Resumo: O presente artigo objetiva analisar as consequências materiais e processuais do tratamento legal dispensado à ausência de citação daquele que deveria figurar como litisconsorte necessário no atual Código de Processo Civil, tendo em vista as alterações normativas da matéria em relação ao diploma processual anterior.
Palavras-chave: Litisconsorte necessário. Citação. Ausência. Consequências. Coisa julgada material.
Abstract: The present article intends to analyse the material and procedural consequences of the legal treatment of the absence of citation of the necessary litisconsort on the project of the current Code of Civil Procedure due to the legal changes in relation to the previous procedural act.
Keywords: Necessary litisconsort. Citation. Abscent. Consequences. Claim preclusion.
Sumário: Introdução. 1. Litisconsórcio necessário e coisa julgada material. 1.1 Disciplina jurídica do Código de Processo Civil de 1973. 1.2. Meios de defesa do litisconsorte não citado. 1.3. Disciplina jurídica do atual Código de Processo Civil. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Como cediço, a configuração tríplice do processo – Estado-juiz, autor e réu – consiste apenas em um “esquema mínimo”. Com efeito, é comum a ocorrência da pluralidade de partes, restando caracterizado o fenômeno do litisconsórcio, previsto no artigo 113 do Código de Processo Civil, ex vi:
“Art. 113. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando:
I – entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide;
II – entre as causas houver conexão pelo pedido ou pela causa de pedir;
III – ocorrer afinidade de questões por ponto comum de fato ou de direito.
§ 1o O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes na fase de conhecimento, na liquidação de sentença ou na execução, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa ou o cumprimento da sentença.
§ 2o O requerimento de limitação interrompe o prazo para manifestação ou resposta, que recomeçará da intimação da decisão que o solucionar”.[1].
Destarte, conforme a lição do eminente processualista Cândido Rangel Dinamarco, o litisconsórcio se consubstancia em “situação caracterizada pela coexistência de duas ou mais pessoas do lado ativo ou do lado passivo da relação processual” [2], possuindo como fim a harmonia entre julgados e a economia processual.[3]
“Quando se fala na economia como fundamento do instituto de litisconsórcio pensa-se na conveniência de se cumularem em um só processo diversas partes e suas respectivas demandas, evitando-se com isso a multiplicação de processos e a repetição de instruções em torno do mesmo contexto de fato. A harmonia entre julgados representa a conveniência de evitar o conflito entre sentenças, risco que ao menos em tese acompanha a pronúncia de duas delas, ou mais, em processos separados, sobre pretensões que assentam no mesmo fundamento ou em fundamentos análogo”.[4] (grifo do autor)
Ao que se depreende do ensinamento do ilustre professor, não existe relação de subordinação entre os litisconsortes, "havendo dois ou mais autores ou mais de um réu, cada um é, em relação aos outros, litisconsorte, isto é, parte principal, sendo inadequado falar em parte e seu litisconsorte” [5].
A propósito, consoante a classificação do instituto do litisconsórcio proposta por Cândido Rangel Dinamarco, quatro critérios podem ser adotados: a) o regime de tratamento dos litisconsortes; b) o poder aglutinador das razões que conduzem à formação do litisconsórcio; c) a posição destes na relação processual; d) o momento da formação do litisconsórcio.[6]
Interessam ao presente estudo os dois primeiros critérios classificatórios, quais sejam, o regime de tratamento dos litisconsortes e o poder aglutinador das razões que conduzem à formação do litisconsórcio.
Especificamente no que tange ao regime de tratamento dos litisconsortes, o litisconsórcio pode ser do tipo simples ou unitário.
O litisconsórcio unitário ocorre quando se tratar de relação jurídica indivisível, de modo que o provimento jurisdicional deverá ser o idêntico para todos os litisconsortes que compõem o mesmo polo processual. Consoante Fredie Didier Jr., dois pressupostos caracterizam a unitariedade, na seguinte ordem, a) os litisconsortes discutem uma única relação jurídica; b) tal relação jurídica é incindível.[7]
Por sua vez, o litisconsórcio simples[8] se contrapõe ao unitário, uma vez que a decisão do feito pode ser distinta para cada litisconsorte, haja vista a pluralidade de relações jurídicas objeto da demanda, ou ainda, a divisibilidade de determinada relação jurídica.
