A extradição no ordenamento jurídico brasileiro: análise da extradição 1.462/STF e o deferimento condicionado ao cumprimento de compromissos prestados pelo estado requerente

Resumo: O presente trabalho objetiva realizar um breve estudo sobre a recente decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Extradição 1.462, que deferiu pela primeira vez a extradição de brasileiro que adquiriu voluntariamente nacionalidade estrangeira secundária, diante de sua repercussão e importância para o meio jurídico doméstico e internacional. Para tanto, foi realizado breve escorço sobre os contornos do instituto da extradição no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente das vedações constitucionais e dos requisitos previstos na recente Lei 13.445, de 24 de maio de 2017, bem como da fonte normativa a ser observada diante da existência de Tratado de Extradição entre os entes envolvidos. Após, foi analisada a possibilidade de extradição de brasileiro nato para julgamento perante outro Estado, com o objetivo de entender os parâmetros legais utilizados para o deferimento do pleito extraditório no caso concreto, bem como para verificação da possibilidade de deferimento condicionado ao cumprimento de compromissos prestados pelo Estado requerente. Para a referida análise, utilizou-se como base teórica os votos proferidos pelos Ministros do Supremo Tribunal Federal em julgamento pretéritos sobre a matéria, bem como, especificamente, o autor Tácio Muzzi no tocante aos mecanismos de cooperação jurídica internacional na nova Lei de Migração.

Palavras-chave: Extradição 1.462. Brasileira nata. Compromissos diplomáticos.

Abstract: The present work aims to carry out a brief study on the recent decision of the First Panel of the Federal Supreme Court in the Judgment of Extradition 1,462, which first granted the extradition of a Brazilian who voluntarily acquired secondary foreign nationality, given its repercussion and importance to the environment domestic and international law. In order to do so, a brief briefing was made on the contours of the extradition institute in the Brazilian legal system, especially the constitutional fences and the requirements established in the recent Law 13,445 of May 24, 2017, as well as the normative source to be observed in view of the existence of Treaty of Extradition between the entities involved. Afterwards, it was analyzed the possibility of extradition of Brazilian born for trial before another State, with the purpose of understanding the legal parameters used to grant extraditory litigation in the specific case, as well as to verify the possibility of deferment conditioned to the fulfillment of commitments rendered by the requesting State. For this analysis, the votes cast by the Ministers of the Federal Supreme Court in past judgments on the subject, as well as, specifically, the author Tácio Muzzi regarding the mechanisms of international legal cooperation in the new Migration Law were used as theoretical basis.

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Keywords: Extradition 1.462. Native brazilian. Diplomatic commitments.

Resumen: El presente trabajo tiene como objetivo realizar un breve estudio sobre la reciente decisión de la Primera Cámara del Supremo Tribunal Federal en el juicio de la Extradición 1.462, que deferido por primera vez la extradición de brasileño que adquirió voluntariamente nacionalidad extranjera secundaria, ante su repercusión e importancia para el medio jurídico nacional e internacional. Para ello, se realizó breve escorzo sobre los contornos del instituto de la extradición en el ordenamiento jurídico brasileño, principalmente de las vallas constitucionales y de los requisitos previstos en la reciente Ley 13.445, de 24 de mayo de 2017, así como de la fuente normativa a ser observada ante la existencia de Tratado de Extradición entre los entes involucrados. Después, se analizó la posibilidad de extradición de brasileño nato para juicio ante otro Estado, con el objetivo de entender los parámetros legales utilizados para la aceptación de los pleitos extraditorios en el caso concreto, así como para verificación de la posibilidad de deferimiento condicionado al cumplimiento de compromisos prestados por el Estado requirente. Para el referido análisis, se utilizó como base teórica los votos pronunciados por los Ministros del Supremo Tribunal Federal en juicio pretéritos sobre la materia, así como, específicamente, el autor Tacio Muzzi en lo relativo a los mecanismos de cooperación jurídica internacional en la nueva Ley de Migración.

Palabras clave: Extradición 1.462. Brasileña nativa. Compromisos diplomáticos.

Sumário: Introdução. 1. Breve análise do instituto da extradição e da perda da nacionalidade no ordenamento jurídico pátrio.1.1. Da figura jurídica da extradição. 1.2. A extradição da constituição federal de 1988. 1.3. Requisitos da extradição: análise da lei de migração. 1.4. Das hipóteses de perda da nacionalidade brasileira. 2. Análise de caso concreto: extradição 1.462, deferida pela 1a Turma do STF, em desfavor de Cláudia Cristina Sobral. 2.1. Do caso narrado na nota verbal 436/2016. 2.2. Antecedentes à extradição 1.462/STF: mandado de segurança 33.864/STF. 2.3. Dos requisitos analisados para a extradição 1.462. 2.4. Extradição 1.462/STF: possibilidade de extradição de brasileiro nato? 3. Do deferimento condicionado ao cumprimento de compromissos prestados pelo estado requerente. Considerações finais.

INTRODUÇÃO

A extradição é uma figura jurídica de direito internacional muito utilizada para evitar a impunidade do infrator que comete crime em território de um Estado, mas busca evitar as consequências penais se evadindo para outro.

Apesar de nem sempre muito divulgada pelos meios de informação, apenas do ano de 2017 o Brasil realizou 111 (cento e onze) requerimentos de extradição, um crescimento de cerca de 29% (vinte e nove por cento) em comparação com o ano anterior, de acordo com o sítio eletrônico de notícias UOL (2018).

