Categoria profissional diferenciada, ontologia ocupacional e terciarização

Resumo: Sobre as denominadas categorias profissionais diferenciadas, há amplo consenso na literatura juslaboralista brasileira de que tal conceito, cuja interpretação autêntica está prevista no art. 511 da CLT, foi recepcionado pela CRFB/88. Contudo, para acomodá-lo ao novo contexto da liberdade sindical, houve necessidade de ressignificá-lo, deslocando-o de sua base ontológica. O presente artigo pretende revisitar esse processo, identificando as contradições criadas pela atual jurisprudência dominante, e problematizando-a no contexto da terceirização/terciarização que caracteriza a experiência neoliberal no Brasil e no mundo. Valendo-se de revisão bibliográfica e da análise indutiva, sugere-se que atual abordagem jurisprudencial sobre as categorias profissionais diferenciadas, se levada a efeito nos termos em que se apresenta, impede ou prejudica em demasia o direito individual de resistência, no particular, pelo acesso à representação específica dos trabalhadores pertencentes a certos estratos ocupacionais subjetivamente diferenciados, submetendo-os ao domínio do autoenquadramento patronal, orientado pela atividade econômica preponderante.   

Palavras-Chave: Categorias profissionais diferenciadas. Enquadramento sindical. Atividade preponderante. Ontologia ocupacional.

Abstract: Regarding the so-called “differentiated professional categories”, there is a broad consensus among the Brazilian experts in labor law about the constitutional reception of this concept, which is inserted in art. 511 of the CLT. However, to accommodate it to the new context of freedom of association, as one of the most important principle of the Brazilian unionism, there was necessity to re-signify it. For us, this process implies to remove that concept (differentiated professional categories) of this ontological basis, i.e., associated to specific characters of some occupations, in the context of the work society, transforming it in a contingential and circumstantial condition, which is depends exclusively of the employers’ choices. The present article intends to revisit this process, identifying the contradictions created by the dominant jurisprudence, and problematizing it in the context of outsourcing/“tertiarization” that characterizes the neoliberal experience in Brazil and in the world.

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Key-words: Differentiated professional categories. Union framework. Preponderant economical activity. Occupational ontology.

Sumário: 1. Introdução. 2. Revisitando o Conceito de Categoria Profissional Diferenciada. 3. A Experiência Neoliberal Brasileira e o “Problema” do Enquadramento Sindical. 4. Problematizando a Jurisprudência Dominante. 5. Considerações Finais. Referências

1. INTRODUÇÃO

Alguma controvérsia percorreu a década de noventa, no que tange à recepção constitucional das chamadas categorias profissionais diferenciadas, ou simplesmente categorias diferenciadas. Essa controvérsia se alimentou do redimensionamento do princípio da liberdade sindical, que com o advento da CRFB/88 avançou não só para a auto-organização e autonormação das entidades categoriais, mas também para o enquadramento sindical.

Mesmo outrora, quando “oficial”, o enquadramento sindical supunha um momento em que se resguardava alguma autonomia das empresas em se autoenquadrar, no que se refere à categorização de sua atividade econômica. Isto porque o emprego do princípio do paralelismo simétrico (ou simetria) partia do conceito de atividade econômica preponderante, e daí para o enquadramento da categoria profissional. No caso das categorias diferenciadas, contudo, tal espaço de autonomia não prevalecia, justamente por conta da inversão da dinâmica do enquadramento sindical, isto é, da ocupação ou profissão para a atividade empresária predominante.

Acomodar o conceito de categoria diferenciada ao novo texto constitucional não foi tarefa fácil, até porque, para muitos autores, tal conceito só se sustentava à custa do enquadramento prévio, que se tornara incompatível com o novo patamar de democracia sindical. Contudo, com o reconhecimento da negociação coletiva como um direito fundamental das categorias profissionais e coletivas (e, com ela, o princípio da inescusabilidade à negociação coletiva), achou-se por bem preservar tal direito igualmente às categorias diferenciadas (ASSUMPÇÃO, 2010), o que pressupôs, obviamente, a sua sobrevivência enquanto conceito jurídico, cuja evidência pode ser vista nas incontáveis decisões judiciais proferidas em sede de conflitos de representação sindical.

