Resumo: O artigo 44 do Código Civil foi alterado pela Lei 12.441/2011, que introduziu no rol de pessoas jurídicas de direito privado a figura da empresa individual de responsabilidade limitada, denominada comumente de Eireli. A Eireli introduziu no sistema jurídico brasileiro a modalidade de empresa de responsabilidade limitada em que figura apenas um único sócio. A grande inovação trazida pela eireli foi a limitação da responsabilidade do sócio frente às obrigações contraídas pela pessoa jurídica, respondendo aquele apenas até o limite do capital social integralizado, que no caso da Eireli não pode ser inferior a cem salários mínimos. O parágrafo 2º do artigo 980-A do Código Civil faz uma ressalva quanto ao número de Eirelis que podem ser constituídas pela mesma pessoa, qual seja, uma. No entanto, a norma traz expressamente somente a previsão dessa limitação para o caso das pessoas naturais, não pronunciando-se acerca das pessoas jurídicas que pretendem constituir Eireli. Diante disso, iniciou-se uma discussão acerca da abrangência da limitação imposta pelo Código Civil, indagando-se se a mesma é aplicável às pessoas jurídicas ou não. O presente artigo visa analisar a temática em tela por meio de pesquisa bibliográfica, buscando identificar os pontos controvertidos acerca da mesma, bem como o entendimento prevalecente.[1]
Palavras-chave: Pessoas jurídica. Eireli. Código Civil.
Abstract: The article 44 from the Civil Code was modified by the Law 12.441/2011, that introduced in the rol of legal entities of private law the limited liability company, commonly called Eireli. The Eireli introduced in the brasilian juridic system the modality of company with limited liability in wich only one partner participes. The great innovation brought by eireli is the limitation of the responsability of the partner against the obligations contracted by the legal entity, Which only corresponds to the paid-in capital stock, Which in the case of Eireli can not be less than one hundred minimum wages. The 2º pragraph of the article 280-A from the Civil Code makes a caveat about the number of Eirelis that can be constituted by the same person, that is, one. Although, the law brings empressly the limitation only for natural people, not pronunciating about legal entities that intente to constitute Eireli. On this, began a discussion about the scope of the limitation imposed by the Civil Code, asking if it is aplied to legal entities or not. The present article aims to analyze the topic through bibliographic research, seeking to identify the controversial points about the same, as well as the prevailing understanding.
Key-words: Legal entities. Eireli. Civil Code.
Sumário: 1. Introdução. 2. Pessoas jurídicas de direito privado. 2.1. A sociedade empresária. 2.2. O empresário individual. 3. A empresa individual de responsabilidade limitada. 3.1. Constituição da EIRELI. 3.2 a limitação prevista no artigo 980-a, parágrafo 2º do Código Civil. 4. A aplicabilidade da limitação prevista no artigo 980-a, parágrafo 2º do Código Civil à pessoa jurídica. 5. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Os incisos do Artigo 44 do Código Civil preveem o rol de pessoas jurídicas de direito privado existentes no Brasil, sendo elas: associações, sociedades, fundações, organizações religiosas, partidos políticos e empresa individual de responsabilidade limitada.
A Lei nº 12.441 de 11 de julho de 2011, que inseriu o Artigo 980-A ao Código Civil, a nova modalidade de pessoa jurídica de direito privado prevista no inciso VI do artigo 44: a empresa individual de responsabilidade limitada, comumente denominada de EIRELI, inserida, portanto, no rol previsto pelo Artigo 44 do Código Civil.
A EIRELI é semelhante à figura do empresário individual, com a diferença de que o patrimônio do empresário não se confunde com o patrimônio da pessoa jurídica, ou seja, a responsabilidade daquele perante as obrigações da pessoa jurídica que instituiu é limitada, ao passo que o empresário individual responde ilimitadamente com seu patrimônio e bens frente às obrigações contraídas pela pessoa jurídica da qual faz parte.
Assim, a Eireli visa estabelecer a autonomia da empresa em direito e obrigações, adotando o sistema da personificação da empresa, limitando a responsabilidade pessoal no exercício da atividade empresária individual (TOMAZETTE, 2012).
A EIRELI pode ser constituída tanto por pessoas físicas quanto por pessoas jurídicas. No entanto, há uma ressalva prevista pelo § 2º do Artigo 980-A do Código Civil, que determina que “a pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade”.
