Aspectos positivos e negativos do jus postulandi na viabilização do acesso efetivo à Justiça do Trabalho

Resumo: É amplamente sabido, no meio jurídico, que o jus postulandi – consistente na faculdade de postular interesses em juízo por conta própria, sem a assistência de advogados – pode ser exercido – dentro de certos limites – no âmbito do judiciário trabalhista, bem como em determinados órgãos peculiares do Poder Judiciário, tendo sido criado no intuito de facilitar aos cidadãos a apreciação de suas demandas pelos órgãos da Justiça. Em decorrência de tal possibilidade, tal instituto suscita grandes polêmicas e calorosos debates a seu respeito.  Diante das contrariedades envoltas na temática ora em apreço, bem como da relevância de seu estudo, mormente no tocante ao seu desenredo, é que o presente trabalho se presta, pois, a analisar os aspectos favoráveis e contrários ao jus postulandi no contexto atual do ordenamento jurídico trabalhista pátrio. Assim, com vistas à mensuração de seu potencial efetivador na facilitação do acesso à Justiça do Trabalho, é feita a ponderação dos pontos positivos e negativos de sua adoção e manutenção, analisando-se, por um lado, as vantagens do uso de tal faculdade conferida aos empregados e empregadores, e, noutro viés, a importância e o relevo detido pelos profissionais da advocacia no transcurso de um processo trabalhista. [1]

Palavras-chave: Jus postulandi. Aspectos positivos. Aspectos negativos. Efetividade. Justiça do Trabalho.

Abstract: It is widely known, in the legal environment, that the jus postulandi – consistent in faculty to postulate interests in court on their own, without the assistance of lawyers – may be exercised – within certain limits – within the brazilian Labor Court, as well as in certain peculiar organs of the Judiciary, having been created in order to facilitate citizens the assessment of their legal demands of justice. Because of such possibility, this institute raises serious controversy and heated debates about it. In the face of setbacks wrapped in the theme under consideration as well as the relevance of its study, especially in relation to its denouement, is that the present work lends itself therefore to analyze the favorable aspects and contrary to jus postulandi in the current context of brazilian spatial legal labor. Thus, with a view to measuring its actual potential in facilitating access to the Labor Court, is made the balance of positives and negatives of adopting and maintaining it, analyzing, on the one hand, the advantages of using such faculty granted to employees and employers, and, in another vein, the importance and relevance held by lawyers in the course of a labor lawsuit.

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Keywords: Jus postulandi. Positive aspects. Negative aspects. Effectiveness. Labor Court.

Sumário: Introdução. 1. Dos fatos e fatores que evidenciam a efetividade do jus postulandi na promoção do acesso ao judiciário trabalhista. 2. Dos fatos e fatores que refutam a efetividade do jus postulandi na promoção do acesso ao judiciário trabalhista. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Sem dúvidas, o acesso à justiça, mais do que um obrigação estatal, consiste em inarredável direito universal dos cidadãos, para o qual todas as constituições democráticas hão de convergir no sentido de sua garantia e viabilização prática, ao passo que os Estados hão de fazê-lo no sentido de promovê-lo e facilitá-lo.

Todavia, quando de tanto, comumente, observa-se que tal diligência é feita de forma conjugada com a avocação, em caráter exclusivo, do poder jurisdicional, ou melhor, do poder de resolver os conflitos de interesses, intrínsecos à vida em sociedade, e que, desta sorte – conforme explicado em momento anterior –, acarreta a condensação, em sua figura, da competência para o desenlace dos litígios sociais, bem como a vedação de práticas autotutelatórias em geral.

Como resultado, o Estado, ao assim proceder, acaba por reconhecer a todos os interessados na prestação jurisdicional o direito de suscitá-la, quer de forma preventiva, quer repressiva, incumbindo-se, ao mesmo tempo, do dever de propiciar-lhes a possibilidade de reivindicá-la perante a si.

De tal modo, assume vultosa responsabilidade, a qual ocasiona implicações que tornam o seu desempenho deveras intrincado, gerando graves problemas práticos, os quais, por seu turno, uma vez não solucionados da maneira adequada – o que envolve, principalmente, celeridade e eficiência –, põem em xeque a eficácia do próprio sistema.

Logo, concluindo-se que a facilitação do acesso à justiça é medida que depreca imediatismo e simplicidade – o que se acentua no judiciário trabalhista brasileiro, no qual inexiste atuação de defensoria pública especializada –, é imprescindível aos entes estatais disponibilizar aos seus governados uma ordem jurídica eficiente, dotada de instituições, mecanismos e procedimentos aptos a tornar viável, em caráter satisfatório, universal e irrestrito, mais do que a tutela, a concretização dos anseios judiciais da coletividade.

Tudo isso para que a garantia de acesso ao Judiciário seja, de fato, efetiva: eis aí o nó górdio da questão, o qual o jus postulandi – cuja razão de ser está na simplificação que, em tese, é capaz de proporcionar a tal acesso –, pretensamente, tenciona desatar. Partindo-se para uma salutar e conveniente análise semântica, segundo leciona o dicionário virtual Aulete (2012, online), tem-se que o verbete “efetividade” comporta quatro significados:

“1. Qualidade ou estado do que é efetivo; estado ativo de fato (efetividade profissional) 2. Capacidade de produzir um efeito real (efetividade mecânica) 3. Resultado ou efeito verdadeiro; realidade, existência 4. Capacidade ou possibilidade de ser us. para um objetivo” (efetividade dos recursos).

No presente trabalho, ressalte-se, por oportuno, que todas as quatro acepções do termo são levadas em conta quando de seu emprego. Afinal, quando aqui se fala em efetividade do jus postulandi, refere-se, ao mesmo tempo, à qualidade deste instrumento de ser efetivo, ou seja, de produzir efeitos reais e originar resultados verdadeiros, e à sua utilidade para a consecução de um objetivo, que é, como asseverado, o fomento à acessibilidade do judiciário do trabalho.

