Resumo: Este artigo tem por objetivo a análise crítica da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a compatibilidade dos regimes de incidência monofásica e não cumulatividade nas contribuições para o PIS e a COFINS. A investigação parte do estudo isolado das normas que tentaram implementar a incidência monofásica nas contribuições sobre a receita e daquelas que criaram o método não cumulativo de apuração das bases de cálculo desses tributos. Por fim, confronta os dois subsistemas à luz da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que é divergente quanto à compatibilidade dos mesmos.
Palavras-chave: PIS e COFINS. Incidência monofásica. Não-cumulatividade. Compatibilidade. Superior Tribunal de Justiça.
Sumário: Introdução.1. A incidência monofásica das contribuições para o PIS e a COFINS. 1.1. Mecanismo e finalidades. 1.2. A incidência monofásica como espécie de substituição tributária progressiva.2. Os regimes de apuração da base de cálculo das contribuições sociais para o PIS e a COFINS. 3. A interseção entre a incidência monofásica e a não cumulatividade. Conclusão.
INTRODUÇÃO
Desde sua criação nas décadas de 1970 e 1990, respectivamente, as contribuições para o PIS e a COFINS estão entre os tributos que mais sofreram alterações ao longo do tempo.
Mesmo tendo preservada a finalidade de sua instituição, esses tributos foram deixando o papel marginal de outrora para assumir um protagonismo impensável à época da edição das Leis Complementares n.º 7/70 e 70/91. Dentre as muitas alterações ocorridas, duas merecem destaque: a possibilidade de adoção das técnicas de incidência monofásica e não cumulatividade. A primeira veio com a Emenda Constitucional 33/2001[1]; a segunda, pela Emenda Constitucional n.º 42/2003[2].
Ambas as medidas nasceram como faculdades a serem implementadas pelo legislador infraconstitucional, em sobreposição aos modelos até então existentes. Com isso, a partir desses dois marcos, a tributação através das contribuições para o PIS e a COFINS foi transformada num complexo quadro de possibilidades, tendo como variáveis a quantidade de incidências – representadas pelos regimes monofásico ou plurifásico – e o modo de apuração da base de cálculo – cumulativo ou não cumulativo.
Assim, a depender do setor econômico em que se encontre o contribuinte, bem como do maior ou menor emprego de mão-de-obra no desempenho de sua atividade, existem hoje i) PIS/COFINS cumulativos e não monofásicos, ii) PIS/COFINS cumulativos e monofásicos, iii) PIS/COFINS não cumulativos e não monofásicos e iv) PIS/COFINS não cumulativos e monofásicos[3].
Neste artigo, analisaremos alguns aspectos do cenário em que incidência monofásica e não cumulatividade se encontram. Apontaremos que esses dois subsistemas (cumulatividade x não-cumulatividade; incidência monofásica x incidência plurifásica) nem sempre se relacionam harmonicamente e que, dentre choques e lacunas, classes inteiras de contribuintes são forçadas a suportar prejuízos avassaladores em razão de “desarranjos” nesse desenho institucional da tributação das receitas.
1. A incidência monofásica das contribuições para o PIS/COFINS.
1.1. Mecanismo e finalidades.
Embora a terminologia possa conduzir a equívocos, a tributação monofásica das contribuições para o PIS e a COFINS não se confunde com a incidência desses tributos sobre contribuintes que desempenham atividades econômicas realizadas em uma só etapa (atividades monofásicas), ou seja, que não pressuponham circulação sequencial de bens ou serviços.
Ironicamente, a incidência monofásica desses tributos dirige-se às atividades econômicas plurifásicas: as que integram uma cadeia de circulação de bens ou serviços dividida em várias etapas, como a de um produto farmacêutico – sujeito, de regra, a essa sistemática – fabricado por uma determinada indústria e que, até chegar ao consumidor final, é revendido por comerciantes atacadistas (os distribuidores) e varejistas (as farmácias), implicando na ocorrência de sucessivos fatos imponíveis das referidas contribuições sociais e caracterizando, ordinariamente, múltiplas incidências tributárias.
A técnica de incidência monofásica, de previsão constitucional[4], permite que a lei preveja, em cadeias plurifásicas como a acima citada, a possibilidade de que as contribuições para o PIS e a COFINS incidam uma única vez. Da forma como posta pelo Constituinte reformador, isso significaria, no exemplo acima citado, que apenas a indústria seria tributada pelas referidas contribuições, estando desoneradas[5] as distribuidoras e as farmácias.
Sob este prisma específico – o constitucional -, o mecanismo serve a louváveis finalidades.
A principal delas é a otimização dos recursos da Fazenda Pública nas atividades de arrecadação e fiscalização tributárias[6], já que, quanto menos vezes um tributo incidir, menor o espectro de atuação do Poder Público nessas searas. É por isso que, neste particular, a incidência monofásica vem de encontro ao princípio da praticabilidade, norma que enuncia que as leis tributárias sejam cumpridas da forma mais simples e eficiente possível[7].
Em última análise, o aperfeiçoamento da fiscalização tributária, na medida em que minimiