Direitos Humanos e a pessoa com deficiência: a importância do modelo biopsicossocial e do atendimento fisioterapêutico para a realização do direito à saúde e respeito à dignidade das pessoas com deficiência física adquirida

Resumo: As pessoas com deficiência foram historicamente submetidas às construções sociais que as definiram como menos pessoas porque pertenciam a corpos patológicos e disfuncionais, vistos como anormais. As reivindicações ocorridas a partir da metade do século passado ocasionaram fortes mudanças sociais para as pessoas portadoras de deficiência. O abandono do modelo biomédico e o surgimento do modelo biopsicossocial contribuiu para um tratamento mais humano e adequado na relação dos profissionais da saúde com seus pacientes portadores de deficiência. Ao falar em pessoas com deficiência adquirida, mister destacar a grande responsabilidade do profissional da fisioterapia em relação ao tratamento acolhedor do paciente e introdução do mesmo às mudanças de sua vida a partir do início da deficiência com vistas à garantir o respeito à sua dignidade e, também, efetivar de forma humana o seu direito à saúde. Utilizando o método de revisão bibliográfica, analisa-se o percurso histórico do tema e dos direitos humanos, além dos atuais protocolos de atendimento fisioterapêutico, foi possível concluir que a humanização do atendimento – atrelada ao modelo biopsicossocial – contribui de forma imensurável para o tratamento reabilitacional. Estudos interdisciplinares no ramo da fisioterapia se tornam indispensáveis, pois proporcionam o diálogo com os mais variados ramos de conhecimento, enriquecendo o conhecimento do profissional de saúde e tornando seu atendimento mais humanizado.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Fisioterapia. Deficiência. Humanização.

Abstract: People with disabilities were historically subjected to social constructions that defined them as less people because they belonged to pathological and dysfunctional bodies, seen as abnormal. The claims since the middle of the last century have brought about strong social changes for people with disabilities. The abandonment of the biomedical model and the emergence of the biopsychosocial model contributed to a more humane and adequate treatment in the relationship of health professionals with their patients. When talking about people with acquired disabilities, it is important to emphasize the great responsibility of the physiotherapist in relation to the patient's welcoming treatment and the introduction of it to the changes of his life from the beginning of the disability with a view to guaranteeing respect for their dignity and, also, to implement the human form of their right to health. Using the bibliographic review method, it was possible to conclude that the humanization of care – coupled with the biopsychosocial model – contributes immeasurably to the rehabilitation treatment. Interdisciplinary studies in the field of physiotherapy become indispensable, since they provide the dialogue with the most varied branches of knowledge, enriching the knowledge of the health professional and making their care more humanized.

Key Words:  Human rights. Physiotherapy. Deficiency. Humanization.

Sumário: Introdução. 1. Pontos relevantes sobre a história da deficiência. 2. Pessoa Com Deficiência e os Direitos Humanos. 3. O Modelo Biopsicossocial Na Saúde. 4. A Humanização Como Fator Remodelador Das Práticas Em Saúde. 5. O Fisioterapeuta Como Ator Intervencionista. Considerações Finais.

Introdução

 A pessoa portadora de deficiência era vista como um ser portador de anormalidade cujo tratamento e reabilitação seriam realizados com vistas a, supostamente, trazer este indivíduo, na medida do possível, à normalidade. Os padrões de normalidade eram socialmente estabelecidos e diziam respeito à presença de total capacidade física e mental (MARTINS, 2016 p. 178). Assim, o portador de deficiência e a incapacidade gerada pela deficiência eram confundidos em uma só figura: o deficiente – como era chamado.

Tal contexto, aliado à falta de leis e normas que estabelecessem tratamento digno e participação social a esta minoria, ocasionou, na década de 1960, o surgimento de movimentos sociais reivindicando questões de realização da cidadania (MARTINS, 2016 p. 170). As primeiras mudanças ocorreram nos Estados Unidos, na transição das décadas de 60 para 70, devido ao aumento da população portadora de deficiências em decorrência da Guerra do Vietnã (MARTINS, 2016 p. 170). Tais ocorridos viriam a, futuramente, afetar diretamente a visão sobre direitos humanos em âmbito internacional (TRINDADE, 2016, p. 54) e, também, afetar as constituições da américa latina (AVRITZER, 2017, pp. 16-18).

Neste viés, sabe-se que o profissional da fisioterapia deve sempre estar atento às evidências científicas para fundamentar seu trabalho. Tal atenção não deve se limitar apenas à melhora das técnicas de fisioterapia, mas deve, também, levar em consideração a interdisciplinaridade, os direitos humanos, a humanização do atendimento e a realidade biopsicossocial do seu paciente. Para tanto, é preciso recorrer às ciências do direito, da sociologia, da história e da antropologia, dentre outras.

 Assim, salienta-se a importância de estudos interdisciplinares no ramo da fisioterapia, principalmente no que diz respeito à humanização do atendimento de saúde e aos direitos humanos, com o objetivo de enriquecer e aperfeiçoar o conhecimento do profissional de saúde. Esta interdisciplinaridade traz benefícios não apenas para a comunidade atendida, mas também para os profissionais, pois estes compartilham os saberes de vários campos de estudos e adquirem, desta forma, um olhar mais amplo (CAVALCANTE, et al, 2014 p. 3).

Assim, o objetivo do presente trabalho é analisar o percurso histórico acerca daquilo que a medicina acreditou ser o melhor tratamento para as pessoas portadoras de deficiências desde o início da metade do século passado à implementação da Classificação Internacional de Funcionalidade (CIF) nas intervenções fisioterapêuticas, bem como a influência dos direitos humanos no tema. Logo após, busca-se analisar um modelo de tratamento fisioterapêutico mais acolhedor que respeite e entenda a pessoa portadora de deficiência e que oriente as ações de reabilitação a partir do modelo biopsicossocial.