Sem embargo, quanto ao poder aglutinador das razões que conduzem à formação do litisconsórcio, às vezes ele apenas permite o cúmulo subjetivo (litisconsórcio facultativo), e em outros casos o impõe (litisconsórcio necessário).
Com efeito, o litisconsórcio facultativo pode ou não se formar, na medida em que inexiste a obrigatoriedade de propositura ou integração do polo passivo conjuntamente por todos os legitimados. Como a própria nomenclatura indica, trata-se de faculdade.
De outro modo, o litisconsórcio necessário consiste na indispensabilidade de integração do polo da demanda por todos os sujeitos legitimados, cuidando-se de questão de legitimação ad causam conjunta ou complexa[9], ou seja, é negada a legitimidade de uma só pessoa para demandar ou ser demandada isoladamente.
Sobre o tema, confira-se a lição de Cândido Rangel Dinamarco:
“Diz-se facultativo o litisconsórcio, quando admissível, mas não exigido. O litisconsórcio facultativo ativo formar-se-á segundo a vontade exclusiva dos diversos sujeitos que optem por reunir-se para demandar em conjunto; o passivo, pela opção do autor em relação aos sujeitos que pretenda ter como réus em sua demanda. Desde que configurada alguma das hipóteses de admissibilidade estabelecidas no artigo 46 do Código de Processo Civil, a facultatividade do litisconsórcio é uma inerência da liberdade de agir e da amplitude da garantia constitucional do direito de ação. Só se exige a formação do litisconsórcio, ou seja, ele só é necessário, quando presente alguma das situações que conduzem a tanto. A necessariedade do litisconsórcio é extraordinária no sistema do direito processual civil; a facultatividade ordinária”.[10]
Em se tratando de litisconsórcio passivo necessário cabe ao autor promover a citação daqueles que devem figurar como litisconsortes, sob pena de extinção do feito sem resolução do mérito caso não o faça.
A propósito, na vigência do Código de Processo Civil de 1973, a redação do artigo 47 do atual Código de Processo Civil, o qual dispunha acerca do assunto, previa:
“Art. 47. Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica, o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes; caso em que a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo.
Parágrafo único. O juiz ordenará ao autor que promova a citação de todos os litisconsortes necessários, dentro do prazo que assinar, sob pena de declarar extinto o processo.”[11]
Em que pese a má técnica do legislador, que a partir de uma leitura literal do aludido dispositivo, sugere o tratamento indistinto entre o litisconsórcio necessário e unitário, foi consolidado o entendimento doutrinário pátrio no sentido de que o litisconsórcio necessário não guarda nenhuma relação com a unitariedade e vice-versa.
Sob esse prisma, Cássio Scarpinella Bueno propôs a leitura do caput do artigo 47 do Código de Processo Civil com dois objetivos distintos, buscando inicialmente a identificação do litisconsórcio necessário e, após, o delineamento do litisconsórcio unitário:
“Para o litisconsórcio necessário é importante excluir do art. 47 a oração relativa ao dever de o juiz decidir “a lide” de modo uniforme: “Há litisconsórcio necessário, quando, por disposição de lei ou pela natureza da relação jurídica (omissis), a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes do processo”. As características do litisconsórcio necessário estão todas aí: indispensabilidade de participação de mais de uma pessoa em um dos polos passivos da relação processual por força de lei ou porque titulares da relação jurídica deduzida em juízo, e a ineficácia da sentença proferida se esta obrigatória participação.
Para o litisconsórcio unitário, basta trazer de volta a oração momentaneamente suprimida: “Há litisconsórcio unitário quando o juiz tiver de decidir a lide de modo uniforme para todas as partes”. Esta uniformidade de decisão para todas as partes (todos os litisconsortes) – ou homogeneidade, como quer Dinamarco – é o que caracteriza o litisconsórcio unitário.”[12] (grifo do autor)
Tal imprecisão técnica fora superada no atual Código de Processo Civil, no qual o art. 113, que dispõe sobre o litisconsórcio necessário, suprime o excerto referente a decisão do juiz de modo uniforme para todas as partes, vejamos:
“Art. 114. O litisconsórcio será necessário por disposição de lei ou quando, pela natureza da relação jurídica controvertida, a eficácia da sentença depender da citação de todos que devam ser litisconsortes.”
