Os precedentes judiciais e a necessidade de fundamentação das decisões

Resumo: O presente ensaio tem como objetivo esboçar uma análise acerca dos precedentes judiciais obrigatórios e as suas principais características vantajosas para o deslinde das lides processuais, bem como a adaptação dos fenômenos à processualística brasileira considerando os apontamentos doutrinários e jurisprudenciais já existentes e sua incipiente aplicação pós-CPC/2015. Serão ainda abordados os sistemas de Civil Law e Common Law, os meios de distinção e superação, os precedentes frente à uniformização das decisões judiciais. O fundamento teórico deste estudo orienta-se em torno de pesquisas bibliográficas, bem como produções intelectuais já publicadas que abordem o tema proposto para o debate por meio de um levantamento científico, para que ao final restem consignados os principais aspectos deste instituto bem como seus benefícios.

Palavras-chave: Precedentes, Distinção, Superação, Adaptação.

Abstract: The purpose of this essay is to outline an analysis of mandatory judicial precedents and their main advantageous characteristics for the delineation of procedural issues, as well as the adaptation of the phenomena to Brazilian proceduralism, considering the existing doctrinal and jurisprudential notes and their incipient post- CPC / 2015. The means of distinguishing and overruling the ratio decidendi contained in statements of precedents and the possible appropriateness of the declarations embargoes as a confrontation with the judicial silence that results in absence of reasoning will also be addressed. The theoretical basis of this study is oriented around bibliographical researches as well as published intellectual productions that approach the proposed theme for the debate by means of a scientific survey, so that in the end the main aspects of this institute as well as its benefits are consigned.

Keywords: Precedents, Distinguishing, Overruling, Adaptation.

1.  INTRODUÇÃO

Precedentes são decisões judiciais que, baseadas em casos concretos, servem de diretrizes para julgamentos posteriores de outros casos anteriores análogos. Contudo, não se pode concluir que o que serve de instrumento embasador do caso posterior sirva para todos os julgados. É preciso que se extraia deste a sua ratio decidendi, sendo este o elemento que importa para erigir a força obrigatória ou persuasiva do Precedente, uma vez que este é a própria ratio decidendi.

Para Diddier Jr. (et al, 2013) “precedente é a decisão judicial tomada à luz de um caso concreto, cujo núcleo essencial pode servir como diretriz para o julgamento posterior de casos análogos.”

No Brasil, há mais de vinte anos, há registros de precedentes no Judiciário, a partir do advento da Lei nº 8.038 de 28 de maio de 1990 que autorizou aos relatores do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, conforme seu art. 38, a decidir o pedido ou recurso que tiver perdido o objeto, bem como negar seguimento a recurso manifestamente intempestivo, incabível ou improcedente, ou ainda, que contrariar, nas questões predominantes de direito, súmula do respectivo tribunal.

Seguindo a evolução dos precedentes no país, um marco no Judiciário foi atribuir ao Supremo Tribunal Federal efeito vinculante às suas decisões proferidas em Ações Declaratórias de Constitucionalidade. Tal atribuição surgiu com a Emenda Constitucional nº 03/1993, que criou o parágrafo 2° ao artigo 102 da Constitucional Federal de 1988. Nesse compasso, surge em 2004 a Emenda Constitucional nº 45, que criou o enunciado das súmulas vinculantes por intermédio exclusivo do STF no ordenamento pátrio.

Com o avanço dos paradigmas das decisões dos tribunais superiores, a teoria dos precedentes foi destacando-se para além da área processualística constitucional, sendo aceita também no Código de Processo Civil (art. 285-A, art. 481, §único, art. 557, art. 475, 3º, art. 518, §1º, art. 543-A, §3º) e em outras vertentes do direito. Seguindo essa linha, o Novo Código de Processo Civil – NCPC – abraçou o sistema de precedentes judiciais, além do assentamento das jurisprudências e uniformização das decisões.

Desse modo, servem os precedentes como um mecanismo capaz de dar forma aos princípios constitucionais da segurança jurídica, da isonomia e da motivação das decisões judiciais.