1 DOS FATOS E FATORES QUE EVIDENCIAM A EFETIVIDADE DO JUS POSTULANDI NA PROMOÇÃO DO ACESSO AO JUDICIÁRIO TRABALHISTA

A Justiça do Trabalho possui particularidades devidas, em essência, por conta do tipo particular de relação jurídica ocorrente em sua seara: a relação trabalhista. Afinal, esta, quando enseja a ocorrência de uma demanda judicial, tem o condão de acarretar consequências que diferem acentuadamente dos demais embates nas outras subdivisões da Justiça, fato por força do qual dispõe de ritos e procedimentos que lhe são intrínsecos e priorizam sobremaneira a simplicidade, a celeridade e a economia processual.

Aliás, pertinente argumentar que a busca pela elaboração de um trâmite processual mais simplificado, célere e econômico em detrimento de grandes formalidades consiste em visível tendência universal, que se reverte em modernidade. E, nesse contexto, o jus postulandi desponta como um instrumento que espelha com assaz nitidez referido intento, consistindo em legítimo exemplo concreto de instrumento democrático posto à disposição dos cidadãos, com potencial para desempenhar proeminente papel em uma ordem legal.

Lembre-se, em acréscimo, a circunstância de que, no âmbito da supracitada justiça especializada, é frequente figurar no polo ativo das lides trabalhadores carecidos da remuneração pela qual demandam para sua subsistência. Em razão disso, pressupõe-se que os importes que lhes forem devidos pelos empregadores devem ser restituídos o quanto antes. Isto porque os obreiros necessitam de tais quantias com premência e não podem ser apenados com a prestação em vão de sua força de trabalho em benefício de quem dela se valeu – sob o risco de promoção do locupletamento ilícito, terminantemente defeso no ordenamento nacional.

Nessa linha de raciocínio, cientes de tais fatos, os defensores da aplicação do jus postulandi junto aos órgãos da Justiça Laboral alegam que o processo trabalhista precisa ter sua identidade seja resguardada e suas peculiaridades distintivas, mantidas, porquanto a razão por excelência que as fundamentam não é outra senão a preservação dos direitos de toda uma massiva parcela da coletividade.

Portanto, com supedâneo neste entendimento, o jus postulandi figura com um instrumento fruto dessas particularidades tão necessárias à Justiça Obreira, voltado a facilitar e tornar menos dispendiosa a defesa em juízo dos direitos advindos das relações de trabalho, assim como a garantir o acesso à justiça de modo menos burocrático.

Vale o registro de que, para os partidários dessa linha de pensamento, houve um descomedimento do legislador à época da elaboração do artigo 1º, inciso I, do Estatuto da Advocacia, em razão do fato de que este dispositivo – ao estatuir como privativa aos advogados a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário – terminou fustigando o bom funcionamento dos juizados de pequenas causas, cujo amplo êxito angariou vultosa adesão doutrinária, e mesmo dos próprios jurisdicionados, receosos de uma vindoura lesão em potencial aos seus direitos – consistente na ameaça latente à sua prerrogativa de discutir e ter suas deprecações apreciadas e resolvidas nas instâncias judiciais.

A razão se encontra no fato de que a aplicação de tal norma, caso implementada nos moldes ansiados por seus idealizadores, originaria expressivos prejuízos àqueles que não dispusessem de recursos financeiros suficientes para arcar com a assistência de defensor especializado. E uma vez mantida, decerto ensejaria um segregador processo de elitização da justiça, a qual se desproveria, então, do condão de atender a esse segmento da sociedade despojado de condições econômicas para a tutela de seus direitos, lesados ou ameaçados.

Ainda na visão dos que acastelam o jus postulandi como promotor de efetivo acesso judicial, o mesmo argumento é perfeitamente aplicável à Justiça do Trabalho, pois nesta, igualmente, há a sua aplicação e exercício. Corroborando com esta corrente, Cléber Lúcio de Almeida (2006, p. 311 – 312) pronuncia-se fundamentando sua posição a partir do principal dispositivo da legislação infraconstitucional que o fundamenta – qual seja, o art. 791 da CLT:

“A recepção do art. 791 da CLT pela Constituição Federal de 1988 chegou a ser colocada em dúvida, uma vez que a Carta Magna, no art. 133, considerou o advogado essencial à administração da justiça. O argumento de extinção do jus postulandi na Justiça do Trabalho foi reforçado pela Lei nº 8.906/94, que, em seu art. 1º, dispõe ser privativo de advogado a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário. No entanto, no julgamento do HC67.390-2, o STF afirmou que a Constituição Federal não retirou o fundamento de validade das normas especiais que autorizam a prática de atos processuais pelas partes perante a Justiça do Trabalho. Subsiste, então, o jus postulandi ou capacidade postulatória perante os órgãos da Justiça do Trabalho, como forma de facilitar e tornar menos dispendiosa a defesa em juízo dos direitos decorrentes da relação de trabalho”.

Em igual direção, Antônio Alvares da Silva (1994, online) vai além e inclusive ousa emitir a asserção de que o acesso pessoal à justiça integra a cultura jurídica contemporânea – o que revela uma tendência moderna – e, uma vez afastado, implica em violação expressa à Constituição Federal:

“O acesso pessoal aos órgãos judiciários trabalhistas é uma constante do direito comparado e faz parte da cultura jurídica contemporânea. Afastar do trabalhador esta garantia é diminuir-lhe a capacidade de reivindicação e, em muitos casos, impedir-lhe o acesso ao Judiciário, com expressa violação do artigo 5º, item XXXV da Constituição Federal.”