Logo, a unitariedade não está atrelada à necessariedade do litisconsórcio, na medida em que pode haver litisconsórcio facultativo unitário, bem como litisconsórcio necessário sem que a decisão seja a mesma para os litisconsortes integrantes do mesmo polo.
A esse respeito, note-se o ensinamento de Alexandre Freitas Câmara:
“Não se pense, porém, que o litisconsórcio unitário é espécie de litisconsórcio necessário. Os dois fenômenos são distintos, e é preciso fixar essa distinção. Quando se afirma ser necessário determinado litisconsórcio, esta afirmação leva apenas a concluir que a presença de todos os litisconsortes é essencial para que o processo se desenvolva até o final de mérito. De outro lado, quando se afirma ser unitário o litisconsórcio, o que se diz é que a decisão de mérito será, obrigatoriamente, uniforme para todos os litisconsortes, não se admitindo que os mesmos recebam, na decisão, tratamento diferenciado. Nada se diz, porém, quanto a ser ou não indispensável a presença de todos os litisconsortes na relação processual. Verifica-se, assim, estar-se diante de duas classificações diferentes, e que litisconsórcio necessário e litisconsórcio unitário são fenômenos que não podem ser confundidos.”[13]
Desse modo, somente haverá litisconsórcio necessário unitário quando assim o exigir a natureza da relação jurídica, isto é, quando for a mesma incindível, requerendo uma solução uniforme para todos os litisconsortes, podendo haver ainda litisconsórcio necessário simples, hipótese em que decorre de previsão legal.
1. LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO E COISA JULGADA MATERIAL
Superada a breve introdução à figura do litisconsórcio surge a seguinte dúvida: A sentença proferida em processo sem a participação daquele que deveria figurar como litisconsorte necessário, seja pela ausência de citação ou por nulidade da mesma, é capaz de ser acobertada pelos efeitos da coisa julgada material?[14]
1.1. Disciplina jurídica do Código de Processo Civil de 1973
Como destacado por José Roberto dos Santos Bedaque, a citação é ato essencial à regularidade do procedimento, pois viabiliza o contraditório[15], garantia constitucional consagrada pelo inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal[16].
Nesse contexto, o Código de Processo Civil de 1973[17] previa a ineficácia da sentença proferida sem a citação do colegitimado que deveria figurar no processo como litisconsorte necessário, ao dispor no caput do artigo 47 que, em se tratando de litisconsórcio necessário, “a eficácia da sentença dependerá da citação de todos os litisconsortes no processo”.
À evidência, cuidando-se de litisconsórcio necessário simples, não se vislumbram maiores problemas, na medida em que para aquele que participou do processo o vício será sanado com o trânsito em julgado e, para o ausente, basta o ajuizamento de demanda autônoma buscando um provimento para si[18].
Nada obstante, tratando-se de litisconsórcio necessário unitário, o julgamento seria, a princípio, ineficaz[19] para todos, inclusive para aqueles que figuraram no processo, na medida em que, como exposto, cuida-se de legitimidade ad causam conjunta[20].
Registre-se, que a ineficácia não significa a inexistência jurídica da sentença e tampouco se confunde com sua nulidade.
Isso porque, a sentença inexistente é aquela que possui uma impotência material para produzir consequências jurídicas em decorrência de vícios como proferimento por pessoa não dotada de jurisdição, ausência de assinatura, publicação ou dispositivo, entre outros.
Por sua vez, a nulidade possui caráter exclusivamente endoprocessual, não impedindo a sentença de produzir todos os seus efeitos, na medida em que perde todo o sentido e a razão de ser com a irrecorribilidade da sentença, uma vez que, com o trânsito em julgado, a eficácia preclusiva da coisa julgada, impede a rediscussão das questões relevantes para o processo ou para seu resultado, havendo que falar, no máximo, no biênio previsto pelo artigo 495 do Código de Processo Civil anterior em se tratando de invalidade prevista no rol do artigo 485 do aludido Codex.
Já a ineficácia diz respeito a falta de pressupostos para a irradiação de efeitos, apresentando-se em função da tutela de interesses externos.
Nesse contexto, por opção do legislador, a sentença proferida sem a citação de todos os colegitimados necessários seria absolutamente ineficaz, carecendo de irradiação de efeitos aos terceiros legitimados não participantes do processo, bem como às próprias partes, motivo pelo qual era dito pela doutrina como inutiliter datur, ou seja, dada inutilmente, haja vista a imprestabilidade social do feito em face do objetivo que o ensejara.
