Resumo: O presente trabalho tem como finalidade analisar a interconexão entre as novas tecnologias adotadas na prisão e as noções de disciplina e vigilância, apresentando como marco teórico Michel Foucault. Visa verificar, inicialmente, a hipótese apresentada analisando-se a contribuição histórica de Foucault quanto à disciplina e o desenvolvimento dos estabelecimentos prisionais. Em seguida, busca-se revisitar os conceitos abordados à luz dos autores contemporâneos em face da evolução dos instrumentos de vigilância e suas repercussões. Ao final, será permitido inferir que, no decorrer do tempo, e com o surgimento de novos mecanismos tecnológicos de vigilância, será necessário um profundo diálogo com os conceitos de vigilância e disciplina aqui abordados, com o intuito de que os novos instrumentos auxiliem na transformação dos indivíduos em cárcere e no aperfeiçoamento dos sistemas prisionais.[1]
Palavras-Chave: Disciplina. Controle Social. Prisões. Tecnologia.
Abstract: The present work aims to analyze the interconnection between the new technologies adopted in prison and the notions of discipline and surveillance, presenting Michel Foucault as the theoretical framework. It aims to verify, initially, the presented hypothesis analyzing the historical contribution of Foucault regarding the discipline and the development of the prisons establishments. Next, it is sought to revisit the concepts discussed in the light of contemporary authors in the face of the evolution of surveillance instruments and their repercussions. In the end, it will be possible to infer that over time, and with the emergence of new technological mechanisms of surveillance, a deep dialogue will be necessary with the concepts of surveillance and discipline discussed here, with the intention that the new instruments will aid in the transformation of individuals in prison and in the improvement of prison systems.
Keywords: Discipline. Social Control. Prisons. Technology.
Sumário: Introdução. 1. Disciplina: gênese e desenvolvimento. 2. O papel da prisão no contexto da justiça criminal. 3. A revisitação contemporânea da disciplina no contexto da prisão: as novas tecnologias aplicadas à disciplina e à vigilância. Discussão e Conclusão. Referências.
Introdução
O presente estudo adotou como ponto inicial, a análise do conceito de disciplina numa perspectiva geral, bem como sua gênese, desenvolvimento e os desdobramentos teóricos iniciais. Após esta abordagem, o objeto de investigação voltou-se ao papel da prisão no contexto da justiça criminal, perscrutando a disciplina como controle social para manutenção da ordem e vigilância e para maximização da utilidade do indivíduo.
Em seguida, o estudo adquire um enfoque contemporâneo, pela evocação de autores pós-Foucault, para revisitar os conceitos e panoramas abordados anteriormente, sobretudo, da disciplina e da vigilância no contexto dos estabelecimentos penitenciários, em face das novas tecnologias.
Para atingir este objetivo, metodologicamente, este trabalho faz um levantamento teórico e da empiria, por meio da análise bibliográfica.
Ante o exposto, estas reflexões acerca das novas tecnologias e suas repercussões na disciplina e na vigilância prisionais, permitirão perceber as peculiaridades teóricas contemporâneas e mais frequentes operacionalizações, para proporcionar a continuação do desenvolvimento firme da teoria, a fim de trazer uma releitura de conceitos fulcrais no estudo do controle social.
1. Disciplina: gênese e desenvolvimento
Ao assinalar o conceito de disciplina, Foucault (1987) propugna que:
“A disciplina ‘fabrica’ indivíduos; ela é a técnica específica de um poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu exercício. Não é um poder triunfante que, a partir de seu próprio excesso, pode-se fiar em seu super poderio; é um poder modesto, desconfiado, que funciona a modo de uma economia calculada, mas permanente. […]. A disciplina aumenta as forças do corpo (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência)” (FOUCAULT, 1987, p. 165-166).
