Renúncia à maternidade e a interferência do Estado: da lei 9263/96 ao direito comparado

Resumo: Uma das normas sociais mais fortemente ligadas à constituição da identidade feminina é a maternidade.  Acontece que há um crescente posicionamento de mulheres que optam por não viver essa experiência, o que manifesta uma ruptura histórico-cultural de gênero. O presente artigo tem como escopo empreender um estudo acerca da não-maternidade, buscando compreender e ultrapassar a abordagem tradicional e estigmatizada, evidenciando a complexidade dessa experiência embasando-se na intercessão entre história, cultura, sociedade e direito. Trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva das dimensões atribuídas a renúncia da maternidade e a interferência do Estado sobre essa escolha. Baseia-se na lei 9.263/96, e, para efeito comparativo, considera-se o estatuto jurídico da esterilização voluntária em alguns países. Para melhor compreender a temática proposta, a análise se deu por meio de pesquisas bibliográficas, legislativas, documentais e de meios eletrônicos, buscando retirar dessa vasta literatura, inclusive oriunda de tendências teóricas diferentes e até divergentes, as informações que demonstram ser válida a hipótese levantada. Foi possível inferir que a valorização da maternidade ainda é muito forte, e que o próprio ordenamento legal interessa-se pela questão, este, que de certa forma, trabalha para que a maternidade seja contemplada no percurso de vida das mulheres.

Palavras-chave: Identidade. Mulheres. Gravidez. Ruptura. Cultura.

Abstract: One of the social norms most strongly linked to the constitution of feminine identity is motherhood. It turns out that there is a growing position of women who choose not to live this experience, which manifests a historical-cultural gender break. The purpose of this article is to undertake a study about non-maternity, seeking to understand and overcome the traditional and stigmatized approach, highlighting the complexity of this experience based on the intercession between history, culture, society and law. It is an exploratory-descriptive research of the dimensions attributed to the renunciation of motherhood and the interference of the State in this choice. It is based on Law 9.263 / 96, and, for comparative purposes, it considers the legal status of voluntary sterilization in some countries. In order to better understand the proposed theme, the analysis was carried out through bibliographical, legislative, documentary and electronic media searches, seeking to obtain from this vast literature, including from different theoretical tendencies and even divergent ones, the information that demonstrates to be valid the hypothesis raised . It was possible to infer that the value of maternity is still very strong, and that the legal system itself is interested in the issue, which, in a way, works to ensure that motherhood is contemplated in the life course of women.

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Keywords: Identity. Women. Pregnancy. Break. Culture.

Sumário: Introdução. 1. A criação histórico-cultural do feminino. 2. Movimento feminista. 3. A (não) liberdade da mulher escolher seu método contraceptivo. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

Por muito tempo a figura feminina foi entreleçada à ideia de “destino natural” e da inevitabilidade dos papéis tradicionalmente atribuídos, como de esposa e mãe, por exemplo. Sabemos que, atualmente, a mulher tem mais opções na vida, surgem novas oportunidades de sua inserção nos espaços da vida pública, propiciando variadas experiências, as quais, antes eram impossíveis de serem obtidas por estarem subordinadas à valores sociais, cuja força social, política e cultural preponderava-se. Por esse maior acesso à sociedade, a feminilidade saí da convecionalidade cultural e passa ser uma configuração da própria mulher, ela começa  questionar, contestar, se impor, decide se quer ou não, seleciona suas prioridades. A maternidade, o que trataremos nesta pesquisa, elevava e envolvia as mulheres em uma auréola. “Dar à luz” tornava-se uma tarefa nobre, e mais do que isto, via-se como algo que as completaria, parte indelével do ciclo de vida.

A pílula anticoncepcional ajudou a promover uma diminuição no número de filhos, assim como permitir que as mulheres não os tivessem.

Apesar de estarmos num contexto histórico de evoluções, no qual muita mudança vem ocorrendo, o ser mãe, ainda é visto como o maior acontecimento na vida da maioria das mulheres, há uma grande cobrança para estas terem filhos. No transcorrer da história, a identidade feminina veio se construindo através da maternidade. A sequência menina-mulher-casamento-maternidade foi institucionalizada e naturalizada na maioria das sociedades.

