Discussões acerca da responsabilidade civil do profissional liberal frente ao código de defesa do consumidor

Resumo:.O advento do Código de Defesa do Consumidor prevê a responsabilidade civil objetiva, a qual independe de comprovação de culpa, nas relações de consumo. Diante desta previsão legal, analisa-se seu cabimento quando da discussão envolver profissional liberal a ser responsabilizado. Procurou-se responder questões como “até que ponto a pode o profissional liberal agir sem ser responsabilizado?” e “a responsabilização civil do profissional liberal em sua forma objetiva não tenderia a desencorajar a prestação deste tipo de serviço?”. Para tanto, após realizarem-se distinções entre diversos conceitos jurídicos como as responsabilidades civis subjetiva e objetiva, obrigação de meio e obrigação de resultado – extrapolando o meramente positivado ao trazer entendimentos doutrinários e, ainda, jurisprudenciais – apontou-se que em regra a responsabilização deste tipo de profissional se dá em sua forma subjetiva, buscando, ainda, tratar dos casos excepcionados em que passa a ser aplicada a responsabilização objetiva do profissional liberal por ter entendido tanto o legislador quanto a jurisprudência que assim o deu razão por serem hipóteses em que deve o consumidor ter esta proteção a mais, casos estes que, portanto, não dependem de comprovação de culpa do profissional[1].

Palavras-chave: Profissional liberal. Responsabilidade civil objetiva. Responsabilidade civil subjetiva. Obrigação de resultado. Obrigação de meio.

Abstract: The advent of the Consumerists’ Protection Code provides for objective civil liability, which does not rely on guilty examination, in consumerist relations. In light of this legal forecast, it is analyzed its appropriateness when the discussion involves liberal professionals to be held accountable. It sought to answer questions such as "to what extent can the liberal professional act without being held accountable for his acts?" And "the civil responsibility of the liberal professional in its objective form would not tend to discourage the provision of this type of service?”. In order to do so, after making distinctions between various legal concepts such as subjective and objective civil liability, obligation of means and obligation of result – extrapolating the merely “legal” discussion when bringing doctrinal understandings and, beyond these, jurisprudential understandings – it was pointed out that, as a rule, accountability of this type of professional is given in its subjective form, seeking also to deal with the exceptional cases in which the objective responsibility of the liberal professional is applied upon these because of the understanding of both the legislator and the jurisprudence, that gave the first reason for comprehending those  to be hypotheses in which the consumer should have his protection increased, cases that, therefore, do not depend on proof of guilt of the professional.

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Keywords: Liberal professional. Objective civil liability. Subjective civil liability. Result obligation. Means obligation.

Sumário: Introdução; I – Compreensão da responsabilidade civil a partir da legislação e doutrina; II – Análise da responsabilidade civil do profissional liberal a partir do entendimento jurisprudencial; Conclusão; Referências.

Introdução

A presente pesquisa parte da premissa que o profissional liberal pode ser responsabilizado civilmente pelos atos praticados.  Mormente, nos casos envolvendo direito do consumidor surge a divergência quanto à aplicação da responsabilidade civil objetiva ou subjetiva. Logo, o objetivo do estudo consiste em analisar o contemporâneo entendimento doutrinário e jurisprudencial da respondere[2].

A responsabilidade civil se perfaz quando existe a convivência em sociedade, permitindo a interação dos cidadãos no sentido de praticar atos de ação ou omissão e, por conseguinte, interferem nos bens e interesses um dos outros. Essa externalidade poderá ser considerada negativa a partir do momento que uma pessoa prejudica outra e positiva quando beneficia. Nessa continuidade, o indivíduo que causa dano ao patrimônio de outrem, cria a obrigação de repor o prejuízo causado. Entretanto, causídicos cotidianos, de pouca ou nenhuma relevância, por serem frustrações absorvíveis no dia-a-dia comum a qualquer pessoa exonera o dever de indenizar, por exemplo, nos casos de dano extrapatrimonial.

Em suma, doutrina e jurisprudência convergem no sentido de ser possível indenização reparatória, a título de compensação pecuniária, quando ocorre lesão como resultado de um ato ilícito. O Código de Defesa do Consumidor inova quando traz a aplicação da responsabilidade civil objetiva, que independe de culpa, nos casos em que há relação de consumo. Todavia, a presente pesquisa expõe a divergência acerca da responsabilidade civil quando se trata se prestação de serviço de profissional liberal.

