Resumo: Busca-se neste artigo fazer uma análise sobre o bem de família e sua impenhorabilidade. O bem de família surgiu com o intuito de proteger a habitação da família, que é considerada pelo nosso ordenamento jurídico, a base da sociedade. O Direito Privado Contemporâneo traz discussões importantes acerca do bem de família. Cabe ao Estado conferir proteção especial à família, dever esse consagrado na própria Constituição Federal. No âmbito dessa proteção especial é que são editadas as normas que se referem ao bem familiar. A Lei 8.009/90, que instituiu o bem de família, teve por finalidade proteger o direito da propriedade através da escritura pública ou do testamento. Apesar de não ser absoluta, a impenhorabilidade instrumenta a proteção do indivíduo e de sua família tanto quanto forem as necessidades. Assim, o presente artigo foi desenvolvido através de pesquisa documental, bibliográfica por meio de legislações, artigos e jurisprudências que possam contribuir com a pesquisa.
Palavras-chave: Família. Bens de família. Alienação. Impenhorabilidade.
Sumário: 1. Introdução. 2. Disposições gerias sobre o bem de família. 2.1 Conceito do bem de Família. 2.2 História do bem de família no mundo. 2.3 História do bem de família no Brasil. 2.4 Princípio aplicado ao bem de família. 3. Forma de instituição do bem de família. 3.1 Bem de família voluntário. 3.1.1 Extensão da proteção. 3.1.2 Exceções à regra da impenhorabilidade do bem de família voluntário. 3.2 Bem de família legal. 3.2.1 Alargamento da proteção do objeto. 3.2.2 Constitucionalidade do regime legal do bem de família e suas características. 3.2.3 A extensão da impenhorabilidade somente aos bens de valor médio necessário a uma vida digna. 3.2.4 Exceções à regra da impenhorabilidade do bem de família legal. 4. Da impenhorabilidade do bem de família. 4.1 Da alienação e da impenhorabilidade. 5 Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda o tema bem de família e sua impenhorabilidade.
O intuito deste estudo é trazer ao conhecimento do leitor, uma análise sobre o bem de família, no segundo capitulo aborda o conceito do tema, sua história no Brasil e no mundo, o princípio que é aplicado ao referido tema, suas formas e por fim a impenhorabilidade.
Partindo do princípio que a família é a base de tudo, o bem de família está diretamente ligado ao equilíbrio do ser humano, pois é no ambiente familiar que o indivíduo aprende os conceitos que irão acompanhá-lo para toda vida, amor, ética, caráter, respeito ao próximo, solidariedade, dentre outros.
Cabe ao Estado conferir proteção especial à família, dever esse que está na própria Constituição Federal de 1988, art. 226, caput. Na esfera dessa proteção especial é que são editados e criados novos horizontes no que diz respeito às regras de proteção à família, entre elas as do bem de família.
O presente trabalho tem como objetivo realizar uma análise sobre o bem de família e a (im)penhorabilidade do mesmo.
Entende-se como bem de família, o único bem imóvel destinado à moradia desta, mesmo que tenha outros imóveis um será resguardado, para que a família tenha um mínimo de dignidade para viver.
O instituto do bem de família teve o seu surgimento com o advento a Lei do Homestead em 1839, no Texas tinha como objetivo proteger a família com a isenção de penhora sobre a casa onde moravam como pode-se observar no capitulo terceiro.
No Brasil foi introduzido pelo Código Civil de 1916, sob o modo voluntário, porém, não teve grande aceitação. Posteriormente foi publicada a Lei nº 8.009/90, com o advento da nova lei, o instituto difundiu-se amplamente e, consequentemente, o bem de família passou também para a forma legal ou involuntária.
No último capítulo tratou-se do assunto da impenhorabilidade do bem de família, com a publicação da Lei 8.009/90, todas as pessoas passaram a ter a proteção da impenhorabilidade do bem de família independentemente de registro no cartório de imóveis, salvo alguns casos específicos salientados pela própria lei.
A metodologia utilizada é baseada em pesquisa bibliográfica, incluindo livros, artigos científicos, resoluções e legislação.
2 DISPOSIÇÕES GERIAS SOBRE O BEM DE FAMÍLIA
2.1 Conceito do bem de família
O bem de família é qualificado como instituto que visa à proteção do grupo familiar, sendo amparado por vários ramos do Direito como o Constitucional, o Processual Civil, da ciência que caminha junto ao Direito, ou seja, a sociologia, pelo Código Civil de 1916, pela Lei 8.009/90 e pelo Código Civil de 2002.
O objetivo dos dispositivos legais é a proteção da família, ou seja, resguardar o domicílio da família, e lhe garantir um teto, é fundamental para a sua segurança, que evita, consequentemente, sua desestruturação.
Baseado nesta preocupação Nunes (2005) diz que o imóvel residencial é o lugar onde há vários encontros de gerações, e se busca o equilíbrio em conciliar os direitos individuais e pessoais com a exigência da vida social moderna, por isso que o bem de família vem sendo blindado.
Conforme preleciona o artigo 1.711 do Código Civil de 2002:
“Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante a escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regra sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial” (BRASIL, 2002).
Azevedo (2010, p. 80) especifica que o bem de família é “um meio de garantir um asilo à família, e se torna o imóvel onde a mesma instala domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade”.
