Direito sistêmico: contribuições para o exercício da advocacia

Resumo: Este artigo destina-se a aprofundar o conhecimento sobre as denominadas leis sistêmicas da ciência Hellingeriana, dada a abertura no Direito Brasileiro para seu uso no ordenamento jurídico pátrio. A análise do tema apresenta relevância, haja vista as observações acerca da aplicação e percepção de tais leis, ditas do relacionamento humano, a convergir na melhor prática, sobretudo, da atividade advocatícia. Considerando tratar-se de matéria totalmente nova, o realce do trabalho propõe analisar e destacar os subsídios ao exercício da atividade profissional do advogado a partir da prática vivenciada pela autora.[1]

Palavras-chave: Direito Sistêmico, filosofia Hellingeriana, ciência jurídica, advogado, advocacia, leis sistêmicas.

Abstract: This article is intended to deepen the knowledge about the so-called “systemic laws” of Hellinger science, given the openness in Brazilian law for its use in the legal order of the country. The analysis of the topic is relevant, given the observations about the application and perception of such laws, laws about of the human relationship, to converge in the best practice, above all, of the legal activity and lawyer's activity. Considering that this is a totally new matter, the emphasis of the work proposes to analyze and highlight the subsidies to the professional lawyer's activity based on the practice experienced by the author.

Keywords: Systemic laws, Hellinger Science Philosophy, layer, Systemic legal Science.

INTRODUÇÃO

Para tratar da temática ‘Direito Sistêmico’ há que se frisar que não há estudos em bases sólidas, uma vez que sua ascensão, no Direito, acontece exatamente no corrente ano que se escreve este artigo.

Ao se inserir nessa vereda procurou-se manter a ideia de que todo conhecimento em si prospera diante da provisoriedade da ciência, sempre em movimento, e da precariedade da legislação a não atender a demanda social e o uso adequado ao que se lhe busca quando da sua aplicação.

Contudo, a dificuldade principal reside no objeto de estudo, pois no pouco que se tem sobre o Direito Sistêmico, além de vago, é controverso, gerando os mais diversos entendimentos.

Contextualizar o Direito Sistêmico e o que se pretende com ele, é um investimento a uma nova realidade que se quer na prestação jurisdicional e no próprio Direito, sem, todavia, desnaturar o Direito ortodoxo.

Um novo caminho de integralidade e, sobretudo, pensar no Direito como vida em movimento, já que através dele cuida-se de dramas humanos, vem o Direito Sistêmico retirar o patriarcalismo que dita e reprime condutas para uma realidade de que a cada um é necessário encontrar soluções e romper obstáculos próprios.

A distinção entre constelações sistêmicas e Direito Sistêmico, conceituação deste e, especialmente, o olhar e sua aplicação pela advocacia são os apontamentos do presente estudo.

1. ESTUDO SOBRE AS LEIS SISTÊMICAS E AS CONSTELAÇÕES FAMILIARES DE BERT HELLINGER

A abordagem deste artigo basear-se-á nos estudos desenvolvidos por Bert Hellinger.

Ressalva-se que, em que pese existam entendimentos de que Hellinger não é o idealizador das constelações sistêmicas, notadamente em vista da Escola Sistêmica que já abordava de outras maneiras, por vias distintas questões semelhantes na tratativa das relações humanas; nítido é que com base em todos os autores da Escola Sistêmica, Hellinger sintetizou e delineou um método englobando-as e proporcionando um único caminho que transformou para sua ciência hellingeriana

Nascido na Alemanha na década de 20, Bert Hellinger, depois de vinte e cinco anos de sacerdócio, com várias influências e contributos teóricos: da tribo africana ‘Zulu’, da psicologia, da psicanálise, da neurolinguística, da física quântica, da própria teologia e de outros predicados da Escola Sistêmica, criou a Hellinger Sciencia como uma ciência das ordens do comportamento humano a qual chama de ‘ciência do amor’.

Seu criador a descreve como:

“Eu obtive e descrevi essas compreensões. Examinei-as publicamente através de ações práticas, assim sendo, muitos puderam verificar os efeitos dessas compreensões em si mesmos, tanto em seus relacionamentos quanto nas suas ações. Nisso se mostra que se trata de uma verdadeira ciência.

Enquanto ciência a Hellinger Sciencia está em movimento. Isto significa que se encontra em constante desenvolvimento, também através das compreensões e experiências de muitos outros que se abriram para ela – e também para as suas consequências. Enquanto ciência viva, a Hellinger Sciencia não é uma “escola” como se já estivesse sido concluída e pudesse ser transmitida e ensinada como algo definitivo. Assim sendo, também não existe controle de seu sucesso, de maneira que pudesse ser avaliada através de parâmetros externos e como se tivesse que se justificar através deles e, sim, através de seus efeitos e do seu sucesso. Trata-se de uma ciência aberta em todos os sentidos” (HELLINGER, 2009, p.8).

Através de compreensões, observações e experiências vivenciais ao longo de quase quarenta anos, Bert Hellinger, catalogou ordens que regem as relações humanas, e as denominou: ordens do amor, ordens da ajuda e ordens do sucesso.

Cada uma dessas ordens possui leis, sendo estas, naturais e que agem indistintamente sobre todas as relações humanas.

Para melhor compreender a dimensão e qualidade dessa breve terapia sistêmica, há que se pautar alguns conceitos trazidos por Hellinger, quais sejam: culpa, inocência, compensação, boa consciência, má consciência, vítima e algoz que servirão a todo o encadeamento do presente estudo.

As definições trazidas por Hellinger partem do princípio de que “As relações humanas começam com o dar e o tomar. Do mesmo modo, com o dar e o tomar começam também nossas experiências de culpa e inocência, pois quem dá tem também o direito de reivindicar e quem toma se sente obrigado” (HELLINGER, 2009, p.15).

Em termos mais sucintos quer se dizer que em toda relação humana há uma troca, nessa troca todas as experiências de culpa, inocência, vítima, algoz, requerem uma compensação para que haja o equilíbrio e o alívio.

Tem-se, assim, a necessidade de se categorizar:

Culpa: é experimentada como obrigação. O que é pesado. O que causa dano. Enfraquece.

Inocência: é experimentada como prazer, portanto, sem que haja qualquer obrigação. O que é leve, dá alívio. O que favorece. Fortalece.

Vale a ressalva de que culpa e inocência não são ligadas a atividades que julgamos[2] como infração ou pureza/ingenuidade, são estados de consciência a partir do que a pessoa tem como crença e/ou aprendizado.

Compensação: tudo que se toma deve ter o contrapeso de se devolver (na mesma medida, não necessariamente na mesma natureza recebida).

Boa consciência: é o agir com base no que se aprendeu e se sabe pelo grupo de origem, deriva da lealdade e primando pelo instinto de pertencimento.

Má consciência: é o despertar das observações quando se depara com situação de outra boa consciência diferente da sua, gerando um processo que traz movimento à vida, rompendo com padrões e comportamentos anteriores.

Vítima: aquele que recebe algo pelo qual não pode se defender e que lhe gera alguma dor ou sofrimento.