Assim, diante da força que os precedentes judiciais adquiriram nos últimos anos, o NCPC trouxe em seu art. 489, §1º, V, a obrigatoriedade do magistrado na utilização de precedentes ou enunciado de súmula a correta fundamentação, demonstrando que ao caso julgado aplicar-se-ão aqueles fundamentos trazidos ao processo. Em seu inciso VI, aduz que, caso não aplique o precedente invocado de um tribunal superior ou mesmo do Supremo Tribunal Federal, o julgador não poderá fazê-lo arbitrariamente. Deverá, assim, afastar-se utilizando fundamentação razoável e exauriente sobre o tema, rompendo com as estruturas anteriormente pacíficas.

Embora a técnica do rompimento por meio da distinção ou superação possa redundar em evolução do Direito, haja vista as opiniões sobre seu eventual engessamento, deve-se atentar para o perigo de tal ato ocasionar em insegurança jurídica.

Desse modo, não está o julgador adstrito à aplicabilidade dos precedentes obrigatórios. Seu silêncio ou mesmo seu afastamento dos precedentes sem o enfrentamento do tema desencadeia em ausência de fundamentação, o que poderá ensejar, por exemplo, o cabimento de Embargos de Declaração.

Ainda assim, é preciso que se repise que, embora tenham força obrigatória, não quer dizer que o julgador seja “obrigado” a seguir o entendimento deste precedente invocado, exceto se se tratar de súmulas vinculantes.

Este artigo, por intermédio de uma investigação bibliográfica, tem por objetivo geral, realizar levantamentos já existentes acerca da obrigatoriedade do enfrentamento dos precedentes, propondo-se a analisar a obrigatoriedade de sua fundamentação nas decisões judiciais, bem como suas vantagens para a processualística brasileira, realizando um estudo sobre seus aspectos históricos, o papel da motivação, os institutos da distinção e da superação (distinguishing e overruling) e o papel dos precedentes na uniformização das decisões.

2. ASPECTOS HISTÓRICOS: DO COMMON LAW AO CIVIL LAW

O common law tem sua origem marcada no Direito consuetudinário inglês, no Direito medieval desse país, vigorando ainda hoje tal sistema jurídico, juntamente com alguns outros países colonizados pelo Reino Unido, como nos Estados Unidos da América. Tal sistema reflete os costumes desse determinado país e se traduzem como normas gerais que geram os precedentes.

A aplicação do common law no ordenamento brasileiro foi brilhantemente explicada pelo Ministro Luis Roberto Barroso (2015), da seguinte maneira:

“Todas as decisões judiciais produzem efeitos vinculantes. Quando tais efeitos obrigam apenas as partes do caso concreto, afirma-se que os efeitos são vinculantes e inter partes; quando a orientação firmada em um julgado tem de ser observada nos demais casos futuros e idênticos, afirma-se que produzem efeitos vinculantes e gerais (erga omnes). Entretanto, o jargão jurídico vem utilizando a expressão efeito ou precedente vinculante para referir-se a essa segunda categoria de precedentes, cujos efeitos obrigatórios ultrapassam o caso concreto equivale aos efeitos dos binding precedents do common law. Trata-se de uso menos técnico, porém consolidado na comunidade jurídica”.

O Direito brasileiro é influenciado pelas perspectivas do sistema jurídico romano-germânico, no qual os precedentes judiciais não influenciarão decisivamente sobre decisões futuras. É o que se chama de civil law. Na verdade, a própria evolução do Direito brasileiro permitiu a adoção – “à conta-gotas” – de um sistema misto, como o surgimento das Súmulas e das Súmulas Vinculantes (Emenda Constitucional nº 45/2004). Aquelas têm poder meramente persuasivo. Estas, “vinculantes”.

Trata-se, pois, de influências do common law no Direito brasileiro, que sofreu adaptações até redundar no CPC/2015. Pelo sistema do civil law, os magistrados têm plena liberdade para julgar de acordo ou rompendo com precedentes de tribunais superiores ou tribunal a ele vinculado ainda que trate de matéria idêntica.

O common law é o sistema que obriga a vinculação das decisões de tribunais superiores ou de tribunais inferiores vinculados ao julgador. Dito de outro modo, os precedentes adquirem a natureza de norma geral, posto que obrigatórios.

Temos, grosso modo, a ratio decidendi como o precedente que será vinculado a julgamentos futuros. Sua definição não é unânime, sendo dividida em dois métodos: fático-concreto e abstrato normativo. O primeiro é o entendimento das Cortes superiores acerca de um conjunto de fatos e não os fundamentos apresentados para embasar a decisão. Já o segundo aduz que ao produzir uma sentença, esse ato irá surtir efeito ao caso concreto, bem como servirá como espelho para julgamento de casos semelhantes no futuro. De todo modo, a ratio decidendi deverá ser encarada como uma tese que servirá de base a uma decisão futura.