Contudo, no plano dos direitos individuais, os trabalhadores se viram desamparados tanto pela Justiça do Trabalho, quanto pela Inspeção do Trabalho, no que tange à pretensão de se verem “reconhecidos” como integrantes de categorias profissionais diferenciadas e, daí, aproveitarem as normas coletivas, eventualmente mais vantajosas, firmadas pelas respectivas entidades de classe.

O objetivo deste ensaio é propor uma nova abordagem dos fundamentos de sustentação do caráter “diferenciado” de certos estratos profissionais, o qual determina a forma de organização categorial dessas coletividades. Com isso, pretende-se desenvolver uma crítica da jurisprudência dominante sobre o assunto, e apontar para possíveis soluções que contemplem o exercício do direito de resistência por parte dos trabalhadores integrantes das categorias profissionais diferenciadas.

2. REVISITANDO O CONCEITO DE CATEGORIA PROFISSIONAL DIFERENCIADA

Categoria diferenciada é aquela “cujos membros estão submetidos a estatuto profissional próprio ou que realizam um trabalho que os distingue completamente de todos os outros da mesma empresa” (SAAD; SAAD; BRANCO, 2011, p. 750). É a que “tem regulamentação específica do trabalho diferente da dos demais empregados da mesma empresa […]” (CARRION, 2009, p. 512).

Ambos os conceitos acima citados, cuja legitimidade se assenta no discurso de especialistas (FOUCAULT, 2014), têm em comum o pressuposto assumido de que a categoria profissional diferenciada o é em relação “aos demais empregados da empresa”, sugerindo que tal diferenciação ocorra de modo circunstancial. Noutros termos, que o caráter diferenciado é casuístico e, neste sentido, sua materialidade emerge da oposição com a identidade laboral conferida pela “atividade preponderante” da empresa (CLT, 581, § 1º).

Há um relativo consenso na nossa literatura do direito sindical de que a importância do conceito de categoria profissional diferenciada situa-se na busca pela “representação sindical autêntica” (MANUS, 2015, p. 2), para o que concorreria o aprimoramento do enquadramento sindical laboral definido, a priori, pelo liame identitário entre os trabalhadores. Isto é descrito em termos teleológicos pela própria CLT como um processo de aperfeiçoamento da representatividade profissional, sendo certo que, para tanto, os conceitos de homogeneidade categorial e associativismo natural são fundamentais (CLT, 511, § 4º).

A abordagem funcional é a que prevalece, quando se trata de analisar a categoria profissional diferenciada, haja vista o argumento centrado na autenticidade representativa como instrumento de aperfeiçoamento das relações de trabalho. Contudo, o que exsurge como um paradoxo é o fato de que, num contexto mais amplo, é o atributo ocupacional que estaria absorvido pela estratificação categorial, e não o contrário.

O que se pretende afirmar é que a abordagem funcionalista trabalha com o que Howard Becker chama de “categorias residuais”, as quais são definidas onticamente através de “escolhas políticas” (BECKER, 2007, p. 208). Neste caso, não haveria sentido em considerar as categorias profissionais diferenciadas uma exceção à regra-geral do enquadramento determinado a partir da atividade preponderante da empresa, pois constituindo-se, em termos quantitativos, como “pontos-fora-da-curva” da estratificação categorial típica do corporativismo estatal, tenderiam a ser “amontoadas na categoria ‘outros’” (BECKER, 2007, p. 208), e não individuadas enquanto formas organizativas que determinam a funcionalidade do grande arranjo corporativista.

A diferenciação por estatutos próprios (CLT, 511, § 3º), ou as “condições de vida inconfundíveis” (SAAD; SAAD; BRANCO, 2011, p. 750) poderiam constituir-se em ferramentas de emancipação categorial, pela via da dissociação (CLT, 571), o que nos parece um processo muito mais autêntico e sustentável do que a imposição “oficial” de um enquadramento ocupacional. Isto é certo, porquanto o quadro a que se refere o art. 577, CLT, ao elencar as denominadas “categorias profissionais diferenciadas”, o faz enquanto ocupações (COELHO, 1999), e não categorias stricto sensu[1].