Para tanto, utilizou-se a metodologia de revisão bibliográfica relativa a trabalhos científicos que abordam essa discussão desde o contexto social até o diagnóstico e tratamento biomédico em que eram submetidos aos pacientes, os conceitos que presidiram a deficiência e qual o modelo a ser seguido para os enfrentamentos do tratamento de saúde e questões sociais arcaicas aos quais o paciente com deficiência adquirida vivência.

Logo, para melhor entender o tema, é preciso analisar o contexto social e reabilitacional ao qual as pessoas portadoras de deficiência estavam(ão) submetidas, bem como o surgimento de suas reinvidicações e demais questões relativas à humanização e desobjetificação do paciente com deficiência adquirida. Para tanto, passa-se a analisar os principais aspectos históricos relativos ao tema.

1. Pontos Relevantes Sobre A História Da Deficiência

A partir da segunda metade do século passado as organizações privadas ligadas às pessoas com deficiência aproveitaram as reivindicações de direitos, que ocorriam na época, por outros grupos sociais para também reivindicar sua visibilidade e participação social. Assim, os universitários estadunidenses foram os primeiros atuantes significativos nas lutas pelos direitos dos portadores de deficiência, pois trouxeram à tona a necessidade de criação de espaços de atendimento especializado “que lhes conferisse o necessário apoio para sua integração na sociedade […], libertando as suas vidas do controle dos profissionais, desmedicalizando-as” (MARTINS, 2016 p. 174).

Os avanços iniciais ocorridos nos Estados Unidos influenciaram outros países, como a Inglaterra, que atuavam e influenciavam determinantemente organizações e relações internacionais. Assim, tais mudanças foram levadas até a Organização Mundial da Saúde – OMS (MARTINS, 2016, p. 2017). Ainda, no contexto britânico surgiu, em 1974, a organização denominada Union of the Physically Impaired Against Segregation[1] (UPIAS).

Nesse sentido MARTINS (2016, p. 176) explica que a atuação da UPIAS “funda-se numa separação crucial entre impairment, definida como uma condição biológica, e disability, reconceptualizada como uma forma particular de opressão social. A fronteira estabelecida entre estes dois conceitos, embora elabore uma essencialização do elemento físico, define-o sem referir a consagrada noção de normalidade. Esta cristalização do impairment chama-nos a atenção para o facto de que estamos perante uma desconstrução imanente à estrutura conceptual da discursividade de partida.

No entanto, isto não obsta à radical transgressão que reside nestas definições. Sobretudo pelo facto de a noção de disability, aquela que é primordialmente usada para identificar um dado grupo populacional (correspondendo nesse sentido à noção de deficiência utilizada na língua portuguesa), ter sido desvinculada da corporalidade para significar o conjunto de valores e estruturas que excluem determinadas pessoas das ‘atividades sociais centrais’.

A reconfiguração do conceito de disability para a afirmação de uma opressão vigente torna-se particularmente eficaz na medida em que faz uso de uma subtileza linguística em que a designação usada para identificar as pessoas com deficiência, disabled people, é apropriada como a própria afirmação da situação de opressão social vivida por uma ampla minoria populacional”.

Então, foi nos anos 70 que se sedimentou a visão que a UPIAS trouxe acerca da deficiência. Assim, estabeleceram-se ideais que, em tese, eliminam a segregação social em que se encontravam as pessoas com deficiência, visando superar tal apreensão social, trazendo a elas maior visibilidade e entendimento de políticas públicas advindas da UPIAS (MARTINS, 2016 p. 177).

Em verdade, é preciso entender que a UPIAS não foi a primeira instituição para pessoas com deficiência, pois já existiam há mais de dois séculos instituições que abrigavam pessoas com surdez, com problemas cognitivos e, ou, cegas. Porém o que se destaca nas UPIAS é o grande aporte sociológico e o fato de ser organizada e estabelecida por pessoas com deficiência, diferentemente do ocorrido nas instituições anteriores (DINIZ, 2007 p. 11). Assim, as pessoas portadoras de deficiência não apenas administraram, mas, também, puderam falar e ser ouvidas sem que uma instituição maculada pelo tratamento arcaico falasse em nome delas.

Entretanto, a UPIAS não foi a primeira instituição para pessoas com deficiência, pois já existiam há mais de dois séculos instituições que abrigavam pessoas com surdez, com problemas cognitivos e, ou, cegas. Porém o que se destaca em relação à UPIAS é o grande aporte sociológico e o fato de ser organizada e estabelecida por pessoas com deficiência (DINIZ, 2007 p. 11), diferentemente do ocorrido nas instituições anteriores. Assim, as pessoas portadoras de deficiência não apenas administraram, mas, também, puderam falar e ser ouvidas sem que uma instituição maculada pelo tratamento arcaico falasse em nome delas.

Nesse sentido Diniz (2007, p. 12) explica que “o marco teórico do grupo de sociólogos deficientes que criaram a Upias foi o materialismo histórico, o que os conduziu a formular a tese política de que a discriminação pela deficiência era uma forma de opressão social. […] E foi nesses termos que os conceitos de lesão e deficiência foram politicamente redefinidos”. Outro aspecto que merece destaque em relação à a diferença entre o que propunha a UPIAS e o modelo arcaico das outras instituições era o de que estas pretendiam afastar as pessoas portadoras de deficiência do convívio social e, ou, trazê-las para um padrão arcaico de normalidade e assim, se fosse possível, devolvê-las às famílias (DINIZ, 2007 p. 11).

