Breves considerações acerca do trabalho voluntário religioso no direito brasileiro

Resumo: Muitas dúvidas existem na cabeça daqueles que prestam serviço voluntário e até mesmo dos tomadores. Durante o preenchimento do termo de adesão e o início das atividades, muitas dúvidas vêm à baila, no que se refere à jornada do trabalhador voluntário, os impedimentos, a descrição de forma clara de quem pode ou não exercer o ofício de forma voluntária. Existem dúvidas acerca da possibilidade de empregado em gozo de férias exercer atividades voluntária, bem como aqueles que são aposentados por invalidez, recebem benefício assistencial ou auxílio-doença. Com o intuito de sanar tais dúvidas, faz-se necessária a elaboração da presente pesquisa, que visa preencher as lacunas existentes na legislação que cuida do trabalho voluntário. [1]

Palavras chaves: Direito do Trabalho. Trabalho Voluntário. Trabalho Religioso. Trabalho Voluntário Religioso.

Abstract: Since 2015 we have worked as volunteers in a religious institution that obviously follows the provisions of Law 9,608 / 98. During the completion of the term of membership and the beginning of activities, many doubts were raised as to the voluntary worker's journey, impediments, a clear description of who can and who does not volunteer. There are doubts about the possibility of employee on vacation to engage in voluntary activities, as well as those who are retired due to disability, receive welfare benefit or axillary-disease. Concerned with these and other issues, we immerse ourselves in the study of voluntary work in Brazil, elaborating the present research, which aims to fill the gaps in the legislation that takes care of volunteer work.

Key-words: Labor Law. Volunteer work. Religious Work. Religious Volunteer Work.

Sumário: 1. Conceito de Direito do Trabalho. 2. História do Direito do Trabalho no mundo. 3. Evolução do Direito do Trabalho no Brasil. 4. Trabalho voluntário. 4.1. Conceito legal e doutrinário. 4.2. Termo de adesão do trabalho voluntário. 4.3. Gratuidade do serviço prestado. 4.4. Jornada, regime de trabalho e pessoas impedidas de prestar serviço voluntário. 4.5. Vínculo empregatício

INTRODUÇÃO

Atualmente, o trabalho voluntário no direito pátrio é regido pela Lei 9.608/98, que em seu bojo disciplina as regras atinentes ao desenvolvimento do ofício, conceituando o que é o trabalho voluntário, os requisitos para a assinatura do termo de adesão, trata do ressarcimento de despesas gastas pelo trabalhador voluntário, quem pode exercer este tipo de afazer e quem pode ser beneficiado pela mão-de-obra espontânea, além de chamar a atenção para outros aspectos.

Apesar do bom conteúdo da referida norma, ela possui apenas quatro artigos, padece de reformas e merece críticas.

A lei é omissa ao não prever a carga horária diária e semanal máxima para o trabalhador voluntário, bem como os dias em que pode laborar de forma gratuita, se nos dias de trabalho ou apenas quando está gozando de descanso semanal remunerado, não disciplina o trabalho voluntário em feriados e nas férias do trabalhador.

Há omissão também no que se refere ao reembolso de despesas, de sorte que a lei não estipula um limite quantitativo para recebimento de valores, abrindo brechas para que haja violações.

Lacunosa, também, ao deixar de disciplinar quais as pessoas são impedidas de desempenhar ofício de forma voluntária, como aposentados por invalidez e pessoas que gozam de auxílio-doença e benefício assistencial – LOAS.

Diante de tantas omissões, cabe ao jurista buscar amparo na CLT e em outras leis, que não cuidam de forma minuciosa do trabalho voluntário.

Diante das omissões da Lei 9.608/98, decidimos realizar a presente pesquisa que, em apertada síntese, visa tecer críticas e propor mudanças na legislação que trata do trabalho voluntário, conforme será tratado a seguir.

1. CONCEITO DE DIREITO DO TRABALHO

Antes de adentrarmos no tema Trabalho Voluntário propriamente dito, cabe uma conceituação, ainda que breve, do que seja Direito do Trabalho.

O Direito do Trabalho é um ramo do Direito Privado que estabelece regras atinentes às relações entre empregados e empregadores, instituindo direitos e obrigações que devem ser seguidas pelas partes envolvidas, durante a vigência do pacto laboral.

