Eficiência ameaçada: Uma análise crítica sobre a disciplina legal dos bens penhorados em execuções individuais antes da decretação da falência

Resumo: Este artigo consiste em uma reflexão crítica acerca da disciplina reservada pela Lei nº. 11.101/05 às execuções individuais com bens já penhorados antes da falência do devedor. Identifica o objetivo daquela disciplina legal como sendo o de privilegiar a celeridade e a economia processual, de maneira que as execuções individuais nestas circunstâncias não serão suspensas automaticamente pela decretação da falência, cabendo ao administrador judicial apenas a opção entre arrecadar apenas o produto da venda ou remir o bem. Critica a inconveniência desta disciplina frente aos princípios da maximização dos ativos e da preservação da empresa por ter o efeito prático de levar ao possível desmantelamento da empresa e também à perda dos ativos intangíveis, prejudicando a eficiência da falência. Conclui pela necessidade de arrecadação de todos os bens do falido irrestritamente, mas que, até haver atualização legislativa neste sentido, caberia ao juízo da execução suspendê-la por prejudicialidade externa, caso haja manifestação fundamentada do administrador judicial neste sentido.

Palavras-chave: Falência. Execução. Penhora. Empresa. Preservação.

Abstract: This paper consists in a critical analysis about the discipline established by Law nº. 11.101/05 to individual enforcement procedures with already-done liens before the debtor’s insolvency. It identifies the purpose of that legal discipline as to privilege procedural promptness and economy in so far as individual enforcement procedures in such circumstances shall not be automatically suspended by judicial declaration of insolvency, and it’s for the judicial trustee to decide whether to collect only the price payed for the asset or to redeem it before. It criticizes this discipline’s inconvenience towards the principles of maximization of assets and company preservation for its practical effects of possibly dismantling the company and reducing its intangible assets, prejudicing the insolvency procedure efficiency. It concludes for the need of unrestricted collection of every assets of the insolvent debtor, but that until there shall be a legislative adjustment in this way, the enforcement Court could suspend the enforcement procedure for prejudice in the judicial trustee requests so justifiably.

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Key-words: Insolvency. Enforcement. Lien. Company. Preservation.

Sumário: Introdução. 1. Falência como execução concursal. 2. O regime legal da arrecadação dos bens penhorados e os princípios da celeridade e economia processual. 3. O princípio da eficiência aplicado à falência: preservação da empresa e maximização dos ativos. 4. Crítica que se faz à solução legal relativa aos bens penhorados. 5. Tendências doutrinárias, jurisprudenciais e nossa posição. Conclusão.

Introdução.

A decretação da falência pelo Poder Judiciário produz sérias e graves consequências sobre o patrimônio do empresário devedor dada a função expropriatória e liquidatória do procedimento.

É certo que o procedimento falimentar, em sua segunda fase, adquire foros de uma execução concursal, congregando, sob a supervisão de um juízo universal, toda a massa falida, o que compreende a universalidade dos credores do empresário falido e de seus bens, que deverão ser liquidados para fins de pagamento dos credores segundo a ordem legal.

Para viabilizar a consecução deste objetivo prefacial, garantindo a unicidade do juízo falimentar, as execuções individuais movidas pelos credores contra o empresário devedor devem ser suspensas após a quebra, remetendo-se todos os credores à sorte da execução concursal.

Da mesma maneira, cabe ao administrador judicial da massa falida promover os atos necessários à arrecadação da totalidade do patrimônio do devedor para colocá-lo à disposição do juízo falimentar para avaliação e posterior expropriação para gerar os recursos necessários ao pagamento dos credores e garantir a continuidade da empresa mãos mais habilidosas.

Dentro desta perspectiva inicial, poder-se-ia pensar que a decretação da falência teria como consequência também a arrecadação dos bens que foram objeto de penhora nas execuções individuais dos credores do empresário falido, que serão suspensas pela sentença de quebra.

Todavia, ao contrário do esperado, o art. 108, § 3º, da Lei nº. 11.101/05, determina a arrecadação apenas do produto dos bens penhorados, excepcionando a suspensão das execuções individuais para permitir a alienação judicial do bem penhorado naquele procedimento diretamente, encaminhando ao juízo falimentar unicamente o preço pago pelo arrematante do bem.

Apesar dos encômios que parte da doutrina reservou àquele preceito, na medida em que a falência assume hodiernamente características e princípios novos, entre eles o da preservação da empresa e da maximização dos ativos, a disciplina legal reservada à sorte dos bens penhorados, após uma reflexão ponderada, não deixaria de provocar desconforto.

Neste artigo, faremos uma reflexão sobre os referidos princípios dentro do Direito Falimentar e das novas características e funções do instituto da falência para, então, tomarmos partido entre aquelas vozes que buscam a reformulação daquela disciplina legal.

1. Falência como execução concursal.

A falência é um instituto jurídico que simultaneamente congrega normas de direito material, processual e criminal, sem prevalência de qualquer deles, pelo que se defende possuir natureza sui generis, ainda que se desenvolva eminentemente como uma execução[1].

Semelhantemente a uma execução comum, a falência tem, como um de seus objetivos primordiais, embora não o único, promover a expropriação compulsória do patrimônio do devedor para satisfazer compulsoriamente a obrigação inadimplida, cabendo ao magistrado, com o auxílio do administrador judicial, a prática de atos materiais para a obtenção dos recursos necessários a tanto[2].

Contudo, enquanto que a execução comum se faz de maneira individual ou até coletiva, a falência é uma execução concursal, obrigatoriamente reunindo, nas mãos de um único juízo: o da falência, todo o patrimônio do devedor falido e todo o universo de seus credores, razão pela qual se costuma atribuir ao juízo da falência a qualidade de juízo universal.

Nela, busca-se assegurar o tratamento paritário entre os credores dentro de um valor de justiça, garantindo a todos eles a chance de receberem pelo menos uma parte de seu crédito e dentro de uma ordem de prioridades pré-definida[3], evitando-se assim que os credores mais diligentes recebam todo seu crédito enquanto outros, quicá até mais necessitados, nada recebam, como muito bem explica o preclaro jurista Fábio UIhoa Coelho (2005, p. 192-193).

“Quando, porém, o patrimônio do devedor é representado por bens cujos valores somados são inferiores à totalidade das suas dívidas, ou seja, quando alguém deve mais do que tem para pagar, a regra da individualidade da execução torna-se injusta, porque execuções individuais não possibilitam discriminar os credores, de acordo com os graus de necessidades ou garantias contratadas, com o objetivo de atender a uns antes dos outros; não dá, por outro lado, aos credores duma mesma situação jurídica, titulares de crédito de igual natureza, as mesmas chances. Se é prestigiada a execução individual, quando o dever não tem meios de pagar tudo o que deve, os credores que se antecipassem na propositura das respectivas execuções individuais teriam grandes chances de receber a totalidade dos seus créditos, enquanto os que demorassem – até porque, eventualmente, nem tivesse ainda vencido a respectiva obrigação – muito provavelmente não receberiam nada, visto que, ao moverem suas execuções individuais, encontrariam o patrimônio do devedor já totalmente exaurido.

Para evitar a injustiça – privilegiando os mais necessitados, tornando mais eficazes as garantias legais e contratuais ou conferindo iguais chances de realização do crédito a todos os credores de mesma categoria – o direito afasta a regra da individualidade da execução e prevê, na hipótese, a instauração da execução concursal, isto é, do concurso de credores”.

Para assegurar que o procedimento alcance esse objetivo inicial (mas não o único), a decretação da falência produz um conjunto de efeitos imediatos, entre eles o de promover o desapossamento do devedor de seus bens e o de suspender o curso das execuções individuais, conforme expressamente previsto nos artigos 75, 99, V, VI e 108, da Lei nº. 11.101/05.

O desapossamento do devedor de seus bens é materializado pela arrecadação promovida pelo administrador judicial e, sob uma perspectiva processual, pode-se entendê-la como imissão de posse e também como penhora, constituindo espécie de constrição judicial destinada a assinar os bens sujeitos à execução coletiva, como nos explica Ricardo Tepedino (In SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes, 2007, p. 332).

Em uma visão teleológica da falência, Waldo Fazzio Júnior conclui que a Lei, ao determinar o imediato desapossamento do falido de seu patrimônio, pretende fazer com que “o devedor não possa assumir novas obrigações, nem por qualquer modo piorar a conjuntura patrimonial existente no momento da decretação da falência” (2005, p. 293).

E assim deve ser mesmo, pois não se pode perder de vista em momento algum que o patrimônio do devedor, presumivelmente inferior às suas dívidas, é a garantia[4] de que dispõem os credores para satisfazer os seus créditos ainda que parcialmente, devendo ser evitado o comportamento oportunista do falido e até de credores, bem como evitar-se o desvio ou sonegação de bens de maior valor e importância, de modo a reduzir a perda patrimonial.

O desapossamento dos bens do devedor em favor da constituição da massa falida objetiva também é uma medida que serve a outro propósito: o da preservação da empresa.

Isto porque a decretação da falência, “ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, visa a preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis da empresa”[5], tentando separar a sorte do empresário malsucedido à frente dos negócios da empresa propriamente dita, vendo-a sob o aspecto de universalidade organizada de bens com aptidão para a produção e circulação de bens ou serviços, gerando de benefícios sociais múltiplos entre os quais a criação de emprego e renda, o abastecimento do mercado de bens e serviços e o recolhimento de tributos, como ensina Waldo Fazzio Júnior (2005, p. 35-36):

“A conservação da atividade negocial é o ponto mais delicado do regime jurídico da insolvência. Ao contrário da concepção cirúrgica adotada na extinta LFC, pretende-se, com a LRE, na medida do possível, priorizar a recuperação sobre a liquidação. Só deve ser liquidada a empresa inviável, ou seja, aquela que não comporta uma reorganização eficiente ou não justifica o desejável resgate.

