Breves considerações doutrinárias sobre os títulos de crédito no direito pátrio

Resumo: O presente trabalho visa traçar, de forma objetiva, um breve cotejo doutrinário sobre os Títulos de Crédito de acordo com a doutrina, legislação e ordenamento jurídico pátrio.

Palavras-chaves: direito empresarial. direito cambiário. títulos de crédito

Abstract: this work aims to trace, objectively, a brief doctrinal collation on the Credit Securities according to the doctrine, legislation and legal system.

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Keywords: law commerce. exchange law. credits security

Sumário: Introdução. 1. Natureza Jurídica. 2. Princípios orientadores. 2.1. Princípio da cartularidade. 2.2. Princípio da Literalidade. 2.3. Princípio da autonomia. 3. Classificação dos títulos de crédito. 3.1. Quanto à forma de circulação. 3.2. Quanto ao modelo. 3.3. Quanto à estrutura. 3.4. Quanto ao modo de emissão. Referências. Notas

Introdução

Título de crédito em uma definição sucinta pode ser definido como um instrumento de circulação de riquezas. Sendo o sub-ramo do direito privado que estuda o regime jurídico aplicável aos títulos de crédito denominado de direito cambiário.

Tulio Ascarelli, citado por André Santa Cruz (2012, p.426) já dizia que os títulos de crédito permitiram que o mundo moderno mobilizasse suas próprias riquezas, vencendo o tempo e o espaço. Foi, portanto um elemento que trouxe maior liquidez aos negócios e estabeleceu maior segurança aos negociantes.

A doutrina empresarialista costuma definir como marco histórico dos títulos de crédito a Idade Média, juntamente com a aparição do direito comercial – modernamente denominado de direito empresarial pela maioria da doutrina –.

O direito cambiário passou por algumas fazes durante a história, desde seu início, na idade média, até hoje. Transformações a parte, a última e mais importante fase vivida por este ramo do direito veio da Convenção de Genebra, em 1930, trazendo o período uniforme dos títulos de crédito pela aprovação no mesmo ano da Lei Uniforme de Cambias, e posteriormente a Lei Uniforme do Cheque, ambas fruto da convenção de 1930.

No Brasil as Convenções foram aprovadas pelo Congresso Nacional, por sua vez na data de 08.09.1964, através do Decreto Legislativo nº54. Por fim, os Decretos 57.663/1966 (Lei Uniforme de Genebra – LUG) e 57.595/1966 (Lei Uniforme em matéria de cheque).

1. Natureza Jurídica

Antes de conceituar o título de crédito e sua natureza jurídica é preciso entender o significado de crédito. O que seria um crédito?

Para explicar o questionamento acima nos valemos dos ensinamentos de Gladstone Mamede:

“O crédito é um desses artifícios que atestam a inventividade humana. Inexistente na realidade física e concreta, os seres humanos, ao longo de sua evolução histórica, estabeleceram o conceito de crédito e sua prática social, percebendo não apenas a necessidade de solucionar problemas relativos à circulação de recursos, mas ainda a oportunidade de otimizar essa circulação. ” (MAMED, 2012. p.3.)

Portanto, a partir da ideia de que crédito é uma ficção criada para circular recursos podemos então entender o que é o Título de Crédito. O conceito mais consagrado na doutrina é o que foi formulado pelo professor italiano Cesare Vivante[1], para ele título de crédito era o documento necessário ao exercício do direito, literal e autônomo, nele mencionado.

Tal conceito foi incorporado por Sylvio Marcondes – responsável pela elaboração da parte comercial do atual Código Civil – no art. 887 CC/02, senão vejamos: “Art. 887. O título de crédito, documento necessário ao exercício do direito literal e autônomo nele contido, somente produz efeito quando preencha os requisitos da lei”.

Mas o que seria este direito constante no título de crédito? O direito nada mais é do que o crédito oriundo de um negócio jurídico firmado entre partes. Tal crédito, contudo, não se confunde com a obrigação que lhe deu origem, pois se assim fosse um vício que invalidasse o título de crédito invalidaria o negócio jurídico, o que geraria enorme insegurança jurídica, e por isso é vedado pelo art.888 CC/02.

Neste sentido explica Fábio Ulhôa: “Os títulos de crédito são documentos representativos de obrigações pecuniárias. Não se confundem com a própria obrigação, mas se distinguem dela na exata medida em que a representam. ” (COELHO, 2013, p.265).

2. Princípios Orientadores

Três são os princípios orientadores mais importantes que fundamentam os títulos de crédito, são eles: a) Cartularidade; b) Literalidade; c) Autonomia.        

Tais princípios são construções jurídicas e doutrinárias que se formaram com o passar do tempo. Evoluindo conjuntamente com o próprio instituto dos títulos de crédito à medida que o direito comercial e cambiário fora se sofisticando por conta das relações cada vez mais dinâmicas que existem no mundo dos negócios.