Novamente aqui cabe a ressalva de que a dor e sofrimento também merecem ser compreendidos a partir da desconstrução dos conceitos sociais limitantes, dor e sofrimento também estão ligados a níveis de consciência e experiências próprias de cada ser humano.

Algoz: aquele que faz algo contra outro que não pode se defender fazendo-o sofrer.

Sendo o ser humano um ser de natureza gregária, isto é, instintivamente busca e depende de um grupo para sobreviver, é que as definições acima estão intrinsicamente sucedendo no dia-a-dia.

A disposição organizada de cada uma das ordens hellingerianas, feitas através do método[3] da denominada constelação sistêmica ou familiar, proporciona a paz que o ser humano almeja em sua existência e dentro de cada grupo no qual vive.

Ordem “é a maneira de como coisas diferentes atuam em conjunto” (HELLINGER, 2009, p. 23).

Mas, efetivamente o que são as ordens do amor e quais suas leis? A percepção de Bert Hellinger dispõe sobre uma força oculta que age tal qual a gravidade. De relevância, indica que é o amor que rege todas as relações, pelas quais vislumbra-se que o amor se apresenta de muitas formas. Uma delas, o amor cego, dedicado, notadamente, ao pertencimento e manutenção inconsciente da família.

De maneira inconsciente e sob a força dessa ordem cada ser humano tem a necessidade de vinculação, de ordem e de equilíbrio. Essas três necessidades resumem as leis da ordem do amor: pertencimento, hierarquia e dar/tomar.

O primeiro grupo à qual pertencemos e nos vinculamos, célula mater da sociedade, é a família. A partir dela, decorrem as outras duas: hierarquia, quem chegou primeiro é sempre ‘maior’[4]; e equilíbrio em dar e tomar proporcionalmente mantendo a compensação.

Imergidos nessa ordem, todos os seres humanos, de maneira instintiva, buscam recolocar-se para a manutenção dessas leis de maneira estabilizada, como se para ‘sobreviver’ fosse necessário organizar essa relação com grupo[5] que está vinculado para equilibrar a todos que pertencem ao grupo, pelo que em não conseguindo surgem os desequilíbrios, os medos, as inseguranças, os litígios, as depressões, os amargores, as doenças e até mesmo os suicídios.

O instinto de pertencimento prevalece, segundo os estudos sistêmicos de Hellinger, sobre o instinto de sobrevivência.

Nessa seara se afirma:

“Estas necessidades limitam nossos relacionamentos, mas também os tornam possíveis, pois tanto refletem quanto facilitam a necessidade humana fundamental de relacionamento íntimo com os outros. Os relacionamentos são bem-sucedidos quando conseguimos atender a essas necessidades e equilibrá-las; mas passam a ser problemáticos e destrutivos quando não o conseguimos. A cada ato que praticamos que afeta os outros, sentimo-nos culpados ou inocentes. Assim como o olho distingue continuamente a luz das trevas, um órgão interno discrimina a cada passo o que convém ou não convém aos nossos relacionamentos” (HELLINGER, WEBER e BEAUMONT, 2002, p.17).

Nesse passo, quando há algum desequilíbrio, através do método da constelação familiar ou sistêmica, por representação e imagens, se trazem novos significados, sem crenças, sem julgamentos, sem interpretações e que mostram como é a relação do constelado[6] com aquelas pessoas ou situação. Essa harmonização, na esfera anímica da pessoa, recoloca a consciência pessoal em caminhos de conexão que reintegra, inclui e permite que o constelado sinta leveza e siga o fluxo da vida fazendo diferente.

A constelação sistêmica é uma forma de acessar o inconsciente, cuja metáfora: “o consciente humano é apenas a ponta do grande bloco de gelo, enquanto o inconsciente está submerso no ‘oceano’ da mente” (KOGUCHI, 2017, p.12); a revelar através da identificação de si, seja por representação ou mediante uso de objetos, e trazer à superfície a parte do iceberg que está sob as profundezas do mar e que carregam muitas, segundo Hellinger 97%, manifestações que afloram involuntariamente durante toda a vida.

De relevância, há que se trazer o contributo teórico e esclarecimentos da psicanálise como referencial acerca da personalidade para bem entender a filosofia hellingeriana, especialmente, frente ao seu uso pelo Direito.

Para Freud as pessoas experimentam repetidamente e sucessivamente pensamentos e sentimentos que indistintamente ficam na mente. Quando não se pode ‘resolvê-los’, são expulsos, seja por censura ou repressão, do consciente para a parte inconsciente. Entretanto, no inconsciente essas questões mal resolvidas trazem resultados em ações conscientes que seriam consequências sem uma causa conhecida.

Consciente, dessa maneira, é entendido como aquilo que o ser humano apreende como realidade, enquanto o inconsciente está na suposição como se estivesse fora da percepção, à ideia de um comodismo, um sono gostoso que está lá nas entranhas e ‘esquecido’.

Na psicanálise, o espaço e ações entre consciente e inconsciente chamadas de lacunas, lapsos ou atos falhos revelam, sutilmente, como se formou esse inconsciente. Essas lacunas segundo a filosofia hellingeriana são os movimentos interrompidos que, de alguma maneira, se apresentam no comportamento independentemente da vontade.

Ademais, para a psicanálise o comportamento humano é formado de Id, ego e superego. Id é entendido como um elemento da personalidade instintivo que se presta a satisfazer os impulsos básicos e imediatos, sem qualquer valor. Ego é um freio ao Id, de maneira a tornar o Id (impulsos, instintos, prazeres) aceitáveis no mundo real. Já o superego é o elemento responsável por manter os padrões morais. A consciência se mostra apenas com o ego e superego, enquanto o inconsciente possui os três elementos.

Dentro do que se compreende da filosofia hellingeriana o superego são as diretrizes e fundamentos que realizam julgamentos com base nas crenças limitantes, valores e pré-conceitos de certo e errado, enquanto o id é o verdadeiro ‘eu’, primitivo e instintivo, aquele que busca, a qualquer tempo e forma, a manutenção do pertencimento (meu lugar no mundo, desde nascimento), e o ego a realização coerente entre os dois anteriores para viver em sociedade.

Essas manifestações involuntárias e ‘imperceptíveis’ que constituem o inconsciente humano e que, segundo a psicanálise, misturam os três elementos que formam o comportamento humano; para a filosofia hellingeriana determinam: sucessos, fracassos, frustrações, medos, vícios, reiteração de padrões familiares; e são ainda, pode-se dizer, regidos por um ‘quarto’ elemento, chamado de ordens do amor, a determinar a manutenção do pertencimento, hierarquia e equilíbrio da vida.

Arriscar-se, inclusive, a mencionar que a constelação sistêmica – dada sua trajetória – organiza e equilibra os elementos da personalidade humana, entre o impulso, o sentir e a razão, na medida que traz à consciência, em relação a cada tema ‘constelado’, a assimilação de todos os elementos do comportamento humano.