Assim, todo o manejo destas pessoas ocorria com fundamento no fato de que eram enxergadas como anormais, que precisariam ser afastadas da sociedade até que se enquadrassem novamente – quando era possível fazê-lo – dentro dos padrões de normalidade estabelecidos pela sociedade. Esta realidade ocorria frequentemente em instituições como os manicômios, administrados através do modelo hospitalocêntrico (ALMEIDA; et al, 2002, p. 119).

Após o surgimento da UPIAS uma corrente sociológica e filosófica de discussões e discursos a criticava, como, por exemplo, Michael Oliver que teorizava o que a UPIAS deveria ter modificado no cotidiano das pessoas portadoras de deficiência (MARTINS, 2016 p. 178). O que a UPIAS fazia era criar uma resistência ao modelo médico no campo da saúde e, mais precisamente, na abordagem reabilitacional, a qual acabaria demorando um pouco mais para se difundir na prática. É preciso entender que o ato de criar uma instituição administrada pelas próprias pessoas com deficiência foi, em um dos seus aspectos, um ato político e revolucionário.

A inserção de uma abordagem reabilitacional começou a ser desenvolvida a partir da primeira guerra mundial, onde os soldados que retornavam eram submetidos a tratamento devido a amputações decorrentes das batalhas. Nesta época, já se pressupunha a lógica de trazer o corpo à noção de normalidade, ou seja, aquelas pessoas a partir do momento em que adquiriram alguma deficiência passaram a ser consideradas anormais e passíveis de um tratamento de recuperação do corpo que as trouxessem de volta à normalidade (MARTINS, 2016 p. 179).

Neste contexto, nota-se que a pessoa portadora de deficiência era vista como objeto de reabilitação, tal qual um aparelho eletrônico necessitaria de um técnico que o consertasse. Os olhares, atenções, estudos, diagnósticos e tratamentos eram voltados para a patologia e esta era vista como anormalidade. Ocorre, porém, que a pessoa passava a ser vista como a sua patologia ou como a sua deficiência. Nota-se que era uma lógica desumanizadora e medicalizadora (MARTINS, 2016, p. 179).

Sabe-se que essa conduta não refletia só a prática dos médicos particulares, mas enraizava-se na realidade hospitalocêntrica de saúde, deixando, assim, a saúde dessas pessoas a cargo de profissionais que ditavam a maneira como seus pacientes deveriam reconfigurar suas vidas (MARTINS, 2016 p. 179). Esta realidade ocasionava a passividade acerca de seus corpos e suas falas, pois a relação desses profissionais com os portadores de deficiência era vertical – no sentido de que esses pacientes estavam sujeitos passivamente ao tratamento que lhes era designado sem levar em consideração suas vontades e pensamentos.

A desumanização e a medicalização impediam as pessoas portadoras de deficiência de serem vistas como tal – pessoas portadoras de deficiência –, sendo vistas, na verdade, como deficientes – pois a deficiência e a pessoa que a portava eram vistos em uma só figura. O modelo médico da deficiência acabou se tornando o tormento das pessoas portadoras de deficiência, pois eram inseridas numa medicalização de reabilitação, tornando-se objetos do tratamento cujas vozes e questões sociais e psicológicas não eram ouvidas ou sequer levadas em consideração.

Assim, o objetivo de fazer regressar o indivíduo à normalidade era o que balizava toda a estrutura da reabilitação. Haviam casos em que a deficiência não pôde ser curada, o que colocou por terra essas presunções. A filosofia da reabilitação enfatizava a normalidade física e o alcance das capacidades que permitiam ao indivíduo aproximar-se o máximo possível de um comportamento de normalidade corporal (MARTINS, 2016, p 181).

Para mudar o cenário das políticas públicas das pessoas com deficiência seria necessário, primeiramente no campo da saúde, separar o que deveria ser lesão e deficiência, ao passo que a lesão teria total direcionamento dado pelo modelo biomédico e suas diretrizes, ao passo que a deficiência diria respeito às questões de políticas de bem-estar. Nesse sentido, DINIZ (2007, p. 16) explica que “o resultado foi a separação radical entre lesão e deficiência: a primeira seria o objeto das ações biomédicas no corpo, ao passo que a segunda seria entendida como uma questão da ordem dos direitos, da justiça social e das políticas de bem-estar. […] Deficiência passou a ser um conceito político: a expressão da desvantagem social sofrida pelas pessoas com diferentes lesões”.

A evolução dos estudos acerca da deficiência gerou novas abordagens metodológicas e, consequentemente, criariam conceitos e definições, ramificando conhecimentos que pudessem embasar melhor as políticas públicas e o modelo médico, que embora estivesse a evoluir na questão tecnológica de procedimentos ainda engatinhava nos preceitos sociais do paciente (DINIZ, 2007 p. 14). Este modelo médico, conforme ensina BITTENCOURT et al (2005, p. 130), “´[…] define doença como ausência de saúde e sua avaliação e tratamento consiste em tratar o indivíduo apenas a nível físico”. A medicina apoiou, então, suas observações a partir dessa perspectiva.

Essa situação, enraizada na formação dos médicos, reflete o referencial das biociências, deixando de analisar e levar em consideração o contexto psicossocial do paciente e suas significâncias. Tal compreensão plena do paciente em relação à sua doença exige da prática reabilitacional uma compreensão mais efetiva (MARCO, 2005, p. 64). Buscava-se, então, um modelo que deveria basear-se na remodelação progressiva do profissional, proporcionando uma visão integral do ser e do adoecer de forma a compreender não apenas as dimensões físicas, mas, também, as psicológicas e sociais da pessoa portadora de deficiência.

 Esse modelo, em choque com o modelo médico, exigiu dos profissionais aprendizado, permitindo estabelecer um vínculo adequado e uma comunicação mais efetiva à frente das situações do paciente (MARCO, 2005 p. 64). Assim, queria-se um modelo mais adequado que entendesse as capacidades e incapacidades. Sintetizar-se-ia os dois modelos (biomédico e psicossocial) sem cometer o erro de reduzir o paciente à lesão, de modo a levar em conta todos os aspectos do mesmo (BRAVO, 2010, p. 67).

