A multiparentalidade no Século XXI: possibilidades e efeitos jurídicos

Resumo: O artigo a seguir explora a temática relativa à Multiparentalidade no Século XXI, a fim de dissertar sobre o seu conceito jurídico, bem como analisar a sua possibilidade no Direito Brasileiro. Não obstante, visa igualmente explorar as possibilidades acerca de seus efeitos sucessórios. Ademais, tem como objetivos ponderar a evolução familiar e os acontecimentos legais que contribuíram para isto, além de observar os novos modelos familiares e apresentar novos estudos sobre a sua possibilidade jurídica.

Palavras-Chave: Multiparentalidade. Século XXI. Direito Sucessório. Direito da Família.

Abstract: The following article explores the theme of Multiparentality in the 21st Century, in order to discuss its legal concept, as well as to analyze its possibility in Brazilian Law. Nevertheless, it also seeks to explore the possibilities of its succession effects. In addition, it aims to consider the family evolution and the legal events that contributed to this, besides observing the new family models and presenting new studies on their legal possibility.

Sumário: Introdução. 1. A importância do estudo da Multiparentalidade. 2. A Família ao longo da História. 3. O Conceito de Família na História Brasileira: 3. Considerações finais. Referências.

1 INTRODUÇÃO

Por muito tempo a família foi vista como símbolo de sucesso pessoal, como representação da conquista da meta imposta pela sociedade: crescer, casar e reproduzir. Assim, era instituto estático e formal no qual, prevalecia apenas a vontade do homem (pai/marido). Desta forma, O ordenamento precisou de quase cem anos para ter uma transformação no direito de família, pois até o pouco tempo atrás o código em que vigorava era o de 1916.

O estatuto da mulher casada de 1962 trouxe outra realidade no contexto familiar, pois antes dele a mulher era considerada um ser relativamente incapaz, equiparada aos silvícolas e aos menores impúberes, sujeitando-se à autoridade do pai, e quando casada a do marido.

Até a vigência da Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977, o divorcio era um instituto ate então inexistente em nosso ordenamento jurídico, passando a designar o desquite como separação judicial. Sendo modificado durante a historia do ordenamento jurídico, até que o único fator imprescindível para ocorrer o divorcio, é a vontade exclusiva de um ou de ambos os cônjuges.

Todavia, em 1988 houve uma grande evolução no direito de família, em que foi a Constituição da Republica Federativa do Brasil, que apresentou ao mundo jurídico princípios para relacionar-se com a entidade familiar. Antes só era família a união legitima, pois o único modo de dissolução do casamento era o desquite, todavia pessoas desquitadas não poderiam casar. Já existia a união estável, porém eram reconhecidas como concubinato, essas pessoas se uniam, mas não queriam se casar. Assim, não há nenhum tipo de violação, diferente do concubinato impuro.

A sociedade foi se transformando e o numero de famílias que se criaram paralelamente ao casamento foi muito significativo. Tendo o nosso ordenamento jurídico, apresentado outras modalidades de família não só a advinda do casamento, por exemplo: a homoafetiva, a união estável, a anaparental e a monoparental. Com o tempo, foi tornando-se comum os casos em que o amor, o cuidado, a atenção e o carinho se materializaram em um vinculo onde sobrepõe qualquer laço sanguíneo. Desta maneira, o individuo teria que escolher entre os vínculos distintos, mas de importância igualitária. Assim o ordenamento jurídico precisou evoluir de acordo com a sociedade, tornando possível a multiparentalidade, pois, o principio da afetividade e da dignidade humana não poderia ser deixado de lado. 

A partir do artigo 227, parágrafo 6º, da Constituição Federal todos os filhos havidos dentro ou fora do casamento, ou por adoração serão considerados igualmente para todos os fins legais, proibindo-se quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. Assim, é com clareza que o legislador constituinte, sem a devida intenção, formalizou que é possível ocorrer uma filiação de multiparentalidade. Assim os filhos havidos em uma união, poderão ser reconhecidos por outra união, criando-se afeto entre ambas.

Há a necessidade de observar a finalidade da multiparentalidade, para que seja uma forma justa de instituir à filiação o vinculo afetivo e o biológico, de forma que andem lado a lado, pois por muitas vezes o afetivo sobrepõe os laços sanguíneos.

Desta forma, as considerações essenciais à família se diferem da do passado, pois o ordenamento jurídico visa à reestruturação do corpo familiar, sendo inadmissível um modelo único de família, constituído por uma mãe, um pai, unidos pelo casamento e a prole em comum.

Assim, este trabalho tem por foco debater a teoria da multiparentalidade. Porém há um grande desafio, pois a possibilidade jurídica do reconhecimento concomitante de filiações plenas requer deveres e direitos, inclusive os sucessórios.

3 O CONCEITO DE FAMÍLIA

Ao longo dos séculos podemos analisar que a família brasileira passou por grandes transformações, uma vez que surgiu como um fenômeno natural, fruto da precisão do ser humano em instituir relações afetivas de forma estável. Todavia, a família brasileira tem como base a sistematização formulada pelo direito romano e pelo direito canônico.

Aurea Pimentel Pereira delineou a composição da família romana nesta proporção:

“Sob a auctoritas do pater familias, que, como anota Rui Barbosa, era o sacerdote, o senhor e o magistrado, estavam, portanto, os membros da primitiva família romana (esposa, filhos, escravos) sobre os quais o pater exercia os poderes espiritual e temporal, à época unificados. No exercício do poder temporal, o pater julgava os próprios membros da família, sobre os quais tinha poder de vida e de morte (jus vitae et necis), agindo, em tais ocasiões, como verdadeiro magistrado. Como sacerdote, submetia o pater os membros da família à religião que elegia”. (PEREIRA, 1991, p. 23.)

Assim, é perceptível que nesta época a família era instituída pelos costumes, sem posicionamento jurídico. Porem, para que fosse considerada família, era necessário haver um casamento, pois este era a base. Pois bem, com a ascensão do Cristianismo, a Igreja Católica assumiu a função de estabelecer a disciplina do casamento, considerando-o um sacramento (CAVALCANTI,2004, p. 31.)

É perceptível que a igreja possuía monopólio sobre a instituição do casamento, sendo esta que ditava as regras pertinentes ao matrimonio. As normas reguladoras do casamento seguiam os ditames do Concílio de Trento de 1563 e das Constituições do Arcebispo da Bahia. Todavia, o Estado decidiu intervir criando um matrimonio misto.

Assim, com resistência dos indígenas em serem escravizados, os portugueses optaram por trazer a mão de obra africana. Instalando-se estes no Brasil, trouxeram a miscigenação e influenciaram a cultura, a crença e o comportamento dos povos que aqui habitavam. Todavia, o catolicismo ainda reinava e só a partir da Lei do Marquês de Pombal que foi permitido entre brancos e gentios o casamento. Sendo notório que o Direito Canônico por vias mantinham todas as famílias sob fiscalização e vigilância.

Portanto, a família se incorporou no Brasil através de uma mistura de raças e culturas, sob controle do poder da igreja católica. Sendo a base da evolução da família.

2 O CONCEITO DE FAMÍLIA NA HISTÓRIA BRASILEIRA
Por tais questões historias, percebemos que foi inviável manter apenas um conceito de família, tendo a obrigação de evoluir de acordo com a sociedade, como ocorreu desde a vigência do código de 1916 até os dias atuais. Pois, aconteceram marcos na historia do nosso país que resultaram em ampla evolução do instituto familiar.  

Carlos Roberto Gonçalves institui nesse sentido:

“O Código Civil de 1916 e as leis posteriores, vigentes no século passado, regulavam a família constituída unicamente pelo casamento, de modelo patriarcal e hierarquizada, ao passo que o moderno enfoque pelo qual é identificada tem indicado novos elementos que compõem as relações familiares, destacando-se os vínculos afetivos que norteiam a sua formação”. (GONÇALVES, 2005, p. 16).

Assim é possível analisar que o Direito foi evoluindo de acordo com o anseio e os problemas sociais, de forma que foi quebrando paradigmas para que pudesse acompanhar a sociedade. Todavia, este desenvolvimento continuou garantindo os direitos e deveres da família, atualizando os aspectos essenciais e resguardando os princípios fundamentais.