A constelação sistêmica elabora conteúdos emocionais que, de maneira ou outra, dirigem as relações, escolhas e ocorrência humanas.

Contudo, frisa-se, que ela, a constelação sistêmica, não proporciona um acontecimento de expressiva dimensão para o desenvolvimento e melhoramento pessoal se o constelado não se sentir penetrado e tocado pelas representações e imagens a ressignificar aquela experiência.

A constelação sistêmica, dessa forma, pode ser definida como uma terapia breve que visa a acessar uma parte da história da pessoa, no espaço-tempo, de maneira que ela possa visualizar[7] os padrões inconscientes de experiências e comportamentos de várias gerações, com base nas leis sistêmicas, em sintonia profunda com a própria consciência, restabelecendo fluxos de vida interrompidos. Busca-se uma reversão de aspectos negativos para positivos propiciando um novo olhar sobre si mesmo.

Na sequência se definem as ordens da ajuda como:

“Ajudar é uma arte. Como toda arte, faz parte dela uma faculdade que pode ser aprendida e praticada. Também faz parte dela uma sensibilidade para compreender aquele que procura ajuda; portanto, a compreensão daquilo que lhe é adequado e, simultaneamente, daquilo que o ergue acima de si mesmo para algo mais abrangente” (HELLINGER, 2005, p. 11).

Precisamos ser ajudados, mas também precisamos ajudar na medida em que dependemos uns dos outros em todos os aspectos. A ajuda é recíproca. “Ela se ordena pela necessidade de compensar. Quem recebeu de outros o que deseja e precisa, também quer dar algo, compensando assim a ajuda” (HELLINGER, 2005, 11).

Hellinger define ainda que existem dois níveis de compensação (na ajuda). Uma no nível de pais para filhos, outra entre pessoas equiparadas (ajudante e ajudado). Nesta há reciprocidade, naquela existe um desnível que respeita a hierarquia, assim, o tomar de um filho sempre é maior.

Considerando que dos pais toma-se o bem mais precioso que se pode ter, a vida, é impossível retribuir a tal bem recebido. Em relação à vida recebida, o filho apenas deve tomar. Assim, como um rio deve seguir seu curso, em relação à vida, esta também só pode seguir adiante, em frente; seja na manutenção da vida pela sequência de filhos (então retribuindo o bem vida recebido gerando vida com netos) ou num legado para a sociedade (uma forma de dar vida aos pares/coletividade).

Quando Hellinger afirma que se tratam de pessoas equiparadas, estabelece que o ajudante sempre deve se colocar de maneira inferior considerando o sistema de origem (familiar) do qual o ajudado veio como a fonte de toda sua vida e força. “Quando reconheço, coloco isso em ordem, mas servindo, por assim dizer, a partir de uma posição inferior. Só assim o que se faz está em ordem, pode estar em ordem, pode fomentar a ordem para um sistema maior” (HELLINGER, 2005, p. 119).

São leis (ordens) na ordem da ajuda:

“1. Dar somente o que se tem e tomar somente o que necessita. Essa ajuda é humilde.

2. Submeter-se às circunstâncias (externas e/ou internas) e somente interferir na medida em que elas o permitirem. Essa ajuda é discreta, reservada e tem força.

3. O ajudante deve colocar-se como adulto, perante outro adulto (o ajudado). Não cabe colocar-se na postura de ‘pai/mãe’ e nem mesmo de criança quando assim o ajudado se apresenta.

4. O ajudante não se envolve num relacionamento pessoal com o ajudado, pois é necessário contemplar e honrar pessoas essenciais ao ajudado. Empatia é menos pessoal e mais sistêmica.

5. Não tecer juízo de valor, notadamente, em relação às pessoas que o ajudado queixa-se, mantendo amor a cada pessoa como ela é mesmo que muito diferente de si.”

Quem realmente ajuda não julga” (HELLINGER, 2005, p.14).

Nas ordens da ajuda devem ser respeitadas, de toda forma, as mesmas leis das ordens do amor, primeiro com relação ao próprio ajudante e em seguida com relação ao ajudado, pelo que as ordens da ajuda não são rigorosas nem metódicas. Requerem uma percepção do ajudante.

Por fim, trata Hellinger das ordens do Sucesso.

De plano faz a seguinte ressalva:

“Às vezes, distinguimos, por um lado, entre as áreas da família, a realização e a felicidade nos relacionamentos e, por outro lado, os campos do trabalho e da profissão, como se pudéssemos separá-los. Entretanto, eles seguem as mesmas leis do êxito e do fracasso, as mesmas leis da felicidade e da infelicidade, as mesmas leis e ordens na vida e no amor.

No início, as constelações familiares se ocuparam principalmente das relações pessoais. Trouxeram à luz as ordens básicas do amor, segundo as quais nossos relacionamentos têm êxito ou fracassam. Quando comecei a investigar as leis do sucesso e do fracasso no trabalho e na profissão e cada vez mais nas empresas e organizações, veio à luz que estas seguem a mesma ordem”. (HELLINGER, 2011, p.5).

Ao tratar do sucesso, Hellinger imediatamente se reporta ao nascimento como êxito primeiro de toda pessoa. Ao nascer o ser humano tem a primeira experiência de força sem intervenção externa e se impõe. Afirma que há uma diferenciação entre uma criança e adulto que veio ao mundo pela cesárea ou pelo fórceps ou ainda de maneira prematura. É verdade que seus comportamentos são demasiadamente diferentes.

Na sequência assevera que o sucesso ainda depende do tomar a mãe e nutrir-se dela. A vida fora do útero começa seu desenvolvimento pelo seio materno.

Assim, o sucesso começa “Quando tomamos a nossa mãe como fonte de vida e tudo aquilo que flui dela para nós. Tomamos a vida como um todo na medida em que tomamos a nossa mãe ” (HELLINGER, 2011, p.7).

Hellinger indica que o sucesso decorre sempre dessa conexão com a mãe, pois mãe é o sinônimo de nutrição, assim, qualquer obstáculo para o sucesso é evidenciado numa interrupção desse liame.

“O sucesso vem através do desempenho centrado em direção ao essencial” (HELLINGER, 2011, p. 30).

Em resumo a ordens sistêmicas do amor, da ajuda e do sucesso reportam-se ao ajustamento de uma postura interna a fim de conduzir, harmonizar e recolocar movimentos de vida afetados por determinadas circunstâncias que foram interrompidas e limitadas anteriormente. Por isso, se diz que as leis sistêmicas estão à serviço da vida e são uma ciência do amor, pois conduz tudo na existência com o mesmo amor.

2. DEFINIÇÃO DE DIREITO SISTÊMICO FRENTE A FILOSOFIA HELLINGERIANA

Sem grandes pretensões, a partir da aplicação do método das constelações sistêmicas aplicadas às partes, autora e ré, de um processo judicial na área das famílias, antes da audiência de conciliação, o magistrado Sami Storch denominou tal diligência “Direito Sistêmico”.