I – Compreensão da responsabilidade civil a partir da legislação e doutrina

Para a caracterização da responsabilidade civil é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: ação (violação de direito), dano (moral e/ou material) e nexo causal (elo entre a ação e o dano). Desta forma, compreende-se por responsabilidade civil objetiva quando não requer a comprovação da culpa ou dolo, exigindo da vítima tão somente prova do nexo de causalidade. Em contrapartida, a responsabilidade civil subjetiva, exige a presença de dolo ou culpa.

De início, sabe-se que toda a atividade econômica é exploradora de riscos e destes surgem às consequências de indenizar quando o ato, o fato ou o negócio jurídico danoso afetar o consumidor.  Conforme prescreve nesse sentido o art. 186 CC.

Assim preceitua o Código Civil Brasileiro:

‘’Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.  Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independente de culpa, nos casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por usa natureza, risco para os direitos de outrem’’.

Por outro lado, não em sentido diverso, mas complementar, está o Código de Defesa do Consumidor promulgado pela Lei n° 8.078, de 11-09-1990 que estabeleceu um microssistema jurídico que insculpiu praticamente todas as atividades negociais. Ao mesmo tempo, a Carta Magna de 1988 no art. 170, V, ao assegurar o princípio de defesa do consumidor como elemento essencial a ordem econômica, garantiu a proteção do indivíduo vulnerável na relação jurídica (consumidor).

A doutrina e a jurisprudência convergem no sentido de entender que o consumidor está em situação de vulnerabilidade e hipossuficiência frente ao empresário abastado economicamente. Para tanto, o CDC visando equiparar as partes forneceu à paridade de armas no art. 6°, VIII, facilitando a partir disto a defesa do consumidor e dando a esse o direito a inversão do onus probandi[3] quando os fatos alegados são verossímeis. Além disso, denominou a responsabilidade civil como objetiva, que independe de culpa e socializa a exploração da atividade com os custos benefícios dela.

A doutrina é congruente em afirmar que a boa-fé consagrada no art. 51, IV do CDC deve orientar as relações de consumo, ou seja, deverá gerar benefícios bilaterais e não como se constata em alguns casos onde predomina o interesse per si. O consumidor não pode ser penalizado em decorrência de ato ilícito ou culpa do fornecedor que põe no mercado produto defeituoso ou viciado.

Analisando a perspectiva da responsabilidade civil na relação de consumo, vemos que esse tem amparo legal no art. 5°, incisos V e X da Constituição Federal, assegurando ao lesado o direito a indenização por danos. Por sua vez, o art. 6°, incisos VI e VII, do Código de Defesa do Consumidor em harmonia com o comando constitucional reconhece também a possibilidade de reparação do consumidor. Desta forma, salvaguarda no artigo:

‘’Art. 6° São direitos básicos do consumidor: VI – a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; VII – o acesso aos órgãos judiciários e administrativos com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção Jurídica, administrativa e técnica aos necessitados (Lei n° 8.078/90).’’

Por fim, cabe salientar que tratando-se de profissional liberal a regra geral continua sendo a da responsabilidade civil subjetiva, isto é, por ilícito praticado. Por outro lado, a responsabilidade civil objetiva surge como regra especial, não requerendo a comprovação do dolo ou culpa.

II – Análise da responsabilidade civil do profissional liberal a partir do entendimento jurisprudencial

O Código de Defesa do Consumidor expõe uma única exceção quando se trata da responsabilidade civil e que diz respeito aos profissionais liberais. Por sua vez, essa modalidade exige a verificação de culpa para a responsabilização, dentre os profissionais que se incluem nessa categoria estão: o médico (exceção para cirurgião plástico), advogados, engenheiros, contabilistas e outras profissões de ensino superior ou técnico.

Não obstante, tratando-se de relação de consumo com obrigação de meio, a responsabilidade civil do profissional liberal deve ser apurada mediante a verificação de culpa. Assim prevê o CDC:

‘’Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.’’