Nesse sentido, não nos parece que a distinção assegurada pela legislação (CLT, § 3º) tenha caráter meramente instrumental, isto é, que tenha sido fruto de uma escolha funcionalista, voltada para a maximização da felicidade das categorias profissionais, no melhor estilo benthaniano (SANDEL, 2012). A distinção centrada na ocupação do trabalhador, associada ao rigor do enquadramento prévio, que pressupondo a idealização de tipos-ideais abstratos, determina o locus ao qual pertence o sujeito no arranjo corporativo, parecem não avalizar a tese da distinção circunstancial e casuística das categorias profissionais diferenciadas.

Tal diferenciação retrocede ao nível dos sujeitos-trabalhadores, ou seja, das identidades ocupacionais, distinguindo-se, portanto, da identidade coletiva que determina a organização sindical de molde corporativista. Tal distinção, portanto, não é de natureza relacional[2], que serviria de argumento para uma decisão em termos de política sindical, mas substancial, expressa tanto em termos objetivos, pelo credencialismo (COLLINS apud LEINER, 2007, p. 175), quanto subjetivos, pela singularidade das condições de vida, do que se supõe não só o domínio sobre o processo laboral, como também um status social decorrente de sua integração ao um determinado sistema perito (GIDDENS, 1991). A diferenciação assegurada pela CLT às categorias profissionais diferenciadas tem, pois, natureza ontológica.

Desse modo, o espaço de diferenciação desses tipos profissionais não é a empresa, tão somente, mas a sociedade do trabalho como um todo. Os requisitos de diferenciação (estatuto próprio e condições de vida singulares) vão operar mesmo na hipótese em que tais profissionais, considerando a atividade preponderante da empresa, forem a regra, e não a exceção, como no caso dos professores de uma escola, de oficiais gráficos de uma gráfica, ou de um jornalista em numa empresa de jornalismo.

3. A EXPERIÊNCIA NEOLIBERAL BRASILEIRA E O “PROBLEMA” DO ENQUADRAMENTO SINDICAL

É bem verdade que o enquadramento sindical, no âmbito de um modelo corporativista, como o brasileiro, tornou-se bastante problemático, quando a terceirização (outsourcing) se tornou o carro-chefe do conjunto de transformações do mundo do trabalho, cuja orientação era promover a “flexibilidade externa” (BOLTANSKI; CHIAPELLO, 2009, p. 240), na conformidade da cartilha neoliberal, que por aqui determinou a política econômica da década de noventa. A terceirização provocou uma acentuada redistribuição da mão-de-obra empregada pelos diversos segmentos produtivos, inflando o setor terciário, representado pelo comércio e a prestação de serviços, num fenômeno comumente chamado de terciarização.

Sob o ponto de vista da principiologia clássica do direito do trabalho, a terciarização provocou uma crise da alteridade, pois o conceito de fluxo tensionado (flux tendu), identificado e descrito por Durand (2003) como o modo neoliberal de administrar o tempo e a organização do trabalho e da produção, adaptado, mutatis mutandis, ao fluxo financeiro entre o tomador e o prestador de serviços, acentuou a tendência que se verifica nefasta, no âmbito das relações de trabalho, do exercício do jus variandi[3] mediado pela empresa prestadora de serviços.

Mas a crise da alteridade se expandiu para uma crise de identidade, dissolvendo a noção de atividade preponderante, como critério base do enquadramento sindical. De fato, no autêntico outsourcing a identidade empresarial e funcional é mantida pelo conceito de know-how, pois o que se busca, nesse caso, é o aumento de escala e, por conseguinte, um incremento na produção. A terceirização precarizante (ASSUMPÇÃO, 2015) tornou-se, por outro lado, ferramenta de redução de custos, fato que impôs uma nova lógica competitiva no âmbito do setor terciário, privilegiando as empresas que, espelhando a multifuncionalidade que caracterizou o trabalho assalariado a partir da vaga neoliberal (CARDOSO, 2003), fossem capazes de prestar o maior conjunto de serviços possível.

Embora se possa concentrar formalmente a “atividade preponderante” numa CNAE[4] básica, a verdade é que a prestação de serviços passou a ter múltiplas identidades, cada qual determinada pelo objeto, pelo tempo e pelo espaço de atuação do contrato de prestação de serviços. Nesse sentido, a atividade preponderante do empregador, enquanto critério para o enquadramento sindical, passou a ser, de fato, totalmente circunstancial, visto que os conceitos de categoria e base territorial tornaram-se fluidos.