É bom frisar que a preservação da empresa não significa a preservação do empresário ou dos administradores da sociedade empresária. Proteger a atividade produtiva implica, quase sempre, apartar os reais interesses envolvidos na empresa dos interesses de seus mentores. A separação da sorte da empresa e de seus titulares apresenta-se, às vezes, como o caminho mais proveitoso no sentido de uma solução justa e eficaz para a conjuntura jurídico-econômica da insolvência.

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Se é verdade que a proteção do crédito mantenedor da regularidade do mercado é um intento que precisa ser perseguido, não é menos verdade que o interesse socioeconômico de resguardar a empresa, como unidade de produção de bens e/ou serviços, prevalece sobre quaisquer outros afetados pelo estado deficitário, porque se revela como o instrumento mais adequado para atender aos interesses dos credores, dos empregados e do mercado”.

Paralelamente ao desapossamento e à arrecadação do patrimônio do devedor, a suspensão das execuções individuais movidas contra a massa falida pelos credores também é um efeito da sentença de quebra que vai ao encontro destes objetivos aqui apresentados.

É que, na medida em que a falência se revela como um processo executivo de caráter concursal em juízo indivisível e universal visando garantir o tratamento paritário dos credores e a preservação da empresa, não é possível a concomitância de feitos de igual natureza.

Então, de acordo com o art. 6º, da legislação falimentar em vigor, decretada a falência, serão imediatamente suspensas todas as execuções individuais movidas por credores contra a massa.

Trata-se, como ensina Fábio Ulhoa Coelho, de uma consequência da sentença de quebra sobre os credores, retirando deles o seu direito à cobrança judicial contra o falido. Para ele:

“Seria de fato despropositado que os credores pudessem continuar exercendo individualmente seu direito à cobrança judicial, concomitante à tramitação do concurso. Estariam, nesse caso, sendo desenvolvidas duas medidas judiciais de idênticas finalidades, a execução individual e a concursal. Por essa razão, suspendem-se as execuções em que seja executado o falido (aqueles em que ele é exequente prosseguem).

Essa suspensão, na maioria das vezes, será definitiva, isto é, corresponderá à extinção do processo. As execuções individuais apenas retornarão seu curso regular caso a decretação da falência seja reformada no julgamento de recurso (agravo ou embargos)”. (2005, p. 38).

Desta feita, suspensas as execuções individuais, para que os credores possam haver a satisfação da obrigação inadimplida, passa-se a exigir-se deles que habilitem os seus créditos no juízo falimentar e que os submetam a uma verificação (primeiro perante o administrador judicial e depois em juízo, se houver impugnação, ou ainda se a habilitação for retardatária), provando-se a causa debendi, ainda que seja obrigação fundada em título de crédito abstrato.

As únicas exceções legais expressas são as execuções fiscais e as execuções em que tenha havido penhora de bens do patrimônio do devedor falido em momento anterior à quebra.

A justificativa para a não suspensão das execuções fiscais, embora bastante criticável cientificamente, se sustenta no princípio da imunidade concursal garantida aos créditos da Fazenda Pública pela legislação tributária e pela legislação falimentar em vigor, a partir de uma perspectiva da tutela do interesse público inato à atividade arrecadatória desenvolvida Estado, tendo em vista sua relação instrumento frente ao atendimento das necessidades públicas por meio dos serviços públicos prestados por ele à coletividade.

Por ora, nos interessa a percepção de que o efeito da sentença de falência que provoca suspensão das execuções individuais é o estímulo que leva os credores a buscar o procedimento falimentar para haverem a satisfação de seus créditos, o que, de outro modo, não fariam se pudessem dar continuidade às suas execuções de forma individualizada.

É apenas porque perdem o poder de expropriar o patrimônio do devedor para solver a dívida compulsoriamente que os credores se sujeitam às regras rígidas (e até mesmo penosas) do procedimento falimentar, rigidez esta necessária não apenas para a garantia do tratamento igualitário dos credores como também para a preservação da empresa.

É por esta razão que causa espécie a situação completamente anômala que a Lei reservou à disciplina das execuções individuais que contenham penhora de bens em momento anterior à falência, tema sobre o qual nos debruçaremos no próximo capítulo.

2. O regime legal da arrecadação dos bens penhorados e os princípios da celeridade e economia processual.

A falência se perfaz por meio de um procedimento especial bifásico. Destina-se a primeira fase ao reconhecimento da situação de insolvência do empresário devedor, de acordo com os requisitos estabelecidos em cada sistema de falência, enquanto que a segunda consiste na execução concursal propriamente dita, que tem por objetivo a formação da massa falida, a alienação do patrimônio do devedor e o pagamento final aos credores.

Com a decretação da falência serão suspensas todas as execuções individuais movidas contra o falido e, independentemente da formação da massa falida subjetiva, deverá o administrador judicial formar a massa falida objetiva por meio da arrecadação do patrimônio do devedor.

Vale ressaltar que serão objeto de arrecadação não apenas os bens que sejam de efetiva propriedade do devedor, mas também aqueles que estejam sob sua posse, cabendo a eventuais terceiros prejudicados buscarem reavê-los por meio de embargos ou de pedido de restituição.

Estão alheios à arrecadação promovida pelo administrador judicial unicamente os bens absolutamente impenhoráveis, visto que são extremes de constrição judicial[6] por força de Lei.

Em um raciocínio despretensioso, poder-se-ia pensar que, com a suspensão das execuções individuais como consequência da decretação da falência e o início dos atos de arrecadação praticados pelo administrador judicial, estivessem os bens penhorados também sujeitos à arrecadação.

Lendo engano. É que a legislação falimentar reservou aos bens já penhorados sorte diversa dos demais bens do empresário falido e, excepcionando a regra geral da suspensão das execuções individuais, permite que ela tenha prosseguimento para fins de promover a efetiva alienação do bem penhorado em hasta pública, individualmente, a despeito de tudo, recaindo a arrecadação apenas sobre o produto da alienação, i. e., o preço pago pelo arrematante.

É o que diz o art. 108, 3º, da Lei nº. 11.101/05:

“Art. 108. Ato contínuo à assinatura do termo de compromisso, o administrador judicial efetuará a arrecadação dos bens e documentos e a avaliação dos bens, separadamente ou em bloco, no local em que se encontrem, requerendo ao juiz, para esses fins, as medidas necessárias.

§ 3º O produto dos bens penhorados ou por outra forma apreendidos entrará para a massa, cumprindo ao juiz deprecar, a requerimento do administrador judicial, às autoridades competentes, determinando sua entrega”. (Grifos nossos).

De acordo com a claríssima disposição da legislação falimentar vigente, a regra é que, sobrevindo a sentença de quebra à situação de uma execução individual em que já tenha havido penhora de algum bem do patrimônio do devedor, ela não será suspensa pela quebra: antes, terá prosseguimento para levar o bem à praça e, então, o produto será disponibilizado ao administrador judicial para que o arrecade e o disponibilize ao juízo da falência.

Vislumbrando algum prejuízo à massa falida[7] com a alienação individual do bem penhorado, caberá ao administrador judicial, como representante legal dos interesses daquela, remi-lo, pagando ou consignando a importância atualizada da dívida corrigida e acrescida de juros moratórios (estes, calculados até a data da quebra), das custas e dos honorários advocatícios devidos ao patrono do credor, nos termos do art. 22, III, m, da Lei nº. 11.101/05 e do art. 826, do Código de Processo Civil.

Não tomado o administrador judicial esta iniciativa em tempo oportuno, cediço que a execução individual terá prosseguimento com a expropriação judicial do bem penhorado, de modo que restará ao auxiliar do juízo unicamente arrecadar o produto que for obtido da hasta pública.

É de se notar que esta autorização legal para a continuidade excepcional da execução singular não traz qualquer proveito ao credor que a promove, pois, malgrado a alienação judicial do bem penhorado se realize nos autos da execução individual, o produto será encaminhado ao juízo da falência, cabendo ao credor-exequente habilitar seu crédito nos autos da falência para ali eventualmente receber o pagamento de seus haveres dentro da ordem legal de preferências estabelecida em Lei e na proporção que lhe couber.

Vale dizer: não é porque a execução individual prosseguirá para fins de alienar o bem já penhorado antes da quebra que o credor-exequente terá qualquer privilégio em relação à comunidade de credores do falido. Com a arrecadação do produto e a exigência de habilitação de seu crédito no juízo da falência, garante-se o necessário respeito à par condicio creditorum.

Trata-se de uma evidente opção legislativa, distanciando-se o novel legislador da disciplina legal anteriormente reservada aos bens penhorados no regime do Decreto-Lei nº. 7.661/45.

De acordo com a disciplina da legislação revogada, decretada a falência, seriam suspensas as execuções individuais e arrecadados os bens nela penhorados, devendo eles ser entregues ao síndico e disponibilizados ao juízo da falência para agrega-los à massa falida.

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Exceção se fazia somente às execuções nas quais já houvesse sido designada data para o praceamento do bem penhorado antes da prolação da sentença de quebra, hipótese em que apenas o produto da arrematação seria entregue à massa, conforme previam os artigos 24, § 1º e 70, § 4º:

“Art. 24. As ações ou execuções individuais dos credores, sobre direitos e interesses relativos à massa falida, inclusive as dos credores particulares de sócio solidário da sociedade falida, ficam suspensas, desde que seja declarada a falência até o seu encerramento.

