Resumo: O presente artigo tem como objeto a norma esculpida no novo Código Tributário do Município de Teresina que concede isenção, no pagamento do IPTU, ao servidor público municipal efetivo, da Administração Direta ou Indireta, e de servidor efetivo da Câmara municipal de Teresina. O objetivo é analisar se esse dispositivo assegura a isonomia tributária no pagamento do referido imposto por parte dos contribuintes sem criar tratamento diferenciado não permitido pela Constituição Federal. Para este fim foram analisadas as regras referentes à isenção, à isonomia tributária e ao Imposto Predial Territorial Urbano de competência dos municípios, bem como o conteúdo do referido dispositivo legal. Diante dos dados obtidos, verificou-se que a norma municipal fere o princípio da Isonomia ao eleger que apenas os imóveis de determinado valor e pertencentes a servidores públicos municipais ficariam isentos do pagamento de IPTU, não havendo razão justificável compatível com a ordem constitucional para beneficiar tais servidores em detrimento dos demais munícipes. Essa constatação é preocupante, pois ao conceder um privilégio em razão unicamente da ocupação profissional ou função, cria-se uma norma claramente inconstitucional, que quebra a coesão do ordenamento jurídico vigente e promove desigualdades ilegítimas dentro da sociedade. [1]
Palavras-Chaves: Inconstitucionalidade. Isenção. Isonomia. Tributos. Servidor Público
Sumário: 1. Introdução. 2. Isenção tributária. 3. Isonomia tributária. 4. Síntese do iptu segundo o código tributário do município de Teresina. 5. Da inconstitucionalidade do art. 49, i, da lc 4.974/2016. 6 considerações finais. Referências .
1. INTRODUÇÃO
Não se imiscuindo na celeuma doutrinária sobre a natureza jurídica da isenção, tem-se que esta versa sobre dispensa legal de pagamento, consoante orientação do Supremo Tribunal Federal (STF). Sendo assim, neste trabalho busca-se confrontar a isenção instituída no art. 49, I, da Lei Complementar nº. 4.974/2016 (novo Código Tributário do Município de Teresina – CTMT) com a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), em especial o art. 150, II.
Segundo a aludida norma constitucional é vedado aos entes tributantes impor tratamento díspar aos contribuintes que se encontrem em situação equivalente, bem como não serão admitidas distinções em razão da ocupação profissional ou função exercida. Essa norma vai ao encontro do princípio da Isonomia que informa que todos devem ser tratados igualmente na medida de suas igualdades e desigualmente na medida de suas diferenças.
É relevante ressaltar que o princípio da isonomia não impede que se possa adotar discriminação, desde que a norma traga um critério de diferenciação razoável, como o que beneficia contribuintes em situações menos favorecidas. Além disso, a lei deve tratar igualmente os fatos econômicos que manifestam a mesma capacidade contributiva e, ao contrário, de modo diferente os que exprimem capacidade contributiva diversa.
A Constituição atribui aos municípios a competência para instituir e arrecadar o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU), sendo o fato gerador deste imposto a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou acessão física, localizado na zona urbana do Município, com a base de cálculo estimada conforme o valor venal do imóvel.
O que gera uma controvérsia é o tratamento diferenciado concedido pelo Novo Código Tributário do Município de Teresina, através do art. 49, I, da Lc. 4.974/2016 aos servidores municipais. Este dispositivo celebra que fica isento do pagamento de IPTU o imóvel residencial cadastrado com valor venal inferior ou igual a R$ 93.355,50 de propriedade de servidor público municipal efetivo, da Administração Direta ou Indireta, e de servidor efetivo da Câmara Municipal de Teresina, quando nele residir, e desde que não possua outro imóvel no Município.
Pretende-se com esse artigo levantar uma discussão acerca da seguinte questão: sendo a igualdade a base fundamental do princípio republicano e da democracia, como justificar uma isenção que não está em consonância com a Constituição Federal e promove desigualdades ilegítimas dentro da sociedade?
Tem esse tema em discussão relevância pelo fato de que essa norma, além de inconstitucional, abre mão de receitas, em detrimento da coletividade.