Em recente decisão no julgamento da Extradição n. 1.462, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal entendeu por deferir pela primeira vez na história, a extradição de pessoa nascida no Brasil, mas que adquiriu nacionalidade estrangeira secundária.

O pedido de extradição foi realizado pelos Estados Unidos da América em desfavor de Cláudia Cristina Sobral, nascida no Rio de Janeiro, mas naturalizada norte-americana no ano de 1999.

Na decisão relatada pelo Ministro Roberto Barroso, ficou decidido que Cláudia Cristina seria entregue para julgamento perante o Estado requerente, desde que este assuma o compromisso de: i) não aplicar pena vedada pelo ordenamento jurídico brasileiro, qual seja, pena de morte ou de prisão perpétua; ii) observar o prazo máximo de 30 (trinta) anos para cumprimento de pena; e, iii) realizar a detração do tempo de pena cumprido no Brasil para fins de extradição (BRASIL, 2017b)

Diante da novidade da decisão, e de sua repercussão e importância para o meio jurídico doméstico e internacional, cabe realizar um estudo de caso sobre a Extradição 1.462 e dos fundamentos utilizados pelo Relator em seu voto.

Para tanto, no primeiro tópico será realizada uma breve análise da figura jurídica da extradição no ordenamento jurídico nacional, com enfoque em sua previsão constitucional, bem como sobre a possibilidade de perda da nacionalidade brasileira.

No segundo tópico, será realizado um estudo do caso concreto da Extradição 1.462/STF, analisando-se os seus antecedentes no Mandado de Segurança 33.864/STF, os parâmetros analisados no caso concreto e a possibilidade de extradição de brasileiro nato.

Por derradeiro, no terceiro tópico, será verificada a possibilidade de deferimento do pleito extraditório condicionado ao cumprimento de compromissos prestados pelo Estado requerente.

1 BREVE ANÁLISE DO INSTITUTO DA EXTRADIÇÃO E DA PERDA DA NACIONALIDADE N ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRICO

1.1 DA FIGURA JURÍDICA DA EXTRADIÇÃO

A extradição é um ato complexo[1], considerada pelo ordenamento jurídico brasileiro como uma medida de cooperação internacional entre o Estado brasileiro e outro Estado, pela qual se concede ou solicita a entrega de pessoa sobre quem recaia condenação criminal definitiva ou para fins de instrução de processo penal em curso (art. 81, da Lei 13.445/2017), cujo julgamento compete, originariamente, ao Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, "g", da CF/88).

Da leitura do referido dispositivo legal, observa-se que a posição do Estado brasileiro na cooperação jurídica internacional é variável, podendo figurar, ora como Estado solicitante, ora como Estado concedente. No primeiro caso, tem-se a chamada "extradição ativa", em que o Brasil solicita a outro Estado a entrega de um indivíduo. Tal hipótese não foi tratada na Constituição Federal, tampouco no antigo Estatuto do Estrangeiro, vindo a ser contemplada nos artigos 81 e 88, da recente Lei 13.445/2017. Na segunda situação, tem-se a "extradição passiva", amplamente regulada em nosso ordenamento jurídico, sobre a qual tratará o presente estudo.

Não somente, também se infere do mesmo dispositivo legal que o pedido de extradição pode recair sobre duas situações fáticas diversas: i) a entrega de pessoa contra quem recaia condenação criminal definitiva; ii) ou para fins de instrução penal em curso. À primeira, dá-se o nome de "extradição executória", atualmente prevista no 83, II, parte final, da Lei 13.445/2017 (próxima a antiga previsão do artigo 78, II, da revogada Lei 6.815/80), enquanto à segunda, confere-se o nomen juris de "extradição instrutória" a qual pode ser solicitada, inclusive, na fase investigatória (art. 83, II, primeira parte, da Lei 13.445/2017).

Importante ressaltar que a extradição somente será deferida pelo Estado brasileiro diante da existência de tratado bilateral com o país requerente, ou, em caso de sua ausência, diante a promessa de reciprocidade recebida por via diplomática desde o pedido da prisão cautelar (art. 84, § 2o , 13.445/2017).

Assim, diante do princípio da especialidade (Muzzi, 2017e), o processamento do pedido de extradição poderá se dar de duas formas: de acordo com as normas previstas no Tratado bilateral assinado por ambos os Estados – pelo Brasil e pelo país solicitante – servido a legislação doméstica como fonte normativa subsidiária; ou, diante da ausência de tratado específico, pela Lei de Migração (Lei 13.445/2017).

Neste ponto, cabe relembrar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2015) é no sentido de que "o tratado bilateral de extradição qualifica-se como verdadeira “lex specialis” em face da legislação doméstica brasileira, o que lhe atribui precedência jurídica sobre o Estatuto do Estrangeiro (Lei nº 6.815/80)", de forma que o disposto nos tratados prevalecerá sobre a legislação interna.

Tem-se, portanto, que no caso dos países com os quais o Brasil mantém Tratado de Extradição (BRASIL, 2017d) – Angola, Argentina, Austrália, Bélgica, Bolívia, Chile, China, Colômbia, Coréia do Sul, Equador, Espanha, EUA, França, Itália, Lituânia, Países do Mercosul, México, Paraguai, Peru, Portugal, Reino Unido, Irlanda do Norte, República Dominicana, Romênia, Rússia, Suíça, Suriname, Ucrânia, Uruguai e Venezuela – haverá a aplicação das normas ali previstas, utilizando-se da legislação infraconstitucional apenas de forma subsidiária.