Assim, colige-se do que foi argumentado que a sustentação da mantença do instituto em pauta no processo do trabalho e de sua relevância para os jurisdicionados hipossuficientes é, nesta ótica, uma eficiente maneira de se preservar o princípio basilar e garantia fundamental insculpida na Carta Maior de 1988 do acesso ao Judiciário, tão imprescindível aos Estados democráticos de Direito.

Em termos mais elementares, para os doutrinadores que coadunam com o posicionamento antemencionado, o jus postulandi deve – e precisa – permanecer no ordenamento jurídico, uma vez que encontra guarida e fundamentação constitucional e infraconstitucional e garante ao cidadão o acesso mais simplificado ao órgão do Judiciário, além de ser uma tendência na modernidade.

Rememore-se, ainda, como adendo, que a atribuição às partes da prerrogativa de constituir defensor que as represente na Justiça do Trabalho, quando na instância ordinária, trata-se de mera faculdade. Em contrapartida, na Justiça Comum, a mesma competência configura-se como obrigação, pelo que é possível depreender da sistemática do Diploma Processual Civil, que, no seu art. 36, assim dispõe: "a parte será representada em Juízo por advogado legalmente habilitado. Ser-lhe-á lícito, no entanto, postular em causa própria, quando tiver habilitação legal ou, não a tendo, no caso de falta de advogado no lugar ou recusa ou impedimento dos que houver".

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Neste prisma, resta evidente a divergência do Processo Trabalhista em relação ao Processo Civil, dado que, neste último, a constituição de advogado é imperiosa, pois, em seus domínios – ressalvadas situações muitos pontuais, a exemplo do que ocorre nos Juizados Especiais –, apenas este profissional do direito detém a chamada capacidade postulatória – que é a qualidade ou atributo necessário para se pleitear determinado direito perante a justiça, ou, em definição mais simplificada, a capacidade conferida a alguém para postular – é dizer, agir em juízo – em defesa de um interesse.

Mencione-se, por conveniência da ocasião, que é por conta da facultatividade da representação judicial por advogado no processo trabalhista que desponta um dos mais fortes argumentos dos paladinos da capacidade postulatória da própria parte: a desnecessidade do pagamento de honorários advocatícios à parte vitoriosa quando da sucumbência – salvo nos casos em conformidade com as leis específicas que disciplinam a matéria (Lei nº 1.060/50 e Lei nº 5.584/1970) e desde que perfeitamente enquadradas nas situações da súmula 219 do Tribunal Superior do Trabalho.

Por outro lado, caso o reclamante ajuíze reclamação trabalhista valendo-se da assistência de advogado, na hipótese de vitória na demanda processual em que figura como parte, terá que subtrair da quantia que lhe cabe significativa importância, para fins de pagamento dos honorários de seu causídico – a depender do que houver sido estipulado a esse respeito – ocasião da qual, nesse particular, pode-se dizer que o trabalhador sairá duplamente prejudicado: primeiro, pelo malogro na obtenção em plenitude da soma a que faz jus; segundo, pelo recebimento somente depois de transcorrido desgastante – e provavelmente moroso – processo judicial, o que é manifestamente injusto.

Com efeito, não se pode olvidar ainda que, não raro, há trabalhadores que almejam pleitear direitos trabalhistas, porém não dispõem de recursos financeiros suficientes para a contratação de um advogado para o deslinde de sua demanda. Por outro viés, quando o tem, deparam-se com sérias dificuldades na obtenção de amparo judicial por não encontrarem profissionais que aceitem o patrocínio por eles ofertado diante da pequenez do valor do crédito que buscam, já que este influencia diretamente no percentual da verba honorária a ser auferida.

Ainda segundo sua corrente defensora, sendo o jus postulandi um instrumento que, na sua concepção teórica, busca facilitar o acesso do empregado hipossuficiente à justiça, deve ele, destarte, ser apreendido como uma ferramenta promissora, desburocratizante e assaz avançada, enquanto proposta crível de simplificação da entrada no judiciário trabalhista – que tanto prima por esta característica.

No entanto, ainda que este argumento seja admitido como válido, ou, ao menos, minimamente plausível, dado o contexto fático em que ocorrem as relações jurídicas empregatícias, é de se convir que, em seu desfavor, pesa a plausível teorização de que a realidade fática pode se dar de modo bem diferente, com fulcro na premissa de que os trabalhadores em geral, em sua imensa maioria, não possuem formação especializada que lhes possibilite a postulação dos próprios direitos perante as varas e tribunais regionais do trabalho com significativas chances de sucesso.

Importante também que seja feita a lembrança de que, com a finalidade de melhor operacionalizar o jus postulandi nas reclamações feitas de modo verbal, Fóruns e Tribunais Regionais do Trabalho organizaram e instituíram setores – comumente referidos como “setores de atermação” – para onde os reclamantes interessados em demandar nestes órgãos devem se dirigir e expor as razões motivadoras de sua pretensão judicial, a qual, por sua vez, é transformada em termo circunstanciado, que funcionará como legítima exordial.