2. ISENÇÃO TRIBUTÁRIA
A isenção possui natureza jurídica controvertida na doutrina pátria.
De um lado há os clássicos que sustentam que a isenção consubstancia-se em dispensa legal de pagamento de tributo, pressupondo a efetiva ocorrência do fato gerador e o surgimento da obrigação tributária. Em contraposição, há os mais modernos que entendem que a isenção retira parcela da hipótese de incidência da tributação.
Para o Supremo Tribunal Federal (STF) a isenção é dispensa legal de pagamento de tributo, conforme definido na ADI nº 286, relatoria Min. Maurício Correia.
Conforme o art. 150, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88), a concessão de isenção será feita por lei especifica. Nesse sentido é também o art. 176 do Código Tributário Nacional (CTN).
De acordo com parágrafo único do art. 176, a isenção pode limitar-se a determinada região do território do ente tributante, em função das peculiaridades do local.
Emana do art. 177 do CTN que as isenções não são extensíveis às taxas e contribuições de melhoria, tampouco aos tributos constituídos após a sua concessão.
As isenções podem ser onerosas, caso em que se não forem concedidas por prazo certo e sob determinadas condições podem ser modificadas ou revogadas a qualquer momento – art. 178 do CTN. Nesse toar o STF editou a sumula nº 544: “Isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas”.
As isenções ainda podem ser concedidas em caráter geral e individual. No esteio de Ricardo Alexandre (2016, pag. 450):
“Haverá isenção concedida em caráter geral quando o benefício atingir a generalidade dos sujeitos passivos, sem necessidade da comprovação por parte destes de alguma característica pessoal especial. Como exemplo, tem-se a isenção do imposto de renda incidente sobre os rendimentos da caderneta de poupança. Haverá isenção em caráter individual quando a lei restringir a abrangência do benefício às pessoas que preencham determinados requisitos, de forma que o gozo dependerá de requerimento formulado à Administração Tributária no qual se comprove o cumprimento dos pressupostos legais” (STJ – REsp196.473).
3. ISONOMIA TRIBUTÁRIA
O principio da igualdade é genericamente previsto na CRFB/88 no art. 5º caput:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”
Segundo tal mandamento, todos devem ser tratados igualmente na medida de suas igualdades e desigualmente na medida de suas diferenças.
A igualdade pode ser formal, quando o tratamento díspar acima referir-se à ordem jurídica, e material, quando dizer respeito à oportunidade de acesso aos bens da vida. Segundo Dirley da Cunha Júnior (2012, pág. 698), igualdade formal abrange:
“Igualdade na lei – que significa que nas normas jurídicas não pode haver distinções que não sejam autorizadas pela Constituição. (…)
Igualdade perante a lei – segundo a qual se deve aplicar igualmente a lei, mesmo que crie desigualdade.”
Pelo exposto é inegável que a igualdade é uma base fundamental do principio republicano e da democracia, dela decorrendo vários outros princípios, inclusive da isonomia tributária.
Na seara tributária a CF prevê que aos contribuintes em situação equivalente não poderá ser dado tratamento diferenciado, nem serão admitidas distinções em razão da ocupação profissional ou função exercida.
“Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
II – instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;”
Neste artigo da magna carta se vislumbra a isonomia tributária, vendando aos entes tributantes tratamento díspar na ordem jurídica tributaria. Nesse diapasão preceitua Ricardo Alexandre com exemplo (2016, pag. 112):
“Assim, a pessoa física que possui salário de quinhentos reais mensais está isenta do imposto sobre a renda; enquanto aquela cujos rendimentos são de cinco mil reais mensais se sujeita a uma alíquota de 27,5% do mesmo imposto. Mesmo que os rendimentos sejam idênticos, o tratamento deve ser diferenciado se, por exemplo, há uma diferença relevante quanto a número de filhos, despesas com saúde, educação, previdência, entre outras. (…)
Tratou da isonomia no seu sentido horizontal, pois exigiu que se dispensasse tratamento igual aos que estão em situação equivalente, mas deixou implícita a necessidade de tratamento desigual aos que se encontram em situações relevantemente distintas (sentido vertical).”