§ 1° Achando-se os bens já em praça, com dia definitivo para arrematação, fixado por editais, far-se-á esta, entrando o produto para a massa. Se, porém, os bens já tiverem sido arrematados ao tempo da declaração da falência, somente entrará para a massa a sobra, depois de pago o exequente”. (Grifos nossos).

“Art. 70. O síndico promoverá, imediatamente após o seu compromisso, a arrecadação dos livros, documentos e bens do falido, onde quer que estejam, requerendo para esse fim as providências judiciais necessárias.

§ 4º Os bens penhorados ou por outra forma apreendidos, salvo tratando-se de ação ou execução que a falência não suspenda, entrarão para a massa, cumprindo o juiz deprecar, a requerimento do síndico, às autoridades competentes, a entrega deles”. (Grifos nossos).

Da leitura dos dispositivos legais supratranscritos, pode-se notar que, enquanto na legislação anterior a regra geral era a arrecadação dos bens penhorados, que só não o seriam se já houvesse data designada para a hasta pública, na nova legislação, esta só não ocorrerá se o administrador judicial tomar a iniciativa de promover a remição do bem.

Na realidade, em vista da dicção expressa dos artigos 108, § 3º e 22, III, m, da Lei nº. 11.101/05, a única opção que a legislação permite é a de o administrador judicial remir o bem penhorado na execução individual, não havendo mais espaço algum para as soluções da Lei anterior.

A questão é que a legislação falimentar hodierna quis prestigiar os princípios da celeridade e da economia processual, tanto que os positivou no parágrafo único, de seu art. 75.

Referidos princípios não norteavam o regime jurídico falimentar do Decreto-Lei nº. 7.661/45, o que acabou por resultar em graves prejuízos aos credores em razão da demora do procedimento de alienação dos ativos, o que levava à perda de valor ante a depreciação dos bens, já que este só se iniciava após a estabilização do quadro-geral de credores.

Diferentemente, o art. 130, § 2º, da Lei nº. 11.101/05 admite a realização do ativo independentemente da formação daquele quadro-geral, ao mesmo tempo em que não apenas permite como determina o prosseguimento dos atos de expropriação praticados nas execuções individuais contra o falido quanto aos bens penhorados ex vi do art. 108, § 3º, entregando-se à massa apenas o seu produto, como nos ensina Vera Helena de Melo Franco (In SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes, 2007, p. 430).

Portanto, a positivação do princípio da celeridade e da economia processual na atual Lei de Falências tem a finalidade de justificar expedientes que visem a alienação expedita dos bens da massa falida evitando-se a depreciação pelos efeitos do tempo, como explica Kléber Nicola Bissolati (In COSTA, Daniel Carnio, 2015, p. 158):

“[…] o real objetivo do processo de falência é a realização dos ativos da massa falida, para a obtenção de valores visando o pagamento dos credores concursais, de forma célere e transparente.

A celeridade e a transparência do processo de falência, além de princípios previstos na própria Lei 11.101/05, servem, em primeiro lugar, para proteger os interesses dos credores, pois a celeridade na realização do ativo proporciona sua proteção contra as mazelas do tempo. Assim sendo, também a função social dos ativos é preservada quando operada a realização dos ativos de forma rápida e transparente.

Neste passo, há que entender que o objetivo maior do processo falimentar é, à luz dos princípios da celeridade, economia processual e transparência, promover a otimização da utilidade produtiva dos bens, ativos e demais recursos produtivos da empresa”.

Também não se pode esquecer que o princípio da economia processual “preconiza o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível de atividades processuais”, na lição de na lição de Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Antônio Carlos Cintra de Araújo (2005, p. 74).

Por sua vez, Daniel Amorim Assumpção Neves sugere deva referido princípio ser entendido sob dúplice perspectiva: uma de ordem macroscópica, buscando-se evitar a repetição de atos processuais e garantindo-se o seu aproveitamento, e uma outra, de ordem microscópica, evitando-se a indevida procrastinação da prestação jurisdicional por atos até mesmo das próprias partes (2014, p. 93-94).

Destarte, pode-se concluir por inteligência dos artigos 75, parágrafo único, 108, § 3º e 22, III, m, da Lei nº. 11.101/05, que o legislador entendeu que, havendo bens já penhorados em execução individual iniciada antes da decretação da quebra do devedor, melhor seria que eles fossem desde logo alienados no juízo onde estão do que esperar o curso normal da falência.

A ideia seria a de que, estando a execução já em estágio avançado, pendente tão só da expropriação do bem penhorado por um dos métodos previstos em Lei, pará-la neste ponto para que se inicie a execução concursal do início seria, ainda que em tese, uma indesejável perda de tempo, a sujeitar os credores à depreciação do valor do bem.

Resta saber se a solução legislativa foi realmente favorável como pretendeu ser, o que faremos a seguir.

3. O princípio da eficiência aplicado à falência: preservação da empresa e maximização dos ativos.

Uma das inúmeras contribuições positivas que a Economia deu ao Direito foi a noção de eficiência, a ponto de vê-la positivada no art. 37, da Constituição Federal, com a redação que lhe foi atribuída em 1998 com o advento da Emenda Constitucional de nº. 9.

Entende-se por eficiência o melhor aproveitamento possível que se possa obter a partir de alguma coisa, garantindo-se o mais alto nível de resultados favoráveis com o menor dispêndio[8].

Um processo de execução é um instrumento jurídico-processual à disposição do titular do direito material violado a fim de obter a sua concretização compulsória com o auxílio do Estado-juiz.

A execução por quantia certa é o instrumento jurídico-processual por meio do qual o credor, diante do inadimplemento da obrigação, busca o auxílio do Judiciário para invadir e expropriar compulsoriamente o patrimônio do devedor para a satisfação do seu crédito.

Podemos dizer que uma execução é eficiente na medida em que ela permite que se obtenha o melhor resultado em cifras para o credor, reduzindo ou eliminando a sua perda, com o menor dispêndio de esforços, recursos e de tempo possíveis, recuperando seu crédito.

Na medida em que a doutrina entende ser a falência um processo de execução (só que concursal), não há dúvidas de que ela só será eficiente se trouxer, para a massa falida objetiva (o conjunto reunido de credores) o mais alto montante possível para fins de rateio e pagamento.

Deste inegável interesse e propósito não descurou o legislador de 2005, tanto que uma das inovações da novel legislação falimentar é a positivação de uma ordem, ainda que preferencial, da forma como deve ser feita a alienação dos ativos da massa, como se lê em seu art. 140:

“Art. 140. A alienação dos bens será realizada de uma das seguintes formas, observada a seguinte ordem de preferência:

I – alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos em bloco;

II – alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente;

III – alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor;

IV – alienação dos bens individualmente considerados”. (Grifos nossos).

É evidente a tentativa do legislador de, ao positivar referida ordem, distanciar a falência de um simples propósito liquidatório, buscando “preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa”, como diz o art. 75.

Longe de ser uma liquidação indiscriminada de bens, a falência busca preservar o aviamento da empresa ao privilegiar sua venda em bloco em detrimento da alienação de bens individualmente considerados e, destarte, obter o maior “montante de recursos que podem ser obtidos na alienação dos ativos, recursos esses destinados a solver o passivo”, como diz Rachel Sztajn[9] (In ABRÃO, Carlos Henrique. TOLEDO, Paulo F. C. Salles de. 2005, p. 419).

Por este fundamento, a venda da empresa em bloco, em unidades produtivas isoladas, ou até de estabelecimentos empresariais é medida que deve ser privilegiado em relação à venda isolada de bens do ativo da massa falida, a não ser que, casuisticamente, se revele ao administrador judicial que esta solução não é a mais adequada, hipótese em que lhe caberá o dever de requerer a aprovação do juízo para forma diversa de venda e, se o caso, convocar assembleia-geral de credores para deliberar a respeito, como se vê no art. 145.

Tal fato pode acontecer porque, muito embora a venda conjunta da empresa seja aprioristicamente melhor, pode ser que a venda individualizada seja mais vantajosa, o que pode ocorrer, por exemplo, nas hipóteses em que o ativo bom contaminar o ruim, ou quando o parque industrial detido pela massa falida se revelar obsoleto por inovações do mercado[10].

A venda da empresa em bloco é a forma de alienação privilegiada não apenas por, em regra, favorecer a obtenção de melhor preço de venda, mas também visando a preservação da empresa.

 Embora tradicionalmente se vislumbre o princípio da preservação da empresa mais no âmbito do instituto da recuperação de empresas, também a falência pretende servir a este propósito, assumindo uma função realocativa de recursos no mercado, das mãos do empresário malsucedido para as mãos de outro empresário, mais habilidoso e com maiores chances de sucesso, conforme o elucidante ensino de Stefânia Eugênia Barichello (2007, p. 194-209):

“O objetivo de se propor um regime de falência ágil e com a participação dos credores é facilitar a transferência da empresa, ou de suas partes viáveis, para uma gerência melhor capacitada para administrá-la. Dessa forma, a eficiência do sistema econômico é incrementada ao serem encerradas as atividades de um negócio inviável e permitir sua rápida transferência a terceiros. O resultado auferido com a venda permite o pagamento de pelo menos parte dos credores, gerando uma situação em que o ganho social com a transferência dos ativos é maior que a perda individual dos credores”.

Buscando a realocação da empresa no mercado, pretende o legislador que seja garantia a continuidade dos benefícios sociais decorrentes de seu regular exercício, nos quais se compreende a geração de empregos, renda, o abastecimento do mercado e o recolhimento de tributos.