Muitas mulheres que optam por não terem filhos, escolhem a laqueadura como alternativa, visto ser um procedimento encarado como seguro e altamente eficaz para prevenir a gravidez, sendo capaz de durar uma vida inteira. Mas apesar da autonomia está relacionada à liberdade de escolha, correspondendo a capacidade de o indivíduo decidir sobre si mesmo com base nas alternativas que lhe são apresentadas, livre de coações externas e internas, o Estado se apresenta em muitos casos como um agente que interfere na autonomia dos cidadãos, no que se refere ao estudo presente, ele intervém de forma considerável na vida de mulheres que não querem ser mães, preferindo ser estéreis.

Como questão central, o artigo objetiva discutir sobre a liberdade da mulher de prescindir da maternidade, assim como analisar criticamente as condições de esterilização cirúrgica feminina no Brasil e em outros países. Não é pretendido esgotar aqui o tema, mas intenciona-se apresentar alguns pontos para se pensar sobre a problemática que está envolta e que por muitos não é observada.

1. A CRIAÇÃO HISTÓRICO-CULTURAL DO FEMININO

O conceito de gênero foi elaborado e sofreu alterações ao longo da história, em 1949, Simone de Beauvoior já havia escrito que não se nasce mulher, torna-se: “Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam de feminino. Somente a mediação de outrem pode constituir um indivíduo como um Outro” (DE BEAUVOIOR, 1967, p. 9).

Assim, podemos dizer que o gênero não é um fruto natural, mas uma criação histórica e social, que, com base nas diferenças entre os sexos biológicos, atribuem diferentes papéis ao homem e a mulher.

A antropologia moderna constata a marca da diferença sexual como alicerce da própria cultura nos mais diversos tipos de sociedade e nas múltiplas formas de organização e relacionamento humano; o universo sociocultural apresenta-se estruturado em torno da dicotomia sexual, associando a cada polo faculdades e qualidades diferentes e complementares, e “no imaginário masculino, as mulheres, percebidas não só como diferentes mas, sobretudo como inferiores, ocupam, paradoxalmente o lugar de metade perigosa da sociedade”. (MANSUR, 2003, p.25)

Desde a colonização do Brasil, o papel da mulher perpassa por funções às vezes exóticas, ora degradantes e até desumanas. Para uma visão das primeiras mulheres brasileiras, se pode usar o olhar que consta da obra organizada por Del Priore, “A mulher na história do Brasil”, onde vai buscar no período colonial as raízes do machismo brasileiro,  as raízes desse machismo mergulham fundo na história do país e só muito recentemente concentram-se esforços para denunciar e também combater essa forma de discriminação e dominação social.

Talvez, ainda hoje, o inconsciente das mulheres brasileiras esteja atrelado às ideias passadas por gerações, como uma espécie de estigmatismo cultural. Mesmo no Brasil recente, existem diferenças entre homem e mulher, relacionando sua submissão a sua estrutura física e biológica.

A revolução sexual e a emancipação feminina tiveram um papel fundamental nas mudanças que vêm ocorrendo no casamento, no amor e na sexualidade ao longo da modernidade, resultando em transformações radicais na vida e intimidade das pessoas. Atualmente as mulheres estão avançando em várias áreas da sociedade. “A mulher não só tem ocupado espaço em todas as áreas de produção e saber, como o tem feito com eficiência, fator que traz mais luz às atividades que desenvolvem.” (PRIORE, 1994, p.10).

Um novo modelo conduz o destino social e a colocação das mulheres, caracterizado por sua autonomia em relação à influência tradicional masculina e pelas redefinições e significações imaginário-sociais da mulher.

Segundo Grisci (apud REIS; SOUZAS e MARINHO, 2014), desde a infância há um “condicionamento” social para as mulheres voltado à maternidade, através de bonecas e brincadeiras de casinha. São entretenimentos que as preparam para este fim, mesmo que de forma despercebida.