Acerca do assunto o ilustre professor Sérgio Pinto Martins diz o seguinte:

“Direito do Trabalho é o conjunto de princípios, regras e instituições atinentes à relação de trabalho subordinado e situações análogas, visando assegurar melhores condições de trabalho e sociais ao trabalhador, de acordo com as medidas de proteção que lhe são destinadas.”[2]

Em síntese, o Direito do Trabalho é o conjunto de normas cogentes (leis, decretos, portarias, NR’s e afins) que regula as relações de trabalho subordinado, disciplinando os direitos (salário, férias, FGTS, 13º salário, adicional de horas extras) e obrigações dos empregados (jornada de trabalho etc) e dos empregadores, sujeitos de uma relação de trabalho.

2. HISTÓRIA DO DIREITO DO TRABALHO NO MUNDO

Ao nos debruçarmos sobre o estudo do Direito do Trabalho faz-se necessária uma abordagem histórica sobre este ramo ou ramificação da ciência do Direito, tendo singular importância a análise da evolução histórica desta matéria, no Brasil e em outros países do mundo.

O primeiro relato que temos acerca do trabalho é no livro sagrado de Gênesis. No capítulo 2 do referido livro diz-se que Deus criou a terra em seis dias tendo descansado ao sétimo.[3]

Na bíblia sagrada o trabalho também é tratado como sinônimo de castigo, pois, a penalidade imposta por Deus a Adão e Eva pelo consumo do fruto da árvore proibida foi o trabalho, conforme se denota da leitura dos versículos 17, 18 e 19 do capítulo 3 do livro escrito pelo profeta Moisés, que dizem:

“Versículo 17: e a Adão disse: Porquanto deste ouvidos à voz de tua mulher, e comeste da árvore de que te ordenei, dizendo: Não comerás dela, maldita é a terra por causa de ti; com dor comerás dela todos os dias da tua vida.

Versículo 18: espinhos, e cardos também, te produzirá; e comerás a erva do campo.

Versículo 19: no suor do teu rosto comerás o teu pão, até que te tornes à terra; porque dela foste tomado; porquanto és pó e em pó te tornarás.”

A palavra trabalho deriva do latim tripalium, que era uma ferramenta produzida com três pontas, utilizada por agricultores no descascamento de milho e batimento de trigo, também empregada para aplicar castigos de forma absolutamente desumana, geralmente em escravos.

Umas das modalidades mais antigas de trabalho é a escravidão, vínculo geralmente formado entre um senhor fazendeiro e um escravo, propriedade de seu senhor, que laborava em favor dele sem que recebesse qualquer contraprestação.

No regime de escravidão o escravo não possuía qualquer direito além do de trabalhar, não percebia remuneração e sequer gozava de direitos trabalhistas e poderia ser vendido de um senhor para outro a qualquer momento.

Na Grécia, Platão e Aristóteles entendiam que o trabalho tinha sentido pejorativo, sendo que a dignidade do homem poderia ser expressada apenas através de sua participação nos negócios da cidade, as atividades braçais ficavam a cargo dos escravos e as mais nobres cabiam às demais pessoas.[4]

Outra forma de trabalho muito comum no século passado era o feudalismo, tipo de atividade em que os servos laboravam e produziam dentro da terra do senhor feudal que, além de emprestar-lhes a terra, lhes dava proteção e, em troca, recebia uma parte dos bens produzidos.

Embora o trabalho tenha sido tratado por muitos como forma de castigo ou punição, entendemos ser ultrapassada esta visão, razão pela qual não comungamos com ela.

Entendemos que atualmente o trabalho é uma forma digna de sobrevivência, podendo ser considerado também como um prazer, um hobbie, um aprendizado – como é o caso dos aprendizes ou uma forma de caridade (como, por exemplo, o trabalho voluntário).

Os trabalhos braçais geralmente são exercidos por pessoas sem qualificação, tendo como único objetivo o sustento e a sobrevivência própria e de suas famílias, já as profissões qualificadas, como a do médico, do advogado, do engenheiro e afins são, via de regra, exercidas por prazer, por sonho e satisfação pessoal, pois o sujeito estudou e se dedicou para tanto.