A terciarização e a consequente fragilidade da estratificação categorial, definida pelo binômio categoria x base territorial, encontrou uma improvável aliada no redimensionamento da liberdade sindical, advinda com a Constituição Federal de 1988, nomeadamente no que tange ao enquadramento sindical espontâneo.

Mesmo nos tempos do enquadramento prévio, a auto-identificação da atividade econômica preponderante garantia uma certa espontaneidade à dinâmica do enquadramento, e isto não parecia contradizer o modelo regulado de relações de trabalho. Mas o discurso da “representação autêntica” era de alguma forma assegurado pela atuação interventiva do Estado, que através de mecanismos administrativos, por vezes coativos, buscava manter a organicidade do modelo de representação sindical, retratada pelo quadro geral de categorias, ao qual fazia referência o art. 577, da CLT.

Como se sabe, tal nível de intervenção do Estado na organização sindical foi proscrito pela atual ordem constitucional, e salvo o sistema de justiça, nomeadamente quanto aos conflitos de representação, que a partir da E.C. nº 45 passou a ser da competência da Justiça do Trabalho (CRFB/88, art. 114, III), inexiste qualquer instrumento “oficial” que possa conter a “casuística e a força da realidade fática” (CARRION, 2009, p. 512) como determinantes do enquadramento sindical. Como consequência, em compasso com o fenômeno da terceirização/terciarização, o enquadramento sindical também se reorientou para a lógica do custeio, enfraquecendo enormemente o primado da “representação autêntica” como um traço teleológico da organização sindical brasileira.

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Decerto que vários conflitos envolvendo sindicatos e empresas emergem desse fenômeno, em que pese a maioria das entidades profissionais buscar o judiciário a fim de ter reconhecida a exclusividade na destinação do recolhimento da contribuição sindical compulsória, e nem tanto a precedência da representação dos trabalhadores, sob os fundamentos do associativismo natural e da representatividade autêntica. Mas é justamente nesse âmbito que se firma a relação entre a precarização do trabalho assalariado e o enquadramento espontâneo, pois na medida em que o autoenquadramento categorial-patronal é circunstancial e contingente, determinando, sob a mesma lógica, o enquadramento categorial e geográfico dos trabalhadores, ficará ao arbítrio da empresa, no fim das contas (literalmente), escolher a regra – norma coletiva – que irá regular os contratos de trabalho mantidos com seus empregados.

4. PROBLEMATIZANDO A JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE

Poderia se pensar que este viés precarizante, decorrente do enquadramento espontâneo, não alcançaria as categorias profissionais diferenciadas, dada sua diferenciação ontológica, de caráter ocupacional. Diga-se isto, porque a convenção coletiva que porventura seja firmada entre uma determinada representação profissional diferenciada, e seu correspondente patronal[5], teria o fito de projetar-se subjetivamente, enquanto regra dotada de generalidade e abstração, para todos os indivíduos que pertençam a tal categoria (melhor, exerçam tal ocupação)[6]. Porém, não foi isso o que aconteceu, pois a partir de meados da década de noventa, a SDI-I do TST editou a Orientação Jurisprudencial (OJ) nº 55, que recentemente foi elevada à categoria de súmula (nº 374, TST), privilegiando o caráter contratual dos instrumentos normativos, obnubilando seu status de norma abstrata.

O entendimento consolidado no Tribunal Superior do Trabalho sugere que, a despeito de o conceito de categoria profissional diferenciada ter sobrevivido à última transição constitucional, o redimensionamento da liberdade sindical e a consequente extinção do enquadramento oficial teriam eliminado qualquer atratividade da norma especial, isto é, da convenção coletiva firmada por sindicatos de categorias diferenciadas e seus respectivos representantes patronais, em relação aos quais tais profissões configuram o enquadramento majoritário, consoante com a atividade econômica preponderante e, por sua vez, com a representação autêntica.

Tal posicionamento jurisprudencial, a nosso ver, é totalmente disfuncional e equivocado. Seria mais coerente admitir que a CRFB/88 não recepcionou o § 3º do art. 511, CLT, rejeitando o próprio conceito de categoria profissional diferenciada.

