Resumo: O presente artigo tem por objetivo uma breve análise do direito do esquecimento, fazendo um contraponto entre este e a liberdade de informação. Após a conceituação da matéria, é feita a ponderação entre esta e a liberdade de informação. Foi estudada também a aplicação do tema nos âmbitos penal, cível e virtual, com destaque para suas particularidades. Por fim, conclui-se que a aplicação do direito ao esquecimento irá depender da análise dos aspectos do caso concreto. O método usado foi o dedutivo, fundamentado por meio de livros, doutrinas, artigos científicos e jurisprudência.
Palavras-chave: Direito ao Esquecimento – Dignidade da Pessoa Humana – Liberdade de Informação
Sumário: Introdução.1. Direito ao Esquecimento. 1.1 Direito ao Esquecimento versus Liberdade de Informação. 1.2 Direito ao Esquecimento no Âmbito Penal. 1.3 Direito ao Esquecimento no âmbito cível. 1.4 Direito ao Esquecimento no âmbito virtual. Conclusão.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem como objetivo o estudo do direito ao esquecimento, ou direito de ser esquecido, tema que, apesar de não ser exatamente novo na doutrina jurídica, vem sendo pauta de debates recentes, graças à edição do Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil.
O direito ao esquecimento é desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana, corolário dos princípios da inviolabilidade da vida privada e da proteção à privacidade. Trata-se do direito do indivíduo não ser lembrado por situações pretéritas constrangedoras ou vexatórias, ainda que verídicas.
Tal direito tem como contraponto o direito à liberdade de imprensa e o acesso à informação. A questão está em analisar, em face de uma situação concreta, qual desses princípios deve prevalecer.
Portanto, o objetivo deste trabalho, além de contribuir com o debate sobre matéria tão relevante, é analisar esses posicionamentos – liberdade de informação versus direito ao esquecimento – fazendo um estudo de sua aplicação no âmbito penal, civil e as peculiaridades e dificuldades encontradas quando no meio virtual.
Assim, por meio do método dedutivo, fundamentado em jurisprudência, livros, artigos científicos e doutrinas, estruturou-se este trabalho em quatro capítulos, de forma a melhor apresentação do tema.
O artigo aprofunda-se no tema do estudo, primeiramente definindo-se seu conceito, com a análise dos assuntos pertinentes ao tema. Após é feita uma ponderação do direito ao esquecimento versus a liberdade de informação, seguida da aplicação da matéria nos âmbitos penal e civil do direito brasileiro. Para encerrar, enfim, abordou-se a atual e relevante questão do direito ao esquecimento no âmbito virtual, que reclama soluções bem mais complexas e de índole técnica.
1. DIREITO AO ESQUECIMENTO
A popularização da internet, a propagação das redes sociais e a globalização aumentaram de forma exponencial o acesso à informação. Somos, diariamente, expostos a um verdadeiro bombardeio de notícias dos mais diversos conteúdos. Nesse contexto, até os atos corriqueiros ou mesmo os mais íntimos, podem ser divulgados em velocidade e escalas impressionantes. A plataforma digital e os mecanismos de busca permitem que informações de um período passado possam facilmente ser resgatadas, e não raro causam prejuízos àqueles a que se referem.
Nesse cenário, surgiu o chamado right to be let alone, direito de ser deixado em paz, de ser esquecido, de permanecer sozinho. O direito ao esquecimento é desdobramento da dignidade da pessoa humana, corolário dos princípios da inviolabilidade da vida privada e da proteção à privacidade. Consiste no direito do indivíduo não ser lembrado por situações pretéritas constrangedoras ou vexatórias, ainda que verídicas.
O tema não é novo, mas entrou em evidencia com o Enunciado nº 531, aprovado na VI Jornada de Direito Civil, já mencionada anteriormente. Estabelece o referido dispositivo que “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”.
Eis a justificativa do enunciado:
“Os danos provocados pelas novas tecnologias de informação vêm-se acumulando nos dias atuais. O direito ao esquecimento tem sua origem histórica no campo das condenações criminais. Surge como parcela importante do direito do ex-detento à ressocialização. Não atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos pretéritos, mais especificamente o modo e a finalidade com que são lembrados.”