Por sua vez, na cooperação jurídica com os Estados não constantes na referida lista, será exigida a reciprocidade, seguindo-se as regras positivadas na Lei de Migração.

1.2 EXTRADIÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal de 1988 não disciplina a matéria relativa à "extradição passiva", deixando-a a cargo da legislação infraconstitucional. Por outro lado, inicia o tratamento da "extradição passiva" trazendo vedações relativas à nacionalidade do indivíduo sobre o qual recai pedido de extradição.

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No artigo 5o, LI, dispõe sobre a impossibilidade de extradição do brasileiro, salvo o naturalizado em alguns casos ali expostos. Ora, tem-se então a vedação absoluta de extradição do brasileiro nato, já que as exceções são trazidas apenas para o naturalizado.

Assim, será possível a extradição de brasileiro naturalizado nos casos de crime comum, praticado antes da naturalização, à justificativa de que não se pode buscar na naturalização uma espécie de escudo ilegítimo, objetivando-se fugir à aplicação da lei penal do Estado requerente.

 A segunda hipótese, se refere ao comprovado envolvimento do brasileiro naturalizado no tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, consoante previsão do tipo penal positivado na lei infraconstitucional (Lei 11.343/06).

Neste ponto, ressalta-se que pouco importa o momento de cometimento do crime, se antes ou depois de efetivada a naturalização do indivíduo, levando-se em consideração que as exceções previstas no artigo 5o, LI, da CF/88 não são cumulativas. Ou seja, "o tráfico sempre é móvel para concluir-se pela possibilidade de entrega de um brasileiro naturalizado a um governo requerente da extradição" (voto Min. Marco Aurélio, 2017b, p. 43).

.E mais, destaca-se que, inobstante a cláusula de proteção prevista no art. 5o, LII, da CF/88 vede a extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião (a quem a regra geral seria pela extraditabilidade), o Supremo Tribunal Federal já assentou o entendimento de que a "exceção de delinqüência política" não pode ser estendida ao crime de terrorismo, dado a sua gravidade e repulsa pelo ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido:

"[…] A cláusula de proteção constante do art. 5º, LII da Constituição da República – que veda a extradição de estrangeiros por crime político ou de opinião – não se estende, por tal razão, ao autor de atos delituosos de natureza terrorista, considerado o frontal repúdio que a ordem constitucional brasileira dispensa ao terrorismo e ao terrorista. A extradição – enquanto meio legítimo de cooperação internacional na repressão às práticas de criminalidade comum – representa instrumento de significativa importância no combate eficaz ao terrorismo, que constitui "uma grave ameaça para os valores democráticos e para a paz e a segurança internacionais (…)" (Convenção Interamericana Contra o Terrorismo, Art. 11), justificando-se, por isso mesmo, para efeitos extradicionais, a sua descaracterização como delito de natureza política. Doutrina […] (Ext 855, Relator(a): Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 26/08/2004, DJ 01-07-2005 PP-00005 EMENT VOL-02198-1 PP-00029 RB v. 17, n. 501, 2005, p. 21-22) (BRASIL, 2005a)

1.3 REQUISITOS DA EXTRADIÇÃO: ANÁLISE DA LEI 13.445/2017

O artigo 82, da recente Lei de Migração (BRASIL, 2017a) traz em seus incisos alguns requisitos que devem ser observados para que se verifique a possibilidade de extradição do indivíduo solicitado pelo Estado requerente.

Em primeiro lugar, deve-se verificar se a pessoa sobre quem recai pedido extraditório é brasileiro nato (artigo 82, inciso II, da Lei 13.445/2017), cuja extradição é absolutamente vedada pela Constituição Federal (art. 5o, LI, CF/88). O conceito de brasileiro nato está previsto no artigo 12, I, da CF/88, o qual dispõe também sobre as hipóteses de perda da nacionalidade do brasileiro (§4o).

O segundo requisito norteador do pedido de extradição,é a verificação da "dupla tipicidade", tendo em vista que o fato imputado ao indivíduo deve estar previsto como crime tanto na lei brasileira, quanto na lei do Estado requerente, consoante comando normativo do artigo 82, II, da Lei 13.445/2017.

Não se exige a coincidência na designação formal do delito em questão, mas apenas que o tipo penal seja igualmente punido por ambos os países (BRASIL, 1996), considerando que o "importante é a presença dos elementos estruturantes do tipo penal […] da legislação brasileira e vigentes no ordenamento positivo do Estado requerente, independentemente da designação formal por eles atribuída aos fatos delituosos" (BRASIL, 2005c).

Em seguida, deve-se verificar se o Brasil possui jurisdição para julgar o crime imputado ao extraditando (artigo 82, inciso III, da Lei 13.445/2017), ou seja, se ele é competente para processá-lo pelo delito em questão. Tal previsão decorre da possibilidade de extraterritorialidade da lei penal brasileira, como previsto nos casos do artigo 7o, do Código Penal, casos em que a lei brasileira seria aplicada a crimes cometidos no exterior.