A ideia de que a maternidade não é inerente e natural, vem sendo internalizada por várias mulheres, e a acompanhar, fortes críticas da sociedade continuam a persistir sobre essa “conduta desviante” visto que antes, ser mãe era simplesmente inquestionável, algo naturalmente predestinado. Badinter (1985) diz que o amor materno é apenas um sentimento humano. E como todo sentimento, é improvável, frágil e imperfeito. Contrariamente aos preconceitos, ele talvez não esteja profundamente inculpido na natureza feminina.

De acordo com as estatísticas da última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010, 14% das mulheres brasileiras não têm em seu planejamento a tenção de engravidar. Em alusão a pesquisa anterior (2000), o percentual era de 10%. Fato que, por sua vez, corrobora a ideia de que aumenta a vontade da mulher de prescindir da maternidade. Além disso, o censo mostra que mulheres mais escolarizadas são mães mais tarde e têm menos filhos.

2. MOVIMENTO FEMINISTA

O território do feminino na história não é um lugar sereno, onde a mulher se locomove sem riscos, e onde o confronto e o conflito não imprimem suas marcas. A história da mulher é, antes de tudo, uma história  de complementaridades sexuais, onde se interpenetram práticas sociais, discursos e representações do universo feminino como uma trama, intriga e teia” (PRIORE, 1994, p. 13).

Ao falarmos de mulher, impositivo render homenagens ao movimento feminista, “apesar de tão ridicularizado, enfim conseguiu o que todas as mulheres sempre ansiaram: a liberdade e a igualdade” (DIAS, 2013, p. 102)

Ainda é um equívoco afirmar que as mulheres possuem liberdade e que há igualdade, mas partindo de uma comparação com o passado, muitas coisas foram conquistadas, no entanto,  a caminhada ainda é grande e árdua quando se pensa em respeito aos direitos da mulher e igualdade entre os gêneros.

O movimento feminista é um movimento político, que tem como principal fito, alcançar a igualdade entre os gêneros, garantindo a participação ativa da figura feminina na realidade da sociedade onde vivem. São também movimentos intelectuais, que através de teorias e pesquisas, buscam provar que não existem diferenças entre a capacidade de homens e mulheres, tentando assim, excluir a ideia de dicotomia sexual.

O movimento também luta pela autonomia da mulher sobre o seu próprio corpo e seus próprios desejos, onde podemos exemplificar com a questão da descriminalização do aborto, uma das militâncias das feministas,  entendendo que muitas mulheres perdem a vida, submetendo-se a procedimentos clandestinos executados por pessoas que muitas vezes não possuem formação profissional para realizá-los. Esta não seria a única justificativa, há de se considerar também outros motivos, os quais não serão aqui tratados porque o presente trabalho não entra no mérito dessa discussão, especificamente.

Podemos considerar como mulheres politicamente “perigosas” as feministas dos anos 1970, que buscavam a “liberação” da mulher, e as militantes de esquerda, que combatiam o regime militar e o sistema capitalista. Nos anos 1980, as lutas pela maior penalização da violência sexual, fim das discriminações, lutas que se opunham ao aumento do custo de vida e a favor da democracia e do meio ambiente acabaram por imprimir a figura da “mulher politizada”, comprometida com as causas de seu tempo.

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O acesso à contracepção e o direito de interromper voluntariamente a gravidez eram reivindicações decorrentes do feminismo que propunha a dissolução entre masculino e feminino. Seria o nascimento das primeiras reivindicações sobre os Direitos Sexuais e Reprodutivos, sendo os primeiros: direito de viver e expressar livremente a sexualidade sem violência, discriminações e imposições e com respeito pleno pelo corpo do(a) parceiro(a); direito de viver plenamente a sexualidade sem medo, vergonha, culpa e falsas crenças; direito de escolher o(a) parceiro(a) sexual; direito de escolher se quer ou não quer ter relação sexual; direito de ter relação sexual independente da reprodução; direito ao sexo seguro para prevenção da gravidez indesejada e de DST/HIV/AIDS; direito de expressar livremente sua orientação sexual: heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade, entre outros. Já os Direitos Reprodutivos, tratariam do direito das pessoas de decidirem, de forma livre e responsável, se querem ou não ter filhos, quantos filhos desejam ter e em que momento de suas vidas, direito de exercer a sexualidade e a reprodução livre de discriminação, imposição e violência e direito a informações, meios, métodos e técnicas para ter ou não ter filhos. Eram projetos verdadeiramente revolucionários.