Valendo-se de dados estatísticos e experiências práticas, pertinente se mostra o exemplo do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região, no Mato Grosso do Sul, carreado por Silvio Henrique Lemos (ano 13, n. 1996, 18 dez. 2008, online):

“No âmbito do TRT da 24ª Região/MS, mormente na capital sul-mato-grossense, o mencionado setor de atermação funciona no Fórum Trabalhista Ramez Tebet e conta com servidores da carreira de analista judiciário, graduados em Direito, com qualificação técnica apta a prestar orientação jurídica e elaborar petição inicial de reclamação trabalhista, se este for o caso. Quando o jurisdicionado busca os serviços prestados pelo setor de atermação, é orientado, de pronto, sobre as vantagens de contar com o patrocínio de um profissional da advocacia para sua causa. Após análise dos fatos realizada pelos servidores, caso o objeto da reclamação consista em uma demanda de natureza simples, quase sempre de rito sumaríssimo, como, por exemplo, pleito de apenas verbas rescisórias, se a parte optar por ter sua reclamação reduzida a termo, este é lavrado. Já as causas em que se vislumbra maior complexidade no que tange à matéria da reclamatória, como, por exemplo, quando há necessidade de produção de prova pericial ou defesa de teses mais elaboradas, recomenda-se o ajuizamento por intermédio de advogado. Como sugestão, o jurisdicionado é informado da existência de um plantão de profissionais da advocacia, coordenado pela Associação dos Advogados Trabalhistas de Mato Grosso do Sul, com funcionamento na sala destinada à OAB, no prédio do foro.

Vale dizer que, além de reduzir a termo as reclamações dos jurisdicionados optantes pelo Jus Postulandi, o setor de atermação do foro trabalhista de Campo Grande presta serviço de orientação jurídica, no tocante à legislação trabalhista, atividade de cunho social bastante significativa, visto que predomina a falta de informação e o desconhecimento do tema pela grande massa da população. Os números demonstram a relevância do serviço: De acordo com relatório estatístico de pessoas atendidas e reclamações atermadas em 2007, levando-se em conta que houve 230 dias de expediente no ano, o setor de atermação do fórum da capital prestou 5.777 atendimentos, com média mensal de 770. No mesmo período, foram atermadas 288 reclamações trabalhistas, com média de 38,4 reclamatórias ajuizadas por mês”[2].

De todo modo, convenha-se que, no processo de atermação de reclamações verbais, há grande dependência da interpretação dos funcionários lotados nos setores destinados a este fim na Justiça Obreira; todavia, consoante determinados doutrinadores, não há o que se temer, haja vista que estes desenvolvem seu trabalho com bastante competência e eficácia, como é possível observar nas palavras, mais uma vez oportunas e adiante transcritas, de Antônio Álvares da Silva (2007, p. 42 – 43), proferidas noutro trabalho, no qual delineia um perfil do papel estatal no atendimento à partes quando em suas demandas judiciais:

“A reclamação pessoal minora esta situação. O Estado promete o acesso e dá os meios através de servidores treinados e competentes para realizá-los. Se a parte, voluntariamente, quiser advogado, ninguém pode impedi-la de contratá-lo. Mas se preferir ingressar diretamente no Judiciário, também esta opção deve ser respeitada pelo ordenamento jurídico. Sempre achei pessoalmente que o acesso direto e o serviço de atermação deveriam existir, não só na Justiça do Trabalho, mas em todos os ramos do Judiciário. Se um cidadão bate às portas da Justiça Comum e alega rescisão de um contrato, prejuízo por ato ilícito e a guarda de um filho, é obrigação do Estado atendê-lo, caso não opte pela contratação de advogado nem procure a Defensoria Pública. O costumeiro argumento de que o processo é complexo e, por isso, não é acessível aos não especialistas é ilógico e insustentável. Se é verdade a afirmativa, então o que devemos fazer é simplificar o processo e não transferir o ônus de sua complexidade para as partes, prejudicando 80 milhões de pessoas.

A chamada “complexidade processual” é aparente. Por existirem procedimentos em excesso – vistas, recursos, manifestações, prazos e a presunção de que, não havendo pronunciamento, há concordância com o que lhe foi indagado – muitos afirmam que é impossível à parte conduzir sozinha o processo. Ora, tais aparentes dificuldades podem ser supridas com presunções iguais e em sentido contrário pelo legislador, quando não houver advogado. Basta que se cumpra a justa e correta proatividade do juiz permitida no art. 765, que tem o poder de conduzir o processo e velar por seu rápido andamento, determinando, quando a parte pessoalmente não o fizer, todas as providências necessárias ao esclarecimento dos fatos.”

Nesse fragmento, Silva aduz com cristalina clareza que o Estado põe à disposição dos seus jurisdicionados todo o arcabouço jurídico que o seu adequado atendimento requer; porém, salienta que, na hipótese de o cidadão desejar contar com os serviços de defensor especializado, ele terá tal liberdade.

 Ademais, perfilha, outrossim, o entendimento de que os processos, devido à abundância de atos no rito trabalhista, são intrincados, porém sua complexidade é meramente superficial, ao passo que, no desígnio de agilizá-los, recomenda a redução dos procedimentos de forma conjunta com a cobrança da proatividade dos magistrados, de modo a prover o processo de agilidade.

Por outro ângulo, tal ponto de vista de Silva, tão otimista acerca da atuação estatal, não é compartilhado por Sílvio Henrique Lemos (2008, p. 1, online), o qual, muito embora seja favorável ao instituto do jus postulandi, conforme deixa claro na seguinte declaração, tem uma percepção bastante negativa dos serviços do Estado, ao passo que se pronuncia com incredulidade no que diz respeito ao patrocínio de causas de pequena monta. Eis suas profundas palavras:

“O calvário do obreiro que necessita bater às portas da Justiça Laboral não termina por aí. Se não bastasse a injustiça de ter de abrir mão de percentual de seus direitos para contratar um advogado, em razão da omissão do Poder Executivo Federal, que descumpre a Constituição do país ao não estruturar a Defensoria Pública na Justiça do Trabalho, em algumas ocasiões, ainda é surpreendido com a recusa de certos profissionais da advocacia em patrocinar a sua causa. Isso ocorre pelo simples fato de o objeto da demanda, nestes casos, tratar-se de crédito de pequeno valor, o que, por conseqüência, resultará num percentual também considerado baixo a título de honorários, visto que é o valor da causa base de cálculo para a verba do profissional.”