Contudo, não basta o mero concurso de jurisdições para que seja vedada a extradição do indivíduo. Deve-se tratar de caso de competência cumulativa em que tenha havido a deflagração da persecução penal no território nacional. Caso contrário – competência concorrente, sem a procedimento penal no Brasil – haverá a possibilidade de extradição, consoante já sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal:

"CONCURSO DE JURISDIÇÃO E INEXISTÊNCIA, NO BRASIL, DE PROCEDIMENTO PENAL-PERSECUTÓRIO CONTRA O EXTRADITANDO: POSSIBILIDADE DE DEFERIMENTO DO PLEITO EXTRADICIONAL. -Mesmo em ocorrendo concurso de jurisdições penais entre o Brasil e o Estado requerente, torna-se lícito deferir a extradição naquelas hipóteses em que o fato delituoso, ainda que pertencendo, cumulativamente, ao domínio das leis brasileiras, não haja originado procedimento penal-persecutório, contra o extraditando, perante órgãos competentes do Estado brasileiro. Precedentes".(Ext 683, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 20/11/1996, DJe-222 DIVULG 20-11-2008 PUBLIC 21-11-2008 EMENT VOL-02342-01 PP-00030) (BRASIL, 2008a)

Ademais, mostra-se vedada a extradição de indivíduo que comete crime cuja pena imposta pela lei brasileira seja inferior a 02 (dois) anos (artigo 82, inciso IV, da Lei 13.445/2017). Tal requisito objetivo "tem como escopo aferir um mínimo grau de gravidade da conduta delituosa, evitando-se que a máquina estatal seja movimentada inutilmente" (MUZZI, 2017e)

Neste ponto, deve-se ressaltar que a pena prevista pelo ordenamento jurídico do Estado requerente é irrelevante para aferição deste requisito, sendo que o critério objetivo deve ter como base a pena máxima cominada em abstrato para o delito, conforme previsto pela lei brasileira (BRASIL, 2016a).

Em seqüência, tem-se a positivação do princípio do non bis in idem, (artigo 82, inciso V, da Lei 13.445/2017). diante do qual mostra-se impossibilitada a extradição do indivíduo que responde ou já tenha sido processado – condenado ou absolvido – no Brasil, pelos mesmos fatos em que se fundam o pedido extradicional. Trata-se, na realidade, da hipótese tratada no parágrafo anterior, pois tem-se a competência concorrente, com a deflagração da persecutio criminis no território brasileiro, impossibilitando a extradição.

Mais adiante, tem-se o requisito da "dupla punibilidade", o qual exige a inocorrência da extinção da punibilidade estatal, seja pela lei brasileira ou estrangeira. O artigo 82, VI, da Lei de Migração repetiu a omissão do revogado Estatuto do Estrangeiro, ao se referir apenas à prescrição como forma de extinção da punibilidade apta a vedar a extradição.

Todavia, fica claro que a omissão legislativa quanto às demais causas extintivas da punibilidade – previstas no artigo 107, do Código Penal Brasileiro – não pode levar ao entendimento de restringir o impedimento apenas à prescrição, o que esvaziaria o objetivo da norma. Nesse sentido, destaca-se que o Supremo Tribunal Federal já entendeu pelo alargamento das hipóteses ensejadoras da extinção da punibilidade, afirmando que "não se concederá a extradição, quando estiver extinta, em decorrência de qualquer causa legal, a punibilidade do extraditando" (BRASIL, 2005c).

Ademais, deve também ser observado a vedação à extradição de quem comete crime político ou de opinião, tendo o artigo 82, VII, da Lei de Migração repetido a previsão do artigo 5o, LII, da CF/88.

O inciso VIII , do art. 82, da Lei 13.445/2017, por sua vez, prevê a impossibilidade de extradição de pessoa que deva responder, no Estado requerente, perante tribunal ou juízo de exceção, devendo o Supremo Tribunal Federal verificar a competência constitucional do Tribunal processante, em vista dos princípios do Estado Democrático de Direito e da vedação constitucional ao juízo ou tribunal de exceção (art. 5o, XXVII, da CF/88).

Por derradeiro, não poderá ser extraditado o indivíduo beneficiário de refúgio ou de asilo territorial, sendo que a solicitação de refúgio suspende o processo de extradição que estiver pendente (art. 34 , da Lei 9474/1997).

Deve-se sempre lembrar que tais requisitos serão aplicados, na existência de Tratado de Extradição, de maneira subsidiária, de forma que a análise deverá sem feita, em primeiro plano, com as disposições do Tratado.

1.4 DAS HIPÓTESES DE PERDA DA NACIONALIDADE BRASILEIRA

A Constituição Federal prevê, em seu artigo 12, duas hipóteses de perda da nacionalidade brasileira: i) o cancelamento judicial da naturalização por atividade nociva ao interesse nacional (art. 12, § 4o , I, da CF/88); e, ii) a aquisição voluntária de outra nacionalidade (art. 12, § 4o , II, da CF/88).

No primeiro caso, o chamado "perda-sanção" não resta dúvidas de que o dispositivo alcança apenas os brasileiro naturalizados, eis que trata expressamente apenas dos casos de cancelamento de naturalização, exigindo-se, ainda o trânsito em julgado da sentença (artigo 75, da Lei de Migração).

Por sua vez, a segunda hipótese, comumente identificada como "perda-voluntária" não é tão clara, mas a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (BRASIL, 2016b) entendeu alcançar, indistintamente, brasileiros natos e naturalizados, ressalvada a compreensão diversa do Ministro Marco Aurélio, para quem o dispositivo não poderia, por uma análise sistemática da Constituição, atingir o brasileiro nato, pois absolutamente vedada sua extradição.