Dada a efetividade nos processos que presidia o citado magistrado, com o uso das constelações sistêmicas, o número de acordos e não reincidência de demandas das mesmas partes chamou a atenção do Conselho Nacional de Justiça e passou a ser viabilizado em mais de 13 Tribunais de Justiça do país.

Quando se vislumbra que o Estado-Juiz efetiva a decisão dentro do que se apresenta de maneira legalista e até coercitiva, ou seja, aplica a lei simplesmente sem proporcionar ou verdadeiramente atentar à real origem da lide, impondo uma pseudo solução, as partes seguem no influxo do desamor e rancor sem igual. Assim, se reproduzem mais ações por mera vingança ao dissabor de uma vivência que sua consciência não consegue explicar, mas que busca uma forma de equilíbrio ditado por um terceiro.

Entretanto, os conflitos são mais profundos que um mero desentendimento ou uma decepção qualquer. Ou seja, as partes continuam se atacando e estimulando a manutenção de relações bélicas. É o dia-a-dia nas Varas de Família: a litigância sem solução viável e respeitosa entre as partes que culmina em desdobramentos de ações por mera afronta e estímulo de vingança.

Considerando a possibilidade e a incitação do Novo Código de Processo Civil para a solução de controvérsias por métodos alternativos, especialmente ampliando aos próprios advogados tais alternativas, é facilmente perceptível que esse método psicoterapêutico se presta e se encaixa para a esse fim.

Para falar no Direito Sistêmico é preciso fazer uma breve abordagem teórica para objetivar a construção do conhecimento e entendimento, especialmente lembrando da origem do Direito.

Direito do latim significa dirigire (verbo) ou directus (adjetivo) que é qualidade de quem está na reta, que não se desvia. Que segue corretamente. Liga-se a moralidade.

O Direito teve sua evolução ao longo dos tempos e sempre existiu. Na sua forma mais pura – a partir do Direito natural – que era, simplesmente, o direito à vida e o direito à liberdade, isto é, direitos inatos. Cada povoado tinha suas próprias regras ditadas pelo ancião a regular e gerir a vida daquelas pessoas.

A organização do Direito na forma positivada se deu a partir da lei de talião (em 1700 a.C) quando a humanidade saiu da barbárie para a primeira noção de igualdade.

Onde antes se dizimavam povos em razão de um crime qualquer, passou-se ao limite do o olho por olho, dente por dente. Eis que começa o regramento de vida e sociedade.

Na idade média o Direito vinha de Deus. Logo, neste período a religião ditava muitas normas. Haviam os concílios e, logo, a formação do Direito Canônico. A partir do século XVII surgem os filósofos a traçar uma nova noção de Direito. O Direito positivo nos moldes hodiernos surge quando o Estado se institucionaliza e passa a organizar a sociedade e as relações humanas como um todo.

O Direito tal qual se apresenta hoje é, portanto, uma ordenação que se desenvolveu ao longo da história da humanidade. Tem-se a organização, de maneira coercitiva, a estabelecer valores sociais, éticos e respeito ao mundo, notadamente, entre os pares.

Assim, o Estado cresceu baseado no contexto histórico que dominava à essa época, o patriarcalismo e a força masculina, e se formou para regular as relações humanas e o Direito foi e é seu instrumento de controle social.

Para que se possa ter essa compreensão do Direito Sistêmico é preciso ainda entender a multidimensionalidade e a integração das ciências ultrapassando o senso comum e buscar esclarecimentos nessa fusão.

Porém, o Direito, por si, não se confunde com a Ciência do Direito. Esta é complexa, formada de outras disciplinas e fatores integrados considerando ainda, a teoria tridimensionalista onde o Direito deve ser estudado a partir de três aspectos: norma, fato e valor.

Dentro da Ciência do Direito, a Filosofia sempre buscou o estudo do saber voltado ao pensamento sobre o homem e a natureza (natureza da matéria, da mente, do comportamento e do universo). O homem em relação ao próprio ser.

Como o Direito serve ao ser humano, nunca pode ser um modelo puramente racional (epistemológico). Assim, através de uma abordagem interligada entre o ser e o conhecer, bem como, pela ontologia jurídica como gênero da Filosofia, pode se estabelecer: “A ontologia, que busca a análise do ser, defende a postura de que as formas de conhecimento existentes estão todas concentradas no próprio objeto de análise, buscando a fixação de uma idéia de essência. Portanto, a ontologia não permite a possibilidade de se elencarem perspectivas de abordagens alheias ao ser do analisado” (MAIA, 1999, p. 22).

Disto tudo, se depreende que sendo as constelações sistêmicas tratadas como uma ciência do amor que rege as relações humanas, sua abordagem frente ao Direito Sistêmico se dá na medida em que se analisa o ser humano como personagem principal do Direito, não tratando o Direito como um conjunto de normas jurídicas, mas também sob a ótica holística.

Quando se fala em holismo há que se enfatizar que se trata de um enfoque, no campo das ciências humanas e naturais, que prioriza o entendimento integral dos fenômenos, em oposição ao procedimento analítico em que seus componentes são tomados isoladamente. Em outras palavras quer dizer que não se pode desmembrar as relações humanas ainda que o Direito se divida por áreas a disciplinar o sistema social.

“O holismo é o resgate da dimensão ética no sentido mais profundo, consiste num compromisso com a humanidade, com a preservação da natureza e com o estabelecimento de uma relação revolucionária entre homens, animais e plantas. Todos os elementos fazem parte de um grande corpo. O holismo traz uma proposta de vida integral. Trata-se de um caminho que não é novo, haja vista que encontra respaldo no pensamento dos pré-socráticos, verdadeiramente, o holismo é uma proposta que visa à superação das tradicionais relações de poder, rompendo com os obstáculos criados pelos cientistas” (FAGUNDEZ, 2006, 72).

A partir da análise ontológica do Direito, o ser humano é um ser em si, e um ser integral que forma o organismo social, sendo igualmente responsável pelas ocorrências grupais da humanidade.

O Direito tomou forma no sentido de disciplinar de maneira geral as condições de coexistência e aperfeiçoamento dos indivíduos (na forma corretiva) e dos grupos sociais. Aliás, o Direito tem dupla função: uma imediata que é a solução do conflito (da lide) e uma mediata que é a paz social, ou seja, melhorar a convivência humana. Todas as dimensões sociais estão ligadas e são intrínsecas das relações pessoais e familiares.

Aliás, as relações afetivas se encontram em todas as áreas do Direito, pois todas as relações jurídicas são permeadas ou representadas por pessoas que possuem história e emoções próprias. O Direito esbarra na complexidade humana. No que traz FAGUNDEZ, 2006, p. 58, “O paradigma holístico complexo rompe com a visão mecanicista presente no sistema jurídico. Não há apenas normas, fragmentos, células ou átomos dentro do sistema jurídico. Há relações, sentimentos, energia e matéria, razão e sensibilidade, no sistema jurídico que tem pretensão de reger a vida. ”

A ideia de justiça, razão e moralidade como basilares da lei geral, notadamente, a tratar da subjetividade humana pode proporcionar uma vala comum a distanciar ainda mais a paz individual e social que se busca com o próprio Direito. A plenitude e respostas que se buscam no Direito devem ser observadas do prisma de que cada indivíduo e sujeito relacionado ao processo judicial tem uma consciência particularizada, captada e vocacionada a vários entendimentos, ligadas, sobretudo, à vivencia e experiências de cada um.