Conforme mencionado, não se busca o fazer desaparecer o fato, mas sim, evitar que episódios aviltantes pretéritos possam ser resgatados sem nenhum critério, ocasionando danos.
A aparente redação vaga do enunciado vem trazendo a tona discussões sobre sua aplicabilidade. Os contrários ao texto apontam o risco da volta da censura, ante a possível restrição à liberdade de imprensa – o que é expressamente vedado pela Constituição Federal. Para os favoráveis ao tema, a redação genérica serve para que os juristas, ao aplicarem a matéria, possam avaliar caso a caso o que é pertinente à privacidade e onde essa deve ser afastada quando há interesse público.
Entre outras assertivas contrárias à tese do direito ao esquecimento, conforme ressaltado no voto do REsp 1.334.097/RJ, da lavra do Ministro Luis Felipe Salomão, estão:
“[…] i) o acolhimento do chamado direito ao esquecimento constitui atentado à liberdade de expressão e de imprensa; ii) o direito de fazer desaparecer as informações que retratam uma pessoa significa perda da própria história, o que vale dizer que o direito ao esquecimento afronta o direito à memória de toda à sociedade; iii) cogitar de um direito ao esquecimento é sinal de que a privacidade é a censura do nosso tempo; iv) o mencionado direito ao esquecimento colidiria com a própria idéia de direitos, porque estes têm aptidão de regular a relação entre o indivíduo e a sociedade, ao passo que aquele finge que essa relação não existe- um ‘delírio da modernidade’; v) o direito ao esquecimento teria o condão de fazer desaparecer registros sobre crimes e criminosos perversos, que entraram para a história social, policial e judiciária, informações de inegável interesse público; vi)ou uma coisa é, na sua essência, lícita ou é ilícita, não sendo possível que uma informação lícita transforme-se em ilícita pela simples passagem do tempo; vii) quando alguém se insere em um fato de interesse coletivo, mitiga-se a proteção à intimidade e privacidade em benefício do interesse público; viii) e, finalmente, que programas policiais relatando acontecimentos passados, como crimes cruéis ou assassinos célebres, são e sempre foram absolutamente normais no Brasil e no exterior, sendo inerentes à própria atividade jornalística.”
O tema já é rotineiro nos juízos e tribunais quando diz respeito à divulgação de fatos inverídicos, caluniosos ou difamatórios. Contudo, o que se dizer quando o fato ou informação divulgada é, sim, verídica? A verossimilhança da informação, por si só, não autorizaria a sua divulgação irrestrita. Fatos desabonadores passados não podem ser resgatados a qualquer tempo, sem justificativa, sob o amparo da liberdade de expressão.
Em nosso ordenamento jurídico positivado, o tempo e o direito guardam relação direta. O tempo interfere no exercício do direito, assim como o direito estabiliza situações pretéritas. São vários os institutos com essa finalidade: prescrição, decadência, a proteção constitucional ao ato jurídico perfeito, direito adquirido e coisa julgada, a reabilitação penal, dentre outros. Decorrido determinado período de tempo (ou cumprida a obrigação decorrente do ato), cessa qualquer ameaça sobre o direito, e os registros podem ser apagados.
O direito ao esquecimento tem como contraponto o direito à liberdade de imprensa e o acesso à informação. A questão está em analisar, em face de uma situação concreta, qual desses princípios deve prevalecer.
1.1 Direito ao Esquecimento versus Liberdade de Informação
A liberdade de informação é pilar de uma sociedade democrática, e tem como base o direito fundamental de acesso à informação (art. 5º, XIV, CF). A atuação franqueada visa a proporcionar a sociedade, notícias livres de qualquer diretriz política, filosófica, religiosa ou econômica. Essa liberdade está assegurada pela Constituição Federal (BRASIL, 1988):
“Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.”
Entretanto, como é sabido, não existe no ordenamento jurídico princípio ou garantia absoluta. A liberdade de informação, além de implicar compromisso com a informação precisa e correta, transmitida com responsabilidade, deve ter como finalidade o interesse público, e, conforme o parágrafo primeiro do artigo acima colacionado, não pode colidir com os direitos da personalidade, dentre os quais estão o direito à honra, à imagem, à privacidade e à intimidade.
