Resumo: Com a Reforma Trabalhista, os trabalhadores perderam o direito de receber uma remuneração extraordinária pela jornada “in itinere”. Como forma alternativa desta verba continuar sendo paga, por conta do trajeto de ida e volta até o local de prestação de serviços, surge a hipótese de pagamento via salário “in natura”, também chamado de salário-utilidade, na forma prevista no artigo 458 da CLT.
Palavras chaves: in itinere, salário, jornada
Sumário: Introdução. I – Como era a CLT, antes da Reforma. II – Alternativa de Remuneração. 2.1 – Impedimentos. 2.2 – Interpretação favorável. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Com o fim do direito à remuneração da jornada “in itinere”, por força da Reforma Trabalhista (Lei 13467/17) que fez alterar o artigo 58 da CLT, a pergunta que se faz agora é se seria possível remunerar o trabalhador de uma outra forma, por conta do tempo à disposição que o mesmo está ao empregador.
Imagina-se, portanto, em apurar se seria possível o pagamento agora como salário-utilidade, também denominado salário “in natura”, uma vez que estaria havendo a concessão de um benefício habitual e gratuito ao empregado.
A pesquisa tem como base apoio doutrinário (referências bibliográficas ao final), jurisprudencial (Súmulas do TST) e apoio na legislação, para verificar a viabilidade em transformar – na prática – a jornada “in itinere” em salário “in natura”, a fim de reequilibrar a relação entre o capital e o trabalho.
I – COMO ERA A CLT, ANTES DA REFORMA
O § 2º do artigo 58 da CLT, determinava que: “o tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público, o empregador fornecer a condução”.
Por conta desta imposição, o TST – Tribunal Superior do Trabalho editou a Súmula 90 que esclarece:
“HORAS "IN ITINERE". TEMPO DE SERVIÇO
I – O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por transporte público regular, e para o seu retorno é computável na jornada de trabalho.
II – A incompatibilidade entre os horários de início e término da jornada do empregado e os do transporte público regular é circunstância que também gera o direito às horas "in itinere".
III – A mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento de horas "in itinere".
IV – Se houver transporte público regular em parte do trajeto percorrido em condução da empresa, as horas "in itinere" remuneradas limitam-se ao trecho não alcançado pelo transporte público.
V – Considerando que as horas "in itinere" são computáveis na jornada de trabalho, o tempo que extrapola a jornada legal é considerado como extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo.”
Portanto, o período do trajeto era remunerado como hora extra, até o ano passado, quando então sobreveio a Lei 13467/17 que fez alterar o §2º do artigo 58, que ficou com a seguinte redação:
“O tempo despendido pelo empregado desde a sua residência até a efetiva ocupação do posto de trabalho e para o seu retorno, caminhando ou por qualquer meio de transporte, inclusive o fornecido pelo empregador, não será computado na jornada de trabalho, por não ser tempo à disposição do empregador.”
Com efeito, mesmo que o local da prestação de serviços seja de difícil acesso ou não servido por transporte público, e o empregador ainda fornecer a condução, agora não mais será computado na jornada de trabalho, portanto, não existe mais a possibilidade de cômputo na jornada de trabalho.
II – ALTERNATIVA DE REMUNERAÇÃO
Se não é mais – a jornada “in itinere” – computada na jornada de trabalho para fins de remuneração via hora extra, será possível considerar então que se apure o custo do transporte que é dado pelo empregador, isto é, o valor deste transporte, como salário-utilidade.
Esta seria uma alternativa para se continuar a remunerar o empregado, por conta do trajeto de ida e volta do trabalho.
Como se sabe, a CLT trata do salário-utilidade no artigo 458. Para BEZERRA LEITE (2015, p. 411) “salário in natura ou salário-utilidade é uma espécie de remuneração em coisas ou serviços distintos de dinheiro, paga diretamente pelo empregador ao empregado em decorrência do contrato de trabalho”.
E continua o autor dizendo que “a caracterização da utilidade como salário in natura exige dois requisitos: habitualidade e gratuidade. Dito de outro modo, se a utilidade fornecida pelo empregador for eventual e onerosa, então não se está diante de salário in natura e, portanto, não haverá incorporação de tais vantagens na remuneração do empregado.” (ob. cit. p. 412)
2.1 – IMPEDIMENTOS
Todavia, um forte empecilho à tese de remuneração do trajeto a título de salário-utilidade é o inciso III, do §2º do artigo 458 da CLT que determina não ser salário o “transporte destinado ao deslocamento para o trabalho e retorno, em percurso servido ou não por transporte público”.
Como reforço a este dispositivo, existe a Súmula do TST n. 367 que declara no item I: “A habitação, a energia elétrica e veículo fornecidos pelo empregador ao empregado, quando indispensáveis para a realização do trabalho, não têm natureza salarial, ainda que, no caso de veículo, seja ele utilizado pelo empregado também em atividades particulares.”
Deste modo, de forma aparente, o legislador e o TST entenderam que o trajeto de ida e volta ao labor não poderá ser remunerado, a título de salário-utilidade.
2.2 – Interpretação Favorável
A tese de tornar o trajeto de ida e volta ao trabalho, quando concedido transporte pelo empregador, como salário-utilidade, pode tornar-se viável no que tange ao seguinte aspecto: o local de trabalho for de difícil acesso.
