A suspensão dos direitos políticos e as condenações criminais com substituição da reprimenda corporal por restritiva de direitos

Resumo: Constitui óbice ao exercício dos direitos políticos a condenação criminal transitada em julgado. Cinge-se este artigo à análise da possibilidade de mitigação de aludida norma constitucional nos casos em que, na sentença penal condenatória, a pena privativa de liberdade for substituída por pena restritiva de direito. Para tanto, foi realizada pesquisa bibliográfica, perpassando pelo entendimento de autores consagrados na legislação de direito eleitoral, constitucional e penal, como COSTA (2000), RAMAYANA (2006), CONCEIÇÃO (2010), MORAES (2016) e CUNHA (2016). O tema foi reconhecido como de repercussão geral pelo STF e é palco de inúmeras discussões, em razão de sua relevância social e jurídica e das implicações que a suspensão dos direitos políticos traz para o indivíduo.

Palavras-chave: Sufrágio. Condenação criminal. Pena restritiva de direito. Suspensão. Direitos políticos.

Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento 3. Conclusão. 4. Referências

Introdução

O Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, dentre outros, a soberania e a cidadania. A soberania garante a participação popular no poder e, um dos instrumentos que viabilizam a intervenção do povo na condução da coisa pública são os direitos políticos, cuja titularidade é pressuposto para que o indivíduo seja intitulado como cidadão.

Em situações excepcionais, o cidadão pode ser privado, definitiva ou temporariamente de seus direitos políticos, denominando-se esta última, de suspensão.

Uma das hipóteses constitucionais que implica suspensão dos direitos políticos (art. 15, III, da CF/88) é a condenação criminal transitada em julgado. Contudo, nas hipóteses em que a reprimenda corporal for substituída por pena restritiva de direitos, vige celeuma sobre a ausência de incompatibilidade do pleno exercício dos direitos políticos com o cumprimento da sanção penal.

Aludida norma constitucional não distingue o tipo de crime que originou a condenação, nem mesmo a quantidade ou qualidade da pena.

Contudo, há quem defenda que a ausência de limitação carcerária exclui o óbice constitucional, a despeito da auto aplicabilidade da norma.

De acordo com Conceição,

“O art. 15, inc. III, da Constituição Federal, tem fundamento essencialmente ético. Seu escopo, portanto, é, por meio da suspensão de direitos, afastar, temporariamente, do espaço político, no qual são geradas, discutidas e decididas as principais questões da nação, aquelas pessoas que, em razão de terem cometido fatos desabonatórios, são consideradas inaptas para participar de decisões tão relevantes”. (CONCEIÇÃO, 2010, P. 171).

Neste contexto, pretende o presente artigo trazer a lume os argumentos que fomentam tal discussão, que é, inclusive, protagonista do tema 370 no Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a relevância jurídica e social da controvérsia e, portanto, sua repercussão geral.

Cabe registro acerca do recurso metodológico utilizado, que perpassa pela pesquisa bibliográfica correlata à literatura publicada, fundando-se o que ora é pontuado no entendimento de doutrinadores como CONCEIÇÃO (2010), COSTA (2000), RAMAYANA (2006), MORAES (2016) e CUNHA (2016).

Desenvolvimento

Os direitos políticos são direitos fundamentais garantidos constitucionalmente. Não se cingem ao voto – apesar de ser o sufrágio (direito de votar e de ser votado) a pedra angular dos direitos políticos – abrangendo, também, o direito à alistabilidade, à iniciativa popular de lei, à ação popular e ao direito de criar e organizar partidos políticos.

Sobre a definição de direitos políticos, como bem pontua Marcos Ramayana (2006, p. 166), é tradicional a de Pimenta Bueno:

“[…] prerrogativas, os atributos, faculdades, ou poder de intervenção dos cidadãos ativos no governo de seu país, intervenção direta ou indireta, mais ou menos ampla, segundo a intensidade do gozo desses direitos.

São o Jus Civitatis, os direitos cívicos, que se referem ao Poder Público, que autorizam o cidadão ativo a participar na formação ou exercício da autoridade nacional, a exercer o direito de vontade ou eleitor, o direito de deputado ou senador, a ocupar cargos políticos e a manifestar suas opiniões sobre o governo do Estado.”

A cassação dos direitos políticos é vedada, conforme dispõe o art. 15 da Constituição Federal de 1988. Portanto, a perda ou a suspensão de aludidos direitos só se mostra viável nas hipóteses arroladas taxativamente no texto constitucional. O foco do presente artigo cinge-se à suspensão dos direitos políticos em decorrência de condenação criminal cuja reprimenda corporal for substituída por pena restritiva de direitos.