O Código Civil de 1916, nascido sob a influência da Revolução Francesa, adotava os valores do "Estado Liberal". As famílias tinham interesses simplesmente procriacionais e patrimoniais, sendo estas patriarcais, autoritárias, hierarquizadas e formais, pois os homens dos lares eram responsáveis e possuíam liberdade para gerenciar a mulher, os filhos e o patrimônio da maneira que achassem melhor. Assim, a mulher por ser considerada relativamente incapaz, só passou a ter capacidade com instituição do Estatuto da Mulher casada, em 1962. Em que se tornou um marco muito importante, pois garantiu igualdade entre homens e mulheres, revogando diversas normas descriminalizadoras da mulher. 

Passaram-se quinze anos e o ordenamento criou-se em 26/12/1977, a Lei do Divorcio em que foi se adaptando ao anseio do social, até tornar-se possível a dissolução do casamento, apena por desejo dos cônjuges. Assim, detectado o fim do afeto que unia o casal, não há sentido em se tentar forçar uma relação que não se sustentaria mais. Desta forma, para a separação quanto para o divorcio a tendecia deve ser sempre sua facilitação.

Segundo CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD:

"Infere-se, pois, com tranqüilidade que, tendo em mira o realce na proteção avançada da pessoa humana, o ato de casar e o de não permanecer casado constituem, por certo, o verso e o reverso da mesma moeda: a liberdade de auto-determinação afetiva.”

Com o advento da Constituição da Republica Federativa do Brasil, legalizou-se os valores e costumes que já existiam na sociedade, expandindo o conceito de família e protegendo todos os componentes desta. Com a instituição dos princípios constitucionais do Direito de Família, reconheceu as novas espécies
de família que se construíram ao longo dos séculos.

Em 13/07/1990, foi criada a Lei n° 8069, descrita como Estatuto da Criança e do Adolescente, em que aprovou igualdade em os pais no exercício do pátrio poder, sendo responsabilidade de ambos o sustento, a educação, e a guarda da prole.

2  FILHOS E SOCIOAFETIVOS BIOLÓGICOS;

Por muito tempo o afeto não era reconhecido no ordenamento jurídico, porém com o passar dos anos instituiu-se de forma concreta na sociedade, sendo hoje reconhecido. Segundo Heloisa Helena é um elemento constituído por dois diversos aspectos, quais sejam o social e o afetivo.

Teixeira e Rodrigues complementam o ensinamento clarificando que o afeto apresenta-se no ordenamento jurídico de duas maneiras: como um princípio e como uma relação.

Assim, se fundou o conceito de filhos socioafetivos, advindos da convivência diária e do respeito que há entre pessoas que se enxergam e vivem como pais e filhos. Estão presente em todos os elos parentais sejam biológicos ou de adoção. Todavia, estar presente em relações em que não possui qualquer vínculo de reconhecimento parental e, nesses casos torna-se necessário o elo entre pais e filhos. Assim entende-se que família não é só um grupo natural e sim cultural. Porém tal liberdade de elo requer responsabilidade das pessoas em que firmaram viverem características de uma verdadeira entidade familiar.  

“Segundo Teixeira e Rodrigues, no nosso ordenamento já existem vários dispositivos que tutelam os vínculos de socioafetividade, como a irrevogabilidade daadoção, a cláusula de parentesco por outra origem [art. 1.593, CC], a possibilidade dese fazer inseminação artificial heteróloga “[art. 1.597,V, CC].

3. A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DA MULTIPARENTALIDADE

Analisando a evolução da família, desde o código de 1916 até o ano corrente, passando por todas as etapas significativas, é possível perceber o progresso do conceito de família, afeto, prole, direitos e deveres.

Desta forma, passou a surgir varias modalidade, pois com as possibilidades de constituir e desconstituir lares, o Direito precisou observar os sentimentos e os indivíduos a que estão envolvidos nessa evolução. Assim, para que o Direito contribua e resolva todos os conflitos em que estão surgindo, é preciso que haja um olhar do legislador para o desenvolvimento familiar.