“Observe-se que a ineficácia da sentença proferida inter pauciores ex pluribus, ditada pelo art. 47 do Código de Processo Civil, concerne ao seu efeito substancial (típico e programado), não havendo dúvida de que os efeitos processuais e acessórios, pertinentes à sucumbência, se produzem normalmente. A doutrina, de um modo geral, sustenta que a ineficácia, pela preterição do litisconsorte necessário é absoluta. Sintetizando a moderna e predominante orientação sobre o ponto focado, Giovanni Fabbrini explica que a privação de efeitos aí verificada é consequência direta da violação da garantia do contraditório (“contraddittorio non integro”). Em outras palavras, a afronta ao direito de defesa daquele que não foi citado tem como antídoto a ineficácia da sentença proferida contra o seu interesse.”[21]
Assim, na hipótese de litisconsórcio necessário unitário aquele que deveria figurar na demanda a despeito de não ter sido citado é considerado terceiro[22], não sendo a sentença apta a transitar em julgado em relação a ele e a todos os demais[23].
A propósito, é importante que se diferencie a submissão aos efeitos da sentença e à coisa julgada, na medida em que se tratam de institutos distintos. A sentença é ato de poder e, portanto, todos estão sujeitos a seus efeitos. Para a grande maioria eles são indiferentes, somente aqueles que figuraram como partes no processo em que ela foi proferida não mais poderão evitá-los, em razão da coisa julgada material[24].
A distinção é fundamental para que se compreenda que, em regra, a autoridade da coisa julgada material – qualidade de imutabilidade do conteúdo e dos efeitos da decisão judicial[25] – se forma tão somente entre as partes, enquanto os efeitos da sentença não se restringe àqueles que participaram da relação jurídica processual.
Como cediço, em algumas hipóteses a coisa julgada pode ser favorável àquele que deveria ter integrado determinado polo da demanda e foi preterido, tornando-se irrelevante o vício da ausência de citação, diante da realização dos objetivos do legislador.
Nada obstante, não lhe sendo a sentença favorável, pode aquele que deveria ter figurado como litisconsorte necessário resistir aos seus efeitos por meio de defesa ou em ação própria, uma vez que se trata de ato juridicamente ineficaz[26].
1.2. Meios de defesa do litisconsorte não citado
Sob a égide do diploma processual de 1973, era autorizada ao litisconsorte necessário não citado, a qualquer tempo durante o processamento do feito, a arguição do vício por meio de petição simples, podendo, ainda, interpor recurso com tal finalidade[27], o qual independeria da aquiescência dos demais litisconsortes.
Sem embargo, maior complexidade existe quando se discutia o meio processual a ser utilizado pelo litisconsorte não citado quando decorrido o prazo recursal e, portanto, insuscetível de discussão a questão afeta à ilegitimidade ad causam no bojo da própria relação processual.
Em casos tais, a ausência de imutabilidade da sentença ineficaz permite que esta seja atacada a qualquer tempo por meio de ação autônoma declaratória de inexistência, usualmente conhecida como querela nullitatis ou actio nullitatis.
Conforme bem asseverado por Alexandre Freitas Câmara[28], apesar do nome usualmente empregado, a querela nullitatis deve ser compreendida como demanda de declaração de ineficácia da sentença, pois as sentenças por ela impugnáveis existem e possuem vícios insuscetíveis de convalidação pela força sanatória geral da coisa julgada, os quais, inegavelmente, impedem que as mesmas produzam efeitos.
Não se desconhece o fato de alguns autores apontarem ser facultado ao litisconsorte não citado a utilização da ação rescisória dentro do biênio do artigo 495 do Código de Processo Civil de 1973[29], contudo não parece ser essa a melhor posição, uma vez que a ação rescisória se destina a rescindir sentenças nulas, enquanto a sentença proferida sem a citação de litisconsorte necessário é ineficaz, nunca estando passível de trânsito em julgado, nem mesmo após o decurso do prazo de dois anos.
Assim sendo, se não há coisa julgada, não é cabível ação rescisória, sendo esta meio inadequado para discussão do vício, que deve ser alegado por meio de ação declaratória de inexistência, a ser ajuizada a qualquer tempo.