Nota-se que as pessoas portadoras de deficiência foram historicamente submetidas às construções sociológicas que as definiram como menos pessoas porque pertenciam a corpos patológicos, disfuncionais e anormais (MARTINS, 2016, p. 186). A partir daí todas as lutas sociais tentaram estabelecer um melhor conceito teórico de tratamento, engajando toda a equipe multiprofissional que estaria participando do processo de reabilitação das pessoas com deficiência. Ainda, tais pessoas seriam vistas e tratadas com dignidade, passando a ser enxergadas como pessoas portadoras de deficiência e não simplesmente como deficientes.

É preciso salientar que a fisioterapia necessita de um modelo teórico social de intervenção reabilitacional que direcione seus estudos acerca do corpo, influenciando a prática clínica e seu avanço científico. Tai modelo poderia definir seu papel na sociedade para com a população. Dessa forma, a aplicação de um modelo teórico mais adequado à atuação dos fisioterapeutas possibilitaria melhor entendimento do processo vivenciado pelo indivíduo desde a instalação da doença até suas consequências funcionais e sociais. (BITTENCOURT, 2005, p 130).

A deficiência adquirida – objeto de análise específico deste ensaio – independentemente de possuir maior ou menor gravidade, ocasionar grandes desafios à vida do ser humano (OLIVEIRA, 2000 p. 437). A pessoa que sofreu um trauma depara-se com uma situação nova e extremamente diferente, podendo ter limitado o desempenho das suas vivências sociais, profissionais e familiares, além de sofrer mudanças no âmbito íntimo e psicológico (OLIVEIRA, 2000 p. 437).

Para melhor entender o tema, torna-se necessário analisar alguns conceitos essenciais relativos à pessoa com deficiência. Neste viés surge a Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIDID), cujo objetivo era a unificação dos conceitos – de forma semelhante à Classificação Internacional de Doenças (CID). Assim, passa-se a analisar tais informações.

2. A Pessoa Com Deficiência e os Direitos Humanos

O conceito de deficiência, na visão médica adotado pela Organização das Nações Unidas em 2001 (FRANCISCO, 2012 p. 18), dizia respeito à total ou parcial perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que por consequência secundária à lesão gera incapacidade para o desempenho de uma ou mais atividades (FRANCISCO, 2012 p. 18). Nota-se que este conceito busca arrimo em um conceito de normalidade, entendendo a deficiência como uma anormalidade.

Porém, devido às lutas pelo reconhecimento social das pessoas com deficiência ao longo da história – conforme mencionado anteriormente –, em 1976, surgiu na IX Assembleia da Organização Mundial da Saúde (OMS) uma nova proposta: a International Classification of impairments, desabilities and handcaps, tendo como tradução, a Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens (CIDID) (FRANCISCO, 2012 p. 18).

A CIDID tinha como propósito a classificação do conceito de deficiência segundo um referencial único, de modo a tornar a classificação objetiva e abrangente. Além da deficiência, o conceito de incapacidade tinha como entendimento a restrição, ou seja, a perda da habilidade para desempenhar uma atividade que antes era considerada típica para o ser humano. A incapacidade significaria a redução efetiva e acentuada das capacidades da integração social, havendo a necessidade de dispositivos, adaptações ou recursos especiais para que a pessoa com deficiência possa receber ou transmitir as informações necessárias ao seu bem-estar e ao desempenho de função ou atividade a ser exercida (FRANCISCO, 2012 p. 18).

Ainda, a Organização Mundial de Saúde publicou a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) em 2001 refletindo uma mudança no tratamento de pessoas com deficiência, tendo como visão do indivíduo um olhar mais social, segundo o qual apresente alterações de função ou de estrutura podendo desempenhar e participar ativamente da reconstrução da sua vida.

A funcionalidade e a incapacidade das pessoas com deficiência passaram a ser entendidas como determinadas pelo contexto sociológico onde estão inseridas e, assim, não mais como aspectos subsequentes da doença (FRANCISCO, 2012 19). Logo, a noção de incapacidade pode ser entendida além dos impactos que as condições agudas e crônicas têm nas funções do corpo, mas também nas habilidades do indivíduo de interagir com o mundo (BITTENCOURT, 2005).

O processo de incapacidade pode ocasionar a invalidez temporária ou permanente, dependendo da extensão da lesão, influenciando os meios do trabalho, influência essa que pode gerar prejuízos à população economicamente ativa e, também, perdas econômicas diretas (FRANCISCO, 2012, 19). No âmbito nacional, o decorrer histórico da reabilitação mostrou que a atenção dada a pessoas portadoras de deficiências físicas teve uma injeção de ideias sociológicas significativas no final dos anos de 1950, quando fortemente tinha como ideia orientar prática e ideologicamente, as concepções médicas sobre as incapacidades e o processo de reabilitação física (ALMEIDA, et al, 2002 p. 120).

Da análise desta informação é possível destacar que havia uma presunção de que a normalização de funções corporais seria a condição requerida para a integração social, excluindo do foco de atenção da reabilitação inúmeros processos sociais e demandas significativas para a pessoa. Já as deficiências físicas adquiridas são aquelas que surgem no período pós-natal, podendo ser causadas pelas mais diversas patologias como, por exemplo, o Acidente Vascular Cerebral (AVC) ou devido a traumas que possam acarretar, por exemplo, amputações em um ou mais segmentos corporais (FRANCISCO, 2012, p. 21).