Há muito mais a dizer sobre esse movimento, suas conquistas.  “De fato, todo o movimento em favor da afirmação dos direitos da mulher e da construção da esfera pública democrática, desenvolvido pelo menos nas quatro décadas anteriores, pavimentara caminhos e abrira portas para a aceitação social da “mulher cidadã”, com deveres e direitos correspondentes. Apesar da sub-representação das mulheres nas instituições políticas, das injustiças sociais e dos preconceitos ainda existentes contra sua presença em cargos executivos, posições de liderança e funções de responsabilidade, vai longe o tempo em que a “mãe cívica” foi inventada para manter a mulher quietinha e conformada dentro de casa […]” (PINSKY, 2012, p. 540)

3. A (NÃO) LIBERDADE DA MULHER ESCOLHER SEU MÉTODO  CONTRACEPTIVO

A pílula anticoncepcional advém do pensamento de uma feminista chamada Margaret Sanger, a mesma procurou Gregory Goodwin Pincus, biólogo, com a intenção de criar um remédio que pudesse dar às mulheres o poder e a autonomia sobre seu corpo, ou seja, ter ou não filhos. Acatando a ideia, Pincus seguiu com a pesquisa às escondidas, pois o uso de contraceptivos ainda era tido como ilegal. Apesar de muita relutância da igreja e da própria sociedade, a pílula foi legalizada. “Em 1961, a pílula anticoncepcional chegou às farmárcias. O método mais confiável de controle de natalidade ajudaria a promover uma diminuição no número de filhos, fazendo declinar ainda mais o tamanho das famílias. Essa queda, obviamente, não ocorreu de um momento para o outro, mas foi constante. Ela não só permitiria uma maior participação econômica das mulheres, como ampliria seu leque de escolhas a respeito do que fazer com suas próprias vidas” (PINSY, 2012, p. 514)

Dentre os diversos métodos contraceptivos que existem hoje, os quais podemos citar: camisinha, DIU (dispostivo intra-uterino), pílula do dia seguinte e diafragma, um em especial vem recebendo a preferência de muitas mulheres: a laqueadura. Ela se torna a opção mais aceita para aquelas que não tem nenhuma propensão materna em virtude de ser considerado um método praticamente irreversível. A laqueadura (também chamada de ligadura de trompas), é uma cirurgia na qual as trompas são amarradas ou cortadas, evitando que o óvulo e os espermatozoides se encontrem. Essa prática tem sido há muito tempo comum, mesmo no cenário de clandestinidade. Mulheres que não queriam ter filhos, só lhes restava a alternativa da laqueadura, visto que não dispunham de recursos para comprar a pílula ou por não se sentirem bem com ela. Vale lembrar, que todos os métodos contraceptivos existentes não apresentam absoluta eficácia, o que leva a mulher optar pelo método que apresenta menor probabilidade de falha, como é o caso da laqueadura, por exemplo. Sua taxa de sucesso é elevadíssima, ao redor de 99%.

Quando tratamos da esterilização voluntária, somos ligeiramente levados a pensar que referida deveria ser livre e sem restrições, em virtude de fazer parte dos direitos inerentes ao ser humano em razão de sua liberdade; entretanto, não se mostra assim a legislação de vários países, posto que na maioria existem alguns requisitos a serem cumpridos para que a esterilização voluntária seja realizada.

Acontece que existe difícil acesso ao procedimento cirúrgico nos serviços públicos, mesmo que seja um serviço que é coberto pelo SUS. É praticamente consenso entre os médicos que a laqueadura deve ser encarada como última alternativa, visto que existem outros métodos contraceptivos que apresentam uma considerável taxa de eficácia. Alegam como principais prós que o procedimento não evita a transmissão de DSTs; muitas mulheres se arrependem e o procedimento, em alguns casos, é de difícil reversão; risco de desenvolvimento da síndrome pós laqueadura: alteração do fluxo menstrual e dor na região pélvica.