2.1. Princípio Da Cartularidade

Este princípio é extraído do art.887 CC/02 diz que o documento é necessário para que se possa exigir o direito nele contido. Isso quer dizer que para que seja legítima a exigibilidade do direito faz-se mister que a posse do título também deve ser legítima.

A posse do título (ter a cártula/papel em mãos) é imprescindível para que se comprove o direito de crédito nele contido. Sua exigibilidade condiciona-se, portanto, a sua apresentação e sua transferência condiciona-se à sua tradição (entrega).

Atualmente, em vista do dinamismo que traz diversas informalidades nos negócios comerciais e ainda pela modernização e informatização dos meios de comunicação, tal princípio vem sendo mitigado. A posse legítima não necessariamente significa ter em mãos à cártula, podendo o título ser emitido também por meios digitais. São os chamados títulos não cartularizados[2]. Como exemplo temos a admissão das chamadas Duplicatas Virtuais, que são aquelas emitidas por meio magnético ou eletrônico.

É bem verdade que a virtualidade da duplicata não foi prevista pela lei reguladora das duplicatas, até porque a lei nº 5.474 que a regula é datada de 1968. Contudo, hodiernamente se entende que a virtualidade da duplicata encontra previsão no art. 8º, parágrafo único, da Lei n.° 9.492/97 e no art. 889, § 3º do CC-2002. Como vemos:

“Lei nº 9.492/97.Art. 8º Os títulos e documentos de dívida serão recepcionados, distribuídos e entregues na mesma data aos Tabelionatos de Protesto, obedecidos os critérios de quantidade e qualidade.

Parágrafo único. Poderão ser recepcionadas as indicações a protestos das Duplicatas Mercantis e de Prestação de Serviços, por meio magnético ou de gravação eletrônica de dados, sendo de inteira responsabilidade do apresentante os dados fornecidos, ficando a cargo dos Tabelionatos a mera instrumentalização das mesmas. (destaque nosso)

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CC/02. Art. 889. Deve o título de crédito conter a data da emissão, a indicação precisa dos direitos que confere, e a assinatura do emitente.

§ 3o O título poderá ser emitido a partir dos caracteres criados em computador ou meio técnico equivalente e que constem da escrituração do emitente, observados os requisitos mínimos previstos neste artigo. (destaque nosso)”

Neste sentido está pacificado o entendimento sobre a validade das Duplicatas Virtuais. Vejamos:

“EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. DUPLICATA VIRTUAL. PROTESTO POR INDICAÇÃO. BOLETO BANCÁRIO ACOMPANHADO DO COMPROVANTE DE RECEBIMENTO DAS MERCADORIAS. DESNECESSIDADE DE EXIBIÇÃO JUDICIAL DO TÍTULO DE CRÉDITO ORIGINAL. 1. As duplicatas virtuais – emitidas e recebidas por meio magnético ou de gravação eletrônica – podem ser protestadas por mera indicação, de modo que a exibição do título não é imprescindível para o ajuizamento da execução judicial. Lei 9.492/97. 2. Os boletos de cobrança bancária vinculados ao título virtual, devidamente acompanhados dos instrumentos de protesto por indicação e dos comprovantes de entrega da mercadoria ou da prestação dos serviços, suprem a ausência física do título cambiário eletrônico e constituem, em princípio, títulos executivos extrajudiciais. 3. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ. REsp 1024691/PR. Relatora Ministra Nancy Andrighi. Órgão julgador: Terceira Turma. Data de julgamento: 22/03/2011. Data de publicação: 12/04/2011).”

2.2. Princípio da Literalidade

Pelo princípio da literalidade se entende que o direito estabelecido pelo título de crédito é exatamente aquele que está escrito no título. Isto é, é a literalidade do que consta na cártula. Tanto na quantia do valor constante quanto na medida da obrigação jurídica descrita. Isto, portanto promove a segurança jurídica, trazendo a certeza nos negócios e evitando surpresas.

Assim, por força deste princípio o credor não pode exigir mais do que está descrito no título e nem o devedor poderá pagar menos do que deve. Eunápio Borges, citado por Ricardo Negrão neste sentido explica: “para a expressão da existência, conteúdo, extensão e modalidades do direito, é decisivo exclusivamente o teor do título”. (NEGRÃO, 2011, p.41)

Em síntese, vale o que está escrito no título. Se algo diferente do pactuado não estiver constando no título não poderá ser cobrado. Disso decorrem as formalidades que se exige na feitura do título de crédito constante na LUG. Como por exemplo, a exigência de que o endosso e o aval devem ser escritos no próprio título ou em folha em anexo a ele (artigos 13 e 30 da LUG, respectivamente).