Essa ressalva gera dúvidas no que tange ao seu alcance, que parece não atingir as pessoas jurídicas que constituem EIRELI, eis que o artigo trata expressamente somente das pessoas naturais, excluindo as pessoas jurídicas que possam vir a constituir Eireli.
Assim, após ser conferida a possibilidade de constituição de Eireli por pessoas jurídicas, cumpre definir se há aplicação ou não da limitação da quantidade de Eirelis em que uma única pessoa jurídica pode figurar, diante da previsão expressa dessa limitação somente em relação à pessoas naturais.
A presente pesquisa tem natureza bibliográfica e objetiva identificar e analisar o tema proposto a partir de diferentes fontes, sejam livros, periódicos, diplomas legais, referências eletrônicas, e demais fontes disponíveis.
2 PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO
As espécies de pessoas jurídicas de direito privado estão elencadas no artigo 44 do Código Civil, sendo elas:
“I – as associações;
II – as sociedades;
III – as fundações.
IV – as organizações religiosas;
V – os partidos políticos.
VI – as empresas individuais de responsabilidade limitada” (BRASIL, 2002).
As associações, de acordo com o Artigo 53 do Código Civil, são caracterizadas pela união de pessoas que formalizam a sua união em busca de fins não econômicos, ou seja, sem almejar lucros (BRASIL, 2002).
As sociedades, por sua vez, de acordo com o Artigo 981 do Código Civil, são formadas pela união de indivíduos que reciprocamente se obrigam a contribuir, seja por meio de bens ou serviços, para o exercício de uma ou mais atividades econômicas e posterior partilha dos resultados.
A fundação é conceituada como a atribuição de “(…) personalidade jurídica a um patrimônio, que a vontade humana destina a uma finalidade social. É um pecúlio, ou um acervo de bens, que recebe da ordem legal a faculdade de agir no mundo jurídico, e realizar as finalidades a que visou o seu instituidor” (SILVA, 2017).
Os partidos políticos e as organizações religiosas foram inseridos no rol do Artigo 44 do Código Civil pela Lei 10.825/2003, com a seguinte redação:
“Art. 1o Esta Lei define as organizações religiosas e os partidos políticos como pessoas jurídicas de direito privado, desobrigando-os de alterar seus estatutos no prazo previsto pelo art. 2.031 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil” (BRASIL, 2002).
O inciso VI foi inserido pela Lei 12.441/11 no intuito de criar uma nova modalidade de pessoa jurídica de direito privado em que o sócio unipessoal tivesse a responsabilidade limitada frente às obrigações da sociedade, denominada empresa individual de responsabilidade limitada – EIRELI.
Segundo Coelho,
“Juridicamente, a empresa individual de responsabilidade limitada (Eireli) não é um empresário individual. Trata-se da denominação que a lei brasileira adotou para introduzir, entre nós, a figura da sociedade limitada unipessoal, isto é, a sociedade limitada constituída por apenas um sócio” (COELHO, 2016).
O rol apresentado pelo Artigo 44 do Código Civil é taxativo, ou seja, somente são consideradas pessoas jurídicas de direito privada as modalidades constantes nos incisos.
2.1 A SOCIEDADE EMPRESÁRIA
De acordo com Martins, inicialmente os atos praticados entre o consumidor final e os fornecedores de serviços e produtos podiam ser praticados por uma única pessoa. Contudo, esse atos foram aumentando e tornando-se mais complexos, o que exigiu a união de mais pessoas, surgindo a figura da sociedade (MARTINS, 2007).
De acordo com Doria,
“As primeiras manifestações de sociedade encontram-se na reunião de duas ou mais pessoas que, combinando esforços e bens, buscam partilhar entre si os resultados da atividade comum. Na impossibilidade de atingir determinados fins, atuando isoladamente, o homem uniu-se a outros, construindo assim as sociedades” (DORIA, 1997, p. 159).
Para o autor, a sociedade empresária é a “organização proveniente de acordo de duas ou mais pessoas, que pactuam a reunião de capitais de trabalho para um fim lucrativo” (MARTINS, 2007).
De acordo com Borba,
“A atividade empresarial é a marca de sua classificação como sociedade empresária, ressalvada as sociedades por ações, que é sempre empresária (art. 982, § único). O fim lucrativo é da essência da sociedade, a qual se destina a produzir lucro, para a distribuição entre os que participam do seu capital” (BORBA, 2003, p. 18).
Mesmo não havendo conceituado a atividade empresarial, o Código Civil conceitua no seu artigo 966 o empresário, que é quem exerce a atividade empresarial, sendo este “quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços” (BRASIL, 2002).
De acordo com Gomes
“São, em princípio, atividades empresariais:
a) produção de bens, compreendendo toda a atividade industrial, criadora ou transformadora;
b) circulação de bens, correspondendo ao que tradicionalmente se denomina comércio; e
c) prestação de serviços, quando desenvolvida de forma impessoal, com empresarialidade (…)” (GOMES, 2013, p. 42)
Assim, infere-se que a sociedade empresária é a reunião de duas ou mais pessoas, no intuito de exercer atividade empresarial para obter lucros, sendo esta a essência da sociedade empresária.
2.2 O EMPRESÁRIO INDIVIDUAL
O artigo 966 do Código Civil estabelece que empresário é a pessoa que exerce profissionalmente atividade econômica organizada, no intuito de circular mercadorias e/ou serviços, podendo o mesmo ser pessoa física ou jurídica (BRASIL, 2002).
O empresário individual é uma pessoa física que exerce atividade econômica organizada, não havendo, no entanto, distinção entre o seu patrimônio e o patrimônio da empresa.
De acordo com o entendimento de Campinho,
“O exercício da empresa pelo empresário individual se fará sob uma firma, constituída a partir de seu nome, completo ou abreviado, podendo a ele ser aditado designação mais precisa de usa pessoa ou do gênero de atividade. Nesse exercício, ele responderá com todas as forças de seu patrimônio pessoal, capaz de execução pelas dívidas contraídas, vez que o Direito brasileiro não admite a figura do empresário individual com responsabilidade limitada e, conseqüentemente, a distinção entre patrimônio empresarial (o patrimônio do empresário individual afetado ao exercício de sua empresa) e o patrimônio particular do empresário, pessoa física. Não há que se confundir o empresário individual como sócio de uma sociedade empresária. O sócio, com efeito, não é empresário, mas sim integrante de uma sociedade empresária. O empresário poderá ser pessoa física, que explore pessoal e individualmente a empresa (empresário individual), do qual estamos agora tratando, ou uma pessoa jurídica, a qual, detentora de personalidade jurídica própria, distinta da de seus membros, exerce diretamente a atividade econômica organizada (sociedade empresária)” (CAMPINHO, 2003, p. 14-15).
Segundo Mendonça, em face da falta de distinção entre o patrimônio e bens do empresário e da empresa que exerce atividade econômica frente às obrigações contraídas por essa, tem-se que
“A firma individual é uma mera ficção jurídica, com fito de habilitar a pessoa física a praticar atos de comércio, concedendo-lhe algumas vantagens de natureza fiscal. Por isso, não há bipartição entre a pessoa natural e a firma por ele constituída. Uma e outra fundem-se, para todos os fins de direito, em um todo único e indivisível. Uma está compreendida pela outra. Logo, quem contratar com uma está contratando com a outra e vice versa” (MENDONÇA, 1957, p. 166-167).
Da mesma forma é a compreensão de Carvalho de Mendonça acerca do tema ao afirmar que:
“Usando uma firma para exercer o comércio e mantendo o seu nome civil para os atos civis o comerciante, pessoa natural, não se investe de dupla personalidade; por outra, não há duas personalidades, uma civil e outra comercial. As obrigações contraídas sob a firma comercial ligam a pessoa civil do comerciante e vice-versa. Se ele incide em falência, não se formam duas massas: uma comercial, compreensiva dos atos praticados sob a firma mercantil, e outra civil, relativa aos atos praticados sob o nome civil, mas uma só massa, à qual concorrem todos os credores” (CARVALHO DE MENDONÇA, 1963, p. 166).
Assim, o empresário individual é a pessoa física/natural que exerce atividade econômica de maneira organizada, respondendo ilimitadamente com o seu patrimônio pelas obrigações da empresa da qual é o sócio. Segundo André Luiz Santa Cruz Ramos
“Enquanto a responsabilidade do empresário individual é direta e ilimitada, a responsabilidade de um sócio da sociedade empresária é subsidiária (seus bens só podem ser executados após a execução dos bens sociais) e pode ser limitada, a depender do tipo societário utilizado” (RAMOS, 2014, p. 40).
Por fim, o empresário individual é pessoa física que, visando exercer atividade econômica organizado com o intuito de obter lucro, registra seus atos e passa a responder ilimitadamente com seus bens frente às obrigações contraídas pela empresa formalizada. E, sendo assim, o empresário individual difere da sociedade empresária, especialmente, pelo número de sócios e pela responsabilidade assumida frente à atividade exercida.
A responsabilidade ilimitada do empresário individual, no entanto, incentivava a criação de sociedades irregulares, ou sociedades limitadas de fachada, onde o segundo sócio figura apenas como coadjuvante. Este foi um dos motivos determinantes para a criação da Eireli (CARDOSO, 2012).
3 A EMPRESA INDIVIDUAL DE RESPONSABILIDADE LIMITADA
A figura do empresário individual com responsabilidade limitada já foi desenvolvida em outros países, no intuito de limitar a responsabilidade do empresário individual. As primeiras ideias acerca da sociedade unipessoal com responsabilidade limitada surgiram em
“Liechtenstein, do denominado anstalt, de 1926; na Dinamarca, pela lei n°371 de 1973; na Alemanha, da sociedade unipessoal, constante da GmbH-Novelle, de 1980; na França, da enterprise uniperssonelle à responsabilité limitée, da lei 85-697 de 1985; em Portugal, do estabelecimento individual de responsabilidade limitada, Decreto-lei n°248/86, nos Países Baixos, pela lei de 16/03/1986; na Bélgica, pela lei de 14/07/1987”(OLIVEIRA, 2011, p. 2).
Desde o Século XIX a ideia da Eireli já existe em outros países, especialmente no continente europeu, tais como Portugal, Espanha, Itália, Japão e África do Sul (OLIVEIRA, 2011).
No Brasil sempre existiram ideias visando criar a figura jurídica do empresário individual com responsabilidade limitada. Esse ideal concretizou-se através dos Projetos de Lei nº 4.605/2008 e 4.953/2009, que deram origem à Lei 12.441, de 11 de Julho de 2011.
A Eireli surgiu com o intuito de regularizar a situação daqueles que visam exercer sozinhos uma atividade empresária sem ter o seu patrimônio pessoal atingido e confundido com o patrimônio da pessoa jurídica instituída para o exercício de atividade econômica. De acordo com Cardoso,
“Como se vê, para fugir de eventual risco de ter o seu Patrimônio atingido, o empreendedor que deseja estabelecer um negócio recorre a um sócio, geralmente parente em primeiro grau (pai, mãe, irmãos, filhos), atribuindolhes, geralmente, um por cento da participação social, para constituir uma sociedade limitada, pois nela as obrigações dos sócios limitam-se à integralização do capital social” (CARDOSO, 2012, p. 63).
Ainda, para Venosa,
“A criação do empresário individual de responsabilidade limitada torna-se necessária. Em princípio, não coloca em risco a segurança jurídica dos credores, pois o empresário nessa modalidade teria, por um lado, patrimônio especial afetado à exploração da empresa, e, por outro, evitaria grandemente a simulação com sociedade de fachada” (VENOSA, 2012, p. 136)
Neste diapasão, a Lei 12.441/2011 inseriu no Código Civil o artigo 980-A, com a seguinte redação:
“Art. 980-A. A empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País” (BRASIL, 2002).
Há divergência doutrinária acerca da classificação da Eireli como uma nova modalidade de pessoas jurídica de direito privado. Segundo Coelho, a Eireli não se trata de uma nova modalidade de pessoas jurídica, mas sim, de um nomem juris dado para a sociedade limitada unipessoal (COELHO, 2012).
Com opinião contrária, Pinheiro destaca que
“A EIRELI não tem natureza jurídica de sociedade empresária, ao contrário do que muitos ainda defendem, mas trata-se de uma nova categoria de pessoa jurídica de direito privado, que também se destina ao exercício da empresa. Tanto que a Lei n. 12.441/2011 incluiu “as empresas individuais de responsabilidade limitada” no rol de pessoas jurídicas de direito privado do art. 44 do Código Civil (inc. VI).[…]
Outrossim, também não se afigura razoável atribuir à EIRELI a natureza jurídica de ‘sociedade unipessoal’, pois só há que se falar em sociedade se houver mais de um sócio. A criação de uma nova modalidade de pessoa jurídica de direito privado não impõe que seja classificada como ‘sociedade unipessoal’.” (PINHEIRO, 2011, p. 3).
A constituição da Eireli pode ser tanto por pessoa física quanto por pessoas jurídica (COELHO, 2012). Pinheiro complementa afirmando que no formato de Eireli é permitido que “(…) qualquer pessoa jurídica, isoladamente, constitua uma ou mais subsidiárias integrais, alargando a faculdade que já era admitida, exclusivamente, para as sociedades anônimas.”
A Eireli é um instituto existente em outros países e foi criado também no Brasil visando especialmente implementar a limitação da responsabilidade do sócio, dando uma outra opção, além da empresa individual, para quem pretende constituir sociedade unipessoal.
3.1 CONSTITUIÇÃO DA EIRELI
Assim como outra sociedade limitada, a Eireli pode ser constituída pela assinatura do ato constitutivo pelo seu sócio ou, ainda, pela transformação do registro de empresário individual e, por fim, pela concentração de todas as cotas em nome de um único sócio, o que pode ocorrer, por exemplo, no caso de morte de um dos sócios (COELHO, 2016).
Uma Eireli pode atuar em qualquer ramo de atividade econômica, seja ela comercial, industrial, rural ou de prestação de serviços (GABRIEL JUNIOR, 2013). Há somente a discussão acerca da possibilidade da Eireli ser constituída para atividades não comerciais, como a advocacia e demais atividades intelectuais (NEITSCH, 2012).
No que tange à capacidade do sócio da Eireli, Tomazette afirma que “as exigências de capacidade e o não impedimento do empresário individual não se aplicam à pessoa física instituidora da EIRELI” (TOMAZETTE, 2012, p. 215).
Ainda, o autor complementa destacando que
“[…] os impedimentos atinentes ao exercício da atividade empresarial das pessoas físicas como empresários individuais também não se aplicam, uma vez que haverá a criação de uma nova pessoa jurídica. Assim, se tais impedimentos não vedam a condição de sócio de uma sociedade limitada, também não devem vedar a condição de titular da EIRELI pela própria determinação de aplicação das regras da sociedade limitada (CC, art. 980-A, § 6º). Dessa forma, servidores públicos, magistrados, membros do Ministério Público e militares da ativa podem constituir EIRELI, desde que não exerçam as funções administrativas inerentes ao exercício da empresa” (TOMAZETTE 2012, p.215).
Coelho cita algumas normas e requisitos específicos para a criação da empresa individual de responsabilidade limitada, sendo os principais: capital social de no mínimo 100 salários mínimos e totalmente integralizado no momento da constituição da pessoa jurídica e formação do nome empresarial no formato firma ou denominação (COELHO, 2016).
Primeiramente, havia incerteza acerca da possibilidade da criação de Eireli por pessoas jurídicas, eis que o caput do Artigo 980-A do Código Civil utilizou o termo “pessoa”, sem informar se o mesmo trata da pessoa jurídica ou da pessoa natural. Essa dúvida, no entanto, foi sanada com a edição da Instrução Normativa nº 38 de 2017, pelo Departamento de Registro Empresarial e Integração – DREI, que afirmou sua posição no sentido de que a pessoa jurídica também pode ser titular de Eireli (BRASIL, 2017).
Segundo Paulo Leonardo, a Eireli
“Poderá ser formada tanto por pessoa natural quanto por pessoa jurídica, constituindo assim duas espécies. Sendo que a pessoa natural esteja em pleno gozo de sua capacidade e não seja impedida legalmente e nem possua outra empresa da mesma modalidade. E a pessoa jurídica advém da concentração de cotas de outra modalidade de sociedade em um único sócio” (CARDOSO, 2012, p. 90).
De acordo com Teixeira,
“Para efeitos burocráticos e tributários (como no caso do Simples Nacional), a EIRELI poderá ser tida como microempresa – ME desde que sua receita bruta anual seja limitada a R$ 360.000,00; ou como empresa de pequeno porte – EPP – caso sua receita bruta anual esteja entre R$ 360.000,00 e R$ 3.600.000,00 (LC n. 123/2006, art. 3º)” (TEIXEIRA, 2016, p. 95-96).
Dessa forma, a Eireli pode ser constituída tanto por pessoa física quanto por pessoa jurídica, podendo ser destinada à qualquer ramo de atividade empresarial, sendo formalizada pela assinatura do ato constitutivo pelo seu sócio.
3.2 A LIMITAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 980-A, PARÁGRAFO 2º DO CÓDIGO CIVIL
Existem alguns limites, requisitos e normas previstas pelo Código Civil para a criação da Eireli. O artigo 980-A do Código Civil, no seu parágrafo 2º, dispõe, nos seguintes termos, que:
“§ 2º A pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade” (BRASIL, 2002).
Coelho dispõe acerca do impedimento previsto, afirmando que “se o único sócio da Eireli for uma pessoa natural, ela não poderá participar de outra sociedade unipessoal” (COELHO, 2016).
Ainda, o autor complementa afirmando que, no entanto, “poderá, porque não há proibição em lei, ser sócio de limitadas pluripessoais ou mesmo de sociedades de tipos diversos” (COELHO, 2016, p. 162).
Dessa forma, o parágrafo 2º do Artigo 980-A do Código Civil, inserido pela Lei 12.441/2011, dispõe que a pessoa natural que figurar como sócia em uma Eireli somente poderá participar da mesma, sendo limitada a sua participação em outra empresa individual de responsabilidade limitada. Essa previsão, no entanto, não impede que a pessoa natural que constituir Eireli participe de outras sociedades pluripessoais, ou seja, em uma modalidade que não a de Eireli, eis que não há como lhe criar um impedimento que não previsto em Lei.
4 A APLICABILIDADE DA LIMITAÇÃO PREVISTA NO ARTIGO 980-A, PARÁGRAFO 2º DO CÓDIGO CIVIL À PESSOA JURÍDICA
André Luiz Santa Cruz, não concorda com a limitação imposta pelo parágrafo 2º, afirmando que a mesma está em desacordo com os objetivos da Eireli. O autor destaca que:
“Se o objetivo da Eireli é criar uma espécie de patrimônio de afetação para permitir que um empreendedor goze da limitação de responsabilidade sem precisar constituir sociedade com outrem, por que limitar essa prerrogativa? E se ele decidir empreender em áreas distintas, como deverá proceder? Constituirá uma Eireli para explorar um empreendimento, mas no segundo ele terá que constituir uma sociedade? Não faz sentido (…) Essa regra precisa ser revista a fim de não limitar o número de Eireli que uma mesma pessoa natural pode constituir” (RAMOS, 2016, p. 83-84).
Segundo Teixeira, “a previsão do art. 980-A dá margem a dupla interpretação. Pode-se depreender de que seria possível uma pessoa jurídica ser titular de uma ou mais EIRELIs; ou que não seria admissível uma pessoa jurídica ser titular de EIRELI” (TEIXEIRA, 2016, p. 94).
A limitação imposta pelo Artigo 980-A, parágrafo 2º do Código Civil, é expressamente prevista apenas para as pessoas naturais e gera dúvidas acerca da abrangência para as pessoas jurídicas.
A interpretação literal do texto da Lei, segundo Ricardo Alexandre, “(…) leva em conta exclusivamente o rigoroso significado léxico das palavras constantes do texto legal, sem considerar qualquer outro valor” (ALEXANDRE, 2007, p. 256-257).
Assim, partindo-se de uma interpretação literal do texto legal, a limitação imposta pela norma abrange somente a pessoa natural, expressamente prevista pelo texto da Lei, não havendo possibilidade de estendê-la também para as pessoas jurídicas. E, sendo assim, ao interpretar com literalidade o texto da Lei, às pessoas jurídicas que visam constituir Eireli, não se aplica a limitação destacada pelo parágrafo 2º do Artigo 980-A do Código Civil.
De acordo com Freire, ao referir-se especificamente à pessoa natural, a intenção do legislador era evidentemente o de restringir o alcance do conteúdo da limitação prevista pelo parágrafo 2º somente para as pessoas naturais, não sendo aplicável às pessoas jurídicas. Segundo a autora, quando buscava se referir tanto a pessoa jurídica quanto à pessoa física, o legislador o fez expressamente, como é o caso do Título I do Livro I da Parte Geral do Código Civil (FREIRE, 2015).
Da mesma forma, Coelho compreende que a regra aplica-se somente à pessoa natural, não podendo estender-se essa limitação às pessoas jurídicas (COELHO, 2016).
De acordo com Guimarães, a pessoa jurídica que constituir Eireli pode figurar em mais de uma empresa da mesma modalidade,
“E isto é possível porque o caput do art. 980-A fez alusão à possibilidade da constituição da EIRELI por uma única “pessoa”. Quando pretendeu restringir à pessoa natural, o fez no §2º, aduzindo que a pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade” (GUIMARÃES 2012, p.212).
Diante das discussões, a opinião majoritária entre os doutrinadores, conforme exposto, e com base na interpretação da norma, é o de que a limitação imposta pelo Artigo 980-A, parágrafo 2º do Código Civil, deve ser aplicada somente às pessoas naturais que constituam Eireli, não estendendo-se para as pessoas jurídicas.
5 CONCLUSÃO
O artigo 44 do Código Civil prevê as modalidades de pessoa jurídica de direito privado existentes no ordenamento jurídico brasileiro. Dentre elas está a empresa individual de responsabilidade limitada, denominada Eireli, que foi inserida pela Lei 12.441/2011.
A Eireli surgiu no intuito de inserir no Brasil uma modalidade semelhante à do empresário individual, porém, com a distinção entre o patrimônio deste e o da atividade empresarial exercida, frente às obrigações por esta assumidas.
A Eireli é formada por um único sócio e, dentre os requisitos exigidos para a sua constituição está a integralização do capital social, que não deve ser inferior a 100 salários mínimos. Ainda, a Eireli pode ser formada para o exercício de qualquer atividade, seja ela comercial, rural, ou outras.
Tanto pessoas físicas quanto pessoas jurídicas podem instituir Eireli, seja pela assinatura do ato constitutivo, pela reunião das cotas em nome de um só sócio, ou pela transformação da modalidade de empresário individual em Eireli.
O parágrafo 2º do Artigo 980-A dispõe que a pessoa natural que constituir Eireli só poderá figurar em uma empresa da mesma modalidade, ou seja, não é possível a constituição de mais de uma Eireli pela mesma pessoa.
Mesmo havendo o entendimento de que é possível a constituição de Eireli por pessoas jurídicas, a limitação mencionada trata somente das pessoas naturais de forma expressa, não tratando, aparentemente, das pessoas jurídicas que desejam formalizar mais de uma Eireli.
Esse cenário causa um grande impacto na vida prática e gera divergências doutrinárias, ao passo que alguns compreendem que a limitação se impõe somente às pessoas naturais, e outros entendem a mesma se estender também para as pessoas jurídicas que desejam constituir Eireli.
Ante a previsão legal expressa que determina a limitação somente para as pessoas naturais, aparentemente não há que se falar na extensão dos seus efeitos para as pessoas jurídicas, eis que este talvez não fosse o desejo do legislador ao formular a norma.
Quando a intenção do legislador foi posicionar-se acerca da pessoa física e da pessoa jurídica, o mesmo assim o fez expressamente. O mesmo não ocorreu no parágrafo 2º do artigo 980-A do Código Civil, em que o legislador posicionou-se somente acerca da pessoa natural, ou seja, pessoa física. Dessa forma, não há de haver predisposição que estenda a limitação imposta pela norma também às pessoas jurídicas.
Assim, até que haja posicionamento contrário do legislador acerca do tema, a limitação prevista pelo parágrafo 2º do Artigo 980-A do Código Civil deve ater-se somente à pessoa natural, expressamente prevista pelo texto da Lei, eis que não deve haver nenhuma limitação sem que a letra da Lei a haja expressa e anteriormente previsto.
O presente artigo, por meio de pesquisa bibliográfica, salientou os pontos necessários à compreensão do tema proposto, bem como propiciou o devido conhecimento para tratar acerca do mesmo, cumprindo com os objetivos gerais e específicos propostos.
Informações Sobre o Autor
Ivonei Santana da Silva
Acadêmico de Direito Faculdade União Educacional de Cascavel Paraná