caminho seguir. Escolherá um caminho ético, sem práticas mercantilistas, que tornará a caminhada mais dura ou cederá as pressões do sistema, praticando ações indignas apenas para ganhar mercado rápido?

O advogado se vê diante de um tipo de demanda que tem como características um cliente que só irá contratá-lo se conseguir enxergar nele um bom advogado e para isso ele deverá demonstrar poder através de bens materiais.

Mas como na maioria das vezes, no início da carreira o profissional ainda não possui muitos bens materiais que lhe dê uma imagem de bem sucedido (Escritório próprio, empregados, carros caros, entre outros), se vê tentado a prometer resultados para tentar captar o cliente e auferir mais renda.

Para o advogado, resolver esse dilema é muito importante, pois isso determinará que tipo de advogado atuará na sociedade.

E ai percebe-se a primeira infração ética do advogado que sucumbe ao sistema, tendo em vista que é vetada a promessa de resultados, pois a atividade é de meio. Assim preceitua a doutrina massificada, como podemos ver nas palavras da renomada escritora Maria Helena Diniz: “Terá essa mesma natureza a obrigação do advogado, a quem se confia o patrocínio de uma causa, uma vez que ele apenas oferecerá sua atividade, sua cultura e talento na defesa dela, sem poder, contudo, garantir a vitória da demanda, pois esse resultado dependerá de circunstâncias alheias à sua vontade”.

Nos ramos do Direito Penal essa prática é ainda mais corriqueira. Pois as pessoas que cometem crimes dificilmente irão querer contratar um advogado que se disponha apenas ao cumprimento da lei.

Esse tipo de cliente está disposto a pagar quantias altas de dinheiro, desde que o advogado lhe dê esperanças e até “certeza” de se livrar das consequências legais. Esse mercado é tentador para os advogados que estão iniciando a carreira e se sentem pressionados a dar resultados rápidos, e como já foi dito, um dos grandes medidores de sucesso na atual sociedade capitalista é a conquista e exposição de bens materiais.

Outro caminho sedutor para os advogados atuarem de forma antiética na captação de clientes e em busca de resultados rápidos é a oferta de serviços de baixa qualidade com um preço atrativo para o cliente, que não saberá que está contratando um serviço suspeito. Com isso, o advogado começa prezar a quantidade em prejuízo da qualidade do trabalho.

Como resultado prático dessa ação vemos centenas de processos com peças inconsistentes, direitos sendo perdidos pela defesa mal feita e principalmente clientes com a sensação de que o “barato’ na hora da contratação saiu muito “caro” no momento de receber a encomenda. E a partir desse momento começará a atacar a classe como um todo.

Geralmente, os advogados que cedem ao sistema mercantilista e renegam uma atuação com princípios e valores estão convictos de que não vale a pena ser ético, pois sozinhos não poderão fazer nada para mudar o sistema e caso não aceitem esse tipo de trabalho, outro profissional aceitará e o dinheiro que seria para ele irá para outro profissional.

O escritor inglês do século XIX, o romancista Charles Dickens, durante sua vida exprimiu o seguinte pensamento: “- Se não existissem más pessoas, não haveria bons advogados”.

Apesar de ser um pensamento antigo, percebe-se que essa é uma triste realidade que já afligia a sociedade há mais de cem anos atrás. Esse tipo de demanda que prefere advogados dispostos a extrapolarem os limites da ética já influência a conduta dos advogados há muito tempo, porém, atualmente com o capitalismo potencializado pela sociedade consumerista, bem como a grande oferta dos cursos de direito, esse tipo de profissional, voltado apenas para “ganhar dinheiro” está se multiplicando no mercado em uma velocidade alarmante.

Valores morais e éticos estão cada vez mais escassos. A mitigação da verdade pelos profissionais do direito em prol do benefício financeiro próprio vem resistindo ao dever de uma advocacia não mercantil. Uma atuação sofista está cada vez mais comum, pois o espírito das Leis estão sendo ignorados e manipulados ao bel prazer de cada profissional sem compromisso com a causa e principalmente com um ideal de Justiça .

O artigo 3º do Código de Ética da OAB deixa bem que o advogado deverá prezar pela dignidade da função.

Em ética a Nicômaco, Aristóteles já ressaltava a importância de se preferir o dever moral que preze pela verdade, temendo que a relativização da moral comprometesse o objetivo social em prol de objetivos pessoais, como podemos ver na frase: “Embora ambos [Platão e a verdade] nos sejam caros, o dever moral nos impõe preferir a verdade.”

O Código de Ética da OAB atualmente com 80 (oitenta) artigos tenta equilibrar o “dever ser” com “o ser” em uma sociedade conhecida como um povo que gosta de caminhar por atalhos, desviando o máximo possível dos caminhos ordinários.

Incutir a ideia em um profissional de que o direito é um instrumento de contribuição social, quando esse mesmo profissional lidará com uma sociedade que diz que o direito é um instrumento de “ascensão social” para aquele que o opera, é uma tarefa difícil. Que desafia até os melhores doutrinadores da área jurídica.

Portanto, são muitos os fatores sociais que pressionam os profissionais da área da advocacia a escolherem caminhos tortuosos em busca de encurtar o percurso para o sucesso profissional, porém, esses fatores devem ser combatidos veementemente para que se possa ter um estado democrático de direito mais justo e legítimo.

Conclusão

Apesar desses fatores sociais que pressionam o advogado a tomar atitudes antiéticas, é perfeitamente possível ele perseverar pelo caminho “estreito”, investindo seu tempo em capacitação e experiência, e principalmente tendo paciência para se consolidar no mercado enquanto seu nome é divulgado como um profissional diferenciado.

Esse caminho é mais longo, mas também é um caminho sólido que propiciará ao advogado no futuro em médio prazo auferir rendas tão lucrativas quanto às rendas atrativas de um caminho sem ética.

A frase no início do artigo de que é um mercado sem concorrência, apesar da grande quantidade de profissionais, está ligada ao denominador “tempo” que selecionará os melhores profissionais “qualitativamente” para permanecerem no mercado e criarem um legado.

Exercer o direito com ética não deve ser enxergado apenas como um dever, mas sim uma oportunidade que ele tem de ser mais do que apenas “mais um” no rebanho. É uma oportunidade de contribuir para o crescimento do prestígio e da importância da função para a sociedade democrática.

A frase do ator Charlie Chaplin “Não se mede o valor de um homem pelas suas roupas ou pelos bens que possui. O verdadeiro valor do homem está em seu caráter, em suas ideias e na nobreza dos seus ideais” pode servir de incentivo e mantra àqueles que pretendem percorrer o árduo caminho da profissão de advogado, pois como dizia o renomado jurista Sobral Pinto: “A advocacia não é profissão de covardes”.

O caminho ético da advocacia propiciará ao caminhante não apenas dinheiro, mas também prestígio e propriedade no falar. Escolher ser ético é uma decisão sábia que fará do profissional um instrumento da justiça em benefício da sociedade e perpetuará seu nome na contramão do senso popular de que “todo advogado é ladrão”.

Ser advogado apenas para obtenção de privilégios materiais individuais, ignorando todos os valores incutidos na profissão, é um exercício tão pobre da função que reduzirá esse homem a uma insignificância existencial, merecedor apenas do esquecimento. Portanto, mais do que possível, o melhor caminho para se trilhar na advocacia é observando os preceitos éticos e morais, que propiciará uma carreira longa, sólida e próspera em todos os sentidos.

 

Referências
– 2. O poderoso chefão – 1972.
– 3. Art. 2º O advogado, indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado Democrático de Direito, dos direitos humanos e garantias fundamentais, da cidadania, da moralidade, da Justiça e da paz social, cumprindo-lhe exercer o seu ministério em consonância com a sua elevada função pública e com os valores que lhe são inerentes.
– 4 Art. 3º O advogado deve ter consciência de que o Direito é um meio de mitigar as desigualdades para o encontro de soluções justas e que a lei é um instrumento para garantir a igualdade de todos.
– 5. DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1987. v. 2, p. 163-164.

Informações Sobre o Autor

Marcos Antonio Alves da Silva

Advogado, graduando em filosofia


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