Outro aspecto que é imperioso relacionar é a íntima relação do princípio da Isonomia com a capacidade contributiva. Na verdade, o que se tem é que a capacidade contributiva é subprincípio de algo mais genérico e aplicado a todo direito – o princípio da isonomia ou igualdade.
A lei ao ser editada e aplicada tem que levar em conta as igualdades e diferenças das situações fáticas individuais. No caso dos impostos, estes objetivos são alcançados por intermédio da capacidade contributiva das pessoas. A lei deve tratar igualmente os fatos econômicos que manifestam a mesma capacidade contributiva e, ao contrário, de modo diferente os que exprimem capacidade contributiva diversa.
Um exemplo de norma que viola a isonomia tributária, que foi reconhecida inconstitucional pelo STF (ADI nº 1.655), tratava de isenção de IPVA concedida por lei estadual a proprietários de veículos automotores destinados à exploração de serviço de transporte escolar, desde que vinculados à determinada cooperativa. A corte entendeu que não é possível admitir que dentro do universo de proprietários apenas os filiados à determinada cooperativa pudessem ser agraciados com a isenção.
Em outro caso, a emenda constitucional nº 41/2003 trouxe a possibilidade de cobrança de contribuição previdenciária para servidores inativos e pensionistas, considerada constitucional pelo STF. Ocorre que iria incidir contribuição, para servidores da União, apenas sobre o que excedesse a sessenta por cento do limite máximo de benefícios do regime geral de previdência; no caso dos servidores dos Estados e Município, a regra previa que a incidência iria ocorrer sobre o que ultrapassasse cinquenta por cento do mesmo limite.
Patente a violação do princípio da isonomia, o STF pôs fim ao tratamento discriminatório no julgamento da ADI 3.105:
“Servidor público. Vencimentos. Proventos de aposentadoria e pensões. Sujeição à incidência de contribuição previdenciária. Bases de cálculo diferenciadas. Arbitrariedade. Tratamento discriminatório entre servidores e pensionistas da União, de um lado, e servidores e pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, de outro. Ofensa ao princípio constitucional da isonomia tributária, que é particularização do princípio fundamental da igualdade” (STF, Tribunal Pleno, ADI 3.105/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 18.08.2004, DJ 18.02.2005)
Como registro histórico, carece de trazer à baila que antigamente havia isenção de imposto de renda para determinadas categorias profissionais, como os magistrados. Felizmente essa benesse foi explicitamente repudiada pela CRFB/88, parte final do art. 150, II.
No entanto é necessário ressalvar que o princípio da isonomia não impede que se possa adotar discriminação. É que se a norma trouxer um critério de diferenciação razoável, como a que beneficia contribuintes em situações menos favorecidas, haverá constitucionalidade. Atenta à situação a CF fez a ressalva:
“Art. 151. É vedado à União:
I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País;”
4. SÍNTESE DO IPTU SEGUNDO O CÓDIGO TRIBUTÁRIO DO MUNICÍPIO DE TERESINA
A regra matriz de incidência do Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana – IPTU foi estabelecida no art. 156, I da CRFB/88:
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I – propriedade predial e territorial urbana;”
Seguindo a previsão constitucional, o CTN estabeleceu o aspecto material do IPTU:
“Art. 32. O imposto, de competência dos Municípios, sobre a propriedade predial e territorial urbana tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.”
Ainda tratando do aspecto material é a estipulação do CTMT:
“Art. 9º Constitui fato gerador do IPTU, a propriedade, o domínio útil ou a posse de todo e qualquer imóvel, por natureza, acessão física, tal como definido na lei civil, localizado na zona urbana do município de Teresina, na forma e condições estabelecidas nesta lei complementar.”
Assim sendo, restou assentado na legislação que o fato gerador é o exercício da propriedade, domínio útil ou posse sobre bem imóvel localizado na zona urbana do município.
Buscando o conceito de propriedade no direito civil, tem-se que proprietário é aquele que tem a faculdade de usar, gozar, dispor e reaver a coisa. Dessa forma o exercício desses direitos caracteriza a propriedade.