No período histórico clássico, surgiu o conceito de corpo como um “objeto e alvo de poder” (FOUCAULT, 1987, p. 163), em outras palavras, se mostra o homem como um ser dotado de corpo, o qual pode ser submetido, utilizado, transformado, aperfeiçoado, isto é, docilizado. A mecanicidade do corpo compreende os movimentos, gestos, atitudes, de maneira que controlando estes fatores é possível conduzir à manipulação do corpo. A esses métodos de controle, em que a docilidade e utilidade se impregnam ao corpo, pode-se denominar disciplina, que não somente se encarrega de fazer dos corpos mais obedientes, mas também mais úteis. Esta política (a disciplina e o exercício de poder) se encontra em instituições sociais como os colégios, os quartéis, os hospitais e na prisão (FOUCAULT, 1987).
Dentre os métodos efetivos para orientar, endereçar e dirigir as mentes encontra-se a utilização da inspeção hierárquica que funciona como regulador de conduta, a tal ponto de se converter em funções específicas que devem assegurar o Estado. Isto posiciona a hierarquia como um dos elementos mais importantes da disciplina (FOUCAULT, 1987). A hierarquização é observável em praticamente todas as áreas da sociedade, do governo, das instituições militares e acadêmicas.
Outro elemento destacável, dentro do contexto da disciplina é o castigo. Consoante Foucault (1987), o castigo é uma sanção ou pena imposta a uma comunidade ou indivíduo que causa desconfortos ou sofrimentos, motivo pelo qual se executa uma ação, que pode ser física ou verbal, direta ou indireta, contra aquele que cometera uma falta ou delito, a fim de modificar a conduta de um sujeito mediante a imposição de uma pena (disciplina).
Com enfoque específico abordado pelo trabalho, na perspectiva de Foucault (1987), a disciplina no âmbito penitenciário tem se desenvolvido desde o nascimento das penas, não apenas com a gênese da pena de prisão, pois, já quando a tortura e os castigos físicos eram as sanções mais comuns, poder-se-iam considerar medidas disciplinares. Isso se justifica, porque os castigos corporais tratavam de mudar as atitudes do indivíduo e do restante da população, pretendendo-se o uso deste tipo de sanções como meio dissuasório para o restante dos cidadãos.
Como se verificará doravante em profundidade, com a consolidação da pena de prisão como pena por excelência no século XVIII, a disciplina conquistou um papel fundamental no tratamento penitenciário, pois dentro do marco da prisão os reclusos estão submetidos a um regime disciplinar imposto pela legislação estabelecida no âmbito penitenciário e pela instituição em que eles estão internados (FOUCAULT, 1987).
Neste sentido é relevante assinalar a importância da vigilância no contexto da prisão, e fazer referência à obra “O Panóptico”, de Bentham (apud FOUCAULT, 1987), na qual a disciplina se fundamentava principalmente na sensação do recluso de estar sendo observado constantemente, de modo que se tratava de modificar sua conduta. Desta forma, com o advento do panóptico, aparece uma “sociedade disciplinar”, posta permanentemente em vigilância, dada a extensão das instituições disciplinares, uma vez que, enquanto antes as disciplinas tinham papel notadamente orientado à neutralização do perigo, com a entrada deste sistema, a disciplina está orientada em aumentar a utilidade dos indivíduos, e tende a implantar-se em toda a trama social (FOUCAULT, 1987). Nesse sentido, sintetiza o autor:
“A ‘disciplina’ não pode se identificar com uma instituição nem com um aparelho; ela é um tipo de poder, uma modalidade para exercê-lo, que comporta todo um conjunto de instrumentos, de técnicas, de procedimentos, de níveis de aplicação, de alvos; ela é uma ‘física’ ou uma ‘anatomia’ do poder, uma tecnologia” (FOUCAULT, 1987, p. 238).
2. O papel da prisão no contexto da justiça criminal
A organização disciplinar das instituições foi vista por Foucault como uma resposta padrão aos elementos sociais e posteriormente delimitada e denominada por ele como uma nova forma de poder. Assim, a busca de transformação do corpo através do poder disciplinar, como um adestramento e conhecimento do indivíduo, convergiu na formação o conceito de prisão, que surgiu independente da função jurisdicional, sendo a esta vinculada somente no final do século XVIII e início do século XIX.