Para o TST, e para boa parte da literatura juslaboralista, diga-se, a categoria profissional diferenciada resultava diretamente, e tão só, da intervenção estatal na organização sindical. Seria o caso de dizer que a diferenciação, enquanto categoria profissional, era fruto de um comando estatal, do enquadramento obrigatório orientado para a profissão, e não para a atividade econômica.

Ora, se assim fosse, que sentido haveria em reconhecer a constitucionalidade do dispositivo que assegura o status diferenciado a algumas ocupações, quando seu fundamento – o enquadramento oficial – não se afigura acolhido pela atual Constituição?

O equívoco, segundo nosso entendimento, foi se ter invertido o silogismo do processo de reconhecimento do status de categoria profissional diferenciada. É por serem diferenciadas que tais categorias profissionais atraem o enquadramento forçado, e não o contrário.

A defesa do caráter ontológico dessa diferenciação profissional não é suficiente, contudo, para resolver o “problema” do enquadramento oficial, que como dito, não sobreviveu à CRFB/88. Todavia, problematizando a questão das “vantagens previstas por instrumento coletivo” firmado pelas representações de categorias diferenciadas, o TST também se equivoca ao associar a adesão a determinado instrumento normativo à participação da empresa nas negociações, ou ao fato de ter sido representada por sindicato, subestimando, portanto, o caráter erga omnes das convenções coletivas de trabalho. 

Em que pese a longínqua discussão acerca da natureza jurídica, eficácia e formação dos contratos coletivos de trabalho (GOMES; GOTTSCHALK, 2002), é evidente que, no Brasil, aderiu-se, e ainda com mais força a partir da CRFB/88, com a inclusão expressa dos acordos coletivos, à tese do hibridismo normativo, qual seja a que reconhece a projeção subjetiva do conteúdo normativo dos instrumentos coletivos, a despeito da sua moldura contratual.

Citando Amleto Di Marcantonio, Javert de Souza Lima ressalta o caráter erga omnes das convenções coletivas de trabalho:

“Basterá un accenno, anche perché il complesso e giá dibattuto problema ha trovato soluzione — crediamo in correspondenza delle odierne esigenze sociali —_, nel nostro ordenamento positivo, nel senso che il contratto collettivo con eficácia per le intere categorie professionali da esso considerate, e cioè obbligatorio per tutti i componenti (erga omnes) dele categorie stesse, iscritti o meno ai sindicati legitimamente stipulanti, deve ritenersi un atto sostanzialmente legislativo […]”. (MARCANTONIO apud LIMA, 1959, p. 116). (Sem grifos no original).

A inesquecível lição de Carnelutti: “Il contrato coletivo è um ibrido, che há il corpo del contrato e l’anima dela legge” (CARNELUTTI apud COSTA, 1977, p. 384), reprisado à exaustão há décadas tantas como a melhor síntese do hibridismo normativo conferido às convenções coletivas, só faz reforçar a tese de que seu alcance subjetivo se submete tão apenas à legitimação representativa dos sindicatos convenentes.

No Brasil, enquanto norma abstrata, a projeção dos efeitos da convenção coletiva sobre os contratos de trabalho estará a depender da adesão por parte da empresa, o que não se dá, necessariamente, no momento da construção do convênio, mas na definição do estrato categorial-profissional decorrente do enquadramento sindical.

  Nesse sentido, uma norma coletiva destinada aos motoristas rodoviários poderá regular os contratos de trabalho dos motoristas contratados por um supermercado, bastando que este resolva enquadrar esses profissionais à categoria “motoristas”, decisão que se exterioriza, formal e objetivamente, a priori, através do recolhimento da contribuição sindical laboral compulsória em favor do sindicato dos rodoviários (ASSUMPÇÃO, 2010).

Veja-se que, neste caso, nem o hipotético supermercado, nem o sindicato do comércio varejista participaram de qualquer negociação com o sindicato dos motoristas rodoviários, e ainda assim a convenção dos rodoviários alcançará os funcionários daquele, e isto ocorre porque o enquadramento espontâneo foi usado, simultaneamente, para introduzir os motoristas, empregados de um comércio varejista, no halo de alcance subjetivo da convenção rodoviária, ao tempo que define que o sindicato dos rodoviários é o representante legítimo desses empregados, conquanto representem um segmento minoritário de seu quadro funcional.