França (1988, p. 117) disserta que bem de família é: "o imóvel urbano ou rural, destinado pelo chefe de família, ou com o consentimento deste mediante escritura pública, a servir como domicílio da sociedade doméstica, com a cláusula de impenhorabilidade".
Nesse sentido, pode-se observar que a matéria que trata do bem de família vem ganhando crescente aprofundamento doutrinário, além de espaço em jurisprudências, que tem destinado certa elasticidade na proteção legal desse instituto.
2.2 História do bem de família no mundo
O bem de Família está presente na maioria das legislações do mundo tendo suas peculiaridades e individualidades para sanar as necessidades pertinentes de cada país que se preocupa com esse instituto.
Pode-se dizer que o bem familiar veio a ser firmado nos tempos antigos, antes de Cristo, e que estabelecia critérios pátrios familiares de forma sucinta, mas que dava relevância ao grupo familiar. Na Bíblia no livro de Provérbio, antigo testamento pode-se encontrar alguns apontamentos de edificação de bens que visam desde já à proteção e a dedicação destes.
No que aduz a Bíblia (2006) em Provérbios, 24. 27 a.C: “Prepara fora a tua obra, e apronta-a no campo, e então edifica a tua casa”.
Em seus estudos, Nunes (2005) apresenta que no direito romano pode-se encontrar também indícios de preservação dos bens adquiridos aos anos pela aquela família que passa de geração em geração sem a possibilidade de alienação, assim se idealiza a concretização da dignidade da pessoa é principio fundamental da Constituição Brasileira, ou seja, o princípio estruturante de direcionamento de ideias básicas de toda a ordem constitucional que visa a um sistema interno harmônico e que afasta a ideia de predomínio daquilo que pertence ao indivíduo.
Apenas no século XIX foi instituído fundamentos para o bem de família atual dando base para regulamentação desse instituto.
Já nos EUA foi sancionada a lei que regulamentou o bem de família em 20/05/1862 pelo presidente Lincoln onde defendia a alienação e a execução de dívidas que antecederam antes do recebimento do título de domínio de gleba; no entanto em 1839 no Texas, EUA já havia a regulamentação do homestead, através da Digest of Low of Texas, em 26 de Janeiro (AZEVEDO, 2010).
O homestead foi uma ideia nascida no Texas, que se ramificou por vários Estados americanos, mesmo sendo legislações estaduais diferentes foi agregado em seus ordenamentos pela necessidade de uma matéria que regulamenta sobre o bem de família (AZEVEDO, 2010).
Essas normas tiveram grande influência em vários países inclusive no território brasileiro sendo introduzido no Código Civil de 1916, que adotou estas de forma que regularam o instituto do bem de família conforme as suas necessidades tornaram-se mais convenientes, e que potencializaram a preocupação da família e suas garantias básicas (AZEVEDO, 2010).
2.3 História do bem de família no Brasil
O instituto do bem de família que se conhece hoje, no Brasil tem origem no homestead americano, no Brasil não foi diferente em relação a suas adaptações no que se refere à matéria Bem de Família (AZEVEDO, 2010).
A regulamentação do bem de família não constava inicialmente do projeto de código civil de Clóvis Beviláqua, sendo inserida durante sua tramitação no Congresso Nacional, oportunidade esta onde se discutiu a respeito do melhor posicionamento para o instituto do bem de família dentro da sistemática do código (SANTIAGO, 2004).
Numa primeira oportunidade o instituto foi inserido na parte geral do projeto do código, no livro das pessoas, logo após a regulamentação das fundações. Após críticas a esta inserção, inclusive do senador Justiniano Serpa, para quem tal ato era como se denominasse sujeito a um predicado, o instituto foi transferido para o livro dos bens, em seguida a regulamentação dos bens fora do comércio, e argumentou-se que está correta a localização desse instituto e que ficou o imóvel extra commercium em função da instituição uma vez que se refere à instituição de proteção de família, no Código Civil o bem de família está regulado no Livro IV, do Direito de família no Título Do Direito Patrimonial e assim foi aprovado o Código Civil de 1916 (SANTIAGO, 2004).
Nunes (2005) constata que o instituto que rege o bem de família foi introduzido no Brasil, no Código Civil em 1916 sancionada por emenda do Senado apesar de não ter agradado totalmente os estudiosos e lhes argumenta sobre um instituto jurídico do Direito de Família, como os alimentos, a tutela, e todos os direitos assistenciais da Família.
O Código de Processo Civil de 1973 (BRASIL, 1973) em seu artigo 649, e o atual Código de Processo Civil de 2015 (BRASIL, 2015) em seu artigo 833 também trata do bem de família, cuida dos bens que não estão sujeitos à execução porque são bens que a lei trata como impenhoráveis ou inalienáveis.
A Constituição Federal de 1988 trouxe na redação de seu art. 5º, XXVI, a seguinte disposição:
“A pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento” (BRASIL, 1988).
O direito à moradia realiza-se na perspectiva de que é um direito à pessoa, mesmo que seja um meio de tirar seu sustento como são os casos das pequenas propriedades rurais.
Nunes (2005) salienta ainda que a Lei n. 8.009 de 29/03/1990 nasceu da Medida Provisória 143, de 08/03/1990 por intermédio do Presidente José Sarney, frisando sobre a impenhorabilidade da moradia dos indivíduos bem como os bens móveis em algumas circunstâncias, sendo esta lei muito mais ampla do que as do Código Civil, por ser uma normativa de ordem pública, que inibe especulações e contradições.