E, no caso em que a tese não for relevante a discussão e nem aplicável ao caso em análise ou até mesmo, quando for rejeitado por maioria dos votos nas Cortes não será tal elemento suficiente para caracterizar uma ratio decidendi e nem será capaz de produzir efeitos vinculantes. Desse conjunto de atos surge o obiter dicta (considerações marginais estranhas às decisões do caso).

O obiter dictum não é mais do que a opinião paralela e prescindível, ou, nos dizeres de Geruza Ribeiro do Espírito Santo (2014), meras “considerações periféricas”.

“A cada julgamento, o juiz do common law deverá verificar a existência de precedente anterior sobre o mesmo tema e fazer um processo de decomposição para separar as razões de decidir (ratio decidendi) das considerações periféricas (obter dicta). Esse processo de decomposição é importante para que se possa fazer a distinção entre os casos postos em juízo, de maneira a só aplicar o precedente àqueles que realmente são semelhantes, zelando pela igualdade substancial na sua aplicação.”

Neste sentindo, a técnica utilizada no common law é a da extração nos julgados da ratio decidendi, afastando-o do obiter dictum. A ratio decidendi é a própria razão de decidir, ou seja, é o próprio precedente, o que importa ao caso concreto.

Aplicando a técnica mencionada e verificando o juízo que o caso estudado não se amolda ao precedente, deverá afastar a obrigatoriedade deste por meio de distinguishing. Verificando, por outro lado, que o tema em estudo restou superado por questões históricas, econômicas e/ou sociais, o precedente deverá ser cancelado, permitindo nova interpretação (overruling).

3. DISTINGUISHING E OVERRULING: ELEMENTOS DA FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES

Acerca da fundamentação das decisões, Nelson Nery Jr. (2009) brilhantemente ensina que:

“Fundamentar significa o magistrado dar as razões, de fato e de direito, que o convenceram a decidir a questão daquela maneira. A fundamentação tem implicação substancial e não meramente formal, donde é lícito concluir que o juiz deve analisar as questões postas a seu julgamento, exteriorizando a base fundamental de suas decisões. Não se consideram “substancialmente” fundamentadas as decisões que firmam que, “segundo os documentos e testemunhas ouvidas no processo, o autor tem razão, motivo porque julgo procedente o pedido”. Essa decisão é nula porque lhe falta fundamentação.”

O distinguishing é um elemento indispensável para a aplicação do precedente, posto que para isto ocorrer, deve ser antes interpretado. Dito de outro modo, não é recomendável aplicar o precedente sem antes aplicar o método de distinção, que ocorre quando o magistrado em sua decisão compara o caso concreto com a ratio decidendi paradigmática.

Todavia, não há que se dizer que o afastamento de determinado precedente provoque o abandono do mesmo, mas apenas a não aplicação deste no caso concreto. Em outros termos Cruz e Tucci (2004, p.174), ensinam que distinguishing é o método “pelo qual o juiz verifica se o caso em julgamento pode ou não ser considerado análogo ao paradigma”.

 Mello e Barroso (2016) apresentam quatro elementos fundamentais para aplicação da distinção nos precedentes, in verbis:

“I. Os fatos relevantes de cada qual;

II. Os valores e normas que incidem sobre cada conjunto de fatos;

III. A questão de direito que suscitam;

IV. Os fundamentos que justificam a decisão do precedente e sua adequação para orientar a decisão do novo caso.”

Como se pode perceber, mesmo quando o magistrado estiver frente a um precedente vinculante é-lhe dado o direito de aplicar a distinguishing ao caso concreto, trazendo ao julgado a individualização do direito. Lembrando sempre que o aspecto essencial da distinção é a motivação, a que respaldo no art. 93, IX da Constituição Federal de 1988.

Diferentemente, há maior rigor nos métodos de superação dos precedentes, que podem ser prospectivos ou retrospectivos.

O prospectivo é a superação do precedente do caso concreto para posteriores casos, tendo, pois eficácia ex nunc, e não atingem fatos anteriormente à superação. O retrospectivo gerará efeitos ex tunc, retroagindo sobre fatos anteriores, se o precedente ainda não está consolidado.