Em seu estudo, Francisco (2012, p. 21) define cada uma destas várias formas de deficiência física adquirida: a) Paraplegia: paralisia total da metade inferior do corpo, comprometendo os membros inferiores; b) Paraparesi: perda parcial das funções dos membros inferiores; c) Monoplegia: perda total das funções de um só membro (membro superior ou membro inferior); d) Monoparesia: perda parcial das funções de um só membro (membro superior ou membro inferior); e) Tetraplegia: paralisia total do corpo, comprometendo as funções dos membros superiores e inferiores; f) Tetraparesia: perda parcial das funções dos membros superiores e inferiores; g) Triplegia: perda total das funções em três membros; h) Triparesia: perda parcial das funções em três membros; i) Hemiplegia: perda total das funções de um hemicorpo (direito ou esquerdo); j) Hemiparesia: perda parcial das funções de um hemicorpo (direito ou esquerdo); k) Ostomia: procedimento cirúrgico que consiste na abertura de um órgão oco como, por exemplo, alguma parte do aparelho gastrointestinal, do aparelho respiratório, urinário, ou outro qualquer, permitindo a comunicação com o meio externo; l) Malformação Congênita: anomalia física desde o nascimento.

 3. Do Modelo Biopsicossocial Na Saúde

O processo de humanização foi o que abriu caminho ao pensar nos aspectos psicossociais e implementá-los ao modelo biomédico até então vigente (MARCO, 2006 p. 61). Logo, as construções feitas pelos trabalhadores da saúde, juntamente com os usuários dos serviços e tão após difundidas pelo Ministério de Saúde em políticas de educação permanente na saúde começaram a provocar as estruturas do que era tido como base da medicina.

Diversos fatores levaram o surgimento desse interesse por humanização aos atendimentos, como a avaliação da qualidade do atendimento, criando assim, serviços de atenção aos pacientes e as famílias (MARCO, 2006 p. 62). Tais serviços não só ajudavam os usuários do serviço de saúde, mas também, reformulava cada vez mais a formação, conduta e a prática desses profissionais engajados.

O ensino nas áreas da saúde é atualmente norteado a partir do modelo biopsicossocial. Tal modelo é caracterizado pela inclusão da observação que levem a interpretação das emoções e que levem a compreensão da causalidade em consideração (NUNES, et al, 2013 p. 127). A medicina abandonou o modelo biomédico e, a partir dos avanços sociológicos nas instituições, promoveu o ensino ancorado numa visão mais social do paciente na tomada de entendimento sobre o paciente e sua relação com a doença.

No contexto histórico, o modelo biomédico formava sua aplicação a partir do paradigma da resolução de problemas firmando sua geração de hipóteses e a interpretação dos dados clínicos para sua verificação, com reconhecimento de padrões e categorização (NUNES, et al, 2013 p.128). Ou seja, esse modelo via a incapacidade um atributo à pessoa causada diretamente pela instalação da doença e não a transferia para o contexto social de responsabilidade das políticas públicas e do profissional.

Do modelo biomédico ao modelo biopsicossocial em saúde ocorreu a implementação do olhar humanizado de reintegração das dimensões psicossociais às práticas em saúde, proporcionando uma visão integral do ser e do adoecer. O modelo biopsicossocial, ao ser incorporado à formação médica, implica treinamento em relacionamento, vínculo e comunicação (NUNES, et al, 2013 p.128). Assim, todas as áreas multidisciplinares da saúde incorporaram no seu currículo esse novo modelo para obtenção de diagnóstico e intervenção seja fisioterapêutica, psicológica e afins.

O ensino das áreas da saúde, que tem como objetivo ensinar a criar habilidades e senso crítico a partir do modelo biopsicossocial, deve ser visto com a intenção de criar a integração da experiência clínica com a capacidade de analisar e aplicar racionalmente a informação científica ao cuidar de pacientes (NUNES, et al, 2013 p.127). Logo, os futuros profissionais que entendem esse raciocínio para a tomada de decisões são revestidos por um modelo que norteia todas as fases de tratamento.

Quando em face ao modelo de formação do médico, nota-se a necessidade de que o profissional, além do aprendizado e evolução das habilidades técnico-instrumentais, evolua as capacidades de relação das outras nuances do paciente, que permitem o estabelecimento de um vínculo e uma comunicação mais efetiva (ALVES, et al 2016 p. 187). Desencadeando para as outras áreas um efeito em cascata de aperfeiçoamento e mudança nas práticas clínicas, de todas as outras formações baseadas a partir do diagnóstico, acarretando aí o pensar da equipe de reabilitação.

A partir da CIF o modelo biopsicossocial de saúde proposto por esta classificação efetivou a participação de diversas áreas profissionais, principalmente as áreas que diretamente utilizam dessa classificação para nortear suas intervenções, proporcionou o sentido de ampliar e identificar a melhor forma de viabilizar sua utilização (QUINTANA, et al, 2014 p. 148). De certo modo, a CIF revolucionou desde as políticas públicas incorporando em seus currículos e práticas em saúde a visão de um método mais humanizado do ser.

As habilidades adquiridas a partir do modelo biopsicossocial que desenvolvem um raciocínio clínico e melhor tomada de decisões, além de aprimorarem a qualidade da anamnese, exame físico, indicação de exames complementares, incapacidades, fatores contextuais, qualidade de vida, desenvolve uma avaliação sistemática aspectos relevantes para o tratamento (NUNES, et al, 2013 p.128). Essa visão integral do paciente traz uma compreensão melhor não somente das dimensões físicas, mas também pessoais ambientais.

Visto isso, o modelo em questão analisa e percebe também os fatores ambientais e que podem representam um papel importante na funcionalidade dos pacientes, seja como agente facilitador ou como barreira, e merecem ser cuidadosamente avaliados (QUINTANA, et al, 2014 p. 150). Tão logo os profissionais que lidam com esses fatores, devem avaliar de maneira que compreenda a extensão e relação desses fatores que formam o paciente.