Impulsionada pelo surgimento do Iluminismo e pela proposta de humanização das penas dos reformadores, a prisão foi consagrada forma de punição por excelência àqueles com comportamentos impertinentes a legislação.
Com a visualização dos ideais de igualdade e liberdade na aplicação da pena, uma vez que os condenados seriam alcançados de maneira igualitária na restrição de seu bem fundamental e comum, corroborado ainda com a facilidade de relacionar valores com o tempo inerente às sociedades industriais como na forma-salário, denotando uma compensação do delito de forma proporcional, assevera Foucault (1987):
“Retirando tempo do condenado, a prisão parece traduzir concretamente a idéia de que a infração lesou, mais além da vítima, a sociedade inteira. Obviedade econômico-moral de uma penalidade que contabiliza os castigos em dias, em meses, em anos e estabelece equivalências quantitativas delitos-duração” (FOUCAULT, 1987, p. 261).
Ainda, a prisão tem como diretriz ser uma ferramenta ortopédica, em que objetiva regeneração e reinserção dos infratores à ordem social estabelecida pelo contrato, que delimitou os direitos (FOUCAULT, 1987). Em outra notável obra, o autor aponta que a prisão busca, em sua origem, a transformação do indivíduo e deveria ser instrumento disciplinar “tão aperfeiçoado como a escola, a caserna ou o hospital, e agir com precisão sobre os indivíduos” (FOUCAULT, 1979, p. 75).
Para que exerça seu papel disciplinar exaustivo, como assim leciona Foucault (1987), faz-se necessário a coexistência do isolamento e trabalho do condenado e a autonomia do sistema prisional. Assim, o isolamento, deve acontecer tanto em face da sociedade, como dentro do sistema prisional, favorecendo a hierarquia e vigilância, e possibilitando que a solidão influa na requalificação do individuo através da conscientização dos delitos cometidos.
Da mesma forma, o trabalho é agente de transformação carcerária, como componente da pena no qual a ênfase não está na produção, mas no trabalhador, impedindo-os da ociosidade (FOUCAULT, 1987), de modo que “em sua concepção primitiva o trabalho penal não é o aprendizado deste ou daquele ofício, mas o aprendizado da própria virtude do trabalho” (FOUCAULT, 1979).
Por último, aponta que a modulação da pena deve ser analisada concretamente de forma autônoma pela administração prisional, possibilitando a progressão e regressão de pena determinada na sentença conforme o comportamento do condenado, importando em um tratamento digno e com maior fidelidade às necessidades do recluso e menor onerosidade para o Estado do que aquela prefixada no julgamento criminal, o que dará origem, posteriormente, ao juiz da execução penal.
Adiciona-se a esses princípios fundamentais, em busca de maior efetividade do estabelecimento prisional, os ideais de separação dos infratores – por delito, idade e fases de transformação –, a educação carcerária – medida necessária de prevenção à delinquência e direito do indivíduo –, o controle dos detentos feito por técnicos – com o apoio de profissionais dos serviços sociais, psicológicos e médicos –, e a criação de instituições de apoio – na decorrência e/ou após o cumprimento da pena para colaborar na reclassificação do indivíduo.
Porém, a utilização dessas técnicas carcerárias não se limitou ao edifício da prisão, difundindo-se pelo corpo social, associando o punitivo e o desviante, fomentando a formação do individuo delinquente e aumentando a legitimidade do exercício da penalidade.
Tendo em vista a disciplina, enquanto mecanismo de controle social e o desenvolvimento do papel da prisão, no contexto da justiça criminal, faz-se necessário revisitar a disciplina e sua evolução, nas das prisões nas sociedades contemporâneas, notadamente para a verificação das novas tecnologias aplicadas à vigilância.