Mas não apenas a propriedade, tal como mencionado na literalidade da CF, gera obrigação tributaria relativa ao IPTU, o STF entende que a interpretação deve englobar o domínio útil e a posse com animus definitivo.
Destarte, a hipótese de incidência do IPTU é a disponibilidade econômica do domínio útil, posse ou propriedade, o que afasta da incidência a situação do locatário, mero detentor, de todos aqueles que exercem precariamente a posse.
Segundo o CTMT, o aspecto temporal do IPTU é o dia 1º de janeiro do ano a que corresponda o lançamento (art. 10).
Ou seja, momento em que se considera ocorrido o fato imponível, eleito pela municipalidade, é o primeiro dia do ano.
O critério espacial do IPTU é o município de Teresina. Este município, em especial sua zona urbana, é a circunscrição territorial onde deve estar localizada a propriedade imobiliária.
Visando esclarecer o que se entende por zuna urbana, o legislador municipal estipulou que seria aquela definida em lei, observando a presença de pelo menos dois melhoramentos indicados nos incisos I a V do art. 11 do CTMT.
Seguindo o mandamento do art. 32 do CTN a lei complementar municipal 4.974/2016 fixou que são também áreas urbanas: as urbanizáveis e as de expansão urbana constantes de loteamentos aprovados pelos órgãos competentes, destinados à habitação, inclusive à residencial de recreio, à indústria, ao comércio ou à prestação de serviços, mesmo que localizados fora da zona definidas no caput do art. 11.
O sujeito ativo do IPTU é o Município de Teresina, por sua vez a lei complementar erigiu como contribuinte o proprietário do imóvel, o titular do domínio útil ou o possuidor a qualquer titulo. A lei também não olvidou de tecer o responsável; segundo a norma do parágrafo único do art. 14 do CTMT, respondem solidariamente pelo pagamento do imposto o titular do domínio pleno, o titular de direito de usufruto, uso ou habitação, o possuidor titular de direito real sobre bem imóvel alheio, ainda que pertencente a qualquer pessoa física ou jurídica de direito público ou privado, isenta do imposto ou a ele imune.
A base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel, obtido através da planta de valores genéricos, utilizando-se a metodologia de calculo definida no CTMT (art. 15).
5. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 49, I, DA LC 4.974/2016
Chama atenção regra constante no art. 49 da LC municipal nº 4.974/2016. Segundo o dispositivo, fica isento do pagamento de IPTU o imóvel residencial cadastrado com valor venal inferior ou igual a R$ 93.355,50 (noventa e três mil, trezentos e cinquenta e cinco reais, cinco centavos), de propriedade de servidor público municipal efetivo, da Administração Direta ou Indireta, e de servidor efetivo da Câmara municipal de Teresina, quando nele residir, e desde que não possua outro imóvel no Município.
Pela norma aludida, todos os servidores efetivos do ente municipal e de sua Administração indireta estarão dispensados do pagamento de IPTU, caso seja proprietário de um único imóvel com valor venal igual ou inferior à quantia de R$ 93.355,50 (noventa e três mil, trezentos e cinquenta e cinco reais, cinco centavos).
Aqui se tem uma isenção individual que deve obedecer às regras do art. 50, 51 e 52 do Código tributário de Teresina. Ou seja, deverá ser requerida a cada três anos, o benefício será concedido mediante despacho da autoridade competente e o sujeito passivo tem o dever de informar o fisco municipal que o benefício tornou-se indevido.
Vale destacar que o valor de limite de isenção será atualizado anualmente pelo índice de preço ao consumidor amplo especial (IPCA-E).
Diante de tal norma uma indagação surge: a isenção aludida está em consonância com Constituição Federal?
A resposta somente pode ser negativa, pelas razões que se passa a expor.
Conforme sustentado no início, o principio da isonomia também permite que na lei sejam feitas discriminações, entretanto o fator descriminante deve ser razoável e estritamente necessário para atingir a finalidade almejada.
Consoante ensinamentos fundamentais sobre princípio da Isonomia, Celso Antônio Bandeira de Melo (pag. 47-48, 2008) aduz que haverá ofensa ao preceito constitucional quando:
“I – A norma singulariza atual e definitivamente um destinatário determinado, ao invés de abranger uma categoria de pessoas, ou uma pessoa futura e indeterminada.
II – A norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elementos não residentes nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. É o que ocorre quanto pretende tomar o fator “tempo” – que não descansa no objeto – como critério diferencial.
III – A norma atribui tratamentos jurídicos diferentes em atenção em fator de discrímen adotado que, entretanto, não guarda relação de pertinência logica com a disparidade de regime outorgados.
IV – A norma supõe relação de pertinência logica existente em abstrato, mas o dicrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos que de qualquer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente.
V – A interpretação da norma extrai dela distinções, discrímens, desequiparações que não foram professadamente assumidos por ela de modo claro, ainda que por via implícita.”
Fazendo o cotejo com a norma isentiva do I, art. 49, do CTMT, é perceptível que esta se enquadra nos preceitos III e IV acima transcrito.
A razão da primeira ofensa ao Princípio da Isonomia está em determinar que apenas os imóveis, em determinado valor, pertencentes a servidores públicos municipais estarão isentos do pagamento de IPTU, ou seja, deixarão de contribuir, em detrimentos dos demais munícipes, para os dispêndios que o Município tem a seu cargo.
Nota-se que, no caso, não há pertinência logica em eleger os imóveis do servidores públicos como isentos, visto que não há justificativa racional para afastar do pagamento ou excluir de parte da incidência os servidores públicos. Verifica-se que o fator de discrímen (imóvel pertencente a servidor público) não guarda correlação com efeitos jurídicos atribuídos pela norma (deixar de pagar IPTU). O fato é que não há nada de especial em exercer as funções de um cargo público (diga-se: qualquer cargo, já que a norma não faz diferença) e, ao mesmo tempo, ser proprietário de um imóvel, que suscite o afastamento da obrigação de contribuir para as despesas públicas.
A incidência de impostos deve levar em consideração a capacidade contributiva, determinada pela manifestação de riquezas. Se logo após isentar os imóveis, pertencentes a servidores do município de Teresina, com valor ate 93.355,50 (noventa e três mil, trezentos e cinquenta e cinco reais, cinco centavos), o legislador isentou os imóveis residenciais, de qualquer cidadão (art. 49, IV, do CTMT), com valor venal de até R$ 40.009,50 (quarenta mil, nove reais, cinquenta centavos), não há razoabilidade nem capacidade contributiva que justifique que os imóveis de maior valor, pertencentes aos servidores, serão isentos, enquanto que apenas os de valor bem menor, pertencentes a qualquer cidadão, estarão dispensados do pagamento.
O artigo 49, I, do CTMT em análise, permanece desprestigiando a Isonomia, no esteio do que aduz Celso Antônio Bandeira de Melo (hipótese IV), ainda que se faça a suposição de pertinência logica em abstrato, tendo em mente que o descrímen elegido conduz a efeitos contrapostos que de qualquer modo são dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente. Primeiro, pois há dever genérico de contribuir com os custos que o Estado incorre em busca do bem-estar coletivo, sendo as imunidades e isenções exceções no arcabouço normativo, segundo, porque não há razão valiosa, compatível com os interesses acolhidos no sistema constitucional, para beneficiar os servidores do município de Teresina, abrindo mão de receitas, em detrimento da coletividade.
Em outras palavras, pode-se afirmar que não bastam pressupostos fáticos diversos para que a lei mitigue a Isonomia, tampouco são suficientes as arguições de fundamento racional; é imperioso que o fundamento lógico autorizante da desequiparação prestigie a ordem jurídica máxima. Neste aspecto, a isenção municipal fulmina a Constituição da República uma vez que, no art. 150, II, foi erigido o Princípio da Proibição da Desigualdade – na visão de Ricardo Lobo Torres (pag. 78, 2010) um corolário da isonomia, e que se expressa sob dois aspectos: proibição de privilégios odiosos e proibição de discriminação fiscal.