Porém, quando há inegável interesse público, o direito à intimidade fica mitigado, em prol do coletivo. Não estariam abrangidos pelo direito ao esquecimento os fatos genuinamente históricos, relevantes e indispensáveis à formação da opinião pública e ao debate de interesse geral. Também não estão englobados na esfera íntima aqueles praticados em público, com a renúncia, expressa ou tácita a sua privacidade.
A proteção à divulgação de informações referentes às pessoas públicas existe, ainda que em menor intensidade. Podem se opor a divulgação de questões domésticas, pessoais ou íntimas, quando for feita de forma abusiva. A proteção a agentes políticos é ainda menor, em face do justificado interesse dos cidadãos em sua vida pessoal.
Há ainda que se distinguir o "interesse público" do "interesse do público". O primeiro diz respeito àquelas informações que possuem valores que agregam, que refletem os interesses objetivos dos que recebem ou podem receber à informação. Já o interesse do público está associado à soma de preferências, de interesses subjetivos, como por exemplo, o interesse pelo mórbido, pelo catastrófico, pelo sensacionalista. Apenas o interesse público está abrigado pela liberdade de expressão. Conforme nos ensina Alexandre de Morais (2002, pág.80/81),
“Encontra-se em clara e ostensiva contradição com o fundamento constitucional da dignidade da pessoa humana (CF, art.º, III), com o direito à honra, à intimidade e à vida privada (CF, art. 5º, X) converter em instrumento de diversão ou entretenimento assuntos de natureza tão íntima quanto falecimentos, padecimentos ou quaisquer desgraças alheias, que não demonstrem nenhuma finalidade pública e caráter jornalístico em sua divulgação. Assim, não existe qualquer dúvida de que a divulgação de fotos, imagens ou notícias apelativas, injuriosas, desnecessárias para a informação objetiva e de interesse público (CF, art.5º XIV), que acarretem injustificado dano à dignidade humana autoriza a ocorrência de indenização por danos materiais e morais , além do respectivo direito à resposta.”
A princípio, o embate entre a liberdade de informação e os direitos de personalidade dizia respeito a fatos inverídicos e caluniosos, num cenário de contemporaneidade da notícia. Modernamente, a discussão nos traz fatos pretéritos, verídicos, porém embaraçosos ou vexatórios.
As possibilidades são amplas e envolvem vários enfoques: sociais, políticos, culturais, jurídicos. Até que ponto, por exemplo, poderia um candidato levantar fatos desabonadores de seu oponente na campanha política? Existiria algum prazo, por exemplo, para que essas informações sejam divulgadas? Como saber se uma informação é de interesse público e merece ser veiculado posteriormente?
O direito ao esquecimento busca resolver essa questão. Todos os princípios e garantias devem ser ponderados em face à situação concreta. Há, contudo, uma inclinação para que prevaleça àquele referente a proteção da dignidade da pessoa humana, fundamento constitucional. Portanto, no conflito entre a liberdade de informação e os direitos de personalidade, esse tende a prevalecer. Nesse sentido, elucidativo o trecho do voto do Ministro Luis Felipe Salomão no REsp 1.335.153/RJ (destaques existentes no original):
“Nesse passo, a explícita contenção constitucional à liberdade de informação, fundada na inviolabilidade da vida privada, honra, imagem e, de resto, nos valores da pessoa e da família, prevista no art. 220, §1º, art. 221 e no §3º do art. 222 da Carta de 88, parece sinalizar que, no conflito aparente entre esses bens jurídicos de especialíssima grandeza, há, de regra, uma inclinação ou predileção constitucional para soluções protetivas da pessoa humana, embora o melhor equacionamento deva sempre observar as particularidades do caso concreto”.
Foi exatamente nos autos em que o voto transcrito foi exarado, que, analisando as peculiaridades existentes, o Superior Tribunal de Justiça negou indenização aos familiares de Aida Curi, vítima de notório crime na década de 50, retratada no programa televisivo Linha Direta- Justiça, da Rede Globo. Ao julgar o caso, entendeu a Turma que o fato já teria se tornado de domínio público, validando a cobertura da imprensa sobre o caso mesmo anos depois.