De início, interessante trazer a lume as lições de Alexandre de Moraes sobre a auto aplicabilidade da suspensão dos direitos políticos, novidade inaugurada pela Constituição Federal de 1988:

“Anote-se que, diferentemente da Constituição anterior, não se trata atualmente de norma constitucional de eficácia limitada à edição de uma futura lei complementar, o que impediria a aplicação imediata da suspensão dos direitos políticos como ocorria. O art. 149, §2º, c, com a redação dada pela Emenda Constitucional nº 01, de 1969, determinava que: “Assegurada ao paciente ampla defesa, poderá ser declarada a perda ou a suspensão dos seus direitos políticos por motivo de condenação criminal, enquanto durarem seus efeitos”. Porém, o §3º desse mesmo artigo estipulava a necessidade de edição de lei complementar para dispor sobre a especificação dos direitos políticos, o gozo, o exercício, a perda ou suspensão de todos ou de qualquer deles e os casos e as condições de sua reaquisição. Em virtude dessa redação, entendia o Supremo Tribunal Federal que a condenação criminal transitada em julgado não importava na automática suspensão dos direitos políticos, em face da inexistência da lei complementar exigida pela Constituição Federal. A partir da Constituição Federal de 1988, a suspensão dos direitos políticos em virtude de condenação transitada em julgado se dá ainda que em curso o período de prova do sursis, conforme destacado pelo Supremo Tribunal Federal: “Em face do disposto no artigo 15, III, da Constituição Federal, a suspensão dos direitos políticos se dá ainda quando, com referência ao condenado por sentença criminal transitada em julgado, esteja em curso o período da suspensão condicional da pena”. (MOARAES, 2016, p. 439/440).

Acerca da abrangência, a norma constitucional não distingue quanto ao tipo de crime cometido, como ilustra Adriano Soares da Costa:

“[…] pouco importa se a sentença penal procedente apena (irroga a pena) o nacional pela prática de homicídio, ou de latrocínio, ou de algum crime contra a administração pública, ou mesmo em virtude de prática de contravenção penal. Outrossim, desimportante se o crime apenado é doloso ou culposo. À anexação dos efeitos de suspensão de direitos políticos basta o trânsito em julgado da sentença penal de procedência (dita condenatória)’. (COSTA, 2000, p. 93).

No que concerne às penas restritivas de direitos, dispõe o art. 44 do Código Penal, que elas substituem as privativas de liberdade, quando presentes os requisitos legais. Leciona Rogério Sanches da Cunha (2016) sobre duas características que se extraem do dispositivo legal citado, substitutividade e autonomia. Vejamos: na sentença é fixada a reprimenda corporal e o regime inicial de cumprimento da pena para, em seguida, ser ela substituída pela restritiva de direitos, cabendo ressaltar que as duas não podem ser aplicadas cumulativamente.

Portanto, determinada por decisão judicial irrecorrível, a suspensão dos direitos políticos constitui efeito automático da sentença penal condenatória (decorrente da simples imposição da pena principal), sendo irrelevante o regime prisional fixado na sentença ou eventual substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos ou multa, bem como a concessão de sursis ou livramento condicional.

Nesse sentido, são elucidativas as lições de Calamandrei, citadas por Adriano Soares da Costa (2000, p. 91-92):

“Pierro Calamandrei ensina que não todos os efeitos jurídicos que a lei atribui à sentença se podem ligar à vontade nela formulada pelo Juiz, como conteúdo do julgamento. Por vezes a sentença produz certos efeitos não porque o Juiz havia querido que se produzisse e porque a sua produção havia constituído objeto, declarado ou implícito, do julgamento, mas porque, fora do campo dentro do qual pode mover-se o poder de decisão conferido ao Juiz, a sentença vem considerada pela lei como fato produtivo de efeitos jurídicos, pela lei mesma criados e não dependentes da decisão contida na sentença. Por isso, curial distinguirem-se os efeitos internos da sentença, que são consequências de seu conteúdo decisório, como causa da vontade declarada na sentença, daqueles efeitos externos, que a lei faz desencadear da sentença, considerada como fato material, produtor de per se de certas consequências jurídicas, verificadas independentemente da vontade do julgador. Por conseguinte, o efeito anexo da sentença (espécie de efeitos sencundários) é “effetto esterno dela sentenza considerata come fatto giuridico, produtivo di conseguenza derivante dalla legge e indipendenti dala volontà del fiudicante”

Outrossim, há quem defenda que, inexistindo incompatibilidade física ao exercício dos direitos políticos – por não se encontrar o condenado recolhido ao cárcere – não é cabível a sua suspensão, eis que aludida restrição vai de encontro ao ideal desencarcerador delineado pela Constituição Federal de 1988.