Daí, sobressalta a relevância da existência de uma defensoria pública com atuação especializada na Justiça do Trabalho, a qual – como já mencionado alhures, e em mais de uma ocasião – espantosamente, inexiste no Brasil. Até porque, "[…]a distribuição da justiça é uma das atividades essenciais do Estado e, como tal, da mesma forma que a segurança e a paz pública, não deveria trazer ônus econômico àqueles que dela necessitam", como bem articula Vicente Greco Filho (1994, p.45).

Como aditivo, ressalta-se que a assistência jurídica integral e gratuita, assegurada no diploma constitucional a todos que comprovem insuficiência de recursos (vide art. 5º, LXXIV), deve ser compreendida amplamente, na medida em que alberga o auxílio extrajudicial, a consultoria e mesmo a própria assistência judiciária, serviços os quais são ou pelo menos deveriam ser prestados a todos os que deles necessitassem, principalmente pela Defensoria Pública (vide art. 5º, LXXIV, c/c 134 da CF).

Em outras palavras: viabilizar assistência jurídica universal não se trata de mera faculdade do Estado, mas, sim, de obrigação inafastável deste ente, como meio satisfatório de preceito constitucional. Entretanto, a omissão persiste, inobstante haja previsão expressa autorizadora da atuação da Defensoria Pública da União perante o Poder Judiciário Trabalhista, reconhecida, inclusive, em sua lei orgânica: a Lei Complementar nº 80/94, por cujo art. 14, “a Defensoria Pública da União atuará nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, junto às Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar, Tribunais Superiores e instâncias administrativas da União” (grifo nosso).

Em termos práticos, tal atuação inexiste. Tamanha omissão, mais do que reprochável, é inadmissível, pois é justamente neste segmento do Judiciário que se deveria priorizar a criação de uma Defensoria Pública atuante, mormente por conta do fato de na Justiça Laboral serem submetidos a julgo com frequência créditos de natureza alimentar, decorrentes da força de trabalho despendida pelos trabalhadores – em regra, hipossuficientes –, mas que ainda se encontram sem contraprestação da parte do empregador.

Mais: trata-se de falha omissiva configuradora de patente desobediência à legislação vigente e à Carta da República, pois, ao assim permanecer, clara e inequívoca afronta que o Estado nacional faz aos seus próprios objetivos, segundo o previsto nos incisos do art. 3º da Lei Maior:

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II – garantir o desenvolvimento nacional;

III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.”

Por fim, vale a colheita de trecho da obra de Alves e Pimenta (2004, p. 29), que ilustra com assaz proficiência a realidade da instituição em comento, fazendo pertinentes destaques para possíveis medidas resolutivas da problemática em apreço através de contundente crítica de cunho político:

“As importantes medidas que vêm sendo tomadas ultimamente, especialmente no Brasil – onde é possível acompanhar mais de perto este processo – com vias à reformulação do Judiciário, com a criação dos Juizados Especiais (para causas de menor complexidade), de simplificação e reforma das leis processuais e de democratização da justiça, não serão nem suficientes nem adequadas para viabilizar a efetiva aproximação das classes sociais mais pobres à justiça, enquanto o Poder Executivo e o Poder Legislativo não compreenderem a necessidade urgente de dotar a Defensoria Pública de condições materiais e humanas e instrumentos adequados para que possa cumprir sua missão constitucional de viabilizar o acesso à justiça àqueles desprovidos de recursos econômicos, que são efetivamente a maioria do povo brasileiro. É realmente incrível como o Brasil pode alcançar um avançado estágio em termos de sofisticação da legislação processual civil, considerada das mais modernas do mundo […] sem que a intervenção estatal para garantir a eficácia na assistência judiciária tivesse sido plenamente cumprida”.

A bem da verdade, é de se admitir que a crítica exposta em nada discrepa em relação aos demais serviços de prestação devida pelo Estado. Até porque, desde há muito se constata que este, corriqueiramente – em afronta à sua própria Lei Maior e mesmo aos seus objetivos enquanto democracia –, age como um contumaz e infiel descumpridor dos deveres que lhe competem – nomeadamente, quanto à saúde, à educação, à segurança pública etc – todos, garantias fundamentais conferidas aos seus governados, fato que é notório e de repercussão habitual nos meios midiáticos.

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2 DOS FATOS E FATORES QUE REFUTAM A EFETIVIDADE DO JUS POSTULANDI NA PROMOÇÃO DO ACESSO AO JUDICIÁRIO TRABALHISTA

Como já evidenciado, mas nunca sendo demais repisar a matéria, no ordenamento jurídico brasileiro, por força de previsão normativa da Consolidação das Leis do Trabalho, recepcionado pela Carta Magna de 1988, segundo decisão do Supremo Tribunal Federal proferida na Ação Declaratória de Inconstitucionalidade 1.127-8, o instituto do jus postulandi remanesce na Justiça do Trabalho, tendo sido cada vez mais reconhecido como tendência moderna e direito dos cidadãos.

Sob a égide desta intelecção, a par da interpretação emanada da Suprema Corte, proclamando a possibilidade real de litigância leiga, os combatentes do instituto em liça verificam e asseveram com convicção que ele, apesar de viável no plano teórico, é absolutamente inviável no plano prático. Além disso, incontáveis são as demonstrações no seio da hodierna sociedade brasileira que revelam evidências da necessidade – e, mais do que isso, da imprescindibilidade – da participação de profissionais da advocacia a fim de disponibilizar aos cidadãos o efetivo acesso ao Judiciário.