É certo que qualquer cogitação da limitação à liberdade de informação traz muitos opositores, pois desperta lembranças das décadas em que a imprensa foi alvo de censura nos anos da ditadura militar. Porém, bem dosado e aplicado, o direito ao esquecimento não constitui censura à liberdade de expressão ou acesso à informação. Busca-se evitar, apenas, que sob a escusa de liberdade de expressão, sejam cometidos abusos, perseguições e divulgações de informações que não tem interesse social.
1.2. Direito ao Esquecimento no âmbito penal
“As pessoas crêem que o processo penal termina com a condenação, o que não é verdade. As pessoas pensam que a pena termina com a saída do cárcere, o que tampouco é verdade. As pessoas pensam que a prisão perpétua é a única pena que se estende por toda a vida: eis uma outra ilusão. Senão sempre, pelo menos nove a cada dez vezes, a pena jamais termina. Quem pecou está perdido. Cristo perdoa, os homens não”. (CANELUTTI, 2002)[1]
Não é novidade a cobertura jornalística de crimes que ou pelos sujeitos envolvidos, ou a brutalidade com que foi praticado, possuem grande repercussão. A cobertura está diretamente ligada à ânsia de resposta da sociedade ao delito cometido e, além de sua função de historicidade, possuem uma função de prevenção social.
Em outra linha de raciocínio, a recordação de crimes passados pode representar uma análise da sociedade de outrora, seu aparto policial e judicial, os valores éticos e humanos da época, e a evolução (ou não) do ser humano. Trata-se de um retrato do passado, que revela características importantes e relevantes para a memória da sociedade.
A historicidade da notícia de crimes pretéritos, porém, não pode, conforme já visto, se sobrepor aos direitos de personalidade.
No âmbito criminal, o direito ao esquecimento consubstancia-se na possibilidade de reabilitação (arts. 93 e 94, CP), com o consequente sigilo de todos os dados relativos ao crime após dois anos do dia em que a pena, de qualquer modo, for extinta, ou terminar sua execução. Passados 05 (cinco) anos do cumprimento da pena, o fato sequer constará para fins de reincidência, apagando-se quaisquer registros criminais e processuais públicos. A Lei de Execução Penal, em seu art. 202, também determina (BRASIL, 1984):
“Art. 202. Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei.”
Porém, apesar de assegurado o direito de ter os registros públicos referentes ao crime cometido apagados, o mesmo não se pode dizer a respeito das informações veiculadas, que podem continuar on line, não havendo no ordenamento jurídico regra a respeito do tema.
Se já é certo e positivado que os condenados possuem o direito ao esquecimento, por maiores e melhores razões, os absolvidos das acusações criminais possuem igual direito. É esse o entendimento do Superior Tribunal de Justiça.
No julgamento do REsp 1.334.097, referente a um pedido de indenização, a Turma reconheceu o direito ao esquecimento do autor da ação, que, inocentado da acusação de ser coautor/partícipe no crime que ficou conhecido como “Chacina da Candelária”, ocorrido em 1993, foi citado como um dos envolvidos no programa televisivo Linha Direta, da Rede Globo, veiculado em junho de 2006.
No caso em questão, o recorrente sustentou que a veiculação do programa levou a público situação já superada e esclarecida, reacendendo onde morava uma imagem negativa, incitando o ódio social. A turma, afastando a alegação da emissora de ausência de invasão à privacidade/ intimidade, já que os fatos narrados no programa já eram públicos e tinham sido anteriormente discutidos, decidiu ser devida a indenização pretendida.
1.3. Direito ao Esquecimento no âmbito cível
Na área cível, o limite entre o acesso à informação e a liberdade de imprensa e o direito ao esquecimento é bem mais nebuloso. Por um lado é certo que o indivíduo não pode ser eternamente lembrado por situações pretéritas vexatórias ou constrangedoras, mas por outro, não é claro em que termos pode-se limitar a liberdade de imprensa e o acesso à informação.