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em consonância com a doutrina majoritária tem entendimento jurisprudencial no sentido de reconhecer a responsabilidade civil objetiva para médicos, ressaltando a exceção supramencionada no texto, conforme previsão do Código de Defesa do Consumidor. Nesse sentido, colaciono:

‘’APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. ERRO MÉDICO. RELAÇÃO DE CONSUMO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA DOS PROFISSIONAIS LIBERAIS. ART. 14, § 4º, DO CDC. Cumpre analisar detidamente o conjunto probatório para aferir se restou evidenciada conduta negligente, imperita ou imprudente imputável ao profissional da medicina, para que possa ser responsabilizado civilmente, face o que prevê o § 4º do art. 14 do CDC. PACIENTE INTERNADO PELO SUS EM HOSPITAL SOB OS CUIDADOS DO MÉDICO RÉU. DOENÇA GRAVE PREEXISTENTE. HIPERTENSÃO PULMONAR – HAP. JÁ HAVIA ABANDONADO ANTERIOR TRATAMENTO NA SANTA CASA DA CAPITAL. PATOLOGIA INCURÁVEL. ALTA HOSPITALAR SEM OPOSIÇÃO DOS FAMILIARES. INEXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE O EVENTO FATAL E O ATENDIMENTO DISPENSADO AO FALECIDO PELO MÉDICO DEMANDADO. SOLUÇÃO SENTENCIAL AMPLAMENTE MOTIVADA E AMPARADA NA PROVA PERICIAL. CONCLUSÕES DA PERÍCIA NÃO INFIRMADAS POR OUTROS DADOS DE PROVA. O conjunto probatório coligido ao processo não permite concluir tenha havido conduta negligente ou desidiosa do médico que atendeu o familiar dos autores, portador de doença grave e incurável, qual seja, hipertensão pulmonar – HAP, que havia abandonado o tratamento específico disponível na Capital do Estado. Inexistência de nexo causal entre o óbito do familiar dos autores e conduta imputável ao facultativo. Sentença de improcedência da ação mantida. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70061700860, Nona Câmara Cível, Tribunal de… Justiça do RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Julgado em 26/08/2015) (TJ-RS – AC: 70061700860 RS, Relator: Miguel Ângelo da Silva, Data de Julgamento: 26/08/2015,  Nona Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 02/09/2015).’’

Nas obrigações de meio, o profissional liberal fica responsável por desempenhar os esforços necessários para a boa prestação do serviço, entretanto, não existe o compromisso de resultado exitoso. Significa dizer que, o fracasso na execução de determinado serviço não é motivo suficiente para sua responsabilização, se fazendo necessária a existência de conduta culposa do profissional. Caso contrário, não pode o cliente exigir qualquer tipo de ressarcimento, trata-se, pois, do princípio da culpa, previsto na responsabilidade subjetiva.

Em sentido diverso, está a compreensão da categoria de médico cirurgião plástico, que segundo entendimento do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, tem obrigação de resultado e, por consequência, a repercussão em responsabilidade civil objetiva.

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‘’Contratada a realização da cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado (responsabilidade contratual ou objetiva), devendo indenizar pelo não cumprimento da mesma, decorrente de eventual deformidade ou de alguma irregularidade. No procedimento cirúrgico estético, em que o médico lida com paciente saudável que apenas deseja melhorar sua aparência física e, consequentemente, sentir-se psiquicamente melhor, estabelece-se uma obrigação de resultado que impõe ao profissional da medicina, em casos de insucesso da cirurgia plástica, presunção de culpa, competindo-lhe ilidi-la com a inversão do ônus da prova, de molde a livrá-lo da responsabilidade contratual pelos danos causados ao paciente em razão de ato cirúrgico. – Resp 81.101-PR, rel. Min. Waldemar Zveiter, DJU, 31-05-1999, RSTJ, 119/292 e RT, 767/111.’’