Portanto, o bem de família é amparado pela lei especial, independente de qualquer ato dos cônjuges ou até mesmo companheiros, desde que sejam configurados por circunstâncias estabelecidas pela lei de impenhorabilidade. Isso com a finalidade de proteger a família em um momento em que o Brasil vier passar por uma instabilidade econômica.
Dias (2010) assegura que com o Código Civil de 2002, introduziram novas modalidades de bens de família, os voluntários que decorrem da vontade dos interessados, e os bens de família legal que não depende da vontade do instituidor e não há necessidade de formalidades no que tange o fato de o devedor morar em um imóvel, o que por força de lei o faz impenhorável. No Código Civil de 2002, pode-se encontrar somente a regulamentação que trata da impenhorabilidade voluntária e autoriza os cônjuges, companheiros e até terceiros a estabelecer um imóvel para moradia de uma entidade familiar, onde tais bens não podem ser executados por dívidas, e nomeia essa ação como bem de família voluntário, apesar de que esta ação não venha receber muita atenção doutrinária devido à pouca utilização desse meio pelas condições socioeconômicas da maior parte da população brasileira, e que fica esse uso exclusivo e restrito às pessoas de maior posse.
2.4 Princípio aplicado ao bem de família
No parâmetro de direitos e garantias, tem-se de maior relevância aquele que defende a vida e a dignidade do ser humano, por ser pautado e vinculado no Direito Constitucional fixado no artigo 1º, inciso III da Constituição de 1988, portanto toda decisão e incursões nos demais ramos do Direito baseiam-se e se justificam pela supremacia do ordenamento Constitucional, tendo a ideia da proteção da dignidade do indivíduo extensão para sua família, essa preocupação com abrigo da família reconstrói os primórdios da humanidade (NUNES, 2005).
Pode-se dizer que o princípio da dignidade humana é o mais universal de todos os princípios, ou seja, é um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, uma coleção de princípios éticos (DIAS, 2010).
Rizzardo (2005) diz que existe uma hierarquia, tendo os de menor importância dar lugar aos que estão acima, onde o direito a um credito não pode trazer consequências drásticas no que refere à dignidade, à vida e moradia, e evidencia que entre o direito ao pagamento de uma dívida e o direito de moradia onde esse fica em uma escala superior que dá privilégio na proteção.
Gonçalves (2012) reconhece que as alterações realizadas na matéria de direito de família preocupam-se em preservar a coesão familiar e os valores culturais. Sendo o Princípio da Dignidade Humana o mais amplo, no que se refere à garantia, ou seja, proteção, moradia, as quais representam a própria pessoa humana, o que conduz a evolução da jurisprudência, no sentido de tornar impenhorável a residência do devedor ainda que solteiro.
Exemplo concreto conforme o julgado abaixo:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. EXECUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. PESSOA SOLTEIRA. ENTIDADE FAMILIAR. NÃO-COMPROVAÇÃO DO BEM COMO ÚNICO IMÓVEL NO PATRIMÔNIO DA PARTE. São impenhoráveis os bens de família, na forma do art. 1º da Lei 8009/90, entendendo-se como bem de família o único imóvel adquirido pelo casal ou entidade familiar para fins de residência permanente. A jurisprudência dominante no ordenamento jurídico, consubstanciada na Súmula 364/STJ, entende que a pessoa solteira, ou a que mora sozinha, constitui unidade familiar, para fins de caracterização do imóvel como bem de família. Constituindo-se a pessoa solteira ou que mora sozinha como entidade familiar, ilegal se torna a execução que recai sobre seu imóvel residencial. Nesse sentido, entende-se por imóvel residencial a única propriedade utilizada pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente (art. 5º da Lei 8009/90). Portanto, a pessoa solteira, considerada pela jurisprudência como entidade familiar, possui a prerrogativa da impenhorabilidade de seu imóvel residencial, desde que a referida residência seja comprovadamente o único imóvel destinado à moradia em seu patrimônio . Consignando o Tribunal Regional, contudo, que não há nos autos a comprovação de que a residência sobre a qual recai a execução seja utilizada como moradia permanente, não se há falar em impenhorabilidade do bem, nem em violação do direito à moradia insculpido no art. 6º da CF. Assim, ainda que por fundamento diverso do utilizado pelo Tribunal Regional, não merece prosseguimento o recurso de revista. Agravo de instrumento desprovido.” (TST- AIRR: 2054 2054/1998-050 – 01 – 40.8, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de julgamento: 25/11/2009, 6ª turma, Data de Publicação: 04/12/2009) (BRASIL, 2009).
Tem-se que o Direito de Família caminha no sentido de proteger as diversas formas de família existentes na atualidade, inclusive as famílias ditas unipessoais.
O Princípio da Dignidade Humana norteia toda a concepção de família e estabelece e dá espaço para a criação dos demais princípios e regramentos, a família dá o suporte para o desenvolvimento e a aplicação deste princípio.
3 FORMA DE INSTITUIÇÃO DO BEM DE FAMÍLIA
3.1 Bem de família voluntário
O bem de família voluntário atualmente está previsto no Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002), nos art. 1711 a 1722. O art. 1.711 do CC/2002 estabelece como é instituído o bem de família voluntário e quem pode instituí-lo.