Em um primeiro aspecto, necessário dizer que não estamos diante de um bem ou serviço dado pelo empregador, em decorrência de lei, como no caso de um equipamento de proteção individual. Neste sentido, a doutrina de DELGADO (2016, p. 824/825) explica: “Na mesma medida, também não constituirá salário-utilidade o bem ou serviço ofertado em cumprimento de dever legalmente imposto ao empregador.”
O empregador está concedendo, gratuitamente, o transporte aos trabalhadores para alcançar o local de prestação de serviços, que no caso é de difícil acesso.
Ademais, necessário lembrar que se combinarmos a CLT (Artigo 458, §2º, III) com a Lei 7.418/85, artigo 2º, “a”, que trata do vale-transporte, encontraremos a ideia de que nunca haverá natureza salarial se for cobrado algo do empregado, em relação ao transporte.
Desta forma, não sendo o transporte um dever legal do empregador, logo, sua dação é uma contraprestação do serviço, que deverá ser remunerada.
MANUS (2007, p. 140) esclarece que “a título de exemplo, o veículo de que se utiliza o empregado que exerce função externa não tem caráter salarial, pois se constitui em autêntica ferramenta de trabalho. Já um veículo concedido a um empregado que só se ocupe de atividade interna e que sirva para o mesmo ir de casa para o trabalho e vice-versa, bem como para outras locomoções extra-serviço, tem nítido caráter salarial (…)”. (grifo nosso).
A tese então, de que o transporte dado pelo empregador, para que o trabalhador consiga chegar ao local de prestação de serviços – como salário-utilidade – pode ser possível sim em caso de local de difícil acesso, já que o Artigo 458, §2º, inciso III, da CLT, silencia sobre este tópico.
Importante destacar, também, que existe – por analogia – o artigo 294 da CLT que prevê o seguinte: “O tempo despendido pelo empregado da boca da mina ao local do trabalho e vice-versa será computado para o efeito de pagamento do salário”. Ora, aqui está um exemplo de que a legislação trabalhista impõe o dever ao empregador de remunerar seus empregados, pelo tempo que se demora para chegar a um local de trabalho de difícil acesso, como se dá entre a boca da mina até onde se fará o serviço, efetivamente.
Comentando este dispositivo, VIANNA (1995, p. 971/972) explica:
“Ainda sobre outro aspecto a legislação assegura proteção ao mineiro durante sua estada na mina. É que, em inúmeros casos, o local de trabalho se encontra a grande distância ou profundidade, da boca da mina, dependendo de transporte em vagonetes ou elevadores; por isso, segundo disposto no art. 294 da Consolidação, “o tempo despendido pelo empregado da boca da mina ao local do trabalho e vice-versa será computado para o efeito de pagamento do salário”. Daí a decisão esclarecedora do Ministro do Trabalho de que “o salário normal do trabalhador nas minas de subsolo é o referente à duração normal de horas diárias, das trabalhadas, acrescido do salário correspondente ao tempo de percurso de ida e volta à mina” (Despacho do Ministro do Trabalho, Proc. MTIC 294-618, DO de 7.12.46).
Lembrando que a questão do “difícil acesso” é abordada por CARNEIRO PINTO (2005, p. 111/112) da seguinte forma: “sempre defendemos a posição de que é racional e justo o entendimento de que, em havendo dificuldade para alcançar o local de trabalho, o tempo consumido no transporte deveria ser adicionado à jornada normal”.
Posto isto, é possível considerar que: – diante do local de difícil acesso; da omissão legislativa em impedir o salário-utilidade nesta situação; tendo por analogia o artigo 294 da CLT; e não sendo um dever legal da empresa conceder transporte para estes lugares, admissível portanto que se remunere o empregado com salário “in natura”, doravante, já que a Reforma Trabalhista ceifou este direito que lhe era devido, a título de jornada “in itinere”.
CONCLUSÃO
A Lei 13467/17 fez suprimir o direito à jornada “in itinere”, que gerava horas extras aos trabalhadores que – para chegar ao local de trabalho de difícil acesso ou não servido por transporte público regular – o empregador concedia o transporte.
Como alternativa para recuperar a questão financeira, isto é, a remuneração deste período em que o trabalhador está indo (ou voltando) para o labor, imaginou-se em transformar esta jornada “in itinere” em salário-utilidade.
Todavia, o inciso III, do §2º, do artigo 458 da CLT proíbe o pagamento de salário-utilidade “em percurso servido ou não por transporte público”.
Sobra, por omissão legal, a questão do salário “in natura” no caso de trajeto em local de difícil acesso. Sobre este não pesa um impedimento da CLT.
Em apoio a este entendimento, existe o artigo 294 da CLT que estipula o pagamento de remuneração ao trabalhador de mina de subsolo, pelo tempo que demorar entre a boca da mina até o local em que haverá a prestação de serviços, que é um sinônimo de “local de difícil acesso”.
Imagina-se, portanto, que a única forma do empregador não ter que remunerar – a título de salário-utilidade – será por foça da Lei 7418/85 que, em seu artigo 2º, alínea “a”, trata do vale-transporte, que inibe o pagamento do salário “in natura”.
Informações Sobre o Autor
Mauricio de Carvalho Salviano
Mestre em Direito do Trabalho pela PUC/SP. Advogado. Professor do Curso de Direito UniToledo em Araçatuba SP