Sobre o tema, confira-se a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça:
“PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DE LITISCONSORTE PASSIVO NECESSÁRIO. HABILITAÇÃO DOS HERDEIROS NECESSÁRIOS. REJEIÇÃO. CITAÇÃO DOS LITISCONSORTES. AUSÊNCIA. HIPÓTESE DE QUERELLA NULITATIS.ARGÜIÇÃO POR SIMPLES PETIÇÃO. POSSIBILIDADE.
1. As hipóteses excepcionais de desconstituição de acórdão transitado em julgado por meio da ação rescisória estão arroladas de forma taxativa no art. 485 do Código de Processo civil. Pelo caput do referido dispositivo legal, evidencia-se que esta ação possui natureza constitutiva negativa, que produz sentença desconstitutiva, quando julgada procedente. Tal ação tem como pressupostos (i) a existência de decisão de mérito com trânsito em julgado; (ii) enquadramento nas hipóteses taxativamente previstas; e (iii) o exercício antes do decurso do prazo decadencial de dois anos (CPC, art. 495).
2. O art. 485 em comento não cogita, expressamente, da admissão da ação rescisória para declaração de nulidade por ausência de citação, pois não há que se falar em coisa julgada na sentença proferida em processo em que não se formou a relação jurídica apta ao seu desenvolvimento. É que nessa hipótese estamos diante de uma sentença juridicamente inexistente, que nunca adquire a autoridade da coisa julgada. Falta-lhe, portanto, elemento essencial ao cabimento da rescisória, qual seja, a decisão de mérito acobertada pelo manto da coisa julgada. Dessa forma, as sentenças tidas como nulas de pleno direito e ainda as consideradas inexistentes, a exemplo do que ocorre quando proferidas sem assinatura ou sem dispositivo, ou ainda quando prolatadas em processo em que ausente citação válida ou quando o litisconsorte necessário não integrou o polo passivo, não se enquadram nas hipóteses de admissão da ação rescisória, face a inexistência jurídica da própria sentença porque inquinada de vício insanável.
3. Apreciando questão análoga, atinente ao cabimento ou não de ação rescisória por violação literal a dispositivo de lei no caso de ausência de citação válida, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça já se posicionaram no sentido de que o vício apontado como ensejador da rescisória é, em verdade, autorizador da querela nullitatis insanabilis. Precedentes: do STF – RE 96.374/GO, rel. Ministro Moreira Alves, DJ de 30.8.83; do STJ – REsp n. 62.853/GO, Quarta Turma, rel. Min. Fernando Gonçalves, unânime, DJU de 01.08.2005; AR .771/PA, Segunda Seção, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior DJ 26/02/2007.
4. No caso específico dos autos, em que a ação tramitou sem que houvesse citação válida do litisconsórcio passivo necessário, não se formou a relação processual em ângulo. Há, assim, vício que atinge a eficácia do processo em relação ao réu e a validade dos atos processuais subsequentes, por afrontar o princípio do contraditório. Em virtude disto, aquela decisão que transitou em julgado não atinge aquele réu que não integrou o polo passivo da ação. Por tal razão, a nulidade por falta de citação poderá ser suscitada por meio de ação declaratória de inexistência por falta de citação, denominada querela nullitatis, ou, ainda, por simples petição nos autos, como no caso dos autos.
5. Recurso especial provido.”[30]
Como cediço, a querela nullitatis difere substancialmente da ação rescisória, a qual visa à desconstituição de decisão transitada em julgado, haja vista não se sujeitar a qualquer prazo para ser exercida por se tratar de tutela declaratória.
Sem embargo, outras peculiaridades diferem os dois institutos processuais, a ação desconstitutiva é sempre de competência de um órgão colegiado de tribunal e tem a admissibilidade condicionada ao depósito de 5% do valor da causa. Já a ação declaratória de inexistência é proposta perante juízo de primeiro grau[31] e se submete ao regime geral de custas[32].
1.3. Código de Processo Civil de 2015
O atual Código de Processo Civil, Lei nº 13.105/15, a priori, não apresenta mudanças significativas no que tange ao litisconsórcio. Todavia, a leitura a partir de um olhar atento é capaz de notar uma alteração relevante quanto às consequências da ausência da citação daquele que deveria integrar a lide como litisconsorte necessário.
O diploma consigna no artigo 115 que a sentença proferida sem a citação daquele que deve ser litisconsorte necessário unitário é nula tanto em relação aos que figuraram como partes no processo quanto ao que não foi integrado à lide. De outro modo, tratando-se de litisconsórcio necessário simples, o comando sentencial é válido quanto aos que figuraram no feito e ineficaz em relação àquele que não foi cientificado. Ex vi:
“Art. 115. A sentença de mérito, quando proferida sem a integração do contraditório, será:
I – nula, se a decisão deveria ser uniforme em relação a todos que deveriam ter integrado o processo;
II – ineficaz, nos outros casos, apenas para os que não foram citados”.
Destarte, a ausência de citação de pessoa física ou jurídica que deveria integrar um dos polos do processo como litisconsorte necessário resultaria na nulidade da sentença e não mais em sua ineficácia[33].
Nesse contexto, a modificação legislativa enseja a alteração da ação a ser manejada pelo potencial litisconsorte excluído da lide, na medida em que, ainda que viciadas, as sentenças nulas são aptas a irradiar efeitos e a produzir coisa julgada material, devendo ser desconstituídas por meio de ação rescisória[34], a qual se submete ao prazo decadencial de dois anos[35].
Assim, apesar de proferida sem a efetiva garantia do contraditório e da ampla defesa, a sentença lavrada em processo do qual não foi devidamente cientificado aquele que deveria ocupar a posição de litisconsorte necessário será acobertada pela eficácia preclusiva da coisa julgada[36], a qual atingirá seu grau máximo após o decurso do prazo de ajuizamento da ação rescisória.
Desse modo, transcorrido o prazo de dois anos, aquele que deveria ter atuado como litisconsorte necessário unitário será obrigado a se submeter à imutabilidade da sentença proferida ao arrepio das garantias constitucionais. À evidência, a norma em questão sobrepõe o valor da segurança jurídica ao contraditório e à ampla defesa, assegurando a eternização de injustiças.
Sob esse prisma, indo de encontro à doutrina processualista moderna[37], a aludida disposição normativa consagra uma postura puramente dogmática do processo, na medida em que olvida as garantias inerentes ao devido processo legal, imprescindíveis à legitimidade da tutela jurisdicional[38], constituindo uma verdadeira arbitrariedade positivada[39].
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como demonstrado o atual Código de Processo Civil altera substancialmente a consequência jurídica da ausência de citação daquele que deveria integrar a lide na condição de litisconsorte necessário.
Com efeito, enquanto o Código de Processo Civil de 1973 previa a ineficácia da sentença proferida em tal situação, o novo Código consigna no artigo 115 que a sentença proferida sem a citação daquele que deve ser litisconsorte necessário unitário é nula tanto em relação aos que figuraram como partes no processo quanto ao que não foi integrado à lide. De outro modo, tratando-se de litisconsórcio necessário simples, o comando sentencial é válido quanto aos que figuraram no feito e ineficaz em relação àquele que não foi cientificado.
Destarte, a ausência de citação de pessoa que deveria integrar um dos polos do processo como litisconsorte necessário unitário resultaria na nulidade da sentença e não mais em sua ineficácia.
À evidência, a modificação legislativa enseja a alteração da ação a ser manejada pelo potencial litisconsorte excluído da lide, na medida em que, ainda que viciadas, as sentenças nulas são aptas a produzir coisa julgada material devendo ser desconstituídas por meio de ação rescisória, a qual se submete ao prazo decadencial de dois anos.
Desse modo, o novo Código de Processo Civil caminha em sentido contrário à evolução do direito processual brasileiro no que tange aos efeitos da ausência da citação daquele que deveria figurar como litisconsorte necessário, já que admite o acobertamento pela eficácia preclusiva da coisa julgada do referido vício, perpetuando no tempo o resultado de uma demanda desenvolvida em completa inobservância ao direito constitucional de defesa.
Nesse contexto, a intenção do presente estudo é atentar para o tema, alertando a comunidade jurídica dos efeitos da alteração normativa, especialmente quanto a violação da garantia do jurisdicionado ao devido processo legal.
Informações Sobre o Autor
Makena Marchesi
Mestre em Direito Processual Civil pela Universidade Federal do Espírito Santo. Pós-graduada pela Escola Superior do Ministério Público do Espírito Santo. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo. Analista Judiciário do Tribunal de Justiça do Espírito Santo