Para Bustamente (2012, p. 388)  “[…] as razões que o justificam devem ser ainda mais fortes que as que seriam suficientes para o distinguished.”

Objetivando o rompimento com um precedente, este não pode vir sem um estudo aprofundado e complexo, posto que estão em discussão questões sociais que obrigam a necessidade de revisão de determinado tema. Segundo Marcela Fontenelle Grillo (2015):

“Um precedente deixa de corresponder aos modelos de congruência social no momento em que se distancia das vigentes proposições morais, políticas e de experiência. Deixa de ter consistência sistêmica quando não guarda coerência com outras decisões. E, por fim, é considerado errado somente na hipótese de um equívoco evidente […].”

Assim, evidencia-se que o distanciamento de um precedente invocado possui requisitos maiores para o rompimento (overruling) do que para a distinção (distinguishing). Mesmo porque é possível concluir que o distinguishing deve ser utilizado sempre ao se estudar a possibilidade ou não da aplicação do precedente.

Quanto ao overruling, tal fenômeno excluirá tal precedente como norma jurídica, haja vista que restou superado pela própria evolução da sociedade e do Direito.

4. A FORÇA NORMATIVA DOS PRECEDENTES À LUZ DA PROCESSUALÍSTICA CIVIL

O Código de Processo Civil abordava em seu art. 927, o que a doutrina denominou de precedentes obrigatórios. Em seu inciso IV definiu a obrigatoriedade de seguimento de enunciados de súmulas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça.

Embora o referido artigo estabeleça um rol de precedentes obrigatórios, este não é exaustivo. Sendo assim, mesmo um precedente cuja ratio decidendi esteja prevista em súmula, mesmo de tribunais inferiores possuem força obrigatória sobre o próprio tribunal. Em outros termos, o enunciado nº 169 do Fórum Permanente de Processualistas Civis, informa que os órgãos do tribunal devem seguir os próprios precedentes.

A Constituição Federal concede ao Superior Tribunal de Justiça a uniformização de jurisprudências dos tribunais brasileiros, sendo, pois, contraditório que estes tribunais interpretem de forma diversa da Corte Superior, mormente quando se está em disputa a liberdade do julgamento dos magistrados.

Em consonância com o artigo 489, parágrafo primeiro, do NCPC, considerou que há omissão por parte do magistrado no não enfrentamento da matéria trazida pela invocação ao precedente. De fato, para casos iguais, não há que se admitir a discrepância na interpretação das lides. Contudo, o referido artigo, em seu inciso VI, permite exceções, que não devem ser encaradas como insegurança jurídica, mas sim como a possibilidade de o magistrado, ao proferir uma decisão, afastar-se do precedente ora invocado, utilizando para tal o sistema da distinção e da superação do tema.

Vejamos o que dispõe o art. 489 do NCPC:

“Art. 489. São elementos essenciais da sentença:

§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: […]

V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos;

VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento.”

Segundo Marcelo Alves Dias de Souza (2006), apesar de não ser salutar intimidar a evolução natural da jurisprudência, deve-se considerar a flexibilidade do Direito e não impor o que o articulista chamou de “imutabilidade perpétua”. Embora se deva seguir o precedente, o julgador pode dele afastar-se mesmo quando este é obrigatório: “O que está vedado ao julgador é apartar-se dele arbitrariamente. Todavia, é possível afastar-se do precedente mediante o emprego de uma fundamentação suficiente e razoável.”

A força dos procedentes frente ao NCPC trouxe modificação na aplicação dos Embargos de Declaração, visto que estes não eram, no antigo Código de Processo Civil, admitido em caso de decisões interlocutórias e despachos. No novo CPC são admitidos, inclusive para opor-se em face de silêncio ante a invocação de precedentes, posto que considerada a decisão carente de fundamentação.

5. O PAPEL DOS PRECEDENTES FRENTE À UNIFORMIZAÇÃO DAS DECISÕES JUDICIAIS      

A aplicação dos precedentes não é unânime nos tribunais e na doutrina brasileira, muito pelo fato de existir no Brasil um Poder Legislativo moroso no que tange às alterações legislativas, sendo mais viável a evolução das jurisprudências, que são precedentes reiterados que visam a suprir as lacunas deixadas quando a lei por si só não é capaz de solucionar os casos concretos.