Assim, em tempos modernos, não podemos considerar o trabalho como uma forma de castigo e punição ao homem.

3. EVOLUÇÃO DO DIREITO DO TRABALHO NO BRASIL

No Brasil até 1888 a escravidão era permitida de forma completamente livre, até que a Lei Áurea foi assinada pela Princesa Isabel no mês de maio daquele ano.

Embora equivocada a forma em que se deu a eliminação da escravidão no Brasil, ocasionando desigualdade e pobreza na época, a abolição representou um importante passo para a evolução dos direitos trabalhistas no país.

A primeira Constituição Federal do Brasil data de 1824, na época ainda era chamada de Constituição dos Estados Unidos do Brasil e, obviamente, não havia previsão de qualquer direito trabalhista, pois, naquele tempo, a escravidão ainda era permitida em nosso país.

A Lei Maior promulgada em momento imediatamente posterior à abolição da escravatura é a datada de 1891, três anos após o fim oficial da escravidão. Nela são tratados apenas assuntos referentes ao Estado, não havendo qualquer previsão de Direitos Trabalhistas.

Naquela época havia algumas leis destinadas a tratar de assuntos específicos, como o trabalho de menores (1891), da organização e sindicatos rurais (1903) e urbanos (1907), de férias etc. Com a criação do Ministério do Trabalho e Emprego em 1930, foram expedidos decretos sobre trabalho das mulheres (1932), salário mínimo (1936), Justiça do Trabalho (1939) etc.[5]

A primeira Constituição brasileira a tratar de forma pormenorizada do Direito do Trabalho é a de 1934, prevendo em seu artigo 121 o salário mínimo, a jornada de 8 (oito) horas diárias, o repouso semanal remunerado, as férias anuais, a proibição de trabalho para menores de 14 (quatorze) anos, a indenização por dispensa do trabalhador de forma imotivada entre outros.

Diversos avanços foram promovidos pelas Cartas Políticas subsequentes, tendo-se chegado a um estágio supergarantista com a Carta Magna de 1988, que prevê inúmeros direitos aos trabalhadores – apesar do esforço feito pelo governo atual para destruí-los.

Em nível infraconstitucional o primeiro grande avanço do legislador foi a promulgação da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, Decreto-Lei nº 5.452/43, que a época representou um enorme avanço em matéria trabalhista.

Atualmente, além da CLT outras leis disciplinam assuntos de matéria eminentemente trabalhista, como a Lei 7.418/85, que trata do vale-transporte, a Lei 12.506/11, que disciplina o aviso-prévio, bem como as portarias do Ministério do Trabalho e Emprego, que são de observância obrigatória e os regulamentos de outros órgãos competentes em matéria trabalhista.

4. TRABALHO VOLUNTÁRIO

4.1. CONCEITO LEGAL E DOUTRINÁRIO

A Lei 9.608/98, em seu artigo 1º, dispõe que serviço voluntário é a atividade não remunerada prestada exclusivamente por pessoa física a entidade pública de qualquer natureza ou a instituição privada que atue sem fins lucrativos com objetivos cívicos, culturais, educacionais, científicos, recreativos ou de assistência à pessoa.

O trabalho voluntário existe no Brasil a muito tempo. O serviço voluntário já era prestado na Casa de Misericórdia da vila Santos, capitania de São Vicente, em 1543.[6]

Conforme disciplinado pela Lei, apenas pessoa física poderá prestar serviço voluntário, o desempenho desta modalidade de trabalho é vedado à pessoa jurídica. As pessoas jurídicas estão autorizadas a fazer doação em pecúnia para as instituições públicas ou privadas, a prestação de serviço de forma gratuita não é permitida pela legislação pátria.

Não existe possibilidade de prestação de serviço voluntário feito por pessoa jurídica, ainda que esta disponibilize empregados para laborarem em favor da instituição beneficiária do trabalho voluntário, estaremos diante de uma fraude, pois a empresa prestadora remunera o empregado, o que descaracteriza o serviço voluntário, ainda que a instituição não arque com os salários do trabalhador.