Nesse sentido, cabe frisar que os dispositivos que dão fundamento ao jus postulandi no Texto Consolidado são os mesmos desde sua promulgação, em 1943 – época na qual as leis não eram tão esparsas e abundantes como na atualidade; as relações de trabalho, bem mais simples; o trabalho, predominantemente agrícola; e a Justiça do Trabalho, mera instância julgadora administrativa, que sequer compunha os quadros do Poder Judiciário. Logo, dadas tais circunstâncias, nada arrazoado propagar como admissível a postulação pessoal de leigos.

Contudo, no considerável lapso temporal transcorrido desde esse período até os dias atuais, por óbvio, incontáveis mudanças fáticas e práticas ocorreram, e, consectariamente, legislativas, já que a sociedade está inelutavelmente sujeita a um constante processo de evolução – a qual o Direito segue de perto, com vistas à sua adaptação às realidades sociais noveis e no intuito de obstar eventuais desajustamentos entre estas e o ordenamento jurídico, conformador das condutas da coletividade.

Válida é a menção do fato de que, desde então, as posições do Superior do Trabalho em matéria trabalhista têm sido atualizadas apenas através de súmulas e orientações jurisprudenciais. Enfatizando a dinâmica característica do Direito Obreiro e a necessidade de assessoria advocatícia, Francisco Antônio de Oliveira (1999, p. 189) arrosta lucidamente a capacidade postulatória das partes, atestando seu caráter pernicioso:

“A capacidade postulatória das partes na Justiça do Trabalho é ranço pernicioso originário da fase administrativa e que ainda hoje persiste em total discrepância com a realidade atual. O Direito do Trabalho constitui hoje, seguramente, um dos mais, senão o mais, dinâmico dentro do ramo do Direito e a presença do advogado especializado se faz necessária.”

Assim, para seus repressores, denota-se que as relações de trabalho modernas sofreram mudanças drásticas desde o advento da CLT e, sobremaneira, após a Constituição de 1988. Com isso, os processos complexaram-se e tecnicizaram-se acentuadamente, inviabilizando, desta maneira, a defesa pessoal leiga, ao passo que a necessidade da presença de advogado para a obtenção da justiça dilatou-se ao ponto da imprescindibilidade. É como Dayse Coelho de Almeida (2004, online) aclara:

“O legislador da CLT e até mesmo Getúlio Vargas nunca imaginaram que a Justiça do Trabalho chegaria à complexidade e ao volume de processos que hoje encontramos, e como alguns historiadores críticos apontam o próprio Getúlio teria concebido a Justiça do Trabalho para não funcionar, seria uma espécie de jogo meramente populista. E de certa forma deu certo, porque se do lado normativo o trabalhador encontra-se de todas as formas possíveis e imagináveis protegido, do lado processual foi abatido pelas pernas, impossibilitado de caminhar”.

Ainda no tocante às modificações acontecidas na seara dos relacionamentos trabalhistas, acarretadoras da complicação das questões que lhes são relativas, Rocha (v. 10, n. 2, jul./dez., 2007, online) sustenta o caráter temerário da atribuição de capacidade postulatória a leigos:

“Atualmente, com este emaranhado de leis que os parlamentares brasileiros compuseram, com a sofisticação dos recursos tecnológicos que trouxeram avanços enormes à jurisdição, com o aumento da complexidade das relações entre o capital e o trabalho, sem contar outras tantas mudanças por que passou e passa o Brasil e o mundo, pode-se dizer que a atribuição de capacidade postulatória ao leigo não é de todo obsoleta, sem dúvida alguma, grandemente temerária”.

Por conseguinte, para os repressores da postulação pessoal em juízo, um novo pensar a respeito do acesso à justiça surgiu – e se amplia – desde a reformulação da mencionada Ordem Constitucional abrolhada com a promulgação da Carta da República de 1988. Desde então, raiou um novo entendimento para se concebê-lo: universal, irrestrito, igualitário e produtor de resultados individuais e socialmente justos.

Desta feita, por esta ideologia, restam superadas por completo as razões justificativas da manutenção do já obsoleto jus postulandi no ordenamento jurídico, assim como, sobretudo, as fundamentadoras da hipotética facilitação por ele promovível, diante da premissa de conferir efetividade a tal acesso. Por todos, é exatamente como registra Benedito Calheiros Bonfim (2009, p. 17):

“Diante dessas transformações não mais se pode prescindir da assistência de advogado na Justiça do Trabalho, e a manutenção do jus postulandi, que visava a proteger as partes, notadamente o trabalhador, tornou-se inútil e prejudicial aos interesses deste, incapaz de compreender e, muito menos, se mover dentro desse intrincado sistema judicial e processual. Não mais é possível que operadores jurídicos, em sã consciência, ou de boa fé, continuem a defender a dispensabilidade do advogado na Justiça do Trabalho. Só algumas poucas capitais (entre elas, Belo Horizonte e Belém) mantêm o sistema permissivo de reclamação pelos próprios postulantes, e somente no longínquo interior a elas comparecem, muitas vezes, desassistidos de advogado. Na prática, pois, a autorrepresentação das partes, em nossos dias, não passa de uma falácia”.