Portanto, a eficiência máxima que se pode obter em um processo de falência é o saneamento do mercado com o afastamento do empresário malsucedido da condução de seus negócios, com a transferência da empresa a outro empresário, afastando a sorte de um do outro, garantindo-se a continuidade dos benefícios sociais do negócio ao mesmo tempo em que se garante, também, o interesse geral dos credores ao permitir a obtenção de um melhor preço de venda (com a preservação dos ativos intangíveis) e um melhor pagamento[11].

Apenas na hipótese em que estes valores não puderem ser alcançados, no todo ou em parte, é que deve o administrador judicial propor formas alternativas de alienação do ativo, garantindo sua eficiência, sendo que a venda isolada de bens do ativo é sempre a última opção.

E é justamente neste ponto que surgem os conflitos entre a disciplina legal dos bens penhorados e os referidos princípios do instituto da falência. É o que trataremos logo a seguir.

4. Crítica que se faz à solução legal relativa aos bens penhorados.

Expomos, nos itens anteriores deste artigo, que a disciplina reservada pela Lei nº. 11.101/05 quanto à sorte dos bens já penhorados em execuções individuais contra o devedor falido é a restringir a arrecadação, realizada pelo administrador judicial, tão somente ao produto.

Estando a execução individual em curso e com penhora já realizada antes da quebra, o bem não será arrecadado in natura pelo administrador judicial: não tomando ele a iniciativa de remir o bem, a execução prosseguirá até sua efetiva expropriação por um dos métodos previstos em Lei, entregando-se a ele apenas o preço pago pelo adquirente.

Esta disciplina legal se distancia muito daquela vigente à época do Decreto-Lei nº. 7.661/45, que previa exatamente o oposto da atual, ao sujeitar os bens penhorados à arrecadação promovida pelo síndico em favor da massa falida como regra, salvo se já houvesse praça designada.

Os juristas favoráveis a esta nova disciplina legal recorreram aos princípios da celeridade e da economia processual para lhe dar supedâneo, vendo nela um meio de se poupar esforços e tempo em benefício dos credores, saltando etapas do processo de expropriação já para entregar a massa falida o fruto da conversão de um bem em pecúnia, evitando-se também a renovação de disputas judiciais sobre a validade da penhora.

Malgrado os encômios que lhe dedicaram aqueles juristas, entendemos que a opção legislativa pela adoção desta disciplina legal é juridicamente insustentável, além de inconveniente.

Primeiramente, deve-se sempre ter em mente que o processo não é um fim em si mesmo, mas um instrumento de tutela do direito material violado, concretizando-o e promovendo a paz social.

Esta relação instrumental entre o processo e o direito material que ele tem por fim realizar também deve nortear a interpretação a ser dada pelo operador do Direito aos seus princípios, entre eles os supracitados principais da celeridade e da economia processual.

Vem ao caso trazer à memória a advertência de Daniel Amorim Assumpção Neves de que tais princípios não deveriam ser buscados a todo custo, como fins em si mesmos, pois “o legislador não pode sacrificar direitos fundamentais das partes visando somente a obtenção de celeridade processual, sob pena de criar situações ilegais e extremamente injustas” (2014, p. 97).

Portanto, os princípios da celeridade e da economia processual trazem à ordem jurídica máximas que devem ser preservadas, desde que tragam benefícios à prestação jurisdicional almejada, garantindo maior eficiência, no menor tempo possível e com o menor esforço possível.

Firmada esta premissa inicial, não se pode conceber que, por simples questões de celeridade e economia processual, se perca de vista o princípio da preservação da empresa e o da maximização dos ativos, princípios estes umbilicalmente relacionados à ideia de um processo falimentar eficiente, entendendo-se como tal aquele que traga o maior benefício econômico aos credores e a preservação dos benefícios sociais que decorrem da empresa saudável.

Estes princípios foram incorporados à legislação falimentar atual em razão do alastramento da teoria da empresa para todos os ramos do Direito Empresarial, entre os quais o Falimentar, que hoje assume “um sentido marcadamente econômico-social, em que sobressai o interesse público que objetiva, antes de tudo, a sobrevivência da empresa, vista hoje como uma instituição social”, como ensina Amador Paes de Almeida (2013, p. 39).

É com este objetivo que a legislação busca separar a sorte do empresário e a da empresa, afastando-o da condução de seus negócios e procurando vendê-la, o mais rápido possível, a outrem, preferencialmente em bloco e, assim, garantindo que ela continue produzindo (ainda que nas mãos de outro empresário), ao mesmo tempo em que busca obter melhor preço de venda pela preservação dos ativos intangíveis da empresa, entre eles o aviamento, como bem obseva o jurista Carlos Klein Zanini (In SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de. PITOMBO, Antônio Sério A. de Moraes, 2007, p. 338):

“De modo absolutamente compatível com os propósitos que a inspiraram, a Lei empresta ao fenômeno do desapossamento do devedor de seus bens uma coloração mais amena, justificando-o como meio necessário para a preservação dos bens da empresa. Lido conjuntamente com o art. 140, que recomenda seja dado preferência à alienação da empresa no procedimento de realização do ativo – sobressai em nossa opinião, a mudança de paradigma introduzida pela nova lei, com a qual a falência não mais é vista como portadora de um fim em si, mas como meio posto a serviço da preservação da empresa, aqui entendida em seu sentido objetivo, como unidade produtiva capaz de assegurar a geração de empregos e riquezas”.

É por esta razão que a legislação estabelece que a ordem preferencial em que os bens do falido devam ser alienados, embora não obrigatória, só não seja seguida por meio de proposta justificada do administrador judicial e mediante autorização da assembleia-geral de credores.

Os princípios da preservação da empresa e da maximização dos ativos estão ligados à própria função jurídico-econômica do instituto da falência como um meio de realocação dos recursos produtivos no mercado e da tutela do crédito em condições de paridade.

Todavia, quando a legislação estabelece que bens penhorados em execuções individuais sejam expropriados de maneira individual naqueles feitos a não ser que eles sejam remidos pelo administrador judicial, entregando-se à massa tão somente o produto da alienação, põe em xeque toda essa ordem de princípios e objetivos por uma fria noção de celeridade e economia no processo, que é justamente o meio para alcançar aqueles objetivos.

A própria existência de um juízo único e universal da falência para tratar de todos os interesses ligados à massa falida tem a finalidade última de permitir que se tenha uma visão conglobada sobre toda a situação econômico-patrimonial da massa e permitir a tomada de decisões mais adequadas à promoção dos objetivos da falência, como ensina Rubens Requião (1998, p. 95-96):

“Evita-se, na verdade, com a unidade e consequente indivisibilidade do juízo falimentar, a dispersão das ações, reclamações e medidas que, conjuntamente, formam o procedimento falimentar, submetido ao critério uniforme do julgamento do magistrado que superintende a falência e que preside à solução dos interesses em conflito com ela ou nela relacionados.

[…] a razão do sistema é evidente, pois concentra todo o contencioso e toda a atividade processual da falência no juízo falimentar, para manter sob sua unidade uma complexa estrutura jurisdicional e assegura, nas suas várias fases de desenvolvimento, uniformidade de visão, síntese de direção e economia de condução”.

O juiz da execução individual, ao promover a alienação do bem penhorado por não ter sido ele remido pelo administrador judicial, nenhum conhecimento tem sobre a utilidade deste bem em relação à empresa, não dispondo de subsídios para avaliar se a venda individual e imediata será ou não mais benéfica do que o retardamento do ato para uma venda conjunta.

Tampouco se pode esquecer que a alienação de bens penhorados em hasta pública costuma ter baixo índice de aproveitamento para o credor em razão da grande subjetividade do conceito de preço vil[12], especialmente para o arremate em segunda praça.

Deve-se considerar ainda que nem mesmo o administrador judicial da massa falida tem, desde o início, ideia clara do que compõe a massa falida objetiva e nem o valor de cada bem individual em relação ao aviamento da empresa, de maneira que raramente terá meios para decidir ou não, de plano, sobre a conveniência de remir o bem.

Tomemos, por exemplo, a falência de uma grande rede de franquias que tenha penhorada a sua marca em uma execução individual ou ainda a de um grande hospital que tenha penhoradas as suas máquinas de ressonância magnética e equipamentos de seu centro cirúrgico. Certamente que o preço de venda destas empresas não será o mesmo após a alienação dos mais importantes bens de seu ativo, de modo que a celeridade e a economia processuais acabarão por trazer prejuízo ao interesse de todo o conjunto de pessoas que a legislação falimentar visa proteger (os credores, os empregados e o mercado)

Destarte, concluímos que não andou bem o legislador de 2005 na inovação por ele promovida em relação à disciplina legal dos bens da massa falida penhorados em execuções individuais anteriores à sentença de quebra, que constitui inovação de toda inconveniente e inoportuna.

5. Tendências doutrinárias, jurisprudenciais e nossa posição.

É certo que a doutrina e a jurisprudência não deixariam de reagir a tais inovações trazidas pela legislação.

Mencionamos, anteriormente, a posição de Vera Helena de Mello Franco, que vê a solução legislativa com bons olhos a partir da perspectiva da celeridade que traz ao procedimento ao permitir a continuidade das execuções individuais nos quais haja bens penhorados.

Outros juristas de escol, porém, vislumbrando prejuízos na prevalência pura e simples desta disciplina legal, propõem medidas de caráter alternativo entre temperá-la e até afastá-la.