Gonçalves (2012, p. 352) relata que:
“Diante disso, é possível entender que só será possível a instituição do bem de família voluntário quando a entidade familiar ou o casal possuir mais de um imóvel residencial e não deseja que a impenhorabilidade recaia sobre o de menor valor. Assim, deverá estabelecer o bem de família mediante escritura pública e escolher um imóvel de maior valor para se tornarem impenhorável, conforme art. 1714 do CC/2002”.
O bem de família voluntário é um meio de garantir um asilo para a família, e torna o domicílio onde a família se instala impenhorável e inalienável, enquanto os cônjuges forem vivos e os filhos completarem a sua maioridade (AZEVEDO, 2010).
Com isso pode-se concluir que o bem de família voluntário tem como característica que depende de uma vontade do titular, por escritura pública, testamento ou doação, que por vez gera inalienabilidade e impenhorabilidade ao imóvel onde a família está residindo até a vida dos instituidores ou a maioridade dos filhos.
Em síntese o bem de família convencional ou voluntário possui um rol de regras que se pode encontrar no artigo 1.711 do Código Civil como a compreensão de todos os membros da família, cônjuge, filhos para possibilitar a destinação da moradia para um terceiro; frisar em escritura pública no Registro de Imóveis a doação da moradia; e que não ultrapasse o montante de um terço do patrimônio líquido do instituidor.
3.1.1 Extensão da proteção
Nas conformidades do artigo 1.714 do Código Civil, é lícito afirmar que os efeitos do bem de família voluntário são a inalienabilidade e a impenhorabilidade, ou seja ao instituir o bem de família através de procedimento público no Cartório Imobiliário restringe a sua comercialização pelos efeitos de sua instituição.
A impenhorabilidade e a inalienabilidade que decorrem da vontade do instituidor não atingem apenas o imóvel urbano ou rural que serve de moradia, mas por igual seus acessórios e suas pertenças.
Conforme o artigo 1.712 do Código Civil permite-se destinar à família ou entidade familiar meios para promover a sua própria subsistência, que atinge a proteção aos aparelhos essenciais à manutenção do lar, como geladeiras, telefones, televisão e outros utensílios, também a proteção vem abranger, aos valores mobiliários cuja renda venha ser aplicada ao sustento da família na conservação do imóvel, desde que não exceda a um terço do valor do próprio prédio do instituidor (GONÇALVES, 2012).
3.1.2 Exceções à regra da impenhorabilidade do bem de família voluntário
No bem de família voluntário existem algumas exceções em suas regras elencadas no artigo 1.715 do Código Civil, entre elas a possibilidade de penhorar o bem de família instituída pelos titulares para o pagamento de dívidas contraídas através de tributos relativos ao próprio imóvel como por exemplo o IPTU ou o ITR, ou de despesas de condomínio.
A razão dessas exceções é o fato de que se tratam de obrigações propter rem, despesas assumidas pela própria existência da coisa.
Ou seja, o pagamento dessas dívidas citadas sobressai em relação à proteção do patrimônio familiar; vale observar que as outras possibilidades de penhora do bem de família prevista no artigo 3º da Lei 8.009/90 serão aplicadas somente nos casos do regime do bem de família legal, que por sua vez o bem de família convencional terá apenas as duas exceções decorrentes do artigo 1.715 do Código Civil.
3.2 Bem de família legal
O bem de família legal foi instituído pela Lei n. 8.009, de 29 de março de 1990 e, diferente da voluntária, o legal não depende da manifestação de vontade do agente.
A edição da Lei nº 8.009/90 estabeleceu um novo formato de impenhorabilidade do bem de família, e que possibilita a maior proteção e torna-se impenhorável o bem independente de ato de vontade do titular. Ou seja, basta que o imóvel sirva de moradia para que se tenha a proteção regida pelo artigo 1º da Lei 8.009/90 que diz assim:
“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei” (BRASIL, 1990).
Como pode observar o imóvel próprio do casal ou da entidade familiar é impenhorável e não está sujeito a responder por qualquer dívida civil ou de qualquer outra natureza contraída por qualquer pessoa da família, salvo previsão específica em lei.
3.2.1 Alargamento da proteção do objeto
A impenhorabilidade legal possui um amplo alcance, pois não atinge apenas o imóvel, mas também todo objeto envolvido como plantações, suas construções, benfeitorias de qualquer natureza e os equipamentos inclusive de uso profissionais.
No entanto, o artigo 2º da Lei 8.009/90 deixa clara a possibilidade de penhora, os adornos suntuosos, obra de arte e os veículos de transporte, que poderão ser penhorados para pagamento de dívidas (BRASIL, 1990).
Porém Diniz (2002) agrega que se o automóvel estiver a serviço da residência, como ocorre frequentemente em propriedades rurais, também é impenhorável.
No que se diz respeito a adornos suntuosos houve entendimento de impenhorabilidade aos bens indisponíveis à moradia, mas também àqueles que usualmente integram na residência, como por exemplo, a jurisprudência que dá aval a impenhorabilidade para televisão, geladeira, eletrodoméstico, aparelho de som, forno micro-ondas, ao freezer, exaustor de fogão, ar-condicionado, computador, máquina de lavar roupas, todos os equipamentos entendido como essenciais à dignidade humana no mundo moderno.