Para Pontes de Miranda, contudo, a motivação do legislador não está atrelada à privação da liberdade, mas sim à ordem ética, consoante se extrai do voto do Ministro Moreira Alves, no Recuso Extraordinário 179.502-6:

“De feito, tem razão Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967, tomo IV, p. 569, Revista dos Tribunais, São Paulo, 1967) ao salientar que a ratio dessa suspensão não é a privação da liberdade, mas de ordem ética. Diz ele:

‘Na Constituição Política do Império do Brasil, o art. 8º, 2º, entendia suspenso o exercício dos direitos políticos por sentença condenatória à prisão ou degredo. A Constituição de 1946, art. 135, § 1º, II, falou de condenação. Idem, a de 1967. Ali, atendia-se à restrição à liberdade: preso, ou degredado, não poderia votar, nem exercer direitos políticos; em consequência, bastariam os efeitos adiantados. Aqui, não: qualquer sentença condenatória basta; o fundamento é ético; em consequência, é preciso o trânsito em julgado’.”

Nesta toada, é interessante trazer à baila excerto do entendimento do Min. Moreira Alves, lançado no RE supra:

“Observo, por outro lado, que se a condenação criminal a que se refere o artigo 15, inciso III, da Constituição tivesse a sua ratio na circunstância de que o recolhimento do preso inviabilizaria o exercício dos direitos políticos, não exigiria esse dispositivo constitucional – e o fez expressamente, ao contrário do que ocorria nas demais Constituições republicanas que tivemos – o trânsito em julgado dessa condenação, pois a mesma ratio se aplicaria às prisões que se admitem antes da ocorrência do trânsito em julgado de condenação criminal (…)”.

Assim, diante da relevância dos direitos políticos no sistema democrático vigente, é imperiosa a suspensão dessa garantia constitucional para os cidadãos que infringem a legislação penal, evitando-se a interferência de tais indivíduos na estrutura estatal através do voto, enquanto durarem os efeitos da condenação, independentemente da sanção penal que lhes seja aplicada.

Conclusão

Apesar da repercussão geral do tema ter sido reconhecida em 04 de março de 2011, no RE 601182 RG/MG, ainda não houve julgamento do mérito.

No entanto, prevalece o entendimento de ausência de incompatibilidade da suspensão dos direitos políticos na hipótese de substituição da pena corporal por restritiva de direitos. Com efeito, tal substituição não descaracteriza o decreto condenatório, revelando apenas uma forma de execução da pena.

Ademais, como explicitado, a suspensão dos direitos políticos para os condenados criminalmente não é uma pena, que pode ou não ser aplicada, mas uma consequência ética, com efeito imediato e auto aplicável sobre as decisões transitadas em julgado, enquanto durarem seus efeitos.

Portanto, se o texto constitucional – art. 15, III – não distinguiu, para fins da aplicabilidade da suspensão dos direitos políticos, entre a qualidade ou quantidade das penas, a natureza e gravidade dos crimes praticados e, sobretudo, entre as infrações penais passíveis de substituição da pena corporal, suspensão condicional da pena ou outros benefícios liberatórios, não cabe a seu intérprete fazê-lo, devendo ser suspensos os direitos políticos em razão de condenação criminal com trânsito em julgado, enquanto durarem seus efeitos.

 

Referências
COSTA, Adriano Soares. Instituições de Direito Eleitoral. 4ª ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000.
Pinto Ferreira, Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. In: RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 6ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006.
CONCEIÇÃO. Tiago de Menezes. Direitos políticos e fundamentais e sua suspensão por condenações criminais e por improbidade administrativa. Curitiba: Juruá, 2010.
MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 32ª ed. São Paulo: Atlas, 2016.
CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 4ª ed. rev. ampl.e atual. Salvador: JusPodivm, 2016.
RE 179502, Rel. Min. Moreira Alves, Tribunal Pleno, julgado em 31/05/1995, DJ 08-09-1995 PP-28389 EMENT VOL-01799-09 PP-01668. Disponível em http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=224548. Acesso em 27.01.2017.

Informações Sobre o Autor

Erica Machado da Costa e Souza

Graduada em Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos/Barbacena em 2004. Pós-graduanda em Direito Penal Militar e Processual Penal Militar pela Academia da Polícia Militar de Minas Gerais. Tecnóloga em Gestão Pública pela Faculdade Estácio de Sá em 2016. Analista Judiciária do Ministério Público de Minas Gerais


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