Em uma seara específica, está a obrigação assumida pelo profissional liberal que possui natureza estritamente contratual, assim sendo, a prestação do serviço poderá ser de obrigação de meio ou de resultado. Segundo NUNES (2012, p.406), se a obrigação assumida for de meio, aplicar-se-á a responsabilidade civil subjetiva, ou seja, será necessário provar a culpa do demandado; por outro lado, sendo a obrigação de resultado, aplica-se a responsabilidade civil objetiva, o que dispensa prova da existência de culpa. Vejamos a contribuição do ilustre doutrinador Carlos Roberto Gonçalves:

‘’Quanto aos cirurgiões plásticos, a situação é outra. A obrigação que assumem é de ‘resultado’. Os pacientes, na maioria dos casos de estética, não se encontram doentes, mas pretendem corrigir um defeito, um problema estético. Interessa-lhes, precipuamente, o resultado. Se o cliente fica com aspecto pior, após a cirurgia, mas se alcançando o resultado que constituía a própria razão de ser do contrato, cabe-lhe direito à pretensão indenizatória. Da cirurgia malsucedida surge a obrigação indenizatória pelo resultado não alcançado. A indenização abrange, geralmente, todas as despesas efetuadas, danos morais em razão do prejuízo estético, bem como verba para tratamentos e novas cirurgias. O cirurgião plástico assume obrigação de resultado porque o seu trabalho é, em geral, de natureza estética. No entanto, em alguns casos a obrigação continua sendo de meio, como no atendimento a vítimas deformadas ou queimadas em acidentes, ou no tratamento de varizes e de lesões congênitas ou adquiridas, em que ressalta a natureza corretiva do trabalho (GONÇALVES, 2010, p.262).’’

Assim, o cirurgião plástico quando realiza uma cirurgia meramente estética, assume a promessa de resultado. O paciente que pretende corrigir um defeito tem como interesse principal, se não único, o resultado do procedimento cirúrgico. Porém, se desse resulta algo que julga não alcançar o efeito pretendido e acordado, cabe-lhe o direito a indenização.

Em suma, a responsabilidade civil do profissional liberal, em regra, uma vez que comporta exceções, será a subjetiva. Para a apuração da culpa, far-se-á necessário a apuração do dano e do nexo de causalidade, sem o que não há obrigação de indenizar. Logo, o contrato de prestação de serviço que for de obrigação de meio, o profissional não responde pelo resultado danoso, salvo se demonstrada a culpa.

Conclusão

Após a averiguação proposta, constatou-se que para o Código de Defesa do Consumidor a responsabilidade civil dos profissionais liberais é subjetiva, ou seja, exige a comprovação de culpa. Porém, tal benesse só persiste se o profissional executar obrigação de meio, não se aplicando, portanto, a obrigação de resultado.

Por conseguinte, cabe salientar que a legislação consumerista protegeu o profissional liberal para justamente garantir subsídios para exercício de sua profissão sem que seja responsabilizado por fatos imprevistos.

Por fim, os dispositivos legais mencionados excepcionaram expressamente que os profissionais liberais, enquanto contratado por obrigação de meio, só serão responsabilizados mediante aferição de culpa.

 

Referências
BRASIL. Lei n°. 8.078, de 11 de janeiro de 1990. Instituiu o Código de Defesa do Consumidor. Brasília. 1990.
______. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em 08 de junho de 2017.
COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil – Obrigações e Responsabilidade Civil. 5. ed.São Paulo – SP: Saraiva, 2010.
FIUZA, Ricardo. Código Civil Comentado. São Paulo – SP: Saraiva, 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: Reponsabilidade Civil. São Paulo – SP: Saraiva, 2010.
NUNES, Rizzato. Curso de Direito do Consumidor. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
 
Notas
[1] Trabalho orientado pela Profa. Msc. Cláudia Mota Estabel- Mestra em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande.

[2] – Origina-se do latim e significa ‘responsabilidade’. Traz a ideia de compensação ou restituição do bem lesionado.

[3] – A inversão do ônus da prova está prevista no art. 6, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor e constitui um dos mecanismos mais importantes para buscar equilibrar a desigualdade entre os litigantes. A palavra ‘ônus’ vem do latim e significa obrigação ou encargo; e, ‘prova’ origina-se do latim probatio que significa aquilo que vem atestar veracidade. Assim, a expressão do latim ‘onus probandi’ significa aquele que tem o ônus de provar algo. Na relação de consumo o ônus recai sobre o vendedor, fornecedor, etc.


Informações Sobre os Autores

Bruno Bandeira Fonseca

Acadêmicos de Direito pela Universidade Federal do Rio Grande

Lucas Braunstein da Cunha

Acadêmico de Direito pela Universidade Federal do Rio Grande


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