O Estado tem o encargo de satisfação de diversos interesses dos administrados, como prestação de serviços públicos, obras públicas, solução de conflito de interesses etc. Entretanto, para alcançar sua finalidade o Estado precisa de recursos financeiros. Dessa forma, a tributação é o instrumento que se vale o ente para auferir recursos e custear suas atividades de interesse coletivo.
Nessa ordem de ideias, é indubitável que o Estado pode convocar todos integrantes da coletividade (pessoas, físicas, jurídicas, entes despersonalizados) para contribuírem com os dispêndios públicos, de modo que apenas em casos específicos, amparados na ordem constitucional vigente e para a esta atender, poder-se-á excluir uma classe ou setor especifico da obrigação de pagar tributos.
Voltando aos aspectos da Proibição da Desigualdade acima ventilados, tem-se que com chegada do Estado Fiscal, os privilégios odiosos passaram a ser conceituados como o pagamento de tributo menor que o previsto para os demais contribuintes ou o não pagamento em razão de características pessoais. Já a proibição de discriminação fiscal é qualquer discrimine desarrazoado, que implique na exclusão de alguém da regra de tributação geral ou de um privilégio não odioso.
A Constituição brasileira de 1824 extinguiu os privilégios odiosos, estampando que ficariam abolidos todos os privilégios que não fossem essenciais e inteiramente ligados aos cargos por utilidade pública.
Com advento da CRFB/88, a proibição de privilégios odiosos continua vigente, entretanto, hodiernamente, com a total vedação de tratamento diferenciado em razão de “ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos”.
Nas lições de Ricardo Lobo Torres, a vedação de privilégios odiosos é uma garantia de liberdade:
“Embora atue contra as desigualdades na consideração da capacidade contributiva, do custo/benefício ou do desenvolvimento econômico, isto é, na defesa dos princípios vinculados às ideias de justiça e utilidade, a proibição constitucional visa proteger sobretudo os iguais direitos da liberdade (art. 5º, caput), que seriam afinal atingidos pelo privilegium odiosum e pela desigual repartição tributária.”
Ou seja, o mandamento constitucional repudia qualquer tratamento diferenciado, seja para magistrados, jornalistas, militares, e, com maior razão, aos servidores públicos de qualquer ente politico, salvo, claro, se houver correlação lógica entre o discrímen e objetivo a ser atingido pela norma desigualadora.
Nesse toar a norma municipal é inconstitucional por violar materialmente o disposto no art. 150, II, do texto maior, haja vista que corporifica um privilegio odioso, alijando a liberdade e isonômica divisão do ônus tributário.
Isto pois o tributo é o “preço da liberdade”, afinal, para que o cidadão possa exercer suas liberdades, vindicar direitos, é necessário que o Estado assegure um ambiente propício ao livre desenvolvimento. Cabe a este prover as condições para que o cidadão possa exercer livremente sua profissão e atividade econômica. É do Estado a incumbência de permitir que o indivíduo, por seu trabalho, gere lucro e crie empregos. E, em razão do desempenho dessas tarefas, o Poder público deve buscar recursos financeiros por meio dos tributos.
Nesse toar é inadmissível, perante a ordem constitucional, que uns, apesar de manifestarem mais riquezas, não sejam alcançados pelo Poder de Império do Estado, em virtude de uma relação jurídica funcional preexistente. No caso da lei teresinense, não existe cerne constitucional para o discrimine, muito menos o objetivo alcançado encontra guarida neste seio. Diferentemente das situações, por exemplo, de imunidade tributária e a previsão de tratamento tributário diferenciado para microempresas e empresas de pequeno porte.
Com base na vedação de privilégios odiosos o STF já decidiu na ADI nº 3.260/RN:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 271 DA LEI ORGÂNICA E ESTATUTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE — LEI COMPLEMENTAR N. 141/96. ISENÇÃO CONCEDIDA AOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO, INCLUSIVE OS INATIVOS, DO PAGAMENTO DE CUSTAS JUDICIAIS, NOTARIAIS, CARTORÁRIAS E QUAISQUER TAXAS OU EMOLUMENTOS. QUEBRA DA IGUALDADE DE TRATAMENTO AOS CONTRIBUINTES. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 150, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.