Pouco se fala sobre os efeitos colaterais que os contraceptivos hormonais podem apresentar, a esse respeito, Croce e Júnior (2012, item 12.4.3.1) consideram que: “Os contraceptivos hormonais não apresentam eficácia absoluta, pois a cada 1.200 ciclos menstruais estéreis, um falha, possibilitando a ocorrência de indesejável gravidez. Têm, ainda, o inconveniente de efeitos colaterais, como hemorragia intercorrente, oligo-hipomenorreia, menstruação silenciosa, amenorreia, alterações uterinas, ações adversas sobre as mamas, repercussões sobre a gravidez, as glândulas endócrinas, a hemodinâmica, o trato urinário, o aparelho digestivo, o sistema nervoso central, e reações imunológicas aos hormônios sexuais. A hemorragia intercorrente (breakthrough bleeding), ou seja, o sangramento fora do período menstrual, é um dos efeitos mais frequentes, incidindo entre 8 e 38% dos casos. Habituée nos três primeiros ciclos, varia desde manchas até franco sangramento, o que obriga a dobrar a dose ingerida por 3 a 5 dias ou a suspender o tratamento, para que ocorra hemorragia hormoniopriva e descamação total do endométrio. Tem-se responsabilizado os anticoncepcionais por efeitos adversos sobre o sistema nervoso central, tais como cefaleia, enxaqueca, depressão mental, nervosismo, tonturas, fadiga, alterações visuais, enfartos cerebrais em jovens (Monoval, 1967), hemiplasia e afasia, que desaparecem após interromper o tratamento (Hoogewerf, 1963), mais por espasmo do que por oclusão dos vasos arteriais cerebrais. E efeito sedativo, provocador de sonolência, por ação sobre o córtex cerebral, com surgimento concomitante de ondas lentas no EEG. Desse modo, estão os contraceptivos hormonais contraindicados nas mulheres portadoras de cefaleias ou enxaquecas, epilepsia, acidente vascular cerebral prévio ou distúrbios neuropsiquiátricos. Os anticoncepcionais, orais ou injetáveis, podem mimetizar a gravidez: náuseas, vômitos, cefaleia, aumento ponderal, edema, mastalgia bilateral, galactorreia, surgimento ou aumento de varizes, amenorreia e reação deciduiforme do endométrio. Aumentam o volume plasmático pela retenção de sódio, diminuem o cálcio, o magnésio, o fósforo e o zinco e elevam os teores de iodo, de cobre, de ferro, de triglicérides, glicérides, glicerol, beta-hidroxibutiratos, aceto-acetato, piruvato, corpos cetônicos, ácidos graxos livres (Seng, 1969), e colesterol (Wynn, 1969). Pode ocorrer, na pele, cloasma, alopécia ou hirsutismo”.

Atualmente vigora no Brasil a Lei nº 9.263/1996, conhecida como lei do planejamento familiar que, dentre outras previsões, estipula quais os requisitos que devem ser cumpridos para a realização da esterilização voluntária. O caput do art.10 da referida lei anuncia que só será permitido tal procedimento sob algumas situações, das quais podemos destacar: homens ou mulheres com capacidade civil plena e maiores de 25 anos de idade ou, pelo menos, com dois filhos vivos e em vigência de sociedade conjugal, consentimento expresso de ambos os cônjuges.