Ricardo Negrão, por exemplo, defende caber ao juízo da falência decidir sobre a continuidade ou não das execuções individuais com bens penhorados e recomenda que sejam adotadas as mesmas balizas da legislação anterior, ou seja, a execução só não seria suspensa se já houvesse data designada para o leilão quando sobreviesse a falência do devedor.

“Insistimos que cabe ao magistrado decidir quanto à suspensão de ações e execuções individuais com bens penhorados e data para o praceamento, podendo aplicar, por interpretação histórica, razoabilidade e, sobretudo, à falta de vedação, as soluções que lei anterior contemplava: ‘achando-se os bens em praça, com dia definitivo para arrematação, fixado por editais, far-se-á esta, enttrando o produto para a massa. Se, porém, os bens já tiverem sido arrematados ao tempo da declaração da falência, somente entrará para a massa a sobra, depois de pago o exequente’ (Decreto-Lei n. 7.661/45, art. 24, § 1º)”. (2014, p, 506).

Em sentido muito semelhante à tese defendida por Ricardo Negrão, o professor Fábio Ulhoa Coelho também dá à disciplina legal das execuções individuais com bens já penhorados um caráter de facultatividade, sustentando haver discricionariedade do juízo da falência em determinar a continuidade ou não das execuções individuais em tais circunstâncias.

 “O juiz da falência pode, na sentença declaratória, determinar que não se suspendam as execuções individuais com hasta já designada como medida de economia processual. Sendo um dos objetivos da falência a venda dos bens do ativo da falida, e a execução individual estando já adiantada a ponto de se encontrar às vésperas da alienação judicial, recomenda o princípio da economia que se realize o ato nesta última. Nesse sentido, a hasta (praça ou leilão) é realizada na época da designação, mas o seu produto não é levantado pelo exequente, e sim entregue à massa”. (2005, p. 39).

Uma terceira corrente pode ainda ser identificada no pensamento de Ricardo Tepedino, para quem a regra de não suspensão das execuções individuais com já bens penhorados seria inaplicável por inviabilizar a consecução dos objetivos finais da falência.

A única interpretação compatível com o sistema da lei é a seguinte: devem ser arrecadados os bens penhorados (ou apreendidos de outro modo – arrestados, submetidos à retenção etc.), ainda que a praça já esteja designada na data da quebra (pelo que se disse acima e porque a LRE não abre a aludida exceção do Decreto-Lei n. 7.661), cabendo ao administrador requerer-lhes a entrega, se não estiverem na posse do falido. Se, ao tempo da decretação da falência, o produto da arrematação não tiver sido depositado pelo arrematante, este numerário entrará para a massa. Se o depósito do preço se tiver efetuado anteriormente à sentença declaratória, ainda que não levantado pelo exequente, já integrará o seu patrimônio, só tocando à massa eventual sobra”. (In ABRÃO, Carlos Henrique. TOLEDO, Paulo F. C. Salles de. 2005, p. 296).

Embora a terceira corrente fosse a mais preferível, ela se distancia muito daquilo que consta do texto expresso de Lei, tornando-se uma corrente muito mais ideológica e axiológica do que normativa, pois não parte do texto legal e sim de uma concepção peculiar de justiça do doutrinador o que, apesar de válido, só pode ser tomada como uma consideração de lege ferenda e não de lege lata.

Já a jurisprudência do Superiro Tribunal de Justiça, ainda durante a vigência do regime instituído pelo Decreto-Lei nº. 7.661/45, não deixou de se deparar com controvérsias a respeito do destino reservado às execuções individuais com penhora de bens anteriores à falência.

O entendimento que prevaleceu na Corte foi no sentido de se prestigiar a interpretação literal do art. 24, § 1º, daquele diploma normativo, de maneira a só não determinar a suspensão imediata das execuções individuais quando a decretação da falência as encontrasse em fase na qual já houvesse data para o leilão.

Entendia a jurisprudência que, nessas hipóteses, por força da economia e da celeridade processual, deveriam ser aproveitados os atos executivos que foram praticados na execução individual e restringir-se a arrecadação efetuada pelo síndico sobre o produto da arrematação.

Também havia decisões que faziam prevalecer esta regra mesmo para os casos em que eventual arrematação já estivesse consumada quando fosse noticiada tardiamente a falência pretérita do devedor, entendendo-se não ser o caso de se anular a arrematação, mas simplesmente se exigir do exequente a devolução do valor indevidamente levantado, para que ele fosse entregue para arrecadação.

Por exemplo, no julgamento do AgRg no CC nº. 88.620/MG em 2008, a Segunda Seção, do Superior Tribunal de Justiça, em acórdão conduzido pelo voto da Min. Nancy Andrighi, apesar de ter considerado legítima a penhora de um bem em uma execução trabalhista em data anterior à quebra, só aceitou a expropriação realizada naqueles autos porque ela já havia sido consumada até a data do julgamento. Lê-se do acórdão que:

 “Saliento, por oportuno, que a penhora em si constitui ato legítimo praticado pelo Juízo Trabalhista, eis que realizada em 29.01.2003 (fls. 137), portanto, antes da decretação da quebra, datada de 14.02.2003 (fls. 125/128).

Nesse contexto, a despeito da 2ª Seção deste Tribunal já ter decidido que ‘os atos de execução trabalhista devem ser praticados no juízo falimentar, mesmo que já realizada a penhora de bens (CC 41.731/SP, Rel. min. Antônio de Pádua Ribeiro, DJ de 06.10.2004), a própria 2ª Seção, em decisão posterior ao precedente supra, consignou que ‘seria inconsequente anular os custos atos de arrematação praticados na execução singular e determinar sua renovação perante o Juízo competente, devendo-se, em atenção ao princípio da economia processual, determinar a remessa do seu produto ao Juízo Falimentar, para fins de habilitação junto à massa falida’ (CC 37.680/PR, Rel. Min. Jorge Scartezzini, DJ de 07.03.2005).

Acrescente-se que, na espécie, de acordo com as informações prestadas pelo Juízo Laboral, o imóvel ‘já foi levado a hasta pública, tendo sido objeto de arrematação (…), estando sustada a liberação do valor arrecadado (fls. 189). Encontrando-se perfeita e acabada a arrematação, esta somente poderia ser desfeita nas hipóteses do art. 694 do CPC, do que não se cogita no particular.

Assim, apesar de reconhecida a competência da Justiça Falimentar, devem ser aproveitados os atos executórios praticados pela Justiça do Trabalho”.

Embora o julgamento tenha sido realizado em 2008, nota-se que todos os fatos analisados ocorreram em 2003, podendo-se concluir que o julgamento se deu com base ainda no regime da legislação revogada por força do princípio tempus regit actum, expressamente consolidado nos termos do art. 192, da Lei nº. 11.101/05.

Do referido precedente, extrai-se o entendimento de que aquele Tribunal entendeu válida a penhora por ter sido anterior à decretação da falência, mas que ela não devida ter prosseguido até os atos de expropriação porque, àquele momento, ainda não havia sido designada data para o leilão, só não tendo sido os atos desfeitos porque, quando a Corte apreciou o recurso, a arrematação já era fato consumado.

Após a entrada em vigor da Lei nº. 11.101/05, a jurisprudência da mais alta Corte infraconstitucional do país passou a vacilar, ora apegando-se demais às soluções oriundas do regime anterior, ora para desprezar por completo tanto as novas regras como as antigas para fazer prevalecer orientação de caráter puramente axiológica.

É o que observamos no julgamento do CC nº. 146.657/SP, quando, já em 2016, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça indevidamente se apegou às soluções do Direito anterior para fazer prevalecer uma orientação anacrônica.

A situação fática então analisada pelo Tribunal foi a de uma execução trabalhista na qual havia sido penhorado e alienado judicialmente um bem de um devedor que teve sua falência decretada posteriormente, sendo que só não havia sido disponibilizado o produto da arrematação em favor do exequente em razão de recursos do devedor.

Diante de tal circunstância fática, esperava-se que a Corte simplesmente validasse o ato ocorrido, visto que ele se iniciou e se aperfeiçoou em momento precedente à decretação da falência, sendo que o preço já havia sido pago e já estava nos autos à disposição do exequente, fato este que foi indevidamente obstado pelo devedor.

Todavia, o entendimento que prevaleceu no julgamento foi no sentido de que a competência para a constrição de bens do patrimônio do devedor falido só pode ser feita pelo juízo falimentar e que a expropriação só seria validada por ser fato consumado, mas que o produto da arrematação deveria mesmo ser entregue ao administrador judicial para arrecadação, disponibilizando-o em favor da massa.

É o que se lê da íntegra do voto-condutor do acórdão da lavra do Min. Moura Ribeiro, seguido à unanimidade por seus pares, com poucas ressalvas que lhe fizeram:

 “Acerca do tema, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça se firmou no sentido de que os atos de execução dos créditos individuais promovidos contra empresas em falência ou em recuperação judicial, sob a égide do Decreto-lei nº 7.661/45 ou da Lei nº. 11.101/05, devem ser realizados pelo Juízo Universal, ainda que ultrapassado o prazo de 180 dias de suspensão previsto no art. 6º, § 4º, da Lei nº. 11.101/05.
[…] Logo, a hasta pública realizada pela Justiça Trabalhista aos 2/12/2011, aconteceu quando a Pé de Ferro já se encontrava em processo de quebra, o que atrai a competência exclusiva do juízo falimentar para a prática de atos de constrição sobre seu patrimônio.

No caso específico dos autos, em que já ocorreu a arrematação do bem de propriedade da Pé de Ferro, o dinheiro arrecadado deve ser remetido pelo juízo trabalhista ao juízo falimentar, a quem compete a administração dos bens da falida, bem como o pagamento dos débitos por ela contraídos e apurados no âmbito do processo de falência”.