O Código Civil de 2002, redigido sob a égide da Constituição Federal de 1988, possui diversos dispositivos visando a proteção da exposição da esfera privada do indivíduo, dando preferência a dignidade da pessoa humana, quando em conflito com demais valores, conforme, por exemplo, os artigos abaixo colacionados (BRASIL, 2002):
“Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”.
O Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990) proíbe que informações referentes à inadimplência constem em cadastros em período superior a 05 (cinco) anos[2], o que demonstra a vontade do legislador de que o episódio negativo possa ser "esquecido".
Assim também acontece com relação às infrações funcionais dos servidores públicos federais, que veem apagados de seus registros as penalidades de advertência e suspensão se, decorrido determinado período de tempo, não praticarem nova infração disciplinar[3].
Mas não só as pessoas físicas encontram-se protegidas pelos direitos da personalidade. De igual forma, pessoas jurídicas estão sujeitas a divulgação de fatos passados que pode trazer sérios danos no presente, encontram-se abrangidas pelos direitos da personalidade[4] e podem sofrer dano moral[5].
A ampla e irrestrita divulgação de fatos passados negativos pode trazer consequências devastadoras, por exemplo, na imagem de uma marca comercial sobre a qual foram trazidos ao presente, fatos desabonadores anteriormente noticiados.
É assegurado àqueles que se sintam ofendidos buscar judicialmente direito de resposta[6], que consiste em réplica à acusação feita, publicada nos mesmos moldes, tamanhos e mesmo veículo da publicação originária, sem nenhum custo.
Assunto extremamente atual e relevante diz respeito às biografias não autorizadas. O caso mais notório diz respeito ao cantor Roberto Carlos, que conseguiu em 2007 proibir a circulação da obra não autorizada que contava sua história. Em reação ao posicionamento judicial adotado nesse caso, a Associação Nacional de Editores de Livros (Anel) propôs ao Supremo Tribunal Federal uma Ação Direta de Inconstitucionalidade para permitir a publicação de biografias não autorizadas pelo biografado. A discussão voltou à pauta recentemente, com o debate público entre integrantes da Associação Procure Saber, contrária às biografias não autorizadas, da qual fazem parte artistas como Caetano Veloso e Gilberto Gil, e outras personalidades, que apontam que a proibição seria uma forma de censura.
1.4. Direito ao Esquecimento no âmbito virtual
Com o advento da internet, tornou-se extremamente fácil e rápido, propagar informações numa escala global. A proliferação de redes sociais, a fragilidade dos laços de amizade virtuais, o desejo de exposição, tudo isso contribui para a difusão de dados indevidos.
No âmbito virtual, o direito ao esquecimento visa à retirada de informações antigas sobre determinada conduta. Normalmente, o que se requer é retirar algum vídeo ou noticia das páginas da rede. Pode ser ainda, que o desejo seja de que os sites de busca sejam impossibilitados de mostrar resultados que apontem para fatos pretéritos já superados e acobertados pelo direito ao esquecimento.
Foi o que aconteceu com a apresentadora Xuxa Meneghel. O filme "Amor, estranho amor", lançado no ano de 1982, mostra cenas em que a então atriz iniciante simula ter relações sexuais com um garoto de 12 anos. A película gerou uma longa disputa judicial, em que a apresentadora buscava a não divulgação do filme.
Foi então ajuizada ação requerendo que o site de buscas Google, deixasse de mostrar como resultados à pesquisa com seu nome, palavras associadas ao termo "pedófila" ou qualquer outra prática criminosa. Em julgamento de Recurso especial interposto pela apresentadora, o STJ assim decidiu que:
“não se pode, sob o pretexto de dificultar a propagação de conteúdo ilícito ou ofensivo na web, reprimir o direito da coletividade à informação. Sopesados os direitos envolvidos e o risco potencial de violação de cada um deles, o fiel da balança deve pender para a garantia da liberdade de informação assegurada pelo art. 220, § 1º, da CF/88, sobretudo considerando que a Internet representa, hoje, importante veículo de comunicação social de massa. (REsp 1316921/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe 29/06/2012)”
Mas não só as pessoas públicas que podem ter seu passado devassado com a ajuda de ferramentas virtuais. Tramita no Tribunal Regional Federal da 5ª Região pedido de um ex-condenado pela prática de estelionato, em que solicita que o seu nome, constante na sentença condenatória, seja retirado das páginas de busca. Relata o requerente que enquanto fazia uma apresentação de um plano de solução para um projeto, teve seu nome lançado numa página de busca por uma pessoa da plateia, que, ao encontrar o acórdão de apelação no site do TRF5, mostrou para os demais presentes, causando embaraços ao palestrante.