Para garantir uma melhor dinâmica do Judiciário e de efetiva Justiça aos jurisdicionados, através de todos os agentes e aplicadores do Direito, vem o Direito Sistêmico como ingrediente humanizador.

A ideia de humanismo traz uma correspondência do ser humano com ampliação do ente para um ser carnal espiritual e moral (moral, no sentido de cada um decidir o que é valioso para si).

Para SILVA, 2004, p. 150: “Humanismo, vê a pessoa como totalidade física, psíquica, ética moral e espiritual. Amor ao próximo, a solidariedade, a renúncia de valores materiais de si, a humildade, o despojamento das coisas materiais do mundo são formas de vida concreta, que só o critério de valor humanismo é capaz de compreender. ”

Mas o que é Direito Sistêmico?

Não há ainda uma definição concreta ou pacificamente aceita para tal terminologia. Contudo, dentro das Ciências Humanas[8] tem-se o encadeamento de várias ciências: o próprio Direito, a Filosofia, a Antropologia, a Sociologia, até mesmo a Religião, cujo foco de estudo de cada um desses ramos se centra no ‘ser’, nos seus pensamentos, criações, complexidades e na sua estrutura conjunta, isto é, no ser humano e na sociedade.

Assim, o Direito Sistêmico pode ser compreendido como um ramo da Ciência Jurídica[9], que busca e proporciona a viabilidade e o entendimento do Direito dentro de uma disciplina de convivência humanizada, tornando-o uma nova possibilidade para a adequação do comportamento humano, não pela coerção, mas pela conscientização através das ordens sistêmicas efetivando uma melhor dinâmica da Justiça e o alívio dos jurisdicionados.

Questões como: Já se viu a Justiça ter êxito? Já se alcançou a Justiça alguma vez? Quem alcançou a Justiça, como se sentiu depois? apenas demonstram que os resultados teóricos do passado não convencem mais. As sentenças judiciais têm sido um paliativo, mas não satisfazendo nem solucionando os litígios.

A proposta do Direito Sistêmico, é passar a uma nova fase do Direito: sem julgamentos e com maior efetividade aos jurisdicionados pela tomada de consciência e responsabilização deles mesmos (de cada parte) pelas escolhas ao passo de considerar o Direito como uma ordenação complexa da vida e convivência humana.

Ao passo que as leis sistêmicas enfatizam a necessidade de equilíbrio entre a vítima e algoz e da alteridade destes, e que o Estado-juiz não é garantidor de felicidade, as partes frente à ordenação sistêmica de pertencimento, hierarquia e equilíbrio conseguem assumir seus papéis de vítima e algoz e compensarem os efeitos de uma lide.

Segundo os estudos de Hellinger, a busca do Estado-Juiz é a busca inconsciente pelo pai e/ou mãe a nos dar o Norte.

Dentro das ocorrências da vida há um convite à reflexão em torno do significado existencial do próprio ser. Ocorre, pois, que o ser humano não é uma ilha em si, vive de compartilhar e esse equilíbrio ao que carrega à existência do outro que gera grandes dificuldades nas relações humanas. Cada um faz e vive uma projeção de sua realidade inconsciente e sempre, de alguma forma, toca o outro.

Para a filosofia hellingeriana ocorre Justiça quando:

“O jogo alternado entre culpa e inocência é, portanto, iniciado pelo dar e tomar e regulado pela necessidade comum de compensação. Quando essa necessidade é satisfeita, a relação pode terminar ou então pode ser retomada e continuada, com a renovação do dar e tomar.

A troca, porém, não dura, se no curso dela não se pode voltar sempre ao equilíbrio. É como o caminhar. Se nos mantivermos em equilíbrio, ficaremos parados. Se o perdemos totalmente cairemos e ficaremos estirados no chão. E se alternadamente o perdemos e recuperamos, caminharemos em frente.

Culpa experimentada como obrigação e inocência como alívio e reivindicação, estão a serviço da troca. Com essa troca em curso nos consolidamos e nos unimos positivamente. Esse tipo de culpa e inocência é, entretanto, uma boa culpa e uma boa inocência. Aí nos sentimos em ordem, no controle e nos sentimos bem”. (HELLINGER, 2009, p. 20).

O que se quer dizer é que a Justiça é baseada numa troca. Assim, a vítima tem o direito de exigir de seu agressor uma reparação. Com essa compensação, há um equilíbrio possibilitando um recomeço ou um término de relação que se equivaleu (dar e tomar).

Ainda: “O culpado e a sua vítima só voltarão a equiparar-se quando tiverem sido igualmente maus e tiverem perdido e sofrido na mesma medida. Só então, poderão reconciliar-se, ter paz e voltar a fazer o bem” (HELLINGER, 2009, p. 20).

O Direito assim como um freio e contrapeso da sociedade e coletividade serve para ser o reparador e equilíbrio entre as partes. Em regra, pelos estudos da filosofia de Hellinger a compensação deve ocorrer imediatamente, como que uma reação. A ideia é que a vítima não faça exigências exageradas e que o ofensor lhe faça uma reparação através de uma oferta mínima; trazendo e mantendo os dois em mesmo patamar. Nenhuma pessoa é melhor que a outra, e na noção de igualdade ora se é vítima ora se é agressor, nessa gangorra de dar e tomar se equilibram as relações.

Para Hellinger sentimentos como a raiva não podem ficar reprimidos, pois emergem mais tarde e muitas vezes são transferidos aos filhos e/ou netos, pelo sistema familiar, mesmo que estes não tenham efetivamente participado do evento.

O uso das ordens sistêmicas no Direito se revela adequado pois “todas as ações que produzem efeitos sobre os outros são acompanhadas por um sentimento de culpa ou de inocência. Assim como os olhos, ao ver, distinguem constantemente o claro e o escuro, esse sentimento discerne, a cada momento, se nossa ação prejudica ou favorece o relacionamento. ” (HELLINGER, 2009, p. 26).

É assertivo dizer que a dinâmica e proposta do Direito Sistêmico não se confunde nem com a mediação, nem com a prática do método da constelação sistêmica.

Na conciliação, terceira pessoa atua com a função de aproximar as partes e orientá-las para a composição de um acerto/acordo. Na mediação o terceiro é neutro e imparcial, não exerce influência, mas viabiliza aproximação e comunicação das partes. Já na constelação sistêmica o terceiro viabiliza ao indivíduo – pode ser apenas uma das partes – a olhar para suas questões inconscientes e trazê-las à consciência. A conciliação e a mediação são atos judiciais, enquanto a constelação sistêmica é método terapêutico breve, contudo, esta pode ser aplicada dentro de uma audiência de mediação.