Mutatis mutandi, quis dizer aquele Sodalício que nenhuma expropriação de bens pode ser realizada em execuções individuais após a decretação da falência, ainda que a penhora lhe fosse precedente e que ato só não seria por ele desfeito porque já estava consumado, mas que o produto da arrematação seria entregue para arrecadação.

Todavia, ao decidir desta forma, a mais alta Corte infraconstitucional do país sufragou entendimento que despreza por completo a disciplina legal que foi dada aos bens penhorados em execuções individuais anteriores à falência pela Lei nº. 11.101/05 para se apegar a uma interpretação subjetiva e que não tem substrato legal.

Os próprios fundamentos utilizados para sustentar a interpretação dada se baseiam em uma visão teleológica do stay period da recuperação judicial, o que visa garantir plenas condições para que devedor e credores possam tratar da forma de recuperação da empresa, o que nada tem a ver com a situação da falência.

Por sua vez, a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo possui precedentes que permitem indicar que o entendimento prevalente em seu seio é em sentido semelhante ao esposado pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, conforme arestos abaixo:

“Agravo de Instrumento. Falência. O produto dos bens penhorados ou por outra forma apreendidos, em execuções singulares contra a devedora, entrará para a massa falida, eis que as execuções ficarão suspensas a partir do decreto da quebra. Independentemente da data em que tenha havido a constrição sobre bens ou dinheiro, e mesmo que já tenha havido arrematação ou adjudicação, decretada a falência da devedora, o numerário deve ser encaminhado para a Massa Falida. Inteligência do artigo 108, § 3°, da Lei n° 11.101/2005. Agravo desprovido”.
(AG 9069821-60.2008.8.26.0000, TJSP, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais, Relator Des. Pereira Calças, julgado em 27/02/2008).

“EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL. Contrato de honorários advocatícios. Penhora e alienação de bem da devedora na Justiça do Trabalho. Decretação de falência da devedora. Produto da arrematação que deve transferido para o Juízo falimentar. Artigo 108, parágrafo 3º, da Lei Federal nº 11.101/2005. Providência determinada pelo D. Juízo “a quo”. Decisão mantida. Recurso não provido”.

(AG 2004919-47.2013.8.26.0000, TJSP, 33ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Sá Duarte, julgado em 26/08/2013).

“EXECUÇÃO. Descabido o prosseguimento de execuções individuais contra devedor, após as decisões de decretação de sua falência ou deferimento do respectivo plano de recuperação judicial, ainda que exista prévia penhora, em razão da competência dos respectivos Juízos da Recuperação Judicial ou Falimentar, para o prosseguimento dos atos de execução, tais como alienação de ativos e pagamento de credores, que envolvam créditos apurados em outros órgãos judiciais, inclusive trabalhistas, ainda que tenha ocorrido a constrição de bens do devedor. Recurso desprovido”.

(AG 2220879-25.2014.8.26.0000, TJSP, 20ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Rebello Pinho, julgado em 09/03/2015).

Da leitura dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça e também do Tribunal de Justiça de São Paulo pode-se chegar à conclusão inequívoca de que o entendimento que tem prevalecido em nossos tribunais se aproxima da corrente defendida por Ricardo Tepedino, com a ressalva de que a Justiça não tem reconhecido o direito do credor exequente individual sobre o produto da arrematação já depositado.

A adoção da terceira corrente doutrinária pela jurisprudência é deveras criticável, pois a preferência manifestada pelas Cortes despreza por completo a disciplina legal estabelecida pela Lei, causando insegurança jurídica para os jurisdicionados.

É preciso reconhecer que tanto a regra geral de suspensão imediata das execuções individuais como consequência da decretação da falência, quanto as exceções previstas a esta regra (entre as quais estão as execuções que já detenham bens penhorados, e isto independentemente de haver ou não nelas praça já designada para sua alienação), são disposições originárias da Lei nº. 11.101/05, inexistindo antinomia.

Mesmo que se preferisse a segunda corrente por seu caráter moderado, é preciso reconhecer que, partindo-se de uma interpretação histórico-evolutiva, ela não se sustenta na parte em que busca as mesmas balizas da legislação anterior para moderar a aplicação da disciplina legal apenas às circunstâncias fáticas em que a hasta fosse iminente.

A questão é que houve uma modificação proposital nos dispositivos que tratam do tema na novel legislação, alteração esta justificada a partir da adoção de princípios novos como os da celeridade e da economia processual, de maneira que não se pode simplesmente atribuir à disciplina legal desejada pelo legislador uma facultatividade que não lhe é inerente.

O Poder Judiciário é um órgão de aplicação da Lei, não de criação. A atividade jurisdicional por ele exercida não consiste na criação de normas gerais e abstratas, mas sim na solução de litígios por meio da aplicação do ordenamento jurídico ao caso concreto.

Gozam os magistrados de uma liberdade condicionada, devendo exercer o seu importante ofício dentro das balizas delimitadas pelo Direito, pois é ele quem assegura as condições da existência humana, de acordo com Carlos Maximilano. E prossegue com a advertência:

“O Direito, fórmula asseguradora das condições fundamentais da coexistência humana, ou prevalece em virtude dos fatos psicológicos – educação, repeito da opinião pública, etc.; ou por meio da coação, que se opera com exigir a observância dos preceitos vigentes. Se o próprio juiz lhes não obedece, não os aplica aos casos ocorrentes, como os prestigiar e impor à massa ignara, descuidosa ou rebelde?

Deve o magistrado decidir de acordo, não somente com os parágrafos formulados, mas também com outros elementos de Direito. Entretanto, daí se não deduz que se lhe permita o desprezo da Lei, ou que possa um indivíduo sobrepor-se ao Estado; pois deste e daquele emana a autoridade toda do juiz; goza ele de liberdade condicionada, dentro dos limites do conteúdo de Direito que se encontra nos textos. Lembram os corifeus da escola extremada que também eles assim procedem. A verdade é que exageram; não recorrem aos princípios gerais, ou à equidade, somente para compreender e completar o texto, mas também para lhe corrigir as disposições, injustas segundo o critério pessoal do julgador.

Alegam os guias da corrente revolucionária que o juiz não é um executor cego e, sim, um artista da aplicação do Direito. Deveriam saber que também o artista obedece a normas; toda arte tem os seus preceitos e quem dos mesmos se afasta, corre o risco de produzir obra imperfeita, e talvez ridícula, salvo exceções geniais; e se não criam doutrinas, ou métodos, para uso exclusivo de iluminados e super-homens. Comparável seria o magistrado ao violinista de talento, que procura compreender bem a partitura, imprime à execução cunho pessoal, um brilho particular, decorrente da própria virtuosidade; porém não se afasta dos sinais impressos; interpreta-os com inteligência e invejável maestria; não inventa coisa alguma.

Com atribuir ao juiz a faculdade de abandonar o texto quando lhe não parecer suscetível de se adaptar, com justiça, à espécie, concedem-lhe, de fato, a prerrogativa de criar exceções ao preceito escrito; isto é, fazem o contrário do que toda a evolução do direito conclui: justamente as exceções é que se não deixam ao arbítrio do intérprete; devem ser expressas, e, ainda, assim, compreendidas e aplicadas estritamente”. (2003, p. 66-67).

A disciplina legal atribuída pela Lei nº. 11.101/05 às execuções individuais com bens penhorados antes da decretação da falência é uma indubitável exceção à regra geral de que todas as execuções individuais devem ser imediatamente suspensas com o advento da sentença de quebra.

Na medida em que a Lei atribui ao administrador judicial o direito de remir os bens penhorados, é porque ela deseja que eles efetivamente sejam alienados no juízo da execução e não no da falência, a não ser que o seu representante tome a iniciativa de remi-los.

Se todas as execuções individuais devem ser suspensas imediatamente por simples consequência da decretação da falência do devedor, em que caso poderia o administrador judicial remir o bem penhorado a não ser em execução fiscal? Se fossem assim, contudo, não teria a legislação falimentar consignado expressamente cabe ao administrador judicial remir os bens penhorados em execução fiscal ao invés de simplesmente lhe atribuir o poder de remi-los sem qualquer restrição?

É certo, porém, que esta disciplina traz inconvenientes ao regime jurídico que a mesma Lei visou implementar, que se funda não apenas nos princípios da celeridade e da economia processual, mas, outrossim, nos princípios da preservação da empresa e da maximização dos ativos.

Embora não se possa falar em antinomia de princípios, e nem de hierarquia entre eles, é possível que, em determinadas situações, eles entrem em uma situação de conflito, hipótese em que caberá ao magistrado exercer um juízo de ponderação e decidir qual prestigiar.

Sendo o princípio uma norma de hierarquia superior em relação às regras, se uma regra se choca com um princípio, ela poderá ter sua eficácia suspensa frente à situação concreta de desarmonia, prestigiando-se o outro princípio que se entendeu, in casu, mais importante, dentro do que Eros Roberto Grau (2006, p. 199) chama de jogos de princípios.

Dentro desta visão, entendemos que a solução mais adequada seria a de que, estando já em curso a execução individual, com bens penhorados, e uma vez noticiada a decretação da falência do devedor executado nos autos, caberá ao juízo da execução, a priori, suspender o seu curso para que se intime o administrador judicial.

Não se pode esquecer que a representação judicial da massa falida cabe a este auxiliar do juízo (Lei nº. 11.101/05, art. 22, III, c) e não mais ao empresário falido, de maneira que a representação processual da massa falida na execução individual deve ser regularizada dentro de certo prazo, implicando na suspensão provisória do processo, nos termos do art. 76, do Código de Processo Civil.