2.3. Princípio da Autonomia

O princípio da autonomia confere aos títulos de crédito o dinamismo necessário aos diversos negócios realizados no mundo empresarial e civil. Por ele se garante a negociabilidade, agilidade e segurança. Ricardo Negrão assim explica:

“A autonomia é a característica dos títulos de crédito que garante a independência obrigacional das relações jurídicas subjacentes, simultâneas ou sobrejacentes à sua criação e circulação e impede que eventual vício em uma relação se comunique às demais ou invalide a obrigação literal inscrita na cártula. (NEGRÃO, 2011, p.40) ”

Assim, pela autonomia, um vício constante no título de crédito não macula outras obrigações vinculadas a ele, sejam elas anteriores, posteriores ou simultâneas ao título. Como ensinava Cesare Vivante[3], o direito representado num título de crédito é autônomo porque a sua posse legítima caracteriza a existência de um direito próprio, não limitado nem destrutível por relações anteriores.

No CC/02, como já mencionado, encontramos este princípio no caput do art. 887, literalmente mencionado quando dá utilização da palavra “autonomia” na redação do texto do artigo e ainda no seu art.888 que também se extrai um dos sentidos do princípio. Vejamos: “Art. 888. A omissão de qualquer requisito legal, que tire ao escrito a sua validade como título de crédito, não implica a invalidade do negócio jurídico que lhe deu origem.”.

3. Classificação dos Títulos de Crédito

3.1. Quanto à forma de circulação

Podemos classificar os títulos de crédito quanto à circulação como nominativos ou ao portador.

No título nominativo há a inscrição do nome do credor na cártula. Desta forma a transmissão do título, como bem lembra VIDO[4] se dá somente após a tradição com o cumprindo de determinada solenidade subjacente que dá validade a esta transferência.

Já no título ao portador, não se identifica o credor na cártula, sendo este identificado pela posse legítima do título e sua transmissão se dando com a mera tradição sem no entanto a necessidade de se conferir maior solenidade ao ato.

3.2. Quanto ao modelo

Os títulos quanto ao modelo podem ser títulos de créditos de modelos livres ou de modelo vinculado.

Serão livres quando não há determinação legal para que se siga determinada forma para a feitura do título, enquanto por outro lado os títulos serão de modelo vinculado quando a lei estipule determinado modelo para validade do título, caso que se desrespeitado será invalido.

3.3. Quanto à estrutura

Quanto à estrutura os títulos se classificam como ordem de pagamento ou promessa de pagamento.

Os títulos classificados como ordem de pagamento apresentam três figuras. O sacador, que é quem emite o título, o sacado, que é contra quem se emite o título – o que deve realizar o pagamento, e por fim o tomador ou beneficiário que é quem receberá o crédito inscrito naquele título.

Já os títulos que se classificam como promessa de pagamento apresentam duas figuras. Há o sacador ou promitente que emite o título e avença uma promessa de pagar algo que está inscrito no título e de outro lado o tomador, que será o beneficiário do credito prometido.

3.4. Quanto ao modo de emissão

Por fim os títulos de créditos ainda podem ser classificados como causais e abstratos.

Os títulos causais são aqueles que a lei delimita as hipóteses de emissão. Causal por que decorre de um negócio específico. Assim na compra e venda mercantil teremos a duplicada mercantil, na prestação de serviços teremos a duplicata de serviços. O negócio só é possível mediante títulos pré-determinados.

Nos títulos de crédito abstrato não existe um vínculo a um negócio jurídico determinado. O título abstrato serve para uma gama indeterminada de hipóteses, como por exemplo, o cheque, que pode ser utilizado para qualquer relação negocial.

 

Referências
COELHO, Fábio Ulhôa. Manual de Direito ComercialV.2. 17. Ed. São Paulo: Saraiva. 2013.
NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa – Títulos de crédito e contratos empresariais. V.2. 3ª Ed. São Paulo. Ed. Saraiva. 2011.
RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 4. Ed. Rio de Janeiro: Método, 2012.
TEIXEIRA VIDO DOS SONTOS, Elizabete. Direito Empresarial. 11ª Ed. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 2010.
MAMED, Gladstone. Direito Empresarial Brasileiro – Títulos de Crédito. 4ª Ed. São Paulo. Ed. Atlas. 2008.
 
Notas
[1] RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial esquematizado. 2º ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012. p, 430.

[2] NEGRÃO, Ricardo. Manual de Direito Comercial e de Empresa – Títulos de crédito e contratos empresariais. V.2. 3ª Ed. São Paulo. Ed. Saraiva. 2011. p, 40.

[3] RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Ob., cit., p., 434.

[4] TEIXEIRA VIDO DOS SONTOS, Elizabete. Direito Empresarial. 11ª Ed. São Paulo. Ed. Revista dos Tribunais. 2010. p, 111.


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Informações Sobre o Autor

Luiz Antônio Santiago Corrêa

Advogado. Graduado pela Universidade da Amazônia (UNAMA). Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Mestrando em Direito Empresarial e Econômico pela Pontifícia Universidade Católica Argentina (UCA)


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