“STJ – RECURSO ESPECIAL REsp 106051 SP 1996/0054822-6 (STJ)
Data de publicação: 09/12/1996 SUPERVENIENCIA. PENHORA LEVADA A EFEITO ANTES DE SUA VIGENCIA. DESCONSTITUIÇÃO. DIREITO TRANSITORIO. APARELHO DE TELEVISÃO E GELADEIRA. IMPENHORABILIDADE. HERMENEUTICA. RECURSO PROVIDO. I – A Lei 8.009 /1990, de aplicação imediata,inidece no curso da execução se ainda não efetuada a alienação forçada, tendo o condão de levantar a construção sobre os bens afetados pela impenhorabilidade. II – A referida lei, ao dispor que os equipamentos, inclusive os moveis que guarnecem a residencia, não abarca tão-somente os indispensaveis a moradia, mas tambem aqueles que usualmente integram uma residencia, como geladeira mesa televisão, que se qualificam como objetos de luxo ou adorno. III – Ao Juiz,em sua funçao de interprete e aplicador da lei, em atenção aos fins sociais a que ela se dirige e as exigencias do bem comum, como admiravelmente adverte o art. 5., LICC , incumbe dar exegese cosntrutiva e valorativa que se afeiçoe aos fins teleologicos, sabido que ela deve refletir não so os valores que a inspiram mas tambem as tranformaçoes culturais e socio-politicas da sociedade a que se destina.” (STJ – RECURSO ESPECIAL REsp 106051 SP 1996/0054822-6 (STJ)
Data de publicação: 09/12/1996) Ementa: PROCESSUAL CIVIL. LEI 8.009 /1990) (BRASIL, 1996).
Existe ainda entendimento jurisprudencial, na extensão de impenhorabilidade do bem de família à linha telefônica por ser considerada de grande utilidade prática do dia a dia, não sendo então considerado como objeto de adorno ou de luxo, imune de qualquer restrição judicial. É importante ressaltar que a impenhorabilidade de utilitários da casa caberá para uma unidade de cada espécie sendo possível a penhora do que exceder.
“Ementa: PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA DE BENS. LINHA TELEFÔNICA. APLICABILIDADE DA LEI 8.009 /90.Nos termos da jurisprudencia recente do STJ, a linha telefonica e impenhoravel, por força do art. 1. Da Lei 8.009/90, não se sujeita a penhora. Recurso especial não conhecido. Encontrado em: Por unanimidade, não conhecer do recurso.T2 – segunda turma DJ 08.06.1998 p. 83 – 8/6/1998 VIDE STJ – RECURSO ESPECIAL REsp 165630 CE 1998/0014081-6 (STJ) Data de publicação: 08/06/1998” ( BRASIL, 1998).
Decisões jurisprudenciais que andam cada vez mais comuns.
3.2.2 Constitucionalidade do regime legal do bem de família e suas características
O regime do bem de família legal tem um grande respaldo no artigo 6º da Constituição Federal que vem tratar do direito social à moradia, e que privilegi as situações jurídicas fundamentais da pessoa humana, sendo adaptada e interpretada nos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, que tem como objetivo erradicar a pobreza, dar a igualdade substancial juntamente com a solidariedade social no que expõe os artigos 1°, 3º e 5º da Constituição Federal.
O bem de família legal como já se sabe é regulado pela Lei nº 8.009/90, a referida lei amparada pela Constituição Federal de forma explícita em seu ordenamento, sendo sua maior característica apenas impenhorabilidade, não responde pelas dívidas civis, trabalhistas, comerciais, fiscais, previdenciárias ou de qualquer outra natureza, diferente do bem de família voluntário que trata sobre a inalienabilidade e impenhorabilidade.
3.2.3 A extensão da impenhorabilidade somente aos bens de valor médio necessário a uma vida digna
A Lei nº 11.382/06 que alterou a redação do artigo 649 do Código de Processo Civil/1973 vem tratar da possibilidade de penhora dos utensílios e bens de valor elevado ou que ultrapassem o que é necessário para manter um padrão de vida médio, e que não podendo proteger bens considerados supérfluos ou de valor elevado, pois foge do fundamento na tutela da dignidade do titular.
Farias (2015) expõe que no contexto que se trata do padrão médio de cada pessoa, não existe parâmetros indicado no texto legal, sendo assim caberá ao juiz em cada caso concreto analisar as condições das pessoas envolvidas para definir o que deve ser excluído da impenhorabilidade, ou seja, fica à disposição do magistrado analisar a conveniência, razoabilidade e cabimento de penhora, e levar em consideração o Princípio da Dignidade da Pessoa, tendo que ponderar os interesses em jogo, principalmente quando tratar do único imóvel de elevado valor.
3.2.4 Exceções à regra da impenhorabilidade do bem de família legal
Farias (2015) define que é de grande importância ressaltar a existência de exceções à regra da impenhorabilidade do bem de família legal, pois a fundamentação da impenhorabilidade e respaldada na dignidade da pessoa, sendo assim a proteção vem assegurar tanto ao devedor quanto ao titular do crédito.
A impenhorabilidade que recai sobre o bem de família legal também não é absoluta. Pelo contrário, nesse caso a impenhorabilidade sofre mais exceções do que no caso de bem de família voluntário (SANTIAGO, 2004).