Neste último caso, a Constituição prevê duas exceções, nas quais, se efetivadas, não haveria que se falar na perda da nacionalidade brasileira. A primeira seria o reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estrangeira (art. 12, § 4o , II, "a", da CF/88), cujo exemplo mais comumente utilizado é o reconhecimento da cidadania italiana aos brasileiros (natureza declaratória). A segunda seria o caso do Estado estrangeiro impor a outra nacionalidade como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis (art. 12, § 4o , II, "b", da CF/88).

Ressalta-se que no caso da perda da nacionalidade brasileira em razão da aquisição voluntária de outra nacionalidade secundária (art. 12, § 4o , II, da CF/88), é possível a sua reaquisição, uma vez cessada a causa, nos termos do artigo 76, da Lei 13.445/2017.

2 ANÁLISE DE CASO CONCRETO: EXTRADIÇÃO 1.462 DE CLAUDIA CRISTINA SOBRAL

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2.1 DO CASO NARRADO NA NOTA VERBAL 436/2016

No dia 28 (vinte e oito) de março de 2017, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal deferiu, por maioria de votos, a extradição da brasileira naturalizada americana Cláudia Cristina Sobral, requerida pelos Estados Unidos da América, a qual é acusada de ter, atentado contra a vida de seu marido americano Karl Hoering no dia 12 (doze) de março de 2007 (BRASIL, 2017c).

De acordo com a Nota Verbal 436/2016 – instrumento diplomático através do qual é requerida, dentre outras, a extradição e que possui presumida autenticidade (BRASIL, 2005b, 2008b e 2012) – Cláudia teria comprado um revólver calibre 357, marca Smith and Wesson no dia 10 (dez) de março de 2007 e praticado tiro ao alvo, tendo adquirido munição no mesmo dia – após se informar sobre diferentes tipos existente no "stand" de tiro.

Consta que em 12 (doze) de março de 2007, um de seus vizinhos avistou Cláudia sair de sua residência, sem que a mesma tenha retornado. Após três dias, parentes preocupados com a ausência de Karl Hoering entraram em contato com a polícia, sendo o corpo encontrado no dia 15 (quinze) do mesmo mês.

A perícia realizada no corpo da vítima, revelou que a mesma havia sido atingida por três disparos de arma de fogo, sendo dois nas costas e um na cabeça, havendo elementos que indicam que a arma do crime foi a mesma adquirida por Cláudia poucos dias antes.

Informa-se, por fim, que Cláudia teria transferido a quantia de US$10.000,00 (dez mil dólares) para uma conta em nome de seu pai no Brasil, para onde se evadiu pouco tempo depois.

2.2 ANTECEDENTES À EXTRADIÇÃO 1.462: MANDADO DE SEGURANÇA 33.864

Consoante exposto pelo Ministro Luís Roberto Barroso, relator da Extradição 1.462, , no ano de 2011 foi aberto, de ofício, Procedimento Administrativo perante o Ministério da Justiça que acabou por determinar a perda da nacionalidade brasileira de Cláudia, conforme Portaria Ministerial n. 2.465/13.

Inconformada com a referida decisão, Cláudia impetrou o mandado de Segurança n. 33.864, julgado pelo Supremo Tribunal Federal de 2016, o qual entendeu pela regularidade do procedimento administrativo, tendo denegado a ordem.

Em síntese, o que se entendeu foi que Cláudia já possuía visto de permanência ("green card") desde 1990, tendo, todavia, em 1999 requerido a nacionalidade norte-americana, declarando "renunciar e objurar fidelidade a qualquer Estado ou soberania" (BRASIL, 2017b). Diante desta situação, entenderam os Ministros que ela estaria enquadrada na hipótese de perda da nacionalidade prevista no artigo 12, § 4o , II, da Constituição Federal, tendo em vista que teria adquirido, voluntariamente, outra nacionalidade.

Não somente, entenderam que Cláudia já possuía, com o "green card", os direitos civis que pretendia adquirir com a aquisição da nacionalidade norte-americana, quais sejam, a permanência no solo norte-americano e a possibilidade de trabalho no país, o que demonstraria que seu caso não poderia ser encaixado na exceção do artigo 12, § 4o , II, "b".

2.3 DOS REQUISITOS ANALISADOS PARA A EXTRADIÇÃO 1.462

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, ao decidir pela possibilidade de extradição de Cláudia, deixou assentada algumas premissas e que devem ser analisadas à luz dos já citados requisitos presentes na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional.

Em primeiro lugar, partiram os Ministros do pressuposto de que Cláudia não seria mais brasileira, como analisado e confirmado no julgamento do Mandado de Segurança 33.864, impetrado contra a Portaria Ministerial que decretou a perda da nacionalidade brasileira.

Destacaram os ministros que o caso de Cláudia estaria previsto na hipótese prevista no artigo 12, § 4o , II, da CF/88, não tendo ela logrado êxito em comprovar a incidência de qualquer das exceções previstas nas alíneas do referido dispositivo.

Mais adiante, observou o Supremo Tribunal Federal, que as formalidades previstas no artigo IX, do Tratado de Extradição Brasil-Estados Unidos estavam satisfeitas, frente aos documentos remetidos pelo Estado requerente junto ao pedido de extradição.