Regularizada a representação processual da massa falida com a intimação do administrador judicial, caberá a ele manifestar-se sobre o interesse na remissão do bem.

Não havendo interesse na remissão do bem e vislumbrando prejuízo à massa com a alienação individualizada do bem na execução singular, deverá o administrador judicial manifestar ao juízo da execução as razões pelas quais ela não deve prosseguir e este deverá suspendê-la por prejudicialidade externa, aplicando-se analogicamente o art. 313, V, a, do Código de Processo Civil, com base no art. 921, I, daquele mesmo diploma.

Ressalte-se descaber ao juízo da execução indeferir o pedido fundamentado do administrador judicial por qualquer razão, pois decidir sobre a situação de bens e de interesses da massa falida é competência exclusiva do juízo falimentar, dado o seu caráter universal (art. 76, da Lei nº. 11.101/05).

Apenas na omissão do administrador judicial é que poderá o juízo da execução individual dar continuidade ao feito e promover a alienação do bem penhorado, após o que deverá intimar novamente aquele auxiliar do juízo para que arrecade o produto da venda.

Conclusão.

Após esta breve digressão a respeito do processo falimentar, podemos chegar à conclusão de que ele é um instrumento jurídico de saneamento do mercado que visa a preservação da empresa (e dos benefícios sociais dela decorrentes), bem como uma execução concursal que visa garantir a paridade de tratamento aos credores da massa falida e a satisfação (ainda que proporcional) de seus créditos segundo a ordem legal de preferências.

Partindo de uma perspectiva da análise econômica do Direito e com base nas premissas sintetizadas no parágrafo anterior, defendemos que a falência poderá ser tida como um instituto eficiente na medida em que seu procedimento permitir haver a preservação dos benefícios sociais decorrentes da empresa e garantir a obtenção do maior valor possível a partir de sua alienação, ensejando maior pagamento em favor dos credores.

Para garantir maior eficiência no procedimento, a legislação atual privilegia a venda da empresa em bloco em detrimento da venda individual de bens de seu ativo, permitindo que outros empresários explorem a empresa já organizada – preservando, assim, os empregos dos trabalhadores, o abastecimento do mercado e o recolhimento de tributos – e permite o alcance de melhor preço de venda da empresa ao preservar os seus ativos intangíveis.

Vimos que, apesar de tudo, a disciplina legal reservada aos bens penhorados em execuções individuais antes do advento da sentença declaratória de falência traz uma exceção à regra da suspensão imediata das execuções contra a massa por força da sentença de quebra e coloca o bem penhorado fora do alcance da arrecadação de bens promovida pelo administrador judicial, a não ser que ele tome a iniciativa de remi-lo. Não o fazendo, o bem será vendido individualmente na execução, arrecadando-se apenas o produto.

Também tivemos oportunidade de lembrar as considerações doutrinárias que buscaram justificar a mudança veiculada pela Lei nº. 11.101/05 a partir da positivação, nela, dos princípios da celeridade e da economia processual, entendendo que, em tal disciplina é favorável por poupar os esforços da máquina judiciária (que já despendeu recursos e tempo para promover a penhora) e evitar o reavivamento de discussões sobre a validade da constrição realizada.

Defendemos nossa posição contrária à referida disciplina demonstrando que ela acaba por trazer ineficiência ao sistema porque, por questões de celeridade e de economia processual, pode levar ao indesejado desmantelamento da empresa (e de sua capacidade produtiva) com a perda de ativos intangíveis (eventualmente oriundos da função desempenhada por aquele bem enquanto elemento do estabelecimento empresarial) e reduzindo o proveito financeiro final que se poderia obter na falência ao gerar menos recursos para a satisfação dos credores.

Não deixamos de comentar que o processo é um instrumento jurídico voltado à concretização de direitos, de maneira que seus princípios devem ser aplicados a partir da perspectiva de proteção dos direitos que ele busca tutelar e, havendo colisão entre um e outro, devem prevalecer a interpretação que favoreça o direito material e não o processual.

Esta é a razão pela qual entendemos que a disciplina legal reservada aos bens penhorados no regime de Lei nº. 11.101/05 é inconveniente, pois reduz a eficiência do sistema ao permitir que seus objetivos fundamentais sejam sacrificados tão somente em vista de um benefício temporal, ao passo que algum retardamento na venda do bem pode ser necessário para que o juízo e o administrador judicial possam conhecer a real situação patrimonial da massa falida para deliberar, fundamentadamente, por outra das opções de venda dos ativos da massa em detrimento da venda da empresa em bloco.

Convém lembrar que, ao exigir que o bem penhorado seja remido por iniciativa do administrador judicial, a Lei acaba por exigir dispêndio de recursos da massa falida que sequer podem estar disponíveis no momento em que há a decretação da falência, já que a arrecadação dos bens ainda estará no princípio, ao passo da o procedimento de expropriação levado a cabo na execução individual já estará em fase final, de modo que eventual decisão do representante da massa falida por remir o bem poderia se revelar prematura posteriormente.

Para contrabalancear os riscos de aplicação irrestrita da disciplina legal, vimos algumas opiniões da doutrina que vão desde o decreto de sua inaplicabilidade total até aqueles que defende tratar-se de faculdade sujeita ao poder discricionário do juízo da falência.

Também observamos que a jurisprudência tem apreciado a questão e decidido no sentido de determinar a paralisação total e imediata das execuções individuais como simples consequência da decretação da falência, ainda que hajam bens penhorados anteriormente à sentença declaratória de quebra, o que torna letra morta toda a disciplina legal contida na Lei nº. 11.101/05 para tais casos.

Posicionamo-nos no sentido de que, sendo esta essencialmente uma situação de colisão de princípios, deve prevalecer aquele que, in casu, mostrar-se com menor prejuízo aos objetivos da falência, desde que haja uma manifestação fundamentada do administrador judicial ao juízo da execução individual em que há bem penhorado, requerendo sua suspensão, hipótese em que caberia ao juízo da execução suspendê-la por prejudicialidade externa, já a competência para decidir e julgar sobre todos os bens e interesses da massa é exclusiva do juízo da falência.

Pensamos, porém, que o melhor seria realmente que se arrecadassem todos os bens do devedor falido, penhorados ou não, para que possa o juízo da falência tratar sobre o destino de cada um deles, vale dizer, sobre a forma de sua alienação, no momento oportuno, inclusive com a convocação de uma assembleia-geral de credores, se o caso.

Evitar-se-iam, destarte, iniciativas precipitadas do administrador judicial que, em um momento inicial poderiam ter se mostrado válidas, mas que, posteriormente, já em um estágio mais avanço, poderiam se revelar inúteis e até mesmo inconvenientes.

É somente desta maneira que a falência realmente será eficiente no sentido de garantir o tempo suficiente para que a administração da massa falida realmente possa conhecer adequadamente a sua situação patrimonial e decidir, fundamentadamente, sobre a melhor forma de garantir a preservação da empresa e o maior pagamento aos credores.

Todavia, à míngua de disposição legal expressa neste sentido e até que haja atualização legislativa nestes termos (o que reputamos a melhor solução), cremos que ser mais razoável deixar ao administrador judicial o poder-dever de diligenciar junto ao juízo da execução e, expondo-lhe os riscos e prejuízos que o prosseguimento dos atos de expropriação poderão trazer à eficiência da execução concursal, solicitar-lhe a suspensão por prejudicialidade, pedido este que ele não poderá deixar de atender.

 

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Notas
[1] Referido entendimento é defendido pelo professor Amador Paes de Almeida em obra dedica ao tema, buscando amparo em lições de Gustavo Bonelli. Defende o jurista que a falência, “conquanto um processo de execução e sob esse prisma eminentemente processual, a falência revela a existência de inúmeros preceitos de direito objetivo, tais como os direitos e deveres do falido, os direitos dos credores, as obrigações do síndico, não se olvida de que, efetivamente, tal como observa Gustavo Bonelli, nela exista um inequívoco procedimento administrativo. E são exatamente esses elementos que, imprimindo-lhe natureza jurídica sui generis, lhe conferem inequívoca autonomia” (2013, p. 41). Rubens Requião, porém, dá conta da existência de discussões doutrinárias mais antigas ora oscilando por caracterizá-la como um instituto de direito mercantil, ora processual (1998, p. 581-582).

[2] Tomando-se como base as lições de Humberto Theodoro Júnior, definimos execução como o instrumento jurídico-processual de que dispõe o credor para buscar a satisfação compulsória da obrigação inadimplida pelo devedor. Por meio da execução forçada, diz o jurista que “o Estado intervém no patrimônio do devedor para tornar efetiva a vontade sancionatória, realizando, à custa do devedor, sem ou até contra a vontade deste, o direito do credor” (2006, p. 122).

[3] Estas semelhanças e diferenças entre os institutos da falência e o da execução comum do Direito Processual foram muito bem identificadas por Sérgio Campinho em sua obra dedicada à falência e à recuperação judicial. Explica-nos o douto professor que “O instituto falimentar, tal qual desenhado em nossa lei, sob o prisma estritamente do direito processual, apresenta-se como uma execução concursal. Com efeito, a falência afigura-se como um meio extraordinário de execução, englobando o patrimônio do devedor, instituída em favor da totalidade de seus credores que, salvo raras exceções, são atraídos para o juízo da falência. Distingue-se da denominada execução singular, tratada pelo Código de Processo Civil como execução por quantia certa contra devedor solvente, na medida em que esta se realiza em proveito particular de um ou mais credores determinados, procedendo-se a apreensão judicial de um ou mais bens individualizados do patrimônio do devedor (penhora). A falência abrange os credores do devedor, como incide sobre os seus bens. Por isso,é chamada execução extraordinária, concursal, coletiva ou universal. No processo de falência será apreendido o patrimônio passível de execução do devedor, através de um procedimento denominado de arrecadação, com o escopo de extrair-lhe valor para o atendimento, em rateio, observadas as preferências legais, de todos os credores do devedor comum. Será estabelecido, pois, um concurso de credores, assegurando-se perfeita igualdade de tratamento entre os credores de uma mesma classe (par conditio creditorum)” (2012, p. 9).