No artigo 3º da Lei 8.009/90 estabelece que a impenhorabilidade não produzirá efeitos quando se trata de cobrança de créditos de natureza trabalhista da própria residência, no caso de créditos financeiros que sejam destinados à construção do imóvel salvo aos créditos destinados à reforma do próprio imóvel, os casos de pensão alimentícia, impostos, taxas e contribuições devidas em função do imóvel, execução de hipoteca do próprio imóvel, e dívida em casos de fiança em contrato de locação.
Farias (2015) escreve que o rol apresentado deve ser interpretado restritivamente, o autor enfatiza ainda sobre o possível equívoco do legislador ao permitir que fosse penhorado o bem de família por conta da fiança prestada em contrato de locação de imóvel, sendo que o devedor principal, ou seja, o próprio locatário não terá o risco de penhora dos seus bens, uma vez que a lei não permite a penhora do imóvel do devedor principal, e permite a situação exposta no inciso VII do artigo 3º da Lei 8.009/90, e causa incompatibilidade da norma legal com a Constituição Federal.
4 DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA
4.1 Da alienação e da impenhorabilidade
Com a promulgação da Lei 8.009/90, o imóvel destinado ao bem de família garantiu-se pela regra impenhorável, ressalvadas as exceções contidas na própria Lei.
Segundo o artigo 1º da Lei nº 8.009/90:
“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados” (BRASIL, 1990).
Ao consagrar a impenhorabilidade do bem de família, quis o legislador, exaltar a proteção da moradia, uma espécie de proteção patrimonial, contra dívidas de quaisquer tipos e origens, que é reconhecida pela Constituição Federal como um direito social e conta com especial proteção do Sistema Internacional de Direitos Humanos.
Ou seja, a previsão do artigo 1º da supracitada Lei, além de outras consequências, impede que credores possam satisfazer seus créditos por meio da penhora desse imóvel, ou ainda dos bens mencionados no supracitado parágrafo único, de modo que a aceitação deste imóvel como garantia é um ato insensato, já que o devedor, uma vez inadimplente, não poderá ter seu imóvel penhorado para satisfazer tal dívida, motivo pelo qual se tornou padrão a não aceitação, pelas grandes empresas em geral instituições financeiras de grande porte, de tais imóveis como garantia (KISS, 2005).
Bobbio (1999) assegura que a Lei de Impenhorabilidade do Bem de Família, juntamente com a Lei do Inquilinato, constituem legislações que realizam e dão concretude ao direito fundamental de moradia.
A Lei de Impenhorabilidade do Bem de Família é uma norma de ordem pública, sendo, portanto, imperativa ou impositiva, não havendo, uma vez instituído o bem de família, possibilidade de sua disposição pelas partes (AZEVEDO, 2010).
A proteção do Bem de Família vem se estendendo a cada dia dando mais segurança a entidade familiar mesmo em casos de dividas pertencente a sociedade empresarial:
”A IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMILIA NO QUAL RESIDE O SÓCIO DEVEDOR NÃO E AFASTADA PELO FATO DE O IMÓVEL PERTENCER Á SOCIEDADE EMPRESARIA. A jurisprudência do STJ tem, de forma reiterada e inequívoca, pontuado que a impenhorabilidade do bem de família estabelecida pela Lei n. 8.009/1990 está prevista em norma cogente, que contém princípio de ordem pública, e a incidência do referido diploma somente é afastada se caracterizada alguma hipótese descrita em seu art. 3º (EREsp 182.223-SP, Corte Especial, DJ 7/4/2003). Nesse passo, a proteção conferida ao instituto de bem de família é princípio concernente às questões de ordem pública, não se admitindo sequer a renúncia por seu titular do benefício conferido pela lei, sendo possível, inclusive, a desconstituição de penhora anteriormente feita (AgRg no AREsp 537.034-MS, Quarta Turma, DJe 1º/10/2014; e REsp 1.126.173-MG, Terceira Turma, DJe 12/4/2013). Precedentes citados: REsp 949.499-RS, Segunda Turma, DJe 22/8/2008; e REsp 356.077-MG, Terceira Turma, DJ 14/10/2002. EDcl no AREsp 511.486-SC, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 3/3/2016, DJe 10/3/2016. Fonte: STJ – Informativo nº. 0579 | Período: 17 de março a 1º de abril de 2016”. (BRASIL 2016)
Ou seja, o bem de família, imóvel utilizado pela entidade familiar para a sua moradia, não integra a esfera patrimonial disponível de seu proprietário, não podendo, portanto, ser penhorado para satisfação de dívidas daquele.
Em entendimento o STJ, afirma que o bem de família jamais integrou a esfera patrimonial disponível do devedor executado, razão pela qual o credor, em casos de oneração ou alienação do referido imóvel, não teria interesse jurídico em suscitar a ocorrência de fraude à execução. O raciocínio é lógico, porquanto o referido imóvel não poderia, em tempo algum, ser expropriado para satisfazer a execução ajuizada contra o seu proprietário (VASCONCELOS, 2002).