Na abordagem encetada por Bomfim, fica claro que o autor, debruçando-se sobre a relevância da assistência prestada por causídicos, busca demonstrar que o jus postulandi é prejudicial ao empregado, incapaz que é de assimilar o enredado sistema judicial e processual, porquanto sua leiguice. E a Bonfim se alinham todos os que a combatem, como Cappelletti e Garth (1988, p. 22-24):

“A “capacidade jurídica” pessoal, se se relaciona com as vantagens de recursos financeiros e diferenças de educação, meio e status social, é um conceito muito mais rico, e de crucial importância na determinação da acessibilidade da justiça. Ele enfoca as inúmeras barreiras que precisam ser pessoalmente superadas, antes que um direito possa ser efetivamente reivindicado através de nosso aparelho judiciário. Muitas (senão a maior parte) das pessoas comuns não podem – ou, ao menos, não conseguem – superar essas barreiras na maioria dos tipos de processos. Num primeiro nível está a questão de reconhecer a existência de um direito juridicamente exigível. Essa barreira fundamental é especialmente séria para os despossuídos, mas não afeta apenas os pobres. Ela diz respeito a toda a população em muitos tipos de conflitos que envolvem direitos. […] Ademais, as pessoas têm limitados conhecimentos a respeito da maneira de ajuizar uma demanda. […] Mesmo aqueles que sabem como encontrar aconselhamento jurídico qualificado podem não buscá-lo. […] Além de uma declarada falta de confiança nos advogados, especialmente comum nas classes menos favorecidas, existem outras razões por que os litígios formais são considerados pouco atraentes. Procedimentos complicados, formalismo, ambientes que intimidam, figuras tidas como opressoras, fazem com que o litigante se sinta perdido.”

Ora, é certo que o Direito do Trabalho desempenha o papel de baldrame no contexto de uma sociedade democrática em estabilidade. Em verdade, este ramo jurídico especializado, através da preservação da dignidade humana e social de empregadores e trabalhadores, busca, como seu intento maior, promover a justiça social, a exemplo dos demais segmentos do Direito.

No entanto, o Direito Processual do Trabalho, que disciplina a entrega da prestação jurisdicional e, dessa forma, a solução dos conflitos de interesses que ocorrem naquele sub-ramo, subordina-se aos princípios e aos postulados medulares de toda a ciência jurídica, além de outros que lhe são peculiares; todos os quais, sem leviandades, fogem à compreensão dos leigos.

Em prol da verdade, confesse-se que o processo, em si, com seus ritos e meandros, agrega um conjunto de emaranhados atos sucessivos, dispostos conforme a regência de um sistema complexo, e de modo tal que enseja dificuldades até mesmo aos estudiosos e profissionais da ciência jurídica.

É de se indagar, então, como poderia uma pessoa leiga poder agir com segurança e desenvoltura diante de questões processuais, altamente técnicas e complexas, enquanto sujeito desprovido de qualificação para lidar com elas – e, pois, de meios para garantir a efetividade da própria prestação jurisdicional. Nessa esteira, Francisco Antônio de Oliveira (2005, p. 667) corrobora:

“Exigir-se de leigos que penetrem nos meandros do processo, que peticionem, que narrem os fatos sem transformar a lide em um desabafo pessoal, que cumpram prazos, que recorram corretamente, são exigências que não mais se coadunam com a complexidade processual, na qual o próprio especialista, por vezes, tem dúvidas quanto à medida cabível em determinadas situações. E é esse mesmo leigo que, em tese, é permitido formular perguntas em audiência, fazer sustentação oral de seus recursos perante os tribunais. Na prática, felizmente, a ausência do advogado constitui exceção e ao leigo não se permite fazer perguntas em audiência, mesmo porque sequer saberia o que perguntar.”

Cumpre alertar que tamanho tecnicismo legal não é necessariamente algo a ser condenado em absoluto. Na verdade, há inclusive vozes doutrinárias autorizadas que paladinam em seu favor, como é o caso de Amauri Mascaro Nascimento (2001, p. 338), para quem “[…] as formas processuais servem para simplificar e acelerar o funcionamento da justiça, como a técnica jurídica serve para facilitar, com o uso de uma terminologia de significado rigorosamente exato, a aplicação das leis aos casos concretos”.

Desse modo, vislumbrando-se os fatos a partir de tal perspectiva, tem-se que a atuação de defensores especialistas corresponde a um autêntico interesse público, quando favorecedor das partes.  Por sua vez, a justiça, cujo funcionamento regular e escorreito encerra supiníssima importância social, não poderia prosseguir sem graves óbices se os magistrados, ao invés de contatarem os respectivos patronos técnicos, tivessem que lidar de forma direta com os próprios litigantes.

Afinal, a bem da verdade, é de se pontuar que os sujeitos em litígio, em majoritária proporção, são tecnicamente incapazes de expor com clareza suas pretensões, o que decorre, nos dizeres de Christiano Augusto Menegatti (2011, p. 64 – 65), “do desconhecimento do direito adjetivo e do direito processual, da baixa escolaridade, do pouco acesso à informação, do temor reverencial diante dos tribunais repletos de formalidade e com juízes pouco preparados para lidar diretamente com as partes”.

Seguindo de perto a mesma linha intelectiva, Eduardo Gabriel Saad (2002, p. 171) combale a clamada imediação esperada dos magistrados pontuando a circunstância de que, “esmagados pelo volume de processos, os juízes não têm tempo nem vaga para tomar o lugar do advogado nos casos em que as partes exercem o jus postulandi”. E, a respeito deste, ainda proclama (SAAD, 2002, p. 235):

“A CLT – há mais de 50 anos – já antevia a dificuldade de o Estado prestar tal tipo de assistência, e, por isso, admitiu a presença das partes em Juízo desacompanhadas de advogados. No caso, transferiu ao Juiz o encargo de movimentar o processo e orientar a prova do alegado pelas partes. Escusado dizer que, com essa tarefa, pôs em risco a imparcialidade com que o Juiz deve, sempre, julgar os processos.”

Argua-se, ademais, que, mesmo caso os juízes cumpram bem seu papel na condução dos casos em que figurem “jus postulantes”, ainda assim, estes terão de arrostar, por conta própria, as audiências, às quais as partes contrárias, muito provavelmente, apresentar-se-ão, e assistidas por advogados. Sem mencionar que estes, por sua vez, no devido cumprimento de seu dever profissional, hão de se valer de toda a técnica processual, recursos e demais instrumentos de defesa cabíveis, no fito de desqualificar as argumentações contrárias aos seus interesses, e, desta maneira, amortizar o pagamento do importe ao qual porventura possa ser condenado, quiçá, torná-lo despiciendo.