No que diz respeito aos fatores pessoais, podem confrontar-se com estratégias que visem à mudança do ambiente a partir de sua correlação entre si (QUINTANA, et al, 2014 p. 150). Logo, todos esses fatores são compreendidos pelo modelo biopsicossocial, visando a integralidade do paciente e sua relação com o terapeuta. Tendo em vista que os fatores pessoais não estão classificados pela CIF, mas devem ser levados em consideração pelos agentes transformadores no sentido de incorporar nas suas aplicações (QUINTANA, et al, 2014 p. 150).

Com isso, verifica-se que o suporte social ao paciente adquirido através desse modelo facilita o processo de funcionalidade, minimizando as limitações das deficiências e permitiu a realização de maior número de atividades, além de ter viabilizado a participação social (QUINTANA, et al, 2014 p. 150). Trazendo para o olhar da fisioterapia, o paciente ao se sentir entendido integral e socialmente, poderá responder satisfatoriamente ao tratamento de modo que a evolução fisioterapêutica não sucumbirá apenas no aspecto físico, mas perpassará nas dimensões de outros fatores da vida do paciente, melhorando a saúde como um todo.

O modelo biopsicossocial de saúde proposto pela CIF é um relevante subsídio para o cuidado em fisioterapia, pois através da interação entre os seus componentes surgem amplas possibilidades de aplicação nos diversos aspetos relacionados com a saúde da pessoa com deficiência adquirida (QUINTANA, et al, 2014 p. 151). O cuidado a partir das ciências que tem como base o cuidado do ser humano, estabelecem uma relação de humanização ao paciente quando incorporadas pelo modelo biopsicossocial.

4. A Humanização Como Fator Remodelador Das Práticas Em Saúde

Algo indiscutível na atualidade são os avanços nas ciências e suas tecnologias que trazem maior recursos e dispositivos para as áreas de saúde, algo que se percebe a cada nova descoberta, facilitando e aperfeiçoando a prática dos profissionais, e, mais importante, trazendo benefícios ao dia a dia dos pacientes (FRANCISCO, 2012 p. 27). Assim, as redes de atendimento se remodelam para oferecer, dentro da realidade possível do país, acesso mais dinâmico e otimizado nas situações adversas.

Tal progresso tecnológico muda constantemente a realidade das intervenções na área de saúde, porém, outros fatores podem não estar sendo levados em consideração na hora de aplicar essas (FRANCISCO, 2012, p. 17), ou seja, os profissionais detêm o poder e o conhecimento da melhor aplicabilidade, mas se veem confrontados quando se deparam no que diz respeito à ética do ser humano.

Quando se usa artifícios que prolonguem a vida e, consequentemente, a esperança, cria-se uma dicotomia que o “viver mais” acarretará uma melhor forma de viver, analogia essa que pode não corresponder às expectativas dos pacientes quanto à forma que serão aplicados tais técnicas de modo a respeitar o ser humano e a humanidade (FRANCISCO, 2012, p. 28). Estas tecnologias visam melhorar a qualidade de vida do paciente, mas ao serem aplicadas pelos profissionais podem acabar esbarrando em faltas no atendimento.

O contato humano é imprescindível no que tange ao cuidado dos pacientes, devendo ocorrer desde a internação de modo a trazer melhores resultados na reabilitação e resgatar os valores de humanização dos profissionais para com os pacientes (FRANCISCO, 2012, p. 28). O ato de tocar é descrito como o recurso terapêutico mais antigo. Quando o paciente se sente acolhido e entendido, cria-se uma atmosfera de humanização acerca das situações que o cercam naquele ambiente, efeito este trazido pelo simples ato de contato humano.

A humanização em saúde, por ser entendida como o resgate do respeito à vida, leva em consideração os fatores sociais, éticos, de acesso à educação e psicológicos que definem as relações humanas, aspectos estes que estão inteiramente ligados ao contexto físico das pessoas (FRANCISCO, 2012, p. 28). Analisando esse conceito, percebe-se que principalmente aquelas pessoas que passaram por algum episódio traumático terão todos esses fatores abalados confrontando o emocional e físico.

A relação de humanização do atendimento entre profissionais de saúde e paciente tem como base a solidariedade, a sensibilidade e a criatividade (FRANCISCO, 2012, p. 28). Então, o assistencialismo, a compaixão com o outro e criar maneiras de sensibilização dos profissionais e empoderamentos dos pacientes é o que é discutido nos modelos que têm como princípios o atendimento humanizado em saúde.

O movimento de humanização visa sensibilizar os profissionais de saúde em relação à dicotomia que se cria a partir os adventos tecnológicos oferecidos aos pacientes, que criam distanciamentos entre terapeuta e paciente (FRANCISCO, 2012, p. 28). O paciente se torna objeto de estudo, investigação e intervenção e o terapeuta assume a posição de observador, observando os processos patológicos acometidos pelo paciente no campo físico.

Assim, surgiu a humanização, pelo desejo dos profissionais trabalhadores das instituições de atendimento e dos usuários dessas redes que tinham como ideia melhorar a prática da saúde (FRANCISCO, 2012, p. 28). Logo, vendo realidades sofridas pelos usuários do sistema de saúde frente às intervenções tecnológicas, os profissionais perceberam que era necessário ir além dos adventos. Percepção essa também sentida pelo lado dos pacientes que começaram a ter voz ativa no cuidado que lhes era oferecido.

O processo de humanização percorreu uma evolução que inicialmente tinha como foco as ações de acolhimento, cidadania e reconhecimento do campo da subjetividade do atendimento. Logo, essas ações mudaram as práticas de políticas públicas do Sistema Único de Saúde (SUS) (FRANCISCO, 2012, p. 28). Assim, essas ações foram ganhando cada vez mais significância e adeptos e isso ocasionou a remodelação da maneira como poderia se mudar a realidade como eram atendidas essas pessoas.