Então leia-se:
“Ementa: TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL. PRELIMINAR DE DESERÇÃO AFASTADA PELO ACÓRDÃO RECORRIDO. REEXAME. SÚMULA 7 DO STJ. BEM DE FAMÍLIA. IMPENHORABILIDADE. PROTEÇÃO À MORADIA CONFERIDA PELA CF E PELA LEI 8.009 /90. ALIENAÇÃO DE BEM DE FAMÍLIA. NÃO-OCORRÊNCIA DE FRAUDE À EXECUÇÃO. PRECEDENTES DO STJ. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 83 DESTA CORTE. REVERSÃO DAS CONCLUSÕES DO ACÓRDÃO QUE IMPLICARIA, NECESSARIAMENTE, O REEXAME DO ACERVO PROBATÓRIO DOS AUTOS. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A Corte Regional afastou a alegada deserção, afirmando que o preparo foi regularmente complementado dentro do prazo, após intimação regular da parte. A reversão da conclusão alcançada na instância ordinária, como pretendida pelo recorrente, imporia a necessidade do revolvimento de circunstâncias fáticas, providência vedada pelo Enunciado 7 da Súmula desta Corte. 2. Em se tratando de único bem de família, o imóvel familiar é revestido de impenhorabilidade absoluta, o bem de família jamais integrou a esfera patrimonial disponível do devedor executado, consoante a Lei 8.009 /1990, tendo em vista a proteção à moradia conferida pela CF; segundo a jurisprudência desta Corte, não há fraude à execução na alienação de bem impenhorável, tendo em vista que o bem de família jamais será expropriado para satisfazer a execução, não tendo o exequente qualquer interesse jurídico em ter a venda considerada ineficaz. Incidência da Súmula 83 desta Corte. 3. A inversão do julgado a fim de reverter as conclusões do acórdão recorrido de que não se trata de bem impenhorável, por não ser bem de família implicaria, necessariamente, o reexame do acervo probatório dos autos, o que é defeso nesta Corte, a teor da Súmula 07/STJ. 4. Agravo Regimental da Fazenda Nacional desprovido.” (STJ – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL AgRg no AREsp 255799 RS 2012/0239786-3) (STJ) Data de publicação: 27/09/2013 (BRASIL 2013)
A Súmula 205 do Superior Tribunal de Justiça reconhece a aplicabilidade da Lei n. 8.009/90, mesmo se a penhora for anterior à sua vigência.
Nesse mesmo teor, de acordo com Farias e Rosenvald (2013, p.945):
“[…]esse regime protetivo do bem de família ganha contornos ainda mais nítidos com a regra constitucional da garantia do domicílio como um direito social (CF, art. 6º), passando a decorrer da própria afirmação do patrimônio mínimo da pessoa humana”.
Porém existe uma contradição quanto ao bem de família legal, de acordo com os incisos II e V do artigo terceiro da lei 8.009/90, que aduz sobre as hipotecas constituídas para garantir qualquer empréstimo mesmo que destinado à aquisição da casa própria para o abrigo familiar, os imóveis não estariam protegidos ou amparados pela impenhorabilidade, e podem sofrer as consequências normais de um processo de execução (VASCONCELOS, 2002).
A inalienabilidade é um meio para assegurar a habitação da família, segundo Lopes (1988, p.352-353):
“No Bem de Família, a inalienabilidade é criada em função de um outro objetivo: assegura a residência da família, sendo esse o objetivo principal, e a inalienabilidade um simples meio de atingi-lo. Trata-se de um instituto originário dos Estados Unidos, destinados a assegurar um lar à família. A inalienabilidade não é um fim, senão um meio de que o legislador se serviu para assegurar a tranquilidade da habitação da família; (…) Etimilogicamente, a palavra Homestead compõe-se de duas as palavras anglo-saxões: home, de difícil tradução, cuja versão francesa é “chez soi", “em sua casa”, e stead, significando "lugar". Em linguagem jurídica quer dizer, porém, uma residência de família, implicando posse efetiva, limitação de valor, impenhorável e inalienável”.
Já o artigo 1.715 do Código Civil, de forma expressa decreta a inalienabilidade do bem de família regularmente constituído, ainda que de forma relativa ao proibir a execução do bem por dívidas posteriores, com as exceções ali previstas, de forma tal a dar o real entendimento de que o bem assim destinado não poderá ser oferecido em garantia real hipotecária ou mesmo em caução locatícia, sob pena de, por atos supervenientes, numa futura execução da garantia, ser decretada a falência do instituto, pela constrição, penhora e arrematação do bem.
Por sua vez, ao regulamentar o bem de família convencional, o legislador dispõe no mesmo artigo 1.715 que, pelos correspondentes débitos tributários e despesas condominiais, o imóvel não estará a salvo de futuras execuções, e pode ser arrestado ou penhorado, ou seja, a impenhorabilidade, que é o grande efeito do bem de família, não é absoluta, mas cede a algumas exceções (VASCONCELOS, 2002).
Conclui-se então que excluídas as exceções, o bem de família está isento de execução por dívidas posteriores à sua constituição, porém aos débitos pretéritos, responderá o imóvel.
Por outro lado, à inalienabilidade trata-se de um efeito exclusivo do bem de família voluntário. O legal só possui o efeito único de ser impenhorável. Pode, porém, ser alienado a qualquer tempo (GARCIA, 2007).
No artigo 1.717 do Código Civil, o bem de família voluntário sofre fortes restrições quanto à alienação. O bem fica afetado à moradia da família e só pode ser alienado com autorização judicial (GARCIA, 2007).
Quanto à alienação, um bem de família pode ser sub-rogado em outro, por meio da alienação. É preciso fazer pedido fundamentado e ser justificado o fato de que não há prejuízo para a família (GARCIA, 2007).