Por fim, o Direito Sistêmico trata de uma postura de todos os sujeitos do Direito a viabilizar sua aplicação onde a adequação do comportamento humano – regulado pelo Direito – passa a ser individualizado pela tomada de consciência e responsabilização da própria vítima e/ou algoz.

O Direito brasileiro, ao que tudo indica, caminha assim para uma postura mais voluntária das partes, com menos intervenção estatal, de maneira mais pacífica, sem reincidência de demandas, viável e efetiva.

3. O DIREITO SISTÊMICO NA PRÁTICA DA ADVOCACIA

O advogado é indispensável à administração da justiça” no teor do artigo 133 da Constituição da República Federativa do Brasil.

Com base nesse mandamento constitucional nos toca que a construção do Direito Sistêmico deve se seguir a partir da prática, portanto, da advocacia ainda que ganhe contornos e força pelos demais operadores do Direito.

O alicerce da democracia representativa reside em características pontuais:

“(…) a) a soberania popular, como base de todo poder legítimo; b) o sufrágio universal, com pluralidade de candidatos e de partidos; c) a separação dos poderes; d) a igualdade de todos perante a lei; e) a manifesta adesão ao princípio da fraternidade social; f) a representação como base das instituições políticas; g) a limitação de prerrogativas dos governantes; h) o Estado de Direito, com a prática e proteção das liberdades públicas por parte do Estado e da ordem jurídica, abrangendo todas as manifestações de pensamento livre, tais como a liberdade de opinião, de reunião, de associação e de fé religiosa; i) a temporariedade dos mandatos eletivos; j) a existência garantida das minorias políticas, com direitos e possibilidades de representação, bem como das minorias nacionais, onde estas porventura existirem” (BONAVIDES, 2010, p. 294).

Em razão do desenvolvimento da democracia que se criou a Ordem dos Advogados do Brasil a legitimar e prover a defesa da cidadania e da democracia. Eis a indispensabilidade do advogado na gestão de toda fundamentação da democracia, logo, dos novos rumos do Direito.

A sociedade segue hoje num ritmo, escala e necessidades, sobretudo, na busca incessante ao significado da realidade que permeia a todos por todo o mundo.

O antagonismo: ‘individualismo’ e ‘ coletivo’ ou ‘particularizado’ e ‘globalizado’ transitam nas perguntas de qualquer estudo hodierno.

Dimensões naturais, econômicas, políticas, religiosas, configuram que se vive num grande sistema que se toca a todo o tempo, exercendo total influência em qualquer individualismo que se pretenda ao mesmo tempo que influencie a todo o coletivo (ou vice-versa).

Situações como Operação Lava-Jato, Katrina, Donald Trump, Kim Jon-un, Cherlie Hebdo, etc. caracterizam o mundo contemporâneo. Nesse influxo de mazelas humanas: dinheiro, doença, fome, violência, exclusão onde se explode violência e se transpiram os venenos da alma; o Direito deve se moldar às novas necessidades. Aliás, isso é objeto de estudo das Ciências Sociais Contemporâneas, cuja função precípua do Direito (estatal) se mostra na manutenção do mínimo de ordem.

O modelo centralizador e coator do Estado na modalidade patriarcalista e machista atrelado à regulação social, e este, por sua vez, erguido conforme dois pilares regulatórios restritivos: o mercado e o Estado, deve se refazer pela sinuosidade e amorosidade do feminino trazendo princípios e o respeito como valor supremo do ser humano.

O Direito Sistêmico igualmente aos Direitos humanos, tem suas raízes na história e necessidade da humanidade. Quando se trata dos Direitos Humanos ressalta-se dois pontos importantes a construir melhor entendimento:

“Primeiro. Estabelece que a primeira geração de direitos humanos (direitos civis e políticos) se contrapunha ao Estado, pois este era tido como seu principal violador. Na sequência, segunda e terceiras gerações (direitos econômicos, sociais, culturais) passaram a ter o Estado como garante de tais direitos. Verdadeiro antagonismo.

Segundo. Dada a pluralidade de culturas é preciso aumentar a consciência de tal incompletude (de culturas) para a construção de uma concepção multicultural de direito humanos” (SANTOS, 2001).

Ou seja, há uma constante mutação nas relações pessoais, sociais e estatais, de maneira que se faz necessário, ao mesmo tempo que se busca igualar a atenção, forma e direito aplicado, individualiza-lo para cada necessidade humana, considerando o teor de cada ser humano e, assim, trazendo a humanidade e a consciência para o Direito. Ou seja, é preciso focar na consciência moral do ser enquanto o próprio ser sabe o que é valioso e suficiente para si dentro da ideia de seu reflexo ao coletivo.

Pois bem. Toda e qualquer mudança social que acontece de fato[10] na sociedade é levada à regulamentação após a formatação de entendimentos pacificados pelos Tribunais. Essenciais à Justiça estão os advogados que perfectibilizam essas novas regulamentações e muitas das novas teorias, capacidades, entendimentos, alteração da legislação e das próprias demandas judiciais. O advogado é o filtro e o promotor de todas as atividades judiciais.

No que tange, portanto, ao uso do Direito Sistêmico, ainda que a Magistratura tenha moldado uma forma de uso das constelações sistêmicas, é nítido e necessário observar que as demandas chegam ao Judiciário após passarem pela advocacia. Daí a importância de se contextualizar e organizar o uso da prática sistêmica em favor dos jurisdicionados.

Como uma forma de humanização e responsabilização de cada uma das partes de um processo (voluntário ou contencioso), de suas devidas questões e escolhas, ao ensejo de cada vez menos terceirizar ao Estado-Juiz decisões que não se servem à coletividade é que se “dá coesão às relações humanas: a moralidade mantem a pessoa em harmonia consigo mesma, o direito é o princípio do compromisso nas relações humanas, a religião é o que mantem vivo o universo, o destino é o que nos liga ao futuro, a verdade é a coesão interna das coisas” (SANTOS, 2001).

Assim, embora o Direito Sistêmico tenha nascido pela aplicação do método da constelação sistêmica por um magistrado no Judiciário, e com expressivos resultados, fato é que Direito Sistêmico não é constelação sistêmica.

Aliás, vale a ressalva que a própria origem das constelações sistêmicas por Bert Hellinger não teve o viés Jurídico até o uso delas pelo Magistrado Sami Storch.

Desta forma, o investimento em tal estudo e propagação leva a uma forma de Direito contemporâneo que exige de todos os envolvidos, nova maneira de atuação.

Com a prática diária e as observações acerca do uso efetivado nos Tribunais conhecidos, o que se tem visualizado é a aplicação do método das constelações sistêmicas para as partes antes da audiência de conciliação ou numa proposta que vem sendo denominada ‘oficina sistêmica’.

Sem adentrar nessa proposta de estudo sobre a legalidade de tais atos ante o código processualista vigente, diferentemente do magistrado, a postura e aplicação sistêmica de um advogado se dá de maneira particularizada e dirigida, muitas, senão todas as vezes, a apenas uma das partes. Na seara de que o Direito Sistêmico viabiliza a compreensão do Direito (enquanto conjunto de normas), mas dirigido à humanização e integração das disciplinas humanas é que a abordagem pela advocacia se diferencia.