A expressão utilizada pela lei ao se referir a instituições públicas de qualquer natureza pode ser tanto da administração pública direta (União, Estados, Municípios e Distrito Federal) como pode ser também da administração pública indireta (como fundações e autarquias).

Quando a legislação menciona as entidades privadas sem fins lucrativos está a se referir das igrejas, escolas católicas, ONG’s, entidade do terceiro setor etc.

Assim, o trabalhador voluntário não pode desempenhar ofício de forma gratuita para entidades ou instituições diferentes das citadas no parágrafo anterior, portanto, vedado o serviço voluntário para empresas públicas, sociedades e economia mistas e empresas privadas que, embora possam prestar serviços à comunidade de forma gratuita, sua atividade principal visa unicamente o lucro.

O trabalho comum geralmente é obrigatório, o sujeito trabalha para receber uma contraprestação que, na maioria dos casos, é pecuniária e serve para manter o seu sustento e o de sua família. Ainda que o sujeito trabalhe por prazer, como dissemos alhures, sempre estará em busca de remuneração.

No trabalho voluntário isso não ocorre, pois trata-se de modalidade de trabalho facultativo em que o voluntário se dispõe a laborar em prol de uma instituição sem qualquer contraprestação, atuando apenas por prazer e altruísmo, muitas vezes para realização pessoal.

4.2. TERMO DE ADESÃO DO TRABALHO VOLUNTÁRIO

O art. 2º de Lei 9.608/98 trata do termo de adesão e a sua celebração.

Estabelece o referido artigo que “o serviço voluntário será exercido mediante a celebração de termo de adesão entre a entidade, pública ou privada, e o prestador do serviço voluntário, dele devendo constar o objeto e as condições de seu exercício”.

A lei não diz expressamente a forma em que se deve dar a celebração do termo de adesão de serviço voluntário, se de forma escrita ou apenas verbal, se por instrumento público ou particular.

No nosso sentir, o termo de adesão de serviço voluntário dever ser feito unicamente de forma escrita, sendo vedado o termo verbal. A eleição pela modalidade de celebração, se pública ou privada, fica a cargo das partes, não havendo nenhum impedimento legal para que seja celebrado da segunda forma.

Ausente o termo de adesão escrito e assinado pelas partes na forma da legislação competente, será completamente nulo o contrato de trabalho espontâneo e, preenchidos os requisitos do art. 3º da CLT, será reconhecido o vínculo de emprego entre o trabalhador voluntário e a instituição beneficiada pelo trabalho.

O termo de adesão pode ser firmado por prazo determinado ou indeterminado, não havendo qualquer estipulação legal neste sentido, porém, entendemos que o tempo de duração do termo deve ser colocado de forma expressa, para que o trabalhador tenha ciência inequívoca.

Na nossa visão, o termo de adesão também deve constar expressamente a atividade que será desempenhada pelo trabalhador voluntário, pois a legislação pátria não elenca quais atividades podem ser objeto de trabalho voluntário.

Assim, diante da omissão legal acerca das atividades que podem ser desenvolvidas pelos trabalhadores voluntários, entendemos que podem ser atividades sem qualificação profissional (como cozinheiro, faxineiro etc.) e administrativas (como médico, engenheiro, contador, advogado etc.). Por conseguinte, o ofício exercido pelo trabalhador deve constar expressamente no termo.

4.3. GRATUIDADE DO SERVIÇO PRESTADO

Como o próprio nome diz, o trabalho voluntário é exercido de forma espontânea pelo sujeito que, muitas vezes com intuito altruísta e cívico presta serviços em prol de instituições que atuam em favor de comunidades carentes ou entidades que cuidam de crianças e pessoas com deficiência.

Obviamente, o trabalho voluntário é exercido sem que haja qualquer contraprestação pecuniária, pois se assim não fosse, não haveria necessidade de uma lei específica para disciplinar este tipo de ofício, a própria CLT o faria.

Embora o trabalho espontâneo seja desenvolvido de forma gratuita, sem qualquer contraprestação pecuniária ou de outro tipo, a Lei 9.608/98, em seu art. 3º, prevê que o prestador de serviço voluntário pode ser reembolsado pelo beneficiário pelas despesas que comprovadamente realizar no desempenho das atividades voluntárias.