Ademais, o postulado da "dupla tipicidade", previsto no artigo I, do referido Tratado de Extradição, foi identificado pelo Ministro Relator por haver clara correspondência entre a conduta imputada à extraditanda pelo Estado requerente – previsto nas "Seções 2903.01 (A) e (F), do Código Revisado de Ohio" (BRASIL, 2017b) – com a previsão tipificada no artigo 121, § 2 o , IV, do Código Penal Brasileiro. Verificou-se, inclusive, o atendimento à lista taxativa de crimes passíveis de extradição entre Brasil e Estados Unidos, conforme artigo II, item I, do Tratado de Extradição.

Da mesma forma, entendeu como preenchido o requisito da "dupla punibilidade", com base no revogado Estatuto do Imigrante, tendo em vista que o crime de homicídio qualificado prescreve em 20 (vinte) anos pela lei brasileira (art. 109, Código Penal Brasileiro), sendo imprescritível para o Código Revisado de Ohio. Todavia, tendo em vista a disposição específica no Tratado de Extradição, deveria a fundamentação ter tido como base o artigo V, item 3, por prever, da mesma maneira, o referido postulado.

Mais adiante, afirmou que o Brasil não seria competente para julgamento do crime – eis que o artigo 7o, II, "b", c/c , § 2 o requer a condição de brasileiro do sujeito ativo que pratica crime em território estrangeiro – uma das exigências previstas no artigo 77, do Estatuto do Estrangeiro (atual art. 82, da Lei de Migração). Contudo, novamente deve-se ressaltar que o Tratado de Extradição Brasil-Estados Unidos possui cláusula específica no mesmo sentido (art. V, item 1), devendo ser utilizado o seu dispositivo como razão de decidir.

Destacou com acerto o Relator que o referido Tratado, em seu artigo III, também exige que o crime sobre o qual é realizado o pleito extraditório comine pena superior a 01 (um) ano de privação de liberdade, o que ocorre para o crime de homicídio qualificado.

Questão interessante surge com a recente modificação trazida pela nova Lei de Migração, que exige que a pena seja superior a 02 (dois) anos. Para os casos futuros, continuará a ser aplicado o critério objetivo previsto no Tratado, pois como já demonstrado anteriormente, prevalecerá o princípio da especialidade.

Outrossim, destaca-se que a vedação à extradição diante da prática de crime político prevista no artigo 5o, LII, da Constituição Federal, também encontra-se positivado no artigo V, item 6, do Tratado de Extradição, não sendo verificado, no presente caso, nenhuma conotação política no delito em questão.

Mais além, afirmou o Relator que não haveria que se falar na vedação de extradição para julgamento perante Tribunal ou Juízo de exceção, proibido tanto pelo artigo 5o, XXXVII, da CF/88, como pelo artigo V, item 4 do Tratado de Extradição, eis que no caso da extradição 1.462, tem-se o processamento por Juízo regularmente constituído.

Diante da verificação do preenchimento de todos os requisitos para a extradição, votou a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal no sentido de deferir a extradição, sob as seguintes condicionantes:

"[…] (i) não executar pena vedada pelo ordenamento brasileiro, pena de morte ou de prisão perpétua (art. 5º, XLVII, a e b, da CF );

(ii) observar o tempo máximo de cumprimento de pena possível no Brasil, 30 (trinta) anos (art. 75, do CP);

e (iii) detrair do cumprimento de pena eventualmente imposta o tempo de prisão para fins de extradição por força deste processo" (Ext 1462, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 28/03/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-142 DIVULG 28-06-2017 PUBLIC 29-06-2017) (BRASIL, 2017b)

2.4 EXTRADIÇÃO 1.462: POSSIBILIDADE DE EXTRADIÇÃO DE BRASILEIRO NATO?

Conforme já demonstrado nos tópicos anteriores, o primeiro requisito analisado pelo Supremo Tribunal Federal para a extradição de Cláudia Cristina, foi a verificação da sua nacionalidade.

A importância de se estabelecer a nacionalidade da extraditanda, parte da vedação constitucional de extradição de brasileiro nato (art. 5o, LI, CF/88), replicada, não só na Lei de Migração (art. 82, da Lei 13.445/2017), como também no artigo VII, do Tratado de Extradição Brasil-Estados Unidos, de janeiro de 1961, internalizado pelo Decreto n. 55.750/1965 – o qual, como visto, é a fonte primária para análise dos requisitos da extradição, prevalecendo, se contrário às leis domésticas.

Sobre a cláusula que veda a extradição de brasileiro nato presente no art. 5º, LI, da CF/88, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que:

""O brasileiro nato, quaisquer que sejam as circunstâncias e a natureza do delito, não pode ser extraditado, pelo Brasil, a pedido de governo estrangeiro, pois a CR, em cláusula que não comporta exceção, impede, em caráter absoluto, a efetivação da entrega extradicional daquele que é titular, seja pelo critério do jus soli, seja pelo critério do jus sanguinis, de nacionalidade brasileira primária ou originária. Esse privilégio constitucional, que beneficia, sem exceção, o brasileiro nato (CF, art. 5º, LI), não se descaracteriza pelo fato de o Estado estrangeiro, por lei própria, haver-lhe reconhecido a condição de titular de nacionalidade originária pertinente a esse mesmo Estado (CF, art. 12, § 4º, II, a)" (HC 83.113-QO, rel. min. Celso de Mello, julgamento em 26-6-2003, Plenário, DJ de 29-8-2003.) (BRASIL, 2003).