Daí a evidente diferenciação de constelação sistêmica e Direito Sistêmico: tratar as demandas judiciais com base na filosofia hellingeriana não pressupõe a aplicação do método fenomenológico de uma constelação sistêmica. Inclusive, com relação à atividade dos facilitadores de constelação (chamados consteladores sistêmicos) há que se fazer ressalva de seus limites junto à atividade jurisdicionada.

A aplicação do método sistêmico pelo Judiciário nos moldes vislumbrados e aplicados hoje merecem advertência por dois pontos principais:

Um. Dispensam a presença do advogado.

Dois. Não são efetivadas em audiências de mediação.

Explica-se.

As oficinas sistêmicas têm sido realizadas por voluntários – facilitadores de constelação sistêmica – entretanto, sem conhecimento jurídico relativos às demandas. Vale ainda tecer comentário de que nem toda constelação sistêmica aplicada dentro do Judiciário deve adentrar a questões pessoais das partes. Pode-se apenas tratar do objeto da demanda, quais sejam: imóveis, relativos à adoção enquanto instituição, multiparentalidade enquanto tratativa da não exclusão biológica, contratos, questões empresariais ou mesmo questões sucessórias, além de outros casos.

Assim, a aplicação de constelação sistêmica por facilitadores sem conhecimento das ciências jurídicas, podem trazer confusão dada a particularidade de alguns casos – ainda que todas as demandas judiciais apresentem características emocionais e pessoais das partes envolvidas.

O Direito possui regras processualistas ainda vigentes que merecem igualmente a aplicação e entendimento das leis sistêmicas. Neste caso, o pertencimento no sistema judiciário revela-se no sentindo de que pertencem os operadores do Direito; a ordem é que o Direito Ortodoxo (tradicional) é anterior ao Direito Sistêmico e o Equilíbrio se dá na medida da aplicação e soma de um e outro adequadamente.

O pensamento sistêmico busca outros parâmetros para o desenvolvimento humano e para o universo material e científico. A visão sistêmica baseia-se na habilidade de compreender os sistemas de acordo com a Teoria Geral dos Sistemas, ou seja, ter o conhecimento do todo de modo a permitir a analise ou a interferência de um em outro.

Nesse passo, pela dinâmica dos sistemas de Niklas Luhmann a examinar o funcionamento da sociedade[11], vale-se dela para sustentar a atuação de cada operador e não operador jurídico do Direito Sistêmico tal qual se apresenta (BAGGENSTOSS, 2015, p. 21).

Pode-se colocar o Direito Sistêmico como um subsistema do sistema jurídico (pertencente ao sistema social) segundo o qual cada elemento do sistema se estrutura individualmente mantendo, contudo, a comunicabilidade. A comunicabilidade se dá de maneira interna (ou seja, apenas dentro da clausura do sistema) e externa (ou seja, fora do sistema).

Externamente a comunicabilidade acontece à abertura cognitiva, ou seja, ocorre para determinada demanda ao estilo de um ecossistema[12]. Assim, o sistema é sempre fechado e somente transcende para a comunicação e volta a se fechar.

A exemplo disso, se apresenta uma nova ideia ao Sistema Jurídico a incluir o Direito Sistêmico, devidamente separado do Sistema Hellingeriano, como se apresenta abaixo:

18580a

O uso das ditas ordens ou leis sistêmicas, assim, como o desenvolvimento dos direitos humanos, pode ser particularizado em atos mínimos.

É sabido que hoje a diretriz geral de qualquer princípio norteador deve ser relativizado às necessidades individuais e particularizadas ao vivenciado efetivamente. Não se pode generalizar e inserir a todos os indivíduos no mesmo molde.

É proposto um novo paradigma a permitir uma atuação e produção de direito legitimado, mas sem o âmbito coator e repressor do Judiciário como um pai a dizer ao filho o que e como fazer. Desconstruir para construir estruturas vigentes em previsibilidade, porém, sem predominância. Satisfazer interesses de maneira adequada e edificada pelo caráter consciencial em matizes da humanidade que afeta todos os mecanismos de vida. “O novo paradigma reconhece a instabilidade que caracteriza as relações humanas. O direito não pode ser visto apenas como um conjunto de normas. Assim como não podemos admitir que o corpo humano seja apenas um conjunto de órgãos ” (FAGUNDEZ, 2006, p. 59).

Pois bem, diante do complexo jurídico e da soma de várias ciências em sua máxima expressão de desenvolvimento multidimensional, cujo foco é o ser humano, o novo Direito provoca uma solidariedade e respeito de todos os seus agentes, iniciando pelo advogado.

O advogado, normalmente trabalha de maneira unilateral, ou seja, com apenas uma das partes. Seu trato é com a complexidade humana, contudo, dada à postura sistêmica, deve se manter na maneira de aplicador da lei sem se entrelaçar ou se reconhecer na situação trazida pelo cliente.

Numa primeira conversa com o cliente, o advogado já pode fazer uso de técnicas retóricas dos saberes sistêmicos. Frases e perguntas que proporcionem algum tipo de conscientização do cliente especialmente diante das possibilidades a serem elegidas numa demanda judicial e suas consequências. Por exemplo, normalmente, um cliente busca um advogado já colerizado e com olhar somente ao que lhe fere. Assim, pela conversa sistêmica pode-se viabilizar um alargamento da visão do cliente para bem enxergar a sua participação no evento que lhe leva à busca do Judiciário.

A compreensão de que o cliente chega carregado de impressões relativas à sua origem primeira (i. é, família), bem como, pela influência de quatro principais momentos de desenvolvimento da vida, quais sejam: fecundação (amorosa ou violenta), gestação, nascimento (parto normal, cesárea, prematuridade) e primeira infância (até os sete anos) são fatores indispensáveis ao desenvolvimento do adulto que ali se apresenta ainda que nos demais estágios de vida existam outros eventos (sejam ambientais ou morais) que o influenciem, contudo, em menor proporção.

Assim, com essas dinâmicas de perguntas acerca do histórico familiar, de perguntas que proporcionem uma visualização (sem julgamento) da postura do cliente, contudo, de forma a reparar como ele mesmo se identifica: vítima ou com ares de arrogância ao seu demandado, de repetição de frases sistêmicas é possível que o cliente mesmo se conduza na busca da resolução de maneira transigente e pelas vias do acordo.

Alternativa também ao advogado é o uso de organograma[13] familiar a vislumbrar como a pessoa (cliente) se posiciona (pertencimento, ordem/hierarquia e equilíbrio), proporcionando ao advogado uma diligência com o cliente para que o mesmo (cliente) perceba os seus possíveis equívocos diante do demandado e assim, produzir a justiça da paz na formação de acordos eficazes.

O advogado pode utilizar a dinâmica das constelações para vislumbrar qual o obstáculo enquanto profissional técnico (advogado) lhe traz dificuldade e apenas com relação ao objeto da questão, nunca adentrando nas questões pessoais do cliente ou da parte adversa. Estes, por si, podem livre e espontaneamente buscar o método para seu sistema pessoal inclusive fora do sistema judicial.