A lei merece crítica neste aspecto, pois a previsão de reembolso de despesas sem que haja um limite quantitativo abre brechas para fraudes.

Uma instituição pode contratar um empregado remunerado, firmando com ele um termo de adesão para parecer que há prestação de trabalho voluntário e como contraprestação ao ofício exercido, efetuar-lhe pagamentos de alugueres, hospedagens, alimentação, transporte e afins.

Neste caso, haverá fraude à legislação trabalhista, pois o empregado desempenhará um ofício percebendo salário – ainda que in natura, sem que haja vínculo de emprego entre as partes, inclusive com sonegação de impostos e contribuições previdenciárias, além de o empregado ser prejudicado com a ausência de anotação de sua CTPS, para fins de aposentadoria.

Muito embora, para o contrato de trabalho ordinário, o art. 457, § 2º da CLT preveja que a ajuda de custo não faz parte do salário do empregado, entendemos que, se houver pagamento de salário in natura ao trabalhador voluntário com intuito de burlar a legislação trabalhista, haverá reconhecimento do vínculo de emprego.

Obviamente que se isto acontecer, o termo de adesão será nulo de pleno direito, por ofensa ao art. 9º da Consolidação das Leis do Trabalho, devendo o empregado acionar a Justiça do Trabalho pleiteando o reconhecimento do vínculo de emprego com a instituição beneficiária de seu trabalho e em consequência, o recebimento das verbas trabalhistas contratuais e resilitórias, tais como FGTS + 40%, férias acrescidas do terço constitucional, aviso-prévio etc.

Não obstante, penso que essa não é a medida ideal, pois aquele que se socorre do Poder Judiciário é obrigado a aguardar anos ou até mesmo décadas para ter a sua pretensão satisfeita. Não é crível que a legislação deixe o trabalhador à mercê do Judiciário.

A legislação pátria deve ser reformada neste aspecto, para que limite quantitativamente os reembolsos evitando, assim, fraudes, conforme explanado acima.

Sobre os órgãos de fiscalização, como a DRT, o Ministério do Trabalho e Emprego e o Ministério Público do Trabalho deve recair a obrigação de fiscalizar o cumprimento da legislação do trabalho voluntário e verificar eventuais fraudes à legislação trabalhista.

4.4. JORNADA, REGIME DE TRABALHO E PESSOAS IMPEDIDAS DE PRESTAR SERVIÇO VOLUNTÁRIO

Conforme dito na introdução do presente trabalho, entendemos que a Lei 9.608/98 é precária, pois não disciplina de forma clara e detalhada alguns aspectos absolutamente relevantes sobre a relação de trabalho voluntário.

Uma das omissões deixadas pela lei é acerca da carga horária do trabalhador voluntário. Qual a jornada de trabalho diária e semanal deve ser respeitada pelo trabalhador voluntário? Ele pode laborar normalmente mais de 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) semanais conjugando seu emprego remunerado com o trabalho voluntário? O empregado poderá prestar serviços voluntários em seu período de férias? E quando está em gozo de seguro desemprego, poderá prestar serviços voluntários? Em caso de gozo de auxílio-doença, aposentadoria por invalidez ou benefício assistencial – LOAS, é possível prestar serviços gratuitamente?

No que tange à jornada de trabalho, entendemos que deve ser respeitada a estipulada pela CLT e pela Constituição Federal de 1988, ou seja, jornada de 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) semanais, pois, se esta é a jornada adotada pelos trabalhadores em geral, não teria cabimento majorá-las para os empregados voluntários.

Em relação ao labor que exceda a jornada diária e semanal prevista na legislação trabalhista, quando o trabalhador conjuga o seu trabalho remunerado com a mão-de-obra gratuita, entendemos que esse excesso não deve passar de 2 (duas) horas por dia.

Obviamente se exigirmos que o trabalhador voluntário não exceda as 8 (oito) horas diárias teremos problemas, pois, estar-se-á exigindo que ele apenas seja voluntário e deixe de laborar de forma remunerada.

Em contrapartida, se a legislação permite jornada de apenas de 8 (oito) horas diárias e consente com o labor em sobrejornada de 2 (duas) horas por dia, entendo que em caso de trabalho voluntário, não deve ser extrapolado o limite de 10 (dez) horas por dia.