Em relação a idade mínima para esterilização, tal questão foi alvo de extenso debate e continua sendo um ponto problemático da lei para muitas pessoas, em especial à mulheres que não querem estar vulneráveis à uma possível gravidez até a idade estipulada legalmente para realizar a laqueadura. Durante o processo legislativo foi proposta a fixação da maioridade civil (atualmente é de 18 anos, mas na época era de 21 anos) para o acesso a esterilização cirúrgica, mas prevaleceu a idade de 25 anos. A fixação da idade mínima, abre margens à várias críticas, visto que os Direitos Reprodutivos têm como princípio fundamental à autonomia reprodutiva da pessoa, que impõe o dever ao Estado de não-intervenção nas escolhas individuais, salvo os casos de pessoas que possuem reduzida capacidade para decidir, como os deficifientes mentais ou intelectuais, crianças e adolescentes. Outra questão polêmica da lei é o consentimento expresso de ambos os cônjuges, na vigência da sociedade conjugal, para realização do procedimento cirúrgico da esterilização. A imposição legal acaba por ferir a autodeterminação da pessoa casada em relação ao seu próprio corpo, e, em especial, cria maiores barreiras para as mulheres, considerando-se as desigualdades nas relações de gênero, e os riscos de falhas do método reversível, podendo resultar em gravidez indesejada,  em um contexto legal que o aborto voluntário é proibido, isso corresponderia um grande problema.

Sem prejuízo à explanação, cumpre lembrar o advento da Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) que, conforme o art. 7º, III, dispõe: “III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos”.

Sabendo que esses atos são defesos, infere-se que a desautorização ou ausência de autorização expressa por parte do cônjuge seria uma espécie de conduta que impede a mulher de utilizar a laqueadura como procedimento contraceptivo. Tal conduta, mitiga igualmente o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos. Há uma verdadeira incompatibilidade entre as duas leis. Fundamentando-se na regra de hermenêutica clássica, pela qual se aplica a lei posterior (Lex posterior derogat priori), podemos presumir uma revogação do art. 5º, parágrafo 10, da Lei de Planejamento Reprodutivo.

Enquanto não há mudanças na lei, e ocorrendo a hipótese de discordância entre o casal, a alternativa possível, indicada por Ventura (2009), é a pessoa casada requerer judicialmente o “suprimento de outorga uxória”, basendo-se no direito à autonomia em relação ao seu próprio corpo, como direito personalíssimo. O procedimento judicial possibilitará a cessão de um alvará autorizando o procedimento sem anuência do outro cônjuge, e também, a construção de jurisprudência favorável à inconstitucionalidade do dispositivo legal impugnado. Existe ainda a alternativa legal de ser proposta ação judicial direta para a revogação da exigência da Lei Federal n.º 9.263/96.

Na Finlândia, a esterilização humana é regulada pela lei 1970/283. Como critérios, o interessado deve ter idade mínima de 30 anos e 3 filhos. Os cidadãos Russos são autorizados apenas com a idade acima de 35 anos ou a presença de 2 crianças, ou se existir indicações médicas. Em Belarus, é permitido a partir de 35 anos ou dois filhos ou por razões médicas com idade superior a 18 anos. Na Ucrânia, a esterilização só é permitida por razões médicas. A autorização no Cazaquistão só é permitida a cidadãos com mais de 35 anos de idade ou a presença de 2 ou mais filhos, ou se existem indicações médicas. Na Suécia é permitido a partir de 25 anos. No Quirguistão é permitido a partir dos 18 anos.

A legislação de Portugal também apresenta alguns requisitos para a esterilização voluntária, entretanto, a legislação portuguesa se mostra um tanto mais aberta do que a legislação brasileira, pois considera-se menos requisitos. Nesse sentido, é a Lei portuguesa nº 3/84, que trata da educação sexual e planejamento familiar. Os únicos requisitos para a esterilização voluntária são: idade acima de 25 anos, declaração escrita e assinada, requerendo a realização do procedimento, bem como explicitando que a pessoa foi esclarecida sobre a intervenção; essa declaração deverá ter ainda o nome e assinatura do médico solicitado a intervir.