A aplicação do direito ao esquecimento no âmbito virtual desafia, além da já mencionada ponderação entre valores entre a liberdade de expressão e a defesa da intimidade, soluções técnicas que possam efetivamente retirar da plataforma virtual a informação indesejada. Além da possibilidade de anonimato, que dificulta a identificarão do autor da divulgação indevida, a informação veiculada pode não estar hospedada em apenas um site ou provedor, e sim disseminada através de páginas pessoais de usuários de redes sociais, por exemplo.
Uma frase infeliz, um vídeo de um momento de descontração, uma posição ideológica, uma foto íntima, tudo isso pode cair na rede mundial de computadores causando grande dor de cabeça para aqueles a que fazem referência. O caso é agravado porque, ainda que decorrido muito tempo do episódio desabonador, ele pode ser facilmente encontrado por qualquer pessoa. Vale conferir o trecho o voto do Eminente Relator Ministro Luis Felipe Salomão no julgamento do REsp1.334.097/RJ:
“A ideia de um direito ao esquecimento ganha ainda mais visibilidade – mas também se torna mais complexa – quando aplicada à internet, ambiente que, por excelência, não esquece o que nele é divulgado e pereniza tanto informações honoráveis quanto aviltantes à pessoa do noticiado, sendo desnecessário lembrar o alcance potencializado de divulgação desse cyberespaço. Até agora, tem-se mostrado inerente à internet- mas não exclusivamente a ela- a existência de um “resíduo informacional” que supera a contemporaneidade da notícia e, por vezes, pode ser, no mínimo, desconfortante àquele que é noticiado”.
Outra questão relevante diz respeito à soberania dos Estados. O conteúdo ofensivo pode estar hospedado em provedores localizados em outro país, o que pode gerar inúmeras dificuldades diplomáticas para a coerção ao cumprimento de medidas determinadas por juízes nacionais.
CONCLUSÃO
Ao longo desse estudo foi possível conceituar o direito ao esquecimento, posicionando-o no ordenamento jurídico como decorrente da dignidade da pessoa humana e da inviolabilidade da vida privada e proteção à privacidade.
Ao contrapor o direito ao esquecimento à liberdade de informação podemos observar que, por não existir em nosso ordenamento direito ou garantia absoluta, não é possível estabelecer de maneira uniforme e irrevogável qual desses direitos deve prevalecer. Apesar de a legislação demonstrar preferência, na colisão de direitos, àquele relativo à proteção da pessoa humana, somente observando as particularidades do caso concreto será possível decidir de forma mais justa.
Conforme visto, o direito ao esquecimento já vem sendo aplicado no âmbito penal com relação àqueles que já cumpriram a pena determinada. Contudo, com relação àqueles que foram absolvidos, ainda não há posição sedimentada sobre a matéria.
No campo cível, a discussão costuma-se referir a situações vexatórias ou constrangedoras pretéritas, as quais o indivíduo, ou mesmo pessoas jurídicas, buscam esquecimento.
No âmbito virtual, a aplicação do direito ao esquecimento encontra diversas barreiras, como as dificuldades técnicas existentes, a velocidade da propagação da informação e o anonimato, entre outros.
Por fim, conclui-se que em qualquer pleito relativo ao direito ao esquecimento devem ser analisados, dentre outros aspectos: a ausência de contemporaneidade da informação; a veracidade do conteúdo; e a existência (ou não) de relevante interesse social ou histórico.
Informações Sobre o Autor
Luiza Helena da Silva Guedes
Procuradora da Fazenda Nacional. Graduada em Administração e Direito. Pós-graduada em Direito Constitucional Direito Civil e Processual Civil