De fato, o Estado não pode obrigar uma empresa a se enquadrar ou a enquadrar seus empregados a este ou aquele sindicato. Mas ao fazê-lo espontaneamente, não há como negar sua adesão ao instrumento coletivo porventura firmado pela(s) entidade(s) representante(s) da(s) categoria(s) às quais decidiu aderir.

Se a jurisprudência dominante entende que a singularidade ontológica das categorias profissionais diferenciadas não passou pelo crivo constitucional, ao ponto de transformar as convenções coletivas firmadas por seus sindicatos representativos em verdadeiras “leis profissionais”, ao menos se deve admitir que, reconhecido pelo patrão que determinado trabalhador ostenta os requisitos diferenciadores, previstos no § 3º do art. 511, CLT, e enquadrando-o à categoria profissional singularizada, sua relação de emprego será regida pelas regras abstratamente aplicáveis àquela categoria profissional diferenciada.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste ensaio propusemos uma abordagem alternativa do conceito de categoria profissional diferenciada para, ao fim, formularmos uma crítica à atual jurisprudência consolidada pelo TST, a qual reforça o caráter circunstancial e contingente dessa diferenciação.

O entendimento sumulado pelo TST (Sum. 374) vai ao encontro da doutrina tradicional, que sempre se inclinou em afirmar que o conceito de categoria profissional diferenciada era totalmente dependente de um tipo específico de intervenção estatal na organização sindical, qual seja o “enquadramento prévio”. Nesse sentido, tais categorias profissionais se diferenciavam na medida em que o Estado determinava o enquadramento sindical forçado e vetorizado para a ocupação, e não para a atividade econômica preponderante.

Contudo, considerar tal abordagem nos coloca diante de um paradoxo constitucional inconveniente, que pode ser sintetizado numa única pergunta: como o conceito de categoria profissional diferenciada pôde ter sobrevivido à CRFB/88, se o enquadramento prévio foi extinto?

A solução encontrada pela jurisprudência foi diferir a constituição das categorias profissionais diferenciadas do “momento lógico”[7] do enquadramento sindical, trasladando-a para a negociação coletiva, ou seja, será categoria diferenciada aquela cuja representação sindical, não abarcando a maioria dos seus empregados, a empresa considerar como interlocutor legítimo, dentro do contexto negocial, voltado à elaboração de um instrumento normativo.

Essa orientação, contudo, tem alguns problemas, tais como: 1) abstrai do conceito de representação; 2) ao fazê-lo, desconsidera que a legitimação negocial está atrelada à representação, e esta, em tempos de liberdade sindical redimensionada pela CRFB/88, ao enquadramento sindical espontâneo; 3) ignora que tais categorias, quando não legalmente nomeadas, ostentam uma subjetividade determinada por certos caracteres intrínsecos; 4) privilegia o caráter contratual das convenções coletivas, em detrimento do seu status de norma abstrata.

A abordagem proposta aqui sugere que as categorias profissionais diferenciadas o são nem tanto em razão do enquadramento oficial, mas em virtude de um componente ontológico de tal natureza que, subvertendo a estratificação categorial que (ainda) rege a estrutura corporativista da nossa organização sindical, redireciona a representatividade para um estrato ocupacional. Nesse sentido, as convenções coletivas estariam, para as categorias profissionais diferenciadas, muito mais próximas dos estatutos profissionais, e mais distantes dos contratos coletivos de trabalho.

Contudo, tais estatutos operariam seus efeitos condicionados a um duplo gesto de adesão. No plano dos contratos individuais de emprego, da designação ocupacional. No plano das relações de trabalho, do enquadramento à categoria profissional diferenciada, cuja evidência não seria o chamamento à negociação, mas o mero recolhimento da contribuição sindical para a entidade correspondente. 