Com base no julgamento do Mandado de Segurança 33.864, impetrado contra a Portaria Ministerial que decretou a perda da nacionalidade brasileira de Cláudia, os Ministros observara que ela não possuía mais a condição de brasileira nata, e portanto passível de extradição.

Isso porque, ela já possuía o visto de permanência nos Estados Unidos desde 1990, ano em que adquiriu o "green card", não necessitando, para o exercício de direitos civis, da aquisição da nacionalidade norte-americana, o que foi por ela requerido em 1999, declarando "renunciar e objurar fidelidade a qualquer Estado ou soberania" (BRASIL, 2017b).

Assim, o caso de Cláudia Cristina não poderia estar enquadrado na exceção prevista no artigo 12, § 4o , II, "b" da CF/88, tendo em vista que os direitos que a mesma pretendia adquirir com a aquisição da nacionalidade norte-americana, quais sejam, a possibilidade de permanência no solo norte-americano e de trabalho no país, já lhe eram garantidos pelo visto de permanência, de forma que a hipótese seria de aquisição voluntária de outra nacionalidade.

Diante do exposto, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal não decidiu pela extradição de brasileira nata – eis que absolutamente vedado pela Constituição Federal de 1988 – mas sim pela extradição de brasileira que perdeu sua nacionalidade originária ao adquirir, voluntariamente, nacionalidade norte-americana secundária.

3 DO DEFERIMENTO CONDICIONADO AO CUMPRIMENTO DE COMPROMISSOS PRESTADOS PELO ESTADO REQUERENTE

Como visto, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal deferiu a extradição de Cláudia, condicionando a sua entrega a assunção de alguns compromissos, que correspondem, basicamente, à vedações constitucionais no tocante ao cumprimento da pena, quais sejam, i) não aplicar pena de morte ou de prisão perpétua; ii) observar a pena máxima de 30 (trinta) anos; e, detrair a pena cumprida no Brasil.

Entende o Supremo Tribunal Federal que os compromissos diplomáticos a serem prestados pelo Estado requerente constituem pressupostos que devem ser cumprido para a entrega do extraditando, não importando para o deferimento da extradição em si (BRASIL, 2000).

O Tratado de Extradição Brasil-Estados Unidos prevê, em seu artigo VI, a obrigação do Estado requerente em não aplicar a pena de morte ao indivíduo extraditado, quando esta não for admitida pela legislação do Estado requerido, silenciando-se quanto ao restante dos compromissos.

A aplicação das condicionantes de comutar a pena de morte em pena privativa de liberdade, bem como de detrair o tempo de prisão preventiva cumprida no Brasil, encontram-se positivadas no ordenamento brasileiro desde o Decreto-Lei n. 941, de 13 de outubro de 1969 (BRASIL, 1969), o qual dispunha em seu artigo 98, in verbis:

“Art. 98. Não será efetuada a entrega do extraditando sem que o Estado requerente assuma o compromisso: […]

II – De computar o tempo de prisão no Brasil como de prisão preventiva, quando êste deva ser contado;

III – De comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvado, quanto à última, os casos em que a lei brasileira permitir a sua aplicação; […]”

O supracitado Decreto-Lei foi revogado pela Lei n. 6.815, de 19 de agosto de 1980 (BRASIL, 1980), a qual trouxe disposição semelhante em seu artigo 91. Veja-se:

“Art. 91. Não será efetivada a entrega sem que o Estado requerente assuma o compromisso: […]

II – de computar o tempo de prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição;

III – de comutar em pena privativa de liberdade a pena corporal ou de morte, ressalvados, quanto à última, os casos em que a lei brasileira permitir a sua aplicação; […]”

Perceba-se que nenhum dos dispositivos citados trouxe qualquer restrição ou comutação da pena de prisão perpétua em privativa de liberdade, ou o limite máximo de cumprimento em 30 (trinta) anos, tratando-se, na realidade, de construção jurisprudencial do próprio Supremo Tribunal Federal.

Isso porque, em revisão de seus precedentes, no julgamento da Extradição n. 855 no ano de 2004, a Corte firmou nova orientação, contrária a que vigia desde 1985, no sentido de que o Estado requerente deve assumir compromisso em comutar a pena de prisão perpétua para a pena privativa de liberdade com o prazo máximo de 30 (trinta) anos.

O Ministro Relator Celso de Mello tomou como base a vedação constitucional de imposição de pena de caráter perpétuo prevista no artigo 5o, XLVII, "b", da CF/88, ignorando a lei infraconstitucional, inobstante o entendimento divergente dos Ministros Carlos Velloso e Nelson Jobim. Nesse sentido, assim decidiu na Extradição n. 855:

"EXTRADIÇÃO E PRISÃO PERPÉTUA: NECESSIDADE DE PRÉVIA COMUTAÇÃO, EM PENA TEMPORÁRIA (MÁXIMO DE 30 ANOS), DA PENA DE PRISÃO PERPÉTUA – REVISÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, EM OBEDIÊNCIA À DECLARAÇÃO CONSTITUCIONAL DE DIREITOS (CF, ART. 5º, XLVII, "b"). – A extradição somente será deferida pelo Supremo Tribunal Federal, tratando-se de fatos delituosos puníveis com prisão perpétua, se o Estado requerente assumir, formalmente, quanto a ela, perante o Governo brasileiro, o compromisso de comutá-la em pena não superior à duração máxima admitida na lei penal do Brasil (CP, art. 75), eis que os pedidos extradicionais – considerado o que dispõe o art. 5º, XLVII, "b" da Constituição da República, que veda as sanções penais de caráter perpétuo – estão necessariamente sujeitos à autoridade hierárquico-normativa da Lei Fundamental brasileira. Doutrina. Novo entendimento derivado da revisão, pelo Supremo Tribunal Federal, de sua jurisprudência em tema de extradição passiva. […]" (BRASIL, 2005a).