[4] O patrimônio do empresário é a garantia geral de que dispõem todos os seus credores para lhes assegurar o cumprimento de suas obrigações. É por esta razão, por exemplo, que o art. 1.145, do Código Civil, condiciona o trespasse do estabelecimento comercial à anuência dos credores do alienante. É claro, porém, que alguns credores poderão contar com garantias especiais, de modo que poderão ser incluídos em classes distintas, de acordo com a eficácia que a Lei confere àquela garantia na falência.

[5] Esta é a exata transcrição do art. 75, da Lei nº. 11.101/05.

[6] A arrecadação dos bens do empresário falido é o instrumento processual de que se serve o administrador judicial para concretizar o desapossamento do falido de seus bens, efeito da sentença de quebra ex vi do art. 99, VI da Lei nº. 11.101/05. É por esta característica que Ricardo Tepedino a identifica como uma penhora (In ABRÃO, Carlos Henrique : 2007, p. 332), o que justifica a exclusão dos bens impenhoráveis do patrimônio arrecadável na falência.

[7] Para decidir sobre a remissão dos bens penhorados, a doutrina indica que deve o administrador judicial proceder a um juízo de conveniência e oportunidade, ponderando entre os custos e os benefícios deste ato, buscando aquilo que melhor favorecer a massa. Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa, por exemplo, afirma que “o administrador judicial deverá fazer um juízo de valor sobre a conveniência de agir em tal sentido, tendo em vista a sua futura alienação em proveito da massa. Poderá acontecer que o custo das medidas em apreço não seja compensador, fato que deverá ser objeto do devido relatório. Na dúvida e para afastar responsabilidades, o administrador judicial deverá apresentar a situação ao juiz, que deliberará a respeito. O critério sempre será o do benefício para a massa” (SOUZA JUNIOR, Francisco Satiro de. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes: 2007, p. 175). Em crítica ao pensamento do ilustre autor, deve-se atentar que este exercício de ponderação do administrador judicial e do juiz a respeito de ser ou não conveniente a alienação individual de um bem já penhorado em uma execução individual terá que ser feito de maneira prematura, pois, nem o administrador e nem o juiz terão, no princípio desta fase, conhecimento global sobre as reais condições da massa falida para tomar uma decisão como esta de pronto, especialmente em processos falimentares de origem contenciosa (pedidos de falência movidos por credores), quando não se conta com a boa vontade do falido em subsidiar os trabalhos do administrador judicial a despeito dos deveres que lhe são impostos por Lei.

[8] José Afonso da Silva, ressaltando não se tratar a eficiência de um conceito originariamente jurídico, mas econômico, define-a a partir de uma noção de racionalidade entre utilidade e custo. Para ele, “o princípio da eficiência, introduzido agora no art. 37 da Constituição pela EC-19/98, orienta a atividade administrativa no sentido de conseguir os melhores resultados com os meios escassos de que se dispõe e a menor custo. Rege-se, pois, pela regra da consecução do maior benefício com o menor custo possível” (2008, p. 671).

[9] Em seu escólio, a renomada jurista e professora ensina que toda a questão central da venda conjunta da empresa é discussão relativa à eficiência por se ligar à obtenção de maiores valores para pagamento dos credores. Ela explica ainda que a venda conjunta é mais favorável por preservar a organização dada aos bens pelo empresário e, assim, garantir melhor preço de venda. Diz ela que “quem adquire o todo, como se explicou antes, considera que é mais valioso haver para si uma organização, uma unidade composta de partes que se entrelaçam, se encadeiam, enfim, mantêm entre si vínculos que aumentam a eficiência operacional ou que, ao menos, podem ser encaradas como forma de distribuir melhor os riscos da atividade empresarial ou como tentativa de reduzi-los mediante dispersão ou balanceamento. Por isso é usual, esperado, que, na venda ‘da empresa’ em operação, o alienante receba preço mais elevado, porque se trata de um going concerne, do que quando os bens são oferecidos isoladamente. De outra forma, da mesma maneira que se sabe que a unidade organizada que se define como estabelecimento representa um conjunto de bens predispostos para uma função, a manutenção dessa unidade, preservando a sinergia entre bens e ações externas, regra geral, implica resultados mais rápidos, uma vez que organização é preservada; também aquele conjunto de estabelecimentos que forma a unidade, notadamente quando se destine a reduzir riscos ou a aumentar a eficiência operacional, refletirá essa tendência no preço final. É isso que tem valor, e, por isso, a prioridade de venda de todos os estabelecimentos organizados para o exercício da empresa. Afinal, quanto maior for o montante arrecadado com a venda dos bens, maiores serão as probabilidades de satisfazer as pretensões dos credores” (In ABRÂO, Carlos Henrique. TOLEDO, Paulo F. C. de Salles. 2005, p. 420-421).

[10] A primeira hipótese foi identificada por José Nazareno Ribeiro Neto e Valdor Facio em capítulo de obra jurídica coordenada por Daniel Carnio Costa (2015, p. 144). A segunda hipótese foi levantada na clássica obra de Rubens Requião sobre falências (1998, p. 362-363). Embora também reconheça o douto jurista paranaense que a venda individual de bens do estabelecimento empresarial possa trazer diminuição do valor da venda, afirma que isto pode ser justificado em algumas hipóteses porque, às vezes “a conjuntura desfavorável do mercado desaconselha a alienação global, porque a atividade específica do estabelecimento não mais interessa, no momento, a ninguém”. A partir de sua própria experiência profissional, cita-nos o exemplo da indústria de pinho no Estado do Paraná após o término da Segunda Guerra Mundial, quando todo o setor entrou em crise em razão do restabelecimento da concorrência com as madeireiras norueguesas. Com o alastramento da crise por todo o setor, ninguém acorria aos leilões públicos promovidos pelo Judiciário nas inúmeras falências que se seguiram, tendo resultado na venda do maquinário individualmente como sucata e a venda separada dos imóveis. Não há como recusar razão a ele em sua observação. Entendemos tão somente que a decisão pela escolha de outra forma de alienação dos ativos deve ser sempre justificada e reservada para um momento em que o administrador judicial e o juízo tenham a melhor compreensão possível da situação patrimonial da massa falida para que possam decidir pela melhor opção.

[11] Ricardo Bernardi bem observou esta sinergia entre os princípios da preservação da empresa e o da maximização dos ativos no instituto da venda prioritária da empresa em bloco, como meio de garantir a satisfação de ambos. Diz-nos ele que “ao admitir a alienação da empresa, a nova lei falimentar permite que o adquirente continue a desenvolvê-la ao invés de liquidá-la, mantendo-se com isso os empregados, além de evitar a extinção da fonte geradora de tributos e produtora de bens e serviços. Dissociando-se a empresa saudável, acompanhada de seus intangíveis, do empresário ou da sociedade empresária insolvente, cria-se a possibilidade de auferir valores com a sua alienação que seriam impossíveis de outra forma. Nesse aspecto, destaca-se o segundo motivo para a alienação da empresa em bloco, qual seja o preço” (In SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de. PITOMBO, Antônio Sérgio A. de Moraes. 2007, p. 488).

[12] O Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu uma nova disciplina legal para a alienação judicial de bens em processos de execução. Isto porque o seu art. 891, parágrafo único, passou a prever que “considera-se vil o preço inferior ao mínimo estipulado pelo juiz e constante do edital, e, não tendo sido fixado preço mínimo, considera-se vil o preço inferior a cinquenta por cento do valor da avaliação”. Vale dizer: cabe ao magistrado definir um valor mínimo pelo qual o bem poderá ser alienado e, na omissão, será considerado como de 50%. Embora tenha o juiz certa margem de discricionariedade para estipular um percentual distinto em decisão motivada, este percentual poderá ser maior ou menor, pois a Lei não diz que ele deve ser mínimo. Deve, portanto, o juiz buscar um meio-termo para evitar sacrifício desnecessário ao devedor, sem esquecer de que a execução se deve fazer em benefício do credor. Esta disciplina não é compatível com a legislação falimentar que tem, entre os seus princípios, o da maximização dos ativos. Ao manter a universalidade de bens do devedor unida para futura alienação da empresa em bloco ou em unidades produtivas isoladas, quer a legislação afastar-se do preço vil em busca do melhor preço possível para garantia menor perda aos credores ao mesmo tempo em que evita o desmantelamento da empresa e dos benefícios sociais dela decorrentes. Esta distinção de regimes jurídicos também importa para a defesa da ideia de que a não suspensão das execuções individuais contra a massa com bens penhorados, pois, no regime da execução comum, ainda que o produto da venda seja revertido em favor da massa, ele certamente será inferior ao valor que poderia ser por ele alcançado na venda realizada pelo juízo falimentar.


Informações Sobre o Autor

Maurício Custódio Dourado

Advogado e Consultor Jurídico. Especializando em Direito Empresarial. Especialista em Direito Tributário. Bacharel em Direito


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