É imprescindícel dilucidar o porquê de existir tais normas. Primeiramente devemos lembrar que a integridade física é um direito da personalidade e, portanto, é relativamente indisponível e irrenunciável. Assim, a pessoa não pode dispor do próprio corpo como bem entender, pois a integridade física é tutelada pelo Estado. O art. 13 do Código Civil determina que a pessoa pode dispor do seu corpo desde que não haja diminuição da integridade física ou contrariar os bons costumes. Excepcionalmente, a lei permite em certas disposições legais a permissibilidade de a pessoa dispor de seu corpo, como ocorre, por exemplo, nos casos especificados nas Leis 9434/97 e 10.211/01. A autonomia sobre o corpo é disponível, mas relativa, pois a vida humana guarda especial proteção constitucional. O ordenamento jurídico preocupa-se com o comprometimento do direito à vida, que é o bem maior, por esse motivo, ele coíbe a prática de atos que possam vir afetá-la negativamente.

Fato é que o tema proposto gira em torno de um longo debate jurídico, havendo uma intensa interpretação relativa do assunto. Carvalho (2017, seção 5.2.8 ) comenta: "o planejamento familiar é livre decisão do casal, ou do genitor monoparental, sem intervenção do Estado […]". E acrescenta (seção 2): "A intervenção do Estado na família é para protegê-la, preservando a autonomia individual e evitando abusos e arbítrio de outros. Não cabe ao Estado intervir nos projetos de vida ou nos modelos de arranjos familiares."

Por fim, podemos dizer que muitas das questões levantadas neste trabalho não tem uma resposta única. As concepções da maternidade, a opção de ter ou não filhos é uma variável, relaciona-se à história de vida de cada mulher, mas também com outros fatores, ou seja, trata-se de uma posição subjetiva.

CONCLUSÃO

O presente estudo permite inferir que a maternidade ainda é algo muito forte na sociedade, sendo uma caracterização da figura feminina. Renunciar esse “destino biológico” é deparar-se com críticas e constantes olhares preconceituosos. Mas a sociedade, em sua constante permutação, vem por atribuir uma nova configuração à identidade da mulher, ela não é mais aquela que cuida somente dos afazeres domésticos, dos filhos e se submete ao marido. Sendo assim, muitas coisas que por muito tempo foram colocadas como inerentes a mulher, hoje são passíveis de serem questionadas, como o ser mãe, assunto de interesse deste trabalho.

A escolha de não ser mãe, envolve aspectos subjetivos e sociais. Estamos passando por uma revisão de valores em um processo modernizador, no qual a ideia de maternidade se reconfigura.

A autonomia da mulher de prescindir da maternidade ainda é muito cerceada pela positivação jurídica, fazendo com que a independência sobre o próprio corpo seja mitigada e tutelada pelo Estado. Por meio da análise, verifica-se que a disposição do corpo é limitada tanto pelas legislações civil e constitucional quanto pelos bons costumes, e demais leis que compõem o ordenamento jurídico.

Dentro da liberdade de não procriar encontramos a esterilização como um meio eficaz e seguro de exercício dessa liberdade, porém, como exposto, essa liberdade às vezes é condicionada por alguns requisitos.

Não esgota-se aqui o tema, o debate vai muito além: versa sobre paternidade responsável, direitos igualitários de gênero, direitos da mulher, direito à saúde sexual e ao planejamento reprodutivo e, principalmente, a garantia de informação e acesso aos métodos contraceptivos e conceptivos pelo Estado.

Não há um método melhor que o outro, cada um tem suas vantagens e desvantagens. Também não existe um método totalmente eficaz, visto que todos eles têm uma possibilidade de falha. Um método pode ser adequado para uma pessoa, no entanto, pode não ser para outra, portanto, deveria ser  reconhecido o cidadão como destinatário e, posteriormente, entender que ao Estado compete a informação, isento de encorajamentos (ou determinações) ao uso dos métodos conceptivos ou contraceptivos. Na atual normatização, observamos deflagrar-se intromissão indevida na esfera subjetiva do indivíduo. Os direitos sexuais e reprodutivos não podem ser instrumentos de controle pelo Estado ou por qualquer organismo político.

 

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Informações Sobre os Autores

Ana Vitoria Rodrigues Ferreira

Acadêmica de Direito na Faculdade do Vale do Itapecuru FAI

Flávia de Sousa Lima

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Mestre em História Social pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Professora no curso de Direito da Faculdade do Vale do Itapecuru – FAI


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