Tal entendimento restou sedimentado pela Corte e vem sendo aplicado desde então, mesmo diante da vigência da Lei 6.815/1980 – a qual vigia no momento do julgamento de Cláudia – que nada dizia a respeito.

Contudo, ainda que a recente Lei de Migração não tenha nenhuma repercussão no julgamento da Extradição 1.462, importante demonstrar como que o legislativo muitas vezes acompanha o entendimento do judiciário, eis que adequou o revogado Estatuto do Imigrante, ao atual entendimento do Supremo Tribunal Federal, consagrando-o no artigo 96, da Lei 13.445/2017, que assim dispõe:

Art. 96. Não será efetivada a entrega do extraditando sem que o Estado requerente assuma o compromisso de:[…]

II – computar o tempo da prisão que, no Brasil, foi imposta por força da extradição;

III – comutar a pena corporal, perpétua ou de morte em pena privativa de liberdade, respeitado o limite máximo de cumprimento de 30 (trinta) anos;[…] (grifo nosso).

Tem-se, portanto, que a partir da vigência da Lei 13.445/2017, houve a positivação infraconstitucional de um entendimento já consolidado no Supremo Tribunal Federal, o qual continuará, agora com força legislativa, a determinar os compromissos a serem assumidos pelo Estado requerente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho teve como objetivo realizar um breve estudo da recente decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Extradição 1.462, diante de sua repercussão e importância para o meio jurídico doméstico e internacional.

Após breve escorço sobre os contornos da extradição no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente das vedações constitucionais e dos requisitos previstos na recente Lei de Migração, verificou-se o entendimento da Corte Suprema de que os Tratados de Extradição devem ser vistos como fonte normativa primária para os requerimentos entre os Estados pactuantes, sendo a Lei 13.445/2017 aplicada em tais casos apenas de forma subsidiária.

Mais adiante, verificou-se a possibilidade da perda da nacionalidade brasileira, diante da previsão do artigo 12, § 4o , II, da Constituição Federal, sendo essa a premissa principal das quais partiram os Ministros para a extradição de Cláudia Cristina Sobral, tendo em vista que a mesma teria adquirido voluntariamente nacionalidade estrangeira.

Após a constatação de que Cláudia Cristina não se enquadraria na exceção do artigo 12, § 4o , II, "b", da CF/88  e que, portanto, havia perdido a nacionalidade brasileira, foi possível concluir que o Supremo Tribunal Federal não decidiu pela extradição de brasileira nata – eis que absolutamente vedado pela Constituição Federal de 1988 – mas sim pela extradição de brasileira que perdeu sua nacionalidade originária ao adquirir, voluntariamente, nacionalidade norte-americana secundária.

Por fim, observou-se que as condicionantes impostas ao cumprimento da pena da extraditanda perante o Estado requerente tiveram como base legal não apenas as legislações infraconstitucionais que se sucederam e o Tratado de Extradição entre Brasil-Estados Unidos da América, mas também construção jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal baseada na garantia constitucional da vedação à pena de caráter perpétuo, cujo entendimento veio a ser abarcado pela recente Lei de Migração do ano de 2017.

 

Referências
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______. Lei n° 13.445, 24 de maio de 2017 (2017a). Institui a Lei de Migração. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13445.htm>. Acesso em 05 mar. 2017.
______. Decreto-Lei n° 941, 13 de outubro de 1969 . Revogada. Define a situação jurídica do estrangeiro no Brasil, e dá outra providência. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0941.htm>. Acesso em 05 mar. 2017.
______. Decreto n° 55.750, 11 de fevereiro de 1965 . Promulga o Tratado de Extradição com os Estados Unidos da América e respectivo Protocolo Adicional. Disponível em:< http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1960-1969/decreto-55750-11-fevereiro-1965-396067-publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em 05 mar. 2017.
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______. ______. Notícias STF (2017c). Concedida extradição de brasileira naturalizada americana, acusada de assassinato, 28 de mar. 2017. Disponível em:<http://stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=339354>. Acesso em 15 mar. 2018
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Nota
[1] Art. 92, da Lei 13.445/2017 (2017a): "Julgada procedente a extradição e autorizada a entrega pelo órgão competente do Poder Executivo, será o ato comunicado por via diplomática ao Estado requerente, que, no prazo de 60 (sessenta) dias da comunicação, deverá retirar o extraditando do território nacional"


Informações Sobre os Autores

Sandro Bortoluzzi Madeira Lamêgo Rodrigues

Acadêmico de Direito na Faculdade de Direito de Vitória FDV

Marcelo Fernando Quiroga Obregon

Graduado em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo, especialista em política internacional pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Mestre em direito Internacional e comunitário pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Doutor em direitos e garantias fundamentais na Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Coordenador Acadêmico do curso de especialização em direito marítimo e portuário da Faculdade de Direito de Vitória – FDV, Professor de direito internacional e direito marítimo e portuário nos cursos de graduação e pós-graduação da Faculdade de Direito de Vitória – FDV.


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