 

Referências
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BECKER, Howard S. Segredos e Truques da Pesquisa. Rio de Janeiro: Zahar, 2007.
BOLTANSKI, Luc; CHIAPELLO, Ève. O Novo Espírito do Capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2009.
CARDOSO, Adalberto Moreira. A Década Neoliberal e a Crise dos Sindicatos no Brasil. São Paulo: Boitempo, 2003.
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COELHO, Edmundo Campos. As Profissões Imperiais: Medicina, Engenharia e Advocacia no Rio de Janeiro (1822-1930). Rio de Janeiro: Record, 1999.
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DINAMARCO, Cândido Rangel et Alli. Teoria Geral do Processo. 12ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996.
DURAND, Jean Pierre. A Refundação do Trabalho no Fluxo Tensionado. Tempo Social, São Paulo, vol.15, no.1, p. 139-158, abr./ 2003.
FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. 24ª Ed. São Paulo: Edições Loyola, 2014.
GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson; PINTO, José A. R. (Atual.). Curso de Direito do Trabalho. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
FREIDSON, Eliot. Renascimento do Profissionalismo. São Paulo: EDUSP, 1998.
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SANDEL, Michael J. Justiça: o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012.

Notas
[1] Aeronautas, e não trabalhadores de empresas de aviação; motoristas, e não rodoviários; garçons, e não empregados de bares, hotéis, restaurante e similares; maquinistas, e não trabalhadores marítimos ou ferroviários; professores, e não profissionais da educação etc.

[2] Embora se possa vislumbrar que o reconhecimento estatal da distinção profissional, como um aspecto do arranjo corporativista, possa vir ao encontro das pretensões de diferenciação por parte dos grupos profissionais, no contexto de uma divisão de trabalho como interação social (FREIDSON, 1998).

[3] Utilizo aqui a expressão jus variandi não só para designar o comando da relação individual de trabalho, por meio do poder empregatício, mas também para expressar o domínio sobre todo o processo e a organização do trabalho, executado através de interposta pessoa.

[4] A Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE-IBGE) está para as atividades econômicas como a CBO (Classificação Brasileira de Ocupações) está para o trabalho.

[5] Por correspondência patronal, aqui tratada em seu sentido forte, entende-se a conexão entre atividade econômica preponderante e o enquadramento diferenciado majoritário.

[6] Seria o caso, por exemplo, da convenção coletiva firmada entre o sindicato dos professores e o sindicato das escolas particulares projetando seu efeito erga omnes não só aos professores que trabalhem em escolas, mas também aos que, porventura, trabalhem em indústrias metalúrgicas. Da mesma forma, a convenção coletiva firmada entre sindicatos de rodoviários de cargas, e de empresas desse ramo, aproveitariam todos os motoristas que, por exemplo, trabalhem transportando cargas para o comércio varejista. O mesmo aconteceria com a convenção coletiva negociada pelos sindicatos dos jornalistas e empresas de jornalismo, que regularia os contratos de trabalho dos jornalistas que eventualmente trabalham numa assessoria de imprensa de uma grande indústria petrolífera. Nesse sentido, há um precedente interessante, a despeito da crítica de parte da doutrina jurídica (SAAD; SAAD; BRANCO, 2011, p. 427), que é a situação dos trabalhadores em serviços de telefonia, reconhecidos enquanto tais na medida em que seus empregadores fossem “empresas que explorem o serviço de telefonia […]” (CLT, art. 227, caput). Tratados de forma diferenciada, em razão das peculiares condições de trabalho, o tratamento dispensado pela lei a essa categoria profissional foi estendido, irrompendo o estreito limite categorial e alcançado a órbita ocupacional. Desde o início da década de oitenta, a disposição diferenciada dos arts. 227 a 231, da CLT aproveita todos os profissionais de telefonia (Súmula nº 174, TST), independentemente da atividade preponderante do seu empregador.

[7] Aqui, no sentido análogo ao que propôs Dinamarco (1996), transposto do fluxo processual e adaptado à dinâmica do enquadramento sindical.


Informações Sobre os Autores

Luiz Felipe Monsores de Assumpção

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Auditor-Fiscal do Trabalho. Economista e bacharel em direito. Especialista em direito do trabalho. Mestre e doutorando em ciências jurídicas e sociais. Professor do Centro Universitário Geraldo di Biase

Ricardo Marcelino Guilherme

Acadêmico do curso de Direito do Centro Universitário Geraldo di Biase


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