A aplicação do direito estrangeiro

Sumário: A Aplicação do Direito Estrangeiro. Comitas Gentium .  Prova do Direito Estrangeiro. Meios de interpretação do Direito Estrangeiro. Regra Lócus Regit Actum. Retorno, devolução ou remissão. Direitos Adquiridos. Sistemas de homologação. Síntese da aplicação do direito estrangeiro. Aplicação indireta.

 

A Aplicação do Direito Estrangeiro.

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Segundo AMORIM, até os fins do século XIX, o direito estrangeiro era considerado matéria de fato. No século posterior, entretanto, as normas de direito internacional privado passaram a ser consideradas positivas.[1]

Em virtude de ser matéria de fato, sua prova era obrigação de iniciativa da parte que a alegava.

Hoje em dia, entretanto, o juiz deve aplicar de ofício a lei estrangeira, mesmo se não invocada, segundo a nossa Lei de Introdução ao Código Civil. Tal obrigatoriedade existe em virtude dos tratados assinados pelos diferentes países, com exceção dos conflitos com a ordem pública local.

O juiz conhece o direito e, em razão disto, cabe ao mesmo aplicar o direito estrangeiro de ofício mesmo quando a parte interessada não o provar ou não o alegar.

Segundo o art 14 da Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro, entretanto, poderá exigir que a parte, conjuntamente com seus esforços, faça a produção de sua prova.

Comitas Gentium.

Utilizado na Escola Holandesa, entendia-se que o direito tinha um caráter apenas territorial, ou seja, o estrangeiro tinha a obrigação de acatar a lei nacional e ser submetido aos seus ditames. No entanto, por motivos de cortesia internacional, era aberta exceção e o Estado poderia aplicar a sua lei pessoal.

A busca do ideal de justiça por cada Estado e motivos de conveniência política devem fundamentar as razões de ser aplicado o direito estrangeiro.

Prova do direito estrangeiro.

Segundo o artigo 14 da Lei de Introdução ao Código Civil brasileiro, se a prova apresentada pela parte é insuficiente para resolver a questão, o juiz é competente para pesquisar e encontrar na lei estrangeira as normas para a solução do caso sob exame.

No tocante à prova do direito estrangeiro, a doutrina enumera as mais comuns, ou seja, códigos, certidões, revistas, livros, jornais, e outras. Entretanto, a prova testemunhal não tem valor em razão de não ser o direito estrangeiro matéria de fato.

Deve-se lembrar que os tratados ratificados pelos países passam a fazer parte do direito positivo interno, devendo ser observados independente de alegação e prova.

Meios de interpretação do direito estrangeiro.

São os mesmos adotados pelo direito brasileiro.

Em relação à pessoa do intérprete, a interpretação é doutrinária, judicial a feita pelos juízes e tribunais, legislativa ou autêntica, quando realizada pelos órgãos que exercem predominantemente a função legislativa.

A interpretação pode ser sociológica, sistemática, lógica, analógica, declarativa, restritiva ou extensiva.

A regra Lócus Regit Actum.

Antiga regra do direito, quer dizer que o lugar determina o ato, ou a lei do lugar rege o ato.

A nossa Lei de Introdução ao Código Civil, dispõe, em seu art. 9º, § 1º, determina:

“Destinando-se a obrigação a ser executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta observada, admitidas as peculiaridades d,a lei estrangeira quanto aos requisitos extrínsecos do ato”.

AMORIM assim se expressa:

“Em razão desta disposição, alguns doutrinadoras são de opinião que o sistema jurídico brasileiro de aplicação da lei estrangeira, pelo simples fato de aceitar as peculiaridades desta mesma lei, quanto aos requisitos extrínsecos do ato, acabou por abrir uma exceção à imperatividade da regra lócus regit actum”.   

Retorno, devolução ou remissão.

Sendo as palavras acima consideradas sinônimas, AMORIM opina que para o seu significado, talvez melhor fosse utilizar-se o termo “opção”.[2]

O grande problema da questão é a existência de diferentes elementos de conexão pelos mais diversos Estados nacionais. Interessante é o exemplo a seguir:

“o Código Civil argentino, a exemplo do nosso, tomou por base como elemento de conexão o domicílio. Destarte, se o caso surgido é de capacidade, ou melhor, se a controvérsia diz respeito à capacidade de um argentino, a lei a ser observada é a Argentina.

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Entretanto, se o mesmo argentino tem domicílio na Alemanha e por ter o direito alemão escolhido a nacionalidade como seu elemento de conexão, deveria o juiz argentino, nesta hipótese, observar a lei alemã para a solução do problema. Isto, em face de o domicílio deste achar-se fixado naquele país.

Apesar de tais recomendações de ordem legal, despreza o elemento de conexão estabelecido pela lei argentina, e aplica ao nacional a própria lei.

É essa opção que os doutrinadores convencionaram chamar de retorno, inclusive o seu instituidor, Bartin”.[3]

O retorno não é aceito no Brasil segundo o art. 16 da nossa Lei de Introdução ao Código Civil. Contudo, o art. 10 da mesma lei expõe uma exceção: “A vocação para suceder em bens de estrangeiros situados no Brasil será regulada pela lei brasileira em benefício do cônjuge brasileiro e dos filhos do casal, sempre que não lhes seja mais favorável a lei do domicílio.”

O que resulta da situação é a liberdade de escolha pelo juiz brasileiro do elemento de conexão em função da lei que melhor beneficiar o brasileiro ou brasileira

Direitos Adquiridos.

AMORIM considera possuidor de um direito adquirido alguém que preenche: “os requisitos de uma lei para obtenção de determinado estado ou vantagem…”.[4]

O autor cearense inova ao afirmar que o objeto do direito internacional privado deveria ser não apenas o conflito de leis, mas, na verdade, a condição jurídica do estrangeiro, o conflito da lei estrangeira com as leis locais e a aplicação da lei alienígena.[5]

Ao se aplicar a lei estrangeira, incluiriam-se os direitos adquiridos. Entretanto, a aplicação de um direito não poderia admitir qualquer ofensa à ordem pública.

Preenchidos os requisitos normalmente aceitos a respeito das origens de direitos alienígenas, sem ofensa à ordem pública, outro Estado, em razão de tratados internacionais, teria que acata-lo.

A despeito da realidade internacional, PILLET considera o reconhecimento do direito adquirido uma questão de soberania do Estado.[6]

Nem todos o direitos adquiridos, porém, podem ser transportados de um país para o outro. Aqueles direitos adquiridos para serem exercidos apenas em determinado Estado, não podem ser transportados para outro Estado. Um juiz paraguaio não o será, v.g, em solo brasileiro.

AMORIM cita CREMIEU que estabelece os seguintes critérios para o reconhecimento de um direito adquirido:

a) o direito que é invocado no território de um Estado deve ser, em virtude da legislação do país de origem, um direito adquirido, e não uma simples expectativa;  b) é necessário que o direito invocado tenha sido validamente adquirido, do ponto de vista internacional, isto é, tenha nascido de acordo com a lei, internacionalmente, era competente para presidir à sua formação; e c) o direito adquirido deve ser um direito privado, e não um direito público”.

Utiliza o autor, ainda, um exemplo prático de direito adquirido acolhido pelas leis brasileiras:

“Um francês casa-se na França com uma francesa e ambos vêm, definitivamente, morar no Brasil com visto permanente.

Conclusão.

Estas considerações são por si só, suficientes para iniciar o estudante nos primeiros passos na consideração de como pode e deve ser aplicada uma norma de direito estrangeiro no território de um país que não a produziu.

 

Bibliografia: AMORIM, Edgar Carlos de Direito Internacional Privado, 3ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1995. CASTRO, Amílcar de. Direito Internacional Privado, 5ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1999. GARCEZ, José Maria Rossani, Curso de Direito Internacional Privado, Rio de Janeiro: Revista Forense, 1999. DOLINGER, Jacob, Direito Internacional Privado – Parte Geral, 7ª edição, Rio de janeiro/São Paulo: Renovar, 2003.
 
Notas
[1] AMORIM, Edgar Carlos de, Direito Internacional Privado, 3ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1995, pp. 41-57.
[2] (1995:49-50).
[3] Idem.
[4] (1995:-50-52).
[5] Idem.
[6] AMORIM (1995:51) apud  PILLET.

Informações Sobre o Autor

Francisco Mafra.

Doutor em direito administrativo pela UFMG, advogado, consultor jurídico, palestrante e professor universitário. Autor de centenas de publicações jurídicas na Internet e do livro “O Servidor Público e a Reforma Administrativa”, Rio de Janeiro: Forense, no prelo.


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