Por esse fator, então, o indivíduo que ingresse com reclamação trabalhista sem o auxílio de advogado fica fadado a figurar em uma relação marcada pela desigualdade ante o aparato e a estrutura jurídica detida pela parte que se lhe opõe. De bom alvitre se levar em consideração, também, como Carlos Alberto Carmona (Revista de Processo, n. 56, out./dez., 1989, p. 91-99) pondera, que, em geral, “[…] os próprios cidadãos não estão devidamente conscientes a respeito de seus direitos: muitos relutam em propor demandas por ignorância, por comodismo, ou por motivos econômicos”.

Complementando o raciocínio, Martins (2007, p. 186) simplifica, demonstrando que a autorrepresentação desassistida no juízo trabalhista afeta negativamente a postulação, gerando manifesta desigualdade no âmbito processual e causando o seu comprometimento por completo – sanável, apenas, com a assistência por advogado:

“O empregado que exerce o jus postulandi pessoalmente acaba não tendo a mesma técnica de que o empregador que comparece na audiência com advogado levantando preliminares e questões processuais. No caso, acaba ocorrendo desigualdade processual, daí a necessidade do advogado.”

Dentre as vozes que se destacam no cenário da oposição ao jus postulandi, sem dúvidas, se sobressaem a dos membros e representantes da Ordem dos Advogados Brasil – OAB. Instituição contestadora por natureza e ferrenha defensora de seus interesses, a Ordem, como não poderia ser diferente, pugna pela extinção do supracitado, por entendê-lo com afrontante ao art. 133 da Constituição Federal, rogatório da indispensabilidade do advogado à administração da justiça.

Frise-se que o outrora Presidente Nacional do Conselho Federal da OAB, Ophir Cavalcante Junior – eleito para um mandato de três anos de duração, findo em 1º de fevereiro de 2013, sendo hoje membro honorário – ganhou considerável destaque nos meios midiáticos por conta do amplo leque de críticas por ele lançadas em nome da Ordem, concretizadas, entre outros meios, através de recriminações e admoestações a autoridades do Governo Federal, críticas contundentes a projetos de lei e demonstrações de animosidades com o próprio Judiciário.

E, inobstante o reconhecimento da garantia do direito à postulação pessoal judicial pela Suprema Corte (vide ADIn 1.127-8) – por conta, em boa parte, dos princípios da oralidade e informalidade, priorizados nos juizados especiais e na Justiça do Trabalho – a Ordem dos Advogados segue firme e perseverante em busca da sanção de lei que coíba o trâmite de ações judiciais sem a participação de causídicos, inclusive nas instâncias trabalhistas iniciais.

CONCLUSÃO

Por todo o exposto, infere-se que, muito embora o jus postulandi possa – de certo modo e até certo ponto – facilitar o acesso à justiça trabalhista aos cidadãos, e mesmo com sua permanência depois do advento da Constituição Federal de 1988, dada a complexidade do direito processual, uma pessoa leiga, desprovida da devida instrução e de conhecimento técnico, em tese e a princípio, não há de obter e satisfazer seus direitos. O que põe em incisivo xeque o instituto sob análise.

Em razão de tanto, surge um ponto consensual entre opositores e defensores do jus postulandi; para os primeiros, como alternativa; para os segundos, como complemento: a criação da tão necessária Defensoria Pública Trabalhista – que poderia, perfeitamente, ser originada como subdivisão da Defensoria Pública da União, inclusive com equiparação salarial, eis que sua atuação se daria nos limites da Justiça Federal, porém, especializada em causas trabalhistas.

Além disso, com o seu advento e a consequente gratuidade da prestação de assistência jurídica, despiciendo e inócuo se tornaria o jus postulandi, porquanto muito mais logicamente preferível a assessoria jurídica qualificada não onerosa – com defensores públicos trabalhistas fazendo análises casuísticas com a perícia que lhes é exigida e prestando clarificadoras informações – do que a postulação autorrepresentada.

Dessa maneira, evitar-se-iam muitos acordos esdrúxulos; diversos outros – bem mais justos – seriam celebrados, e mesmo alguns outros tantos, não tão benéficos, também poderiam sê-lo, contanto que com dação de ciência ao obreiro das abdicações a serem feitas, das restrições a ele aplicáveis e de todas as demais consequências de sua aquiescência com as condições impostas.

 

Referências
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Notas
[1] Artigo apresentado à Faculdade Darcy Ribeiro, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista, pelo curso de pós-graduação (lato sensu) em Direito Processual, da Faculdade de Tecnologia Darcy Ribeiro. Orientado pela Profª.  Ms. Vanessa Batista Oliveira, Graduada em Direito pela Universidade de Fortaleza (2004). Especialista em Direito Processual Civil. Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza (2010). Advogada (OAB-CE n° 17.325). Professora de Direito do Trabalho dos Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho da Universidade de Fortaleza.

[2] Segundo nota do autor, trata-se de levantamento realizado entre set. 2007 e fev. 2008, pela Diretoria-Geral de Coordenação Judiciária do TRT da 3ª Região/MG, o qual revelou que, dos 24 Tribunais do Trabalho existentes no país, 16 (2/3), possuem setores destinados a reduzir a termo reclamatórias verbais, ou seja, apenas oito TRTs não possuem setores com essa finalidade.


Informações Sobre o Autor

Gabriel Monteiro Guedes

Advogado OAB-CE n 26.574 e Consultor Legislativo na Cmara Municipal de Maracanaú/CE. Graduado em Direito pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR. Especialista em Direito com enfoque em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade de Tecnologia Darcy Ribeiro


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