A questão acerca do exercício de trabalho voluntário durante as férias não é de fácil solução.

O art. 138 da CLT impede que o empregado preste serviços a outro empregador durante o seu período de férias, exceto se estiver obrigado em virtude de contrato regularmente mantido com aquele.

Portanto, o empregado não pode laborar em favor de outro empregador durante o seu período de férias, exceto se ele tiver dois empregos – como médico, enfermeiro, segurança etc, e o seu período de férias em ambos os contratos não coincidir, ocasião em que será obrigado a continuar prestando serviços ao outro empregador.

A proibição de que o trabalhador labore dentro de seu período de férias tem o condão de preservar a sua saúde, ou seja, trata-se de norma de higiene, medicina e segurança do trabalho.

O objetivo das férias não é outro senão propiciar ao empregado a recuperação das energias despendidas durante os outros 11 (onze) meses de trabalho, preservando-lhe a saúde.

Na espécie o professor Sérgio Pinto Martins preleciona o seguinte:

“As férias visam proporcionar descanso ao trabalhador, após certo período de trabalho, quando já se acumularem no organismo toxinas que não foram eliminadas adequadamente. Os estudos da medicina do trabalho revelam que o trabalho contínuo sem férias é prejudicial ao organismo. Sabe-se que, após o quinto mês de trabalho sem férias, o empregado já não tem o mesmo rendimento, principalmente em serviço intelectual. Pode-se, ainda, dizer em relação às férias, que elas são um complemento ao descanso semanal remunerado.”

Entendemos que as normas que cuidam da saúde do trabalhador e do meio ambiente de trabalho são normas inflexíveis, pois estão alçadas a nível constitucional (arts. 200, inciso I e 225 da Constituição Federal de 1988).

Entretanto, é preciso ressaltar que grande parte dos trabalhadores brasileiros de baixa renda não têm condições suficientes para gozar livremente do período de férias, sendo obrigados a “venderem” os dias de descansos ao empregador ou buscar um complemento de sua renda, laborando de forma autônoma ou em prol de outra empresa.

Tal fato de sido ignorado pela jurisprudência de nossos tribunais, que tem entendido que o trabalhador que labora em prol de terceiro durante o período de férias não comete falta grave. Vejamos:

“FÉRIAS PROIBIÇÃO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS PARA OUTRO EMPREGADOR INOCORRÊNCIA DE JUSTA CAUSA.

Realmente, as férias existem para ser gozadas. A proibição, contida no art. 138 da CLT, ao empregado em gozo de férias, de prestar serviços para outro empregador, objetiva garantir-lhe o efetivo descanso anual remunerado. Trata-se, portanto, de preceito legal de proteção ao empregado e não ao empregador, que não pode invocar descumprimento daquela redação como justa causa para despedida. Demais, este descumprimento não está previsto como justa causa pelo art. 482 da CLT. Mais, como dispõe o próprio art. 138/CLT, que estabeleceu a proibição, é possível a prestação de serviços para outro empregador, estando o empregado em gozo de férias, se estiver obrigado a fazê-lo em virtude de contrato de trabalho regulamente mantido com aquele. E, finalmente, como é público e notório, a grande maioria dos trabalhadores brasileiros não tem condições de gozar férias e, mesmo prejudicando sua saúde, procura obter rendimento extra trabalhando no período de gozo de férias” (TRT-3 – RECURSO ORDINARIO TRABALHISTA: RO 178299 1782/99, Órgão Julgador: Quarta Turma).

A ignorância da jurisprudência ao fato de diversos trabalhadores laborarem durante o período de férias, em ofensa ao art. 138 do Estatuto Celetista, não tem outra observação senão sociológica, pois, como explanado no voto acima, os trabalhadores agem desta maneira em razão da condição social e econômica que ocupam na sociedade, se percebessem remuneração mensal digna e capaz de suprir suas necessidades, certamente gozariam do período de descanso.

Ora, se a jurisprudência permite que os empregados exerçam atividade remunerada durante o período de férias, não seria ideal priva-los de exercer atividades gratuitas que, embora não complementem a renda, diginificam o trabalhador, o tiram do ostracismo, do ócio e lhe fazem bem.