Segundo FRANCISCO (2012, p. 29), “enquanto política, a humanização representa um conjunto de valores e princípios humanistas para o norteamento das ações na área da saúde que promovem: Valorização da vida; Compromisso com a qualidade do trabalho; Valorização dos profissionais; Realce à subjetividade das pessoas; Fortalecimento do trabalho em equipe; Participação, autonomia e responsabilidade; Ambiência acolhedora”.

O processo de humanização na assistência em saúde significa cuidar do paciente como um todo, englobando o contexto familiar e social (FRANCISCO, 2012, p.57). Logo, isso significa que o paciente será assistido por uma rede que olhe para todo o conjunto familiar em que a pessoa portadora de deficiência está inserida, assim como dar apoio à família que, dependendo a extensão da lesão, precisará estender à sua casa os atendimentos oferecidos na rede de saúde e, consequentemente, planejar o retorno às atividades dessa pessoa no seu convívio social.

Dessa forma o modelo assistencial da humanização no processo de reabilitação consistiria em um conjunto de estratégias que acompanham a criação de espaços negociáveis para o paciente e sua família, para a comunidade e para os serviços que se ocupam do paciente (ALMEIDA, 2002 p. 124). Assim, ofereceram-se estímulos e possiblidades de possíveis atividades com oficinas de terapia de inclusão, disponibilizando cartilhas desenvolvidas para abordar tópicos de interesse do paciente e da família, direitos e até será a rotina dos atendimentos de recuperação.

Os fisioterapeutas, embasados em suas capacitações, devem proporcionar atenção integral e holística ao indivíduo, não só do ponto de vista físico, como também social, ético e humano (FRANCISCO, 2012 p. 31). Tendo em vista isso, é de extrema importância o profissional do movimento, ao aplicar suas técnicas, desenvolver um modelo assistencial na sua prática levando em consideração todos os fatores que influenciam e formam a saúde do paciente.

A fisioterapia, por ser uma profissão relativamente nova, procura realizar buscas por evidências científicas que venham a fundamentar sua prática. Porém, se faz necessário maior aprofundamento no que diz respeito ao tema interdisciplinaridade/humanização e deficiência física adquirida, o que remete à necessidade de desenvolvimento de pesquisas na área (FRANCISCO, 2012 p. 31).

Logo, a busca da fisioterapia por conhecimento não deve se liminar a apenas refutar ou constatar técnicas, mas deve aprimorar seu conhecimento nas áreas que conversam com a sociologia e a antropologia, além de levar em consideração o percurso histórico das condições humanas. Desta forma o profissional estará munido de conceitos transformadores que influenciarão sua capacitação e, consequentemente, sua metodologia de modo que o faça desempenhar com mais humanização e olhar crítico a avaliação e evolução fisioterapêutica.

5. O Fisioterapeuta Como Ator Intervencionista

O profissional fisioterapeuta tem poder de atuar em vários âmbitos, como na clínica, na saúde coletiva, na educação, entre outros, integrando a equipe multidisciplinar de saúde (FRANCISCO, 2012 p. 22). De acordo com o COFFITO (Conselho Federal de Fisioterapia Terapia Ocupacional), a fisioterapia tem por definição “Uma ciência da saúde que estuda, previne e trata os distúrbios cinéticos funcionais intercorrentes em órgãos e sistemas do corpo humano, gerados por alterações genéticas, por traumas e por doenças adquiridas, na atenção básica, média complexidade e alta complexidade” (COFFITO, 1978). A formação do profissional fisioterapeuta passa por várias áreas do conhecimento para que o profissional do movimento esteja, ao final do processo de formação, preparado para desempenhar a reabilitação com a melhor aptidão, sempre tendo como base sua prática, a exigência crítica e humanista (FRANCISCO, 2012 p. 22).

O fisioterapeuta tem como base curricular o estudo aprofundado do corpo humano e, por consequência, os fatores patológicos. Logo, sua prática evolutiva implica compreensão dos fatores de causa e efeito das patologias de maneira mais estrutural e da biodinâmica. Há fatores ambientais que devem ser levados em consideração para que o tratamento fisioterapêutico consiga atingir outras camadas da dimensão da doença e seus reflexos (FRANCISCO, 2012, p 22).

Uma maneira de perceber o quanto humanizado está o currículo dos profissionais em saúde é analisar o quanto é oferecido de carga horária e enfoque nas disciplinas que atentam para as ciências sociais e humanas, correlacionando-as com as ciências biológicas. Se há falha nessa atenção, isso pode, no futuro, ocasionar carência do processo humanizado dos atendimentos em sua lógica social (FRANCISCO, 2012 p. 23).

Para entender a prática do profissional fisioterapeuta, é necessário olhar para a formação dos graduados e entender que, a humanização do atendimento, deve percorrer todas as áreas de atuação em saúde, assim a formação desses acadêmicos terá enraizado em suas diretrizes valores e respeito à vida humana indispensáveis na consolidação e sustentação de uma cultura mais humanizada do paciente (FRANCISCO, 2012 p. 23).

A fisioterapia enquanto área do conhecimento visa preparar o profissional para atuar nas áreas de conhecimento com o objetivo de promoção e recuperação, levando em consideração as necessidades de cada indivíduo, tendo uma visão ampla da realidade da situação em saúde que se encontra a pessoa, aliando sua técnica a recursos tecnológicos que melhorem a prática fisioterapêutica. Para isto, oferece o melhor manejo do paciente e das possíveis situações que ele se encontre, seja fragilizado pela doença ou quanto à sua extensão. Só assim se poderá ter a garantia de humanização necessária ao paciente em todas as fases de sua recuperação junto ao profissional (FRANCISCO, 2012 p. 24).