Portando, este trabalho tem o objetivo de estudar o surgimento de uma nova modalidade familiar, a multiparentalidade, a anuência formal e legal desta coexistência de maternidade e paternidade e seus efeitos sucessórios. Pois socialmente são inúmeros os casos em que esta modalidade é comum. Porém, formalmente o poder judiciário trabalha com o critério de exclusão, se já existe um pai a prole não pode estabelecer um vinculo civil com outro pai.

Todavia, o Direito precisa evoluir junto com a sociedade, para que haja um complemento entre ambos. Assim, estudar esta nova modalidade é fundamental para que sejam criados mecanismos em que o ordenamento jurídico possa abraçar esta causa, ao invés, de causar possíveis transtornos com o critério de exclusão, violando princípios constitucionais. Desta forma, a partir do momento em que gerar o vínculo de parentesco entre os cogenitores, o filho terá direito a alimentos, direito de sucessão e direito previdenciário de ambos os genitores. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo de tal temática ainda é considerado recente e pouco difundido pela grande maioria dos juristas brasileiros, tendo em vista de tal tema ser pouco aceitável, diante do conceito jurídico empregar o critério de exclusão, afirmando que se já existe um pai civilmente não seria viável outro.

Ademais, é importante que se entenda que Parentalidade e Filiação são temas que não podem ser delineados individualmente. Os dois temas estão conexos com o invisível cordão do afeto e do melhor interesse da criança.

Desta feita, o Direito deve se preparar para ocasiões onde  onde o filho, apesar de poder ter somente carga genética de um homem e uma mulher, possuir vários pais e/ou várias mães, conservado assim a decência e individualidade de cada ser humano.

É para isto que tal estudo serve, para amparar o Direito quantos aos novos conceitos familiares do século XXI.

Não obstante, apesar de se observar que tal temática tem sido pontualmente discutida, precisa se considerar que esta já vem sendo utilizada pela Jurisprudência de alguns Tribunais, demonstrando que anseio da sociedade é volumoso acerca de tal e que a dignidade da pessoa humana deve ser o princípio e o fim do Direito, devendo tal ser humano ver respeitados os seus direitos mais íntimos relativos ao afeto e a parentalidade.

Portanto a MULTIPARENTALIDADE atualmente é uma realidade em centenas de famílias. A ciência do Direito deve recebê-la e abriga-la como resultado de uma evolução social. Famílias, em toda sua diversidade são realidades que se impõem, devendo a MULTIPARENTALIDADE deve ser inserida e considerada no ordenamento jurídico como um novo perfil familiar, a fim de que a dignidade de cada integrante desta família seja respeitada.

 

Referências
CHAVES, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 277. Leia mais: http://jus.com.br/artigos/16969/a-nova-emenda-do-divorcio/2#ixzz3G20y4KTh
BARBOZA, Heloisa Helena. Efeitos jurídicos do parentesco socioafetivo. 2013.
IBDFAM. Direito das Famílias e Sucessões, Porto Alegre: Magister; Belo horizonte: IBDFAM, ano 10, n. 9, p. 31, abril/maio 2009.
CHAVES, Cristiano e ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 277. Leia mais: http://jus.com.br/artigos/16969/a-nova-emenda-do-divorcio/2#ixzz3G20y4KTh)
RIZZARDO, Arnaldo. Direito de Família, 1. ed., Rio de Janeiro: AIDE, 1994, v. I, p.29. )
CAVALCANTI, Ana Elizabeth Lapa Wanderley. Casamento e união estável: requisitos e efeitos pessoais. Barueri-SP: Manole, 2004, p. 31.)
MULTIPARENTALIDADE preserva interesse do menor. IBDFAM. [S.I.], v, n, Junho, 2014, p. Disponível em https://www.ibdfam.org.br/noticias/5329/Multiparentalidade+preserva+interesse+do+menor


Informações Sobre o Autor

Vanessa Moreira Silva Regly

Advogada graduada pelas Faculdades Integradas do Extremo Sul da Bahia Unesul/Bahia e Pós-graduanda em Direito Processual Civil


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