Tendo o magistrado o papel de zelar pela harmonia processual através do princípio da isonomia – aplicando, de forma coerente, a legislação vigente bem como utilizando-se de jurisprudências já pacificadas – esta não é a realidade do sistema judiciário brasileiro, tendo em vista que o que se encontra é uma desarmonia nas decisões proferidas pelos tribunais, muitas vezes em casos análogos.

Um exemplo da constante insegurança jurídica das cortes superiores é o caso do PIS e COFINS nas faturas telefônicas, em que temos decisões como REsp 10.53778/RS e REsp 910784/RJ que julgaram ilegal o repasse de tais tributos, tendo a mesma corte do STJ, por meio do REsp 97.6836/RS julgado de forma distinta daqueles, considerando legítimas tais cobranças.

Neste cenário, as alterações trazidas pela Lei nº 13.105/2015 que modificou todo o Código de Processo Civil não só aprimorou a aplicação dos precedentes, mas também trouxe melhorias à uniformização das jurisprudências. Assim, tem-se por uniformização a ideia de que o órgão julgador deverá atentar-se sempre para os entendimentos já pacificados de cada corte, aplicando ao caso concreto quando cabível, conforme preleciona o art. 926, do qual dispõe que os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.

Não se deve, contudo, associar a ideia de uniformização à de imutabilidade do direito, vez que se busca com os precedentes não a eternização de um pensamento jurídico, mas sim, uma coerência por parte dos magistrados nos julgamentos de casos análogos, evitando, por exemplo, situação como a ocorrida no exemplo citado acima.

Neste compasso, o artigo 927 do NCPC veio para agregar ainda mais importância ao papel dos tribunais superiores da unificação jurisprudencial. Assim, vejamos:

“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

I – as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;

II – os enunciados de súmulas vinculantes;

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Supremo Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;

V – a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.

§1º. Os juízes e os tribunais observarão o disposto no art. 10 e no art. 489, §1º, quando decidirem com fundamento neste artigo.

§2º. A alteração de tese jurídica adotada em enunciado de súmula ou em julgamento de casos repetitivos poderá ser precedida de audiências públicas e da participação de pessoas, órgãos ou entidades que possam contribuir para rediscussão da tese.

§3º. Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal é dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.

§4º. A modificação de enunciado de súmula, de jurisprudência pacificada ou tese adotada em julgamento de casos repetitivos observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia. […]”

Muitas são as orientações de como os tribunais devem seguir em seus julgamentos, a fim de gerar uma maior segurança jurídica através do uso de precedentes, amadurecendo o julgamento de decisões sem deixar apartados elementos que favoreçam o debate de temas divergentes em casos aparentemente análogos.   

6. CONCLUSÃO

Em respeito ao exposto, pode-se concluir que quando umas das partes na lide trazem aos autos um precedente judicial nos ritos dos artigos 489, 926 e 927 e este for compatível ao caso concreto, deverá o magistrado em conformidade com a lei aplicá-lo de pronto. Deixando de lado o livre convencimento que era resguardado na vigência do antigo Código de Processo Civil. Ou seja, tem-se que a partir do advento do NCPC as sentenças não serão embasadas apenas nas leis, mas também nos precedentes judiciais, sempre que este seja inteiramente adaptável ao caso concreto.

Há que se ressalvar, porém, que não se busca com os precedentes judiciais uma “eternização” das decisões, haja vista que caberá ao juiz, através do princípio da motivação, afastar o uso de certo precedente quando este não for capaz de resolver a lide, utilizando, para tanto, a distinção ou a superação.

Todavia, incorrerá em violação legal a inobservância do magistrado quando deixar de usar o precedente invocado que se assemelha ao caso concreto não justificando os elementos que afastem a aplicação deste ao julgamento, ferindo os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia, já citados ao longo deste artigo.

Neste contexto, o fortalecimento dos precedentes proporciona uma garantia da prestação jurisdicional eficiente aos litigantes, com base nas uniformizações das decisões das cortes superiores, vindo a refletir na sociedade uma maior clareza sobre seus direitos, dando credibilidade a um sistema judiciário célere e justo.

 

Referências
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Informações Sobre os Autores

Marcelo Gonzaga Lellis

Pós-Graduando do Curso de Direito Civil e Processual Civil da Faculdade Legale

Joseval Martins Viana

Graduado em Letras e em Direito. Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie


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