No âmbito hospitalar pode-se vivenciar as mais diversas formas de sentimentos e singularidades por parte não apenas do paciente, mas também dos familiares que os acompanham. Em relação à internação na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) essa experiência pode apresentar para os envolvidos uma série de instabilidades emocionais, desde sua internação, passando pelo diagnóstico, às incertezas da recuperação e tratamento. Esse mistério que se instala no imaginário dos envolvidos pode ser potencializado pela falta de suporto psicológico e social e pela falta de humanidade na relação do profissional de saúde com estas pessoas (FRANCISCO, 2012 p. 24).

É importante ressaltar, quando se pensa na UTI, que o fisioterapeuta que lá trabalha pertencente a uma rede multidisciplinar. Já no início do diagnóstico percebe, pelas suas técnicas, as limitações físicas do paciente para, então, aplicar sua técnica. Porém, deve ir além ao perceber, com o cuidado humanizado, que essa intervenção fisioterapêutica no paciente com deficiência adquirida irá precisar ocorrer tanto dentro do ambiente hospitalar quanto fora dele (FRANCISCO, 2012 p. 27).

A interdisciplinaridade e a humanização não se dão apenas no seio hospitalar. É entre os profissionais daquele meio é que ocorrem os primeiros atendimentos da pessoa com deficiência adquirida, tornando-se importante pensar que o profissional que for munido de toda a bagagem humanizada ao atendimento acabará influenciando o paciente de modo que este levará menos anseios e frustrações para a sua vida (FRANCISCO, 2012 p. 27).

O fisioterapeuta desempenha importante papel para a recuperação funcional do paciente com deficiência adquirida, sendo um profissional que permanece junto ao paciente por longo período, aplicando suas técnicas específicas e estimulando a motivação do mesmo (FRANCISCO, 2012, p. 86). Logo, toda a trajetória de recuperação desse paciente será acompanhada por um fisioterapeuta. Isso demonstra a dimensão da responsabilidade que esse profissional exercerá na vida desse paciente e da família envolvida com o tratamento.

Considerações Finais

Os profissionais da saúde, especialmente o da fisioterapia, devem treinar e proporcionar uma atenção integral e holística ao indivíduo, não só do ponto de vista físico, como também social, ético e humano. A evidência científica norteia a prática clínica para que se escolha o melhor protocolo acerca dos acometimentos na saúde do paciente, todavia, essa busca também deverá acompanhar os estudos de literaturas que não mecanizem os atendimentos. O melhor recurso terapêutico que se pode proporcionar aos pacientes estará sempre atrelado à humanização do atendimento. Esta é a forma, também, de efetivar e garantir os direitos humanos da pessoa portadora de deficiência física adquirida, em atenção à dignidade da pessoa humana.

Na forma como se conduz e recebe as queixas do paciente, ao chegar em na clínica, espera-se que o profissional possa avaliar os fatores bio e buscar informações de como o paciente interage com a sua nova percepção de corpo, respeitando sua dignidade. Aí sim, a evolução será acrescida de uma rica experiencia, tanto para o profissional quanto para o paciente, gerando possíveis conquistas à curto e à médio prazo. Para isso, se faz necessário maiores estudos acerca desse método que poderá humanizar e minimizar as mazelas do paciente na prática clínica.

As relações de corpo, pessoa e sociedade são descritas em todos os autores aqui pesquisados, isso mostra grande interesse por parte de todos os pesquisadores em mudar as práticas em saúde. Este trabalho trata especificamente do fisioterapeuta no âmbito clínico, sobre ele ter um olhar mais humanizado ao avaliar o paciente, levando em consideração todas as narrativas feitas por ele. Assim, busca-se perceber os desfechos desde as intervenções hospitalares que deram início ao processo da mudança do seu novo conceito de viver.

É preciso entender que a equipe multidisciplinar de atendimento na UTI poderá, ou não, verbalizar as dificuldades que o paciente deverá enfrentar a partir do diagnóstico de deficiência adquirida. Porém, ao chegar em suas mãos, o fisioterapeuta clínico tem por obrigação reverter quaisquer conceitos errôneos e, caso fuja do seu âmbito profissional, encaminhar para um profissional adequado, sem deixar de exprimir o cuidado através do método biopsicossocial.

Assim, conclui-se que a recuperação funcional dos pacientes acometidos por deficiência adquirida amparada no modelo biopsicossocial e incorporada na prática clínica dos profissionais fisioterapeutas pode representar um promissor espaço para se estabelecer novas práticas e combinações tecnológicas que, aliado ao contexto das noções históricas e sociais da deficiência, a conceitualização das limitações funcionais podem proporcionar uma melhor comunicação e funcionamento da rede de assistência em saúde no seu conceito global (ALVES, et al, 2016 p. 191). Desta forma, não apenas a dignidade da pessoa portadora de deficiência será atendida, mas também o seu direito à saúde será garantido com extrema qualidade e humanidade.

 

Referências
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Notas
[1] Em tradução livre para o português: A União dos Fisicamente Debilitados Contra a Segregação.


Informações Sobre os Autores

André Luis Penha Corrêa

Advogado. Pós-graduando no curso de Mestrado em Direito e Justiça Social da FURG. Pós-graduando no curso de Especialização em Direitos Humanos da Faculdade Verbo Jurídico. Especialista em Direito Civil pela Rede de Ensino LFG. Graduado no curso de Direito da Faculdade Anhanguera do Rio Grande

Paulo Moisés da Silva Brum

Fisioterapeuta. Pós-graduando no curso de Especialização em Fisioterapia Traumato-Ortopédica na Faculdade Anhanguera do Rio Grande. Graduado no curso de Fisioterapia na Faculdade Anhanguera do Rio Grande


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