3. A revisitação contemporânea da disciplina no contexto da prisão: as novas tecnologias aplicadas à disciplina e vigilância
Foucault (1987) destaca que a prisão possui um duplo-fundamento e, deste modo seria possível compreendê-la por um aspecto jurídico-econômico (traduzido na expressão “pagar sua dívida”) e também técnico-disciplinar que, por sua vez, corresponde ao fato de que a prisão também deve possuir um papel, suposto ou exigido, de aparelho para transformar os indivíduos.
É sob este segundo aspecto que as novas tecnologias prisionais referentes a disciplina e vigilância incidem, já que não existem em decorrência da naturalidade em que a tecnologia invade todos os territórios, mas sim diante da necessidade de aproveitar dos novos instrumentos para o fortalecimento de seu papel técnico-disciplinar.
Um dos exemplos da aplicação da tecnologia de ponta à vigilância e à disciplina no contexto da punição prisional, nos Estados Unidos, com mais de 2 (dois) milhões de reclusos antes do século XX (GILLIARD, 1999, apud SIMON, 2000), são as prisões Supermax, modernas expressões dos “panópticos” (SIMON, 2000), verdadeiras “máquinas” (RHODES, 2007) construídas para fornecer unidade de alojamento restritiva de alta custódia, a fim de preservar a segurança do recluso e dos oficiais, direcionada àqueles delituosos graves, violentos ou agressivos, com ameaça atual de fuga ou por incitação a perturbações (PETTIGREW, 2002; RIVELAND, 1999).
Estas instalações permitem a separação arquitetônica e tecnológica total dos reclusos com o mundo social ou exterior, sendo, portanto, um “complexo socio tecnológico de sistemas” (MARX, 1997, apud RHODES, 2007), pois dotadas vasta quantidade de equipamentos, trabalhadores, operações complexas de tecnologia de áudio e vídeo que permite o monitoramento individual permanente, visitas e telefonemas, todos com duração limitada e com monitoramento cerrado, bem como pequena clarabóia selada. Cita-se a existência de rádios, comunicadores e monitores seguros para transmissão de programas educacionais, religiosos e acesso a informações legais, na tentativa de humanização do ambiente marcadamente estéril (RIVELAND, 1999, p. 14). Até mesmo a alimentação é feita nas celas, utilizando alimentos insípidos, que não requerem utensílios. Este aparato disciplinar, no entanto, tem sido criticado pelo nível prejudicial de isolamento e crueldade (PETTIGREW, 2002). A fim de propiciar maior controle, toda a rotina é documentada por gravação em vídeo (RIVELAND, 1999).
Ao criticar o modelo do Supermax, Simon (2000) assevera serem estabelecimentos nos quais as pessoas são apenas contidas, de maneira que a reabilitação e o tratamento perderam valor. Ademais, Jewkes e Johnston (2009) afirmam que o controle e a redução da comunicação interpessoal têm estimulado o confinamento solitário dos reclusos, que permanecem isolados do relacionamento exterior, tornando-os “homens das cavernas” em uma era de tecnologia avançada, em que se permitiria o acesso supervisionado ao conteúdo digital, cartas, televisão e educação. A aprendizagem e-learning, portanto, nas sociedades contemporâneas, permitem a revisitação da disciplina e do controle, pela normalização das ações dos indivíduos e condução à obediência pela formação via plataforma digital (JEWKES E JOHNSTON, 2009).
Em vista da necessidade da ciência penal acompanhar o avanço da tecnociência em matéria de disciplina, patrocina-se a adoção de novos métodos de vigilância, devido à sobrelotação e ao fracasso da prisão, como a prisão virtual, em que se institui o monitoramento eletrônico via GPS ou microchip, encarcerando-se o condenado em sua própria residência, a fim de reduzir o estigma e as despesas do Estado (TOURINHO FILHO, 2009). Trata-se de visão oposta à rigidez do Supermax, mas que demonstra a tendência em se repensar o controle e vigilância sobre os corpos e ações.