Em verdade, as demandas chegam ao Judiciário pelas mãos dos advogados que podem (e devem) estabelecer um processo mais ético e cada vez mais voluntário e quase na maneira arbitral – com acordos extrajudiciais, não contenciosos – permitindo-se aos clientes que estabeleçam as regras e as consequências de suas escolhas.

Ao operador jurídico cabe primeiro focar numa postura, saberes, assimilação entre os iguais e os diferentes, sem quedar-se do respeito. Sobretudo, deve se dar ao cliente somente o que ele busca, na medida e sem adentrar na postura de usurpar o lugar de seu pai e sua mãe (pela maneira sistêmica). As decisões devem ser sempre do cliente diante das possibilidades ofertadas pelo profissional técnico que é o advogado, cujo foco único deve ser atinente às previsões legais vigentes.  

A advocacia deve promover as mudanças, entretanto, na maneira como o advogado se porta diante do cliente, bem como, diante do caso, trazendo mais moralidade e empatia para com todos os envolvidos. A mudança é gradativa e o progresso não dá saltos, de maneira que vagarosamente se constrói e se estabelecem novas ideias a reestruturar o dinamismo do Direito.

Advogar é um exercício de consciência. Consciência de seu papel em respeito ao cliente e aos fenômenos da vida próprios da dimensão jurídica.

4. CONCLUSÃO

Evidentemente um trabalho desta ordem não pode tecer conclusões esclarecedoras acerca dessa nova teoria, fenomenologia e possibilidade que se abre ao Direito.

Pensar o Direito de uma maneira mais ampla, respeitosa e, sobretudo, na percepção de que cada indivíduo deve reestruturar-se ‘sozinho’ e dentro de suas necessidades, é um avanço.

Ter o Direito Sistêmico com a epistemologia proposta dentro das Ciências Jurídicas a revelar sua complexidade sugerindo uma postura de todos os sujeitos do Direito a viabilizar sua aplicação onde a adequação do comportamento humano passa a ser individualizado pela tomada de consciência e responsabilização própria – causas e consequências – pelas escolhas elegidas (por si mesmos) permitem uma evolução da própria sociedade.

Contudo, vale frisar que a prática da advocacia, pela autora, com o uso das orientações e filosofia hellingeriana tem proporcionado melhor resultado, sobretudo, em não se misturar ou se movimentar no processo com propósito (arrogante) de resolver a vida do outro. A atuação respeitosa e na medida de técnico a proporcionar o resultado jurisdicional não necessita do método fenomenológico, nem de grandes impulsos que não a cooperação individual de cada indivíduo, evidentemente refletindo no todo.

A cada nova observação e compreensão acerca da filosofia hellingeriana aliada a outras teorias viabiliza-se uma melhor advocacia, com melhor gestão e adequação do profissional e do próprio escritório, uma atuação mais ética e, consequentemente, resultados mais eficazes.

 

Referências
BAGGENSTOSS, Grazielly Alessandra. Teoria dos sistemas humanizada: a modelagem garantista das funções jurisdicional e legislativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.
BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
FAGUNDEZ. Paulo Roney Ávila. O novo (em) direito. Florianópolis. OAB Editora, 2006.
HELLINGER. Bert. WEBER, Gunthard e BEAUMONT, Hunter. A simetria oculta do amor: por que o amor faz os relacionamentos darem certo. Tradução: Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Cultrix, 3 ed., 2002.
HELLINGER. Bert. O amor do espírito na Hellinger Sciencia. Tradução: Filipa Richter, Lorena Richter, Tsuyuko Jinno-Spelter. Patos de Minas: Atman, 2009.
_______________. Ordens da ajuda. Tradução: Tsuyuko Jinno-Spelter. Patos de Minas: Atman, 2005.
_______________. Êxito na vida e na profissão: como ambos podem ter sucesso juntos. Tradução: Tsuyuko Jinno-Spelter. Patos de Minas: Atman, 2011.
KOGUCHI. Thiago. ACESSO PARA O INCOSNCIENTE. Revista Ler & Saber – Freud. São Paulo: Alto Astral. Ano 1. N. 1. 2017.
MAIA. Alexandre. Ontologia jurídica e realidade: o problema da ética da tolerância. Brasília. Revista de Informação jurídica. N. 143. Jul/set. 1999.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma concepção multicultural dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Contexto Internacional, vol.23. n.1, jan/jun/2001.
SILVA. Moacyr da Motta da Silva. Direito, justiça, virtude moral & razão. 1 ed., 2 tir. Curitiba: Juruá, 2004.
 
Notas
[1] o presente estudo foi desenvolvido pela autora no âmbito acadêmico como trabalho de conclusão de curso no programa de pós-graduação em Direito de Família e Sucessões, Sob a orientação da Profa. Grazielly Alessandra Baggenstoss Doutora em Direito, Política e Sociedade pelo Programa de Pós-Graduação em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Professora.

[2] Julgar aqui deve ser entendido como conceitos, opiniões e pareceres individuais, pessoais e subjetivas.

[3] O uso da terminologia método é opção da autora pela própria semântica da palavra, método é mais abrangente do que técnica.

[4] Maior, sistemicamente, é relativo à anterioridade e experiência. Esta por sua vez, não adentra aos limites de crenças do que é certo e errado. Experiências são particularizadas.

[5] O uso da palavra grupo indica que tal ordem do amor aplica-se a quaisquer grupos a qual um ser humano pode pertencer: família, amigos, entidade de classe, trabalho, seção.

[6] Constelado é a pessoa que se submete ao método da constelação sistêmica, ou seja, o cliente.

[7] Visualizar nesse caso tem o significado de compreender e sentir da esfera anímica, de alma, não compreensão pela cognição/razão.

[8] Seu objeto de estudo é o ser humano.

[9] Seu objeto de estudo é o fenômeno jurídico e o conhecimento do direito

[10] Exemplos disso é o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o nome social em documentos de identificação, entre outros que se seguem para regulamentação após a prática usual levados aos Tribunais.

[11] “Luhmann distingue três grandes sistemas como fenômenos do mundo: os sistemas vivos (referentes às operações vitais), os sistemas psíquicos (afetos aos indivíduos) e os sistemas sociais (constituídos basicamente por comunicações.

[12] “vários sistemas, cada um com seu aspecto de totalidade, tais como um indivíduo, uma família uma cidade, uma nação, interagindo numa rede dinâmica de interdependência mútuas”

[13] Num papel o cliente desenha a família. A partir das posições de cada membro, pode-se fazer questões e perguntar se não melhora se o desenho for feito de outra maneira, seguindo, a estrutura sistêmica de composição familiar de Bert Hellinger.


Informações Sobre o Autor

Damaris Badalotti

Advogada. Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2007), Especialista em Ciências Penais pela Rede de Ensino LFG em Parceria com a UNISUL. Especialistaem Direito das Famílias e Sucessões pela Faculdade CEUSC


logo Âmbito Jurídico