1.A lei complementar estadual que isenta os membros do Ministério Público do pagamento de custas judiciais, notariais, cartorárias e quaisquer taxas ou emolumentos fere o disposto no artigo 150, inciso II, da Constituição do Brasil.
2.O texto constitucional consagra o princípio da igualdade de tratamento aos contribuintes. Precedentes.
3.Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do artigo 271 da Lei Orgânica e Estatuto do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte — Lei Complementar n. 141/96.'”
Neste julgado, a coima da inconstitucionalidade apresentou-se para a norma que criava tratamento privilegiado para os membros do Ministério Público, os quais ficariam dispensados do pagamento de quaisquer taxas. O Supremo ratificou que a Carta magna não permite esse tipo de violação ao Principio da Igualdade.
Em outra oportunidade também se manifestou o egrégio tribunal:
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 240 DA LEI COMPLEMENTAR 165/1999 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. ISENÇÃO DE CUSTAS E EMOLUMENTOS AOS MEMBROS E SERVIDORES DO PODER JUDICIÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 150, II, DA CONSTITUIÇÃO. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. I – A Constituição consagra o tratamento isonômico a contribuintes que se encontrem na mesma situação, vedando qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida (art. 150, II, CF). II – Assim, afigura-se inconstitucional dispositivo de lei que concede aos membros e servidores do Poder Judiciário isenção no pagamento de custas e emolumentos pelos serviços judiciais e extrajudiciais. III – Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade do art. 240 da Lei Complementar 165/199 do Estado do Rio Grande do Norte. (STF – ADI: 3334 RN, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 17/03/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-064 DIVULG 04-04-2011 PUBLIC 05-04-2011 EMENT VOL-02496-01 PP-00035)
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. REMUNERAÇÃO DE MAGISTRADOS. IMPOSTO DE RENDA SOBRE A VERBA DE REPRESENTAÇÃO. ISENÇÃO. SUPERVENIÊNCIA DA PROMULGAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. ISONOMIA TRIBUTÁRIA. INSUBSISTÊNCIA DO BENEFÍCIO. 1. O artigo 150, inciso II, da Constituição Federal, consagrou o princípio da isonomia tributária, que impede a diferença de tratamento entre contribuintes em situação equivalente, vedando qualquer distinção em razão do trabalho, cargo ou função exercidos. 2. Remuneração de magistrados. Isenção do imposto de renda incidente sobre a verba de representação, autorizada pelo Decreto-lei 2.019/83. Superveniência da Carta Federal de 1988 e aplicação incontinenti dos seus artigos 95, III, 150, II, em face do que dispõe o § 1º do artigo 34 do ADCTCF/88. Consequência: Revogação tácita, com efeitos imediatos, da benesse tributária. Recurso extraordinário não conhecido”. (RE 236881, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Segunda Turma, julgado em 05/02/2002, DJ 26-04-2002 PP-00090 EMENT VOL-02066-02 PP-00432)
Não reconhecendo o alegado merecido tratamento privilegiado aos oficias de justiça estaduais em aquisição de automóveis, decidiu a Suprema corte:
“EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUTÁRIO. ISENÇÃO FISCAL. ICMS. LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL. EXIGÊNCIA CONSTITUCIONAL DE CONVÊNIO INTERESTADUAL (CF, ART. 155, § 2º, XII, ‘g’). DESCUMPRIMENTO. RISCO DE DESEQUILÍBRIO DO PACTO FEDERATIVO. GUERRA FISCAL. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. CONCESSÃO DE ISENÇÃO À OPERAÇÃO DE AQUISIÇÃO DE AUTOMÓVEIS POR OFICIAIS DE JUSTIÇA ESTADUAIS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA TRIBUTÁRIA (CF, ART. 150, II). DISTINÇÃO DE TRATAMENTO EM RAZÃO DE FUNÇÃO SEM QUALQUER BASE RAZOÁVEL A JUSTIFICAR O DISCRIMEN . INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. O pacto federativo reclama, para a preservação do equilíbrio horizontal na tributação, a prévia deliberação dos Estados-membros para a concessão de benefícios fiscais relativamente ao ICMS, na forma prevista no art. 155, § 2º, XII, ‘g’, da Constituição e como disciplinado pela Lei Complementar nº 24/75, recepcionada pela atual ordem constitucional. 2. In casu, padece de inconstitucionalidade formal a Lei Complementar nº 358/09 do Estado do Mato Grosso, porquanto concessiva de isenção fiscal, no que concerne ao ICMS, para as operações de aquisição de automóveis por oficiais de justiça estaduais sem o necessário amparo em convênio interestadual, caracterizando hipótese típica de guerra fiscal em desarmonia com a Constituição Federal de 1988 3. A isonomia tributária (CF, art. 150, II) torna inválidas as distinções entre contribuintes “em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida”, máxime nas hipóteses nas quais, sem qualquer base axiológica no postulado da razoabilidade, engendra-se tratamento discriminatório em benefício da categoria dos oficiais de justiça estaduais. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.” (STF – ADI: 4276 MT, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 20/08/2014, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-181 DIVULG 17-09-2014 PUBLIC 18-09-2014)
Em caso que o agravante queria ver reconhecido seu direito à isenção de IPTU em razão da qualidade de servidor estadual também decidiu o STF:
Isenção de IPTU, em razão da qualidade de servidor estadual do agravante, postulada em desrespeito da proibição contida no art. 150, II, da CF de 1988.
[AI 157.871 AgR, rel. min. Octavio Gallotti, j. 15-9-1995, 1ª T, DJ de 9-2-1996.]
Em sede de Ação Direita de Inconstitucionalidade, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconheceu não pode prosperar norma que concede isenção de IPTU a determinada classe, pois fere princípio da Isonomia:
“IPTU. ISENCAO AOS SERVIDORES MUNICIPAIS. A TODA EVIDENCIA, A LEI MUNICIPAL AO ESTABELECER ISENCAO DE IMPOSTO A UMA DETERMINADA CLASSE DE PESSOAS, FERIU O PRINCIPIO DA ISONOMIA, ESTATUIDO NA CONSTITUIÇÃO. (RESUMO) (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 591088935, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Cacildo de Andrade Xavier, Julgado em 07/12/1992)” (TJ-RS – ADI: 591088935 RS, Relator: Cacildo de Andrade Xavier, Data de Julgamento: 07/12/1992, Tribunal Pleno, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia)
A toda evidencia, tem-se que a norma do art. 49, I, do CTMT viola o Princípio da Isonomia tributária, em especial a proibição da desigualdade, prevista na CRFB/88.
6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente artigo, com a análise feita às regras referentes à isenção, à isonomia tributária juntamente com a norma esculpida no texto constitucional chegou-se ao objetivo principal, que foi o de confirmar a tese de que a lei municipal é uma norma inconstitucional por conduzir a efeitos contrapostos que de qualquer modo são dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente.
Fazendo uso da doutrina e da jurisprudência conclui-se que a norma municipal corporifica um privilégio odioso, alijando a liberdade e isonômica divisão do ônus tributário.
A isonomia tributária deve reger todo o ordenamento jurídico, bem como servir de orientação também na elaboração de novas normas, sendo que qualquer fator discriminante deve ser razoável e estritamente necessário para atingir a finalidade almejada.
Além disso, ao beneficiar os servidores municipais apenas por estes exercerem um cargo público, a norma municipal transferiu a carga tributária decorrente da isenção de impostos para toda a coletividade não atingida por esse benefício, abrindo mão de receitas importantes para a manutenção do Município.
O TJRS em importante decisão reconheceu não poder prosperar norma que concede isenção de IPTU a determinada classe, pois fere o princípio da isonomia, espera-se que o mesmo ocorra com a norma municipal do art. 49, I do CTMT, uma vez que esta norma que fulmina com a Constituição Federal e fere o princípio da Isonomia, gerando discriminações inaceitáveis, não pode continuar existindo no Ordenamento Jurídico.
Informações Sobre o Autor
Carlos Rene Magalhães Mascarenhas
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Piauí. Especialista em Direito Público pela Faculdade Damásio. Exerceu os cargos de Analista Judiciário e Oficial de Justiça. Assessor Jurídico Legislativo e Advogado