Hart (2003) e Bulman (2009) descrevem novas iniciativas do Instituto Nacional de Justiça (INJ), subordinado ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que buscam utilizar a ciência e a tecnologia para melhoria da gestão, vigilância, segurança e eficácia do sistema de justiça criminal, bem como redução dos custos operacionais, nomeadamente das prisões. Perseguiu-se a redução do número de armas nas prisões, instrumentalizada por parcerias com laboratórios para identificar os padrões dos ataques, por cruzamento de informações, acerca do tipo de armas utilizadas, natureza, freqüência e composição de material, para traçar estratégias. Além disso, permitiu a implantação da telemedicina, para proporcionar o cuidado do paciente por meio de circuito fechado de televisão e assegurar a incolumidade do médico (HART, 2003).
Cita-se, ainda, a instalação de dispositivos emissores de ondas de rádio para acompanhamento de movimentação de reclusos e guardas na prisão e para interceptação de drogas, armas, celulares e outros materiais; do sistema de tomografia de campo elétrico, para identificar contrabando nas cavidades corporais; e de sistema computadorizado, na Flórida, para cruzamento de pontos problemáticos nas prisões, para melhor alocação de recursos humanos, prevenindo-se violência e outras ações. O maior êxito da modernização com estes sistemas foi o efeito dissuasor (BULMAN, 2009).
Vale ressaltar que o INJ implementou tecnologias de acesso biométrico nas prisões para rastreamento dos reclusos, enquanto permitem o enfoque total do oficial na vigilância. Outrossim, verifica-se o uso de sistemas automatizados de monitoramento telefônico e reconhecimento de voz como instrumentos para prevenção de atividades ilegais. Por fim, financiou-se a instalação de ferramentas de mapeamento e monitoramento de incidentes disciplinares, padrões de visitação, informações médicas, gerenciamento de gangues, ameaças de fuga e vulnerabilidades de segurança. Assim, estes resultados proporcionados por tecnologias recentes auxiliam a uma vigilância mais rigorosa e a respostas mais eficazes aos padrões de violência (HART, 2003).
Além disso, Bruno (2012) assevera que as tecnologias de videovigilância evoluíram, nas sociedades contemporâneas, pois inteligentes, isto é, capazes de realizar o monitoramento automatizado de comportamentos, por meio de smartcameras operadas por softwares. Estes são dotados de algoritmos de sinais corpóreos, como “temperatura da pele, fluxo sanguíneo, respiração, batimentos cardíacos e ritmos respiratórios, enquanto indícios de ação hostil por vir” (BRUNO, 2012, p. 58), que analisam e diferenciam os padrões de conduta regulares, se considerados seguros ou irregulares, caso suspeitos ou perigosos, rastreiam corpos e percebem o espaço.
Insta salientar que estas tecnologias disciplinares desnudam outros aspectos além dos pormenores do cotidiano, como “gestos, exercícios, regulamentos, horários” (BRUNO, 2012, p. 52), ou das referências ao panóptico da ótica da vigilância disciplinar, pois traçam padrões retirados das superfícies dos corpos, não da individualidade. Diferentemente da noção panóptica, inclusive da prisão, quanto ao intuito de normalização dos desviantes, esta vigilância por câmeras se propõe a “flagrar uma fratura na ordem corrente”, isto é, identificar as ameaças à normalidade (BRUNO, 2012).
Patente, portanto, que, por estas tecnologias, a vigilância tem enfoque na ação, no comportamento, e não propriamente no agente. Neste diapasão, Lyon (2010, apud BRUNO, 2012), antes os mecanismos disciplinares se propunham a delimitar a atuação dos corpos num sistema predefinido, observando-os, normalizando-os e docilizando-os, enquanto o que se verifica é o interesse atual pelos fluxos e movimentos corpóreos, num novo esforço taxonômico de indícios e padrões corporais, para planejamento das ações de vigilância e manutenção da disciplina (BRUNO, 2012).
A tônica das smartcameras é a proatividade da vigilância, pois combina a observação em tempo real e os padrões de ações irregulares, indicialmente ameaçadores e suspeitos que necessitam de serem controladas, para projeção de eventos futuros, de modo a superar a ineficácia inicial do monitoramento realizado por operadores humanos, limitados em sua percepção e atenção (BRUNO, 2012). Nas prisões, as câmeras inteligentes não apenas mostram corpos e gestos em detalhes, mas podem indicar e identificar os reclusos por movimentos (GAROCKI, 2000, apud BRUNO, 2012).