Assim sendo a impenhorabilidade somente pode ser reconhecida se o imóvel for utilizado para residência ou moradia permanente da entidade familiar, não sendo admitida a tese do simples domicílio, porém a súmula 486 do STJ, alterou o requisito de que é necessário morar no imóvel. Em sua redação ela traz que: Único imóvel residencial alugado a terceiros é impenhorável, desde que a renda obtida com o aluguel seja para subsistência do proprietário (FARIAS, 2015).
Gonçalves (2012) afirma que o imóvel residencial tanto rural ou urbano, assim como os móveis que guarnecem a residência do proprietário ou possuidor, independente do seu valor ou forma de constituição, sendo que, na hipótese de o devedor possuir domicílio plúrimo ou tiver pluralidade de domicílios, como assim previsto no artigo 71 do Código Civil, a impenhorabilidade recairá sobre o imóvel de menor valor, salvo se outro tiver sido indicado pelo proprietário, na forma prevista no parágrafo único do aludido art. 5º da Lei de Impenhorabilidade, ou seja, em nenhuma hipótese considera-se, pois, impenhorável mais de uma residência, ainda que em cidades diferentes.
Entretanto, mesmo tutelando a entidade familiar ao salvaguardar seus móveis e imóveis, a lei 8.009/90, estabeleceu também regras de exceção, relacionadas nos incisos I a VII, de seu artigo 3º.
Acerca do assunto, Azevedo (2010, p. 75) explica que:
“A lei brasileira exclui da impenhorabilidade os veículos de transporte, as obras de arte e os adornos suntuosos. Por essa mesma lei, os bens do devedor, sem os benefícios do bem de família, podem ser penhorados em razão de: a) crédito de trabalhadores (empregados domésticos e trabalhadores, em geral, que prestam serviços na residência, instituída em bem de família); b) crédito para construção ou aquisição do imóvel; c) crédito de alimentos; d) créditos tributários, contribuições e obrigações propter rem (é passível de execução, assim, o bem de família, em razão de débitos derivados de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições, sobre esse imóvel incidentes, bem como despesas geradas por esse imóvel, tais as de condomínio e as de construção de muro divisório); e) crédito hipotecário (quando o imóvel é oferecido em garantia); f) aquisição criminosa (do bem de família); g) crédito de fiança locatícia (quando o proprietário do bem é fiador, em contrato de locação, dando o imóvel em garantia, criando-se, com isso, verdadeiro direito real)”.
Cabe ressaltar que tais exceções são delineadas de forma taxativa e restrita, e não admite ampliação ou interpretação extensiva. Não cabe ainda qualquer modificação ou alteração do elenco legal. A interpretação das exceções deve ser feita sempre de forma restritiva (AZEVEDO, 2010).
Porém vale ressaltar que a impenhorabilidade prevista no Código Civil é distinta da impenhorabilidade estatuída pela Lei nº 8.009/90. O Código Civil regula a impenhorabilidade convencional, instituída por ato de vontade. Já a Lei de Impenhorabilidade do bem de família regula a impenhorabilidade involuntária, que independe de vontade e é imposta pela lei, percebe-se que o Código Civil não menciona a impenhorabilidade dos bens móveis que guarnecem a residência do devedor, por sua vez a Lei de Impenhorabilidade sim (AZEVEDO, 2010).
Após tudo o exposto, é correto afirmar que cabe aos diplomas legais resguardar a morada da família ou da pessoa, e que visa o princípio da dignidade humana, e que protege não só o direito à casa própria, mas também o desenvolvimento da célula familiar.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A família é a base da sociedade, portanto é de extrema importância na vida do ser humano, e cabe ao Estado proteger a família e também as normas que se referem ao bem de família.
O bem de família no Brasil passou por transformações e acompanha as mudanças sociais, foi introduzido no sistema jurídico brasileiro com o Código Civil de 1916, porém foi com o advento da Lei 8009/90, que esse instituto tomou novo impulso, e por fim pelo Código Civil de 2002, vindo a ser recorrentemente aplicado nas lides judiciais, é classificado em: bem de família voluntário e em de família involuntário. O primeiro é disciplinado pelo Código Civil de 2002 e o último é regulado pela Lei 8.009/90.
Tem como características a inalienabilidade e impenhorabilidade, características essas com o intuito de resguardar a família, assegurando-lhe um asilo, ou seja, um teto para morar, e evita a dissipação do bem, porém é considerada relativa, tendo em vista que pode ser a única fonte de sustento da família, e pode alugá-lo, por exemplo, e consequentemente dar o mínimo de dignidade.
Essa proteção conferida pela Lei 8.009/90, assegura a Dignidade da Pessoa Humana e o direito à moradia, direitos esses assegurados pela nossa Constituição Federal.
E para que haja equilíbrio no ordenamento jurídico, a própria Lei de Impenhorabilidade contém exceções, e evita assim a má-fé por parte do devedor e o grave prejuízo por parte do credor.
Nesse sentido pode-se afirmar que essa proteção ao bem de família alcança o imóvel residencial, e exclui da penhora por quaisquer execuções, salvo raras exceções.
Informações Sobre o Autor
Hebert Mendes de Araújo Schütz
Mestre em Direito Agrário pela Universidade Federal de Goiás analista judiciário do Tribunal de Justiça de Goiás e professor da FAR – Faculdade Almeida Rodrigues em Rio Verde-GO