No nosso sentir, a legislação é omissa neste ponto e deveria fazer uma ressalva quanto ao desenvolvimento de trabalho voluntário durante o período de gozo das férias.

Ideal que fosse limitado a 4 (quatro) horas diárias e 24 (vinte e quatro) horas semanais, representando metade da carga diária e um pouco mais que 50% da semanal, o que permitiria ao trabalhador descansar e recuperar as suas energias, ainda que de forma parcial.

A questão acerca do trabalho voluntário durante o gozo de seguro desemprego nos parece ser fácil de responder, pois, o empregado que percebe este tipo de seguro governamental é porque está desempregado por circunstancias alheias à sua vontade, ou seja, trata-se de desemprego involuntário. Se o sujeito não está desempregado por livre e espontânea vontade, entendo que não há impedimento para que exerça trabalho voluntário.

O mesmo não ocorre com o trabalhador que percebe benefícios previdenciários em razão de incapacidade laborativa total e permanente, como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e benefício assistencial – LOAS.

O empregado que está em gozo de auxílio-doença, obviamente está doente e incapacitado para exercer suas funções normalmente, portanto, não é crível permitir que ele exerça atividades de forma voluntária.

A única discussão existente neste assunto é acerca da hipótese de o empregado laborar como pedreiro, por exemplo, e estar com uma de suas pernas quebradas, portanto, impedido fisicamente de exercer o seu ofício, mas podendo prestar trabalho voluntário em atividade administrativa, como digitador, por exemplo. Entendemos que, neste caso, não há impedimento.

Os impedimentos existentes para o trabalhador em gozo de auxílio-doença se estendem ao aposentado por invalidez que se encontra fora do mercado de trabalho por incapacidade laborativa e, portanto, estará impedido de exercer ofício voluntário.

Utilizando para o aposentado por invalidez a mesma situação hipotética citada acima, podemos concluir que, em hipótese alguma ele poderá exercer trabalho voluntário, ainda que seja pedreiro de ofício, e tenha sofrido amputação de suas pernas, estando impedido de laborar, e desempenhar papel de digitador como voluntário.

No nosso sentir, se o aposentado está capacitado para exercer função de digitador, por exemplo, deve ser submetido a reabilitação profissional e retornar ao mercado de trabalho. Aplicar-se o mesmo entendimento para quem está em gozo de benefício assistencial – LOAS, em razão de deficiência física.

Quanto às outras hipóteses de recebimento de benefício previdenciário, como aposentados por tempo de contribuição, por idade ou que perceba auxílio-acidente, entendemos não haver impedimento para laborar como voluntário.

A Lei 9.608/98 deveria disciplinar de forma clara e objetiva tais assuntos, esclarecendo quais pessoas estão impedidas de desempenhar ofício de forma voluntária.

4.6.VÍNCULO EMPREGATÍCIO

O art. 1º, § 1º, da Lei 9.608/98 estatui que o exercício de trabalho voluntário não gera vínculo empregatício entre o trabalhador e a instituição que aufere a mão-de-obra gratuita.

Embora a referida lei não faça previsão neste sentido, entendemos que a ausência de vínculo de emprego entre as partes está atrelada ao cumprimento das exigências feitas nos artigos subsequentes, como a assinatura do termo de adesão (art. 2º), o reembolso apenas de despesas comprovadas e ainda previamente autorizadas pela instituição (art. 3º).

No nosso sentir, no desempenho de atividades voluntárias, o desrespeito à jornada de trabalho diária e semanal, bem como o labor de pessoas impedidas legalmente, por receberem algum benefício previdenciário que impeça o exercício de atividades laborativas – como as pessoas que percebem auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, viola a legislação, mormente o art. 9º da CLT e descaracteriza o contrato de trabalho voluntário parta formar vínculo empregatício entre as partes.

Formado o liame empregatício entre o empregado e a instituição beneficiada com a prestação de serviços, daí em diante denominado empregador, a CTPS do Obreiro deverá ser anatada, constando ali as funções desempenhadas e o salário percebido pelo empregado.

Ademais, o trabalhador fará jus ao recebimento das verbas salariais, tais como férias acrescidas do terço constitucional, 13º salário, FGTS + 40%, aviso-prévio e todos os consectários legais. Neste sentido tem se manifestado jurisprudência de escol, vejamos:

“RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. TRABALHO VOLUNTÁRIO. AUSÊNCIA DE REQUISITOS CARACTERIZADORES. VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO.

Para que o serviço prestado por pessoa física seja caracterizado como voluntário, é necessário que o tomador dos serviços enquadre-se nas disposições do artigo 1º da Lei 9.608/1998, que seja celebrado o termo de adesão exigido pelo artigo 2º da citada Lei, no qual hão de ser consignados o objeto e as condições de exercício do suposto serviço voluntário contratado, e seja comprovado o caráter indenizatório dos valores pagos ao reclamante ao longo da prestação de serviços, na forma do artigo 3º daquele Diploma Legal, que somente permite a onerosidade do contrato quando vinculada ao ressarcimento de despesas comprovadamente realizadas pelo prestador de serviços. Não se pode, pois, enquadrar a hipótese dos autos como de prestação de serviço voluntário, modalidade prevista na Lei 9.608, de 18 de fevereiro de 1998, e para cujo reconhecimento devem estar presentes os requisitos por ela exigidos. A onerosidade da contraprestação não foi descaracterizada pelo réu. Recurso Ordinário da reclamada conhecido e parcialmente provido” (TRT-1 – Recurso Ordinário : RO 1044920125010541 RJ).

Entretanto, se houver fraude de ambas as partes, ou seja, do trabalhador e do tomador de serviços, não deve haver reconhecimento de vínculo de emprego, pois, ninguém pode ser beneficiado pela própria torpeza (nemo auditur propriam turpitudinem).

Portanto, sendo constatado o conluio entre os envolvidos, para firmarem contrato de adesão de serviço voluntário com intuito de sonegar verbas trabalhistas, entendemos que não deve haver reconhecimento de liame trabalhista, não obstante, as partes devem ser punidas, o tomador com multa e o trabalhador eventualmente por crime de estelionato.

CONCLUSÃO

Apesar de ter representado um enorme avanço no que tange ao trabalho voluntário, a Lei 9.608/98, ainda merece críticas e deve ser revista.

No presente trabalho apontamos as falhas da legislação, as omissões e apontamos a solução para os problemas existentes.

O trabalho voluntário cresce a cada dia no Brasil, de sorte que existem milhares de organizações do terceiro setor, instituições públicas e privadas sem fins lucrativos, que se beneficiam de mão-de-obra voluntária. Portanto, ao estado cabe fiscalizar o exercício de tais atividades, para evitar que haja fraude à legislação trabalhista.

O primeiro passo a ser dado é reformar a legislação, estabelecendo regras como jornada de trabalho, dias de trabalho, pessoas que estão impedidas de exercer trabalho voluntário e os que estão livres e desimpedidos para ofertar mão-de-obra gratuita.

Feito isto, o estado, na pessoa de seus representantes, mormente o Ministério do Trabalho e Emprego, o Ministério Público do Trabalho e as Delegacias Regionais do Trabalho devem exercer um papel de fiscalização, aplicando multas àqueles que desrespeitam as disposições legais atinentes ao trabalho voluntário.

 

Notas

[1] Artigo científico apresentado à banca examinadora da Faculdade Legale como exigência parcial para a obtenção de grau de pós-graduando em Direito e Processo do trabalho, sob a orientação do professor Dr. Antero Arantes Martins.
[2] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho, p. 17.
[3] E havendo Deus acabado no dia sétimo a obra que fizera, descansou no sétimo dia de toda a sua obra, que tinha feito. Gênesis 2:2
[4] MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho, p. 4
[5] MARTINS, Sério Pinto, Direito do Trabalho, p. 11.
[6] MARTINS, Sério Pinto, Direito do Trabalho, p. 181.

Informações Sobre o Autor

Renan de Oliveira Viana

Formado em Direito pela Faculdade de Direito do Centro Universitário Padre Anchieta de Jundiaí turma 2015. Advogado militante na área do Direito do Trabalho e do Direito Previdenciário. Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Legale


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