A esta nova realidade denomina-se “sistema sociotécnico” (LATOUR, 2006, apud BRUNO, 2012), pois representativo do avanço tecnológico das dinâmicas de vigilância e de controle técnico-social sobre os corpos e comportamentos dos indivíduos em espaços, como a prisão. Estas novas tecnologias, portanto, legitimam a intervenção sobre o futuro (proatividade), de maneira a antecipar ações dos indivíduos detidos pela automatização das percepções.
Discussão e Conclusão
Pretendeu-se com este estudo estabelecer um elo entre as novas tecnologias adotadas na atual conjuntura do sistema prisional como um todo e a noção ampla dos termos disciplina e vigilância trabalhados na clássica obra “Vigiar e Punir – O Nascimento da Prisão”, de Michel Foucault.
Em continuidade, similarmente foi situado como um objetivo o fortalecimento do pensamento Foucaultiano para que este seja percebido como instrumento basilar para a manutenção da ordem, vigilância e disciplina dos estabelecimentos prisionais e que deve ser levado em consideração no panorama contemporâneo em que a justiça criminal se encontra diante das novas tecnologias.
Para atingir esta finalidade, foi necessária a realização de uma análise centrada na obra de Foucault, de forma que foi posto como ponto de partida o conceito por ele adotado para a disciplina e, ao término, como elemento final da pesquisa, foram abordados os principais instrumentos de tecnologia e automação empregados pelos sistema penitenciário e o sistema sócio-técnico, todavia, no decorrer da investigação foram revisitados instrumentos como, por exemplo, a vigilância a partir da reconhecida obra arquitetônica de Bentham, o panóptico, bem como suas similitudes com os estabelecimentos prisionais norte-americanos denominados Supermax.
Neste cenário, foram apontados inúmeros mecanismos tecnológicos presentes no Supermax, além de críticas a este modelo prisional e com a exemplificação de medidas que caminham no sentido oposto, como a intitulada prisão virtual, que claramente demonstra a necessidade de um novo olhar sob o controle social prisional e sob a vigilância e que, em termos financeiros, tende a onerar menos o Estado.
Concluiu-se, portanto, que as novas tecnologias que vêm surgindo ao longo do tempo possuem estreita relação com o que Foucault apresentou no final do século passado e podem ser importantes aliados do sistema prisional para a “docilização dos corpos” na medida em que contribuem tanto dentro do edifício prisional em si quanto na vigilância daqueles que se encontram fora do cárcere, porém com limitação da sua liberdade, tais como nas hipóteses de monitoramento eletrônico.
Neste sentido, considerando o que foi brevemente sintetizando acima, pode-se concluir que os objetivos deste estudo foram cumpridos, bem como destaca a importância do surgimento de novos estudos sob este viés na medida em que a tecnologia avança nos novos rumos da história, com intuito de que a disciplina e a vigilância continuem sendo reconhecidas como essências na transformação dos indivíduos em cárcere e contribuam para o aperfeiçoamento do sistema prisional, na medida em que, na visão Foucaultiana, “a prisão é a detestável solução, de que não se pode abrir mão” (FOUCAULT, 1987, p. 261)
Informações Sobre os Autores
Felipe Pereira Maroubo
Mestrando em Direito Público pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU) com intercâmbio na Universidade do Porto, Portugal. Advogado
Isabela Sespede Dias
Acadêmica de Direito na Universidade Estadual do Maringá UEM com intercâmbio na Universidade do Porto Portugal
José Eduardo Bezerra Pinheiro Espósito
Graduado em Direito na Universidade Federal do Mato Grosso UFMT com intercâmbio na Universidade do Porto Portugal
Rubén Garzarán Ariño
Graduado em Criminologia pela Universitat de Valencia Espanha com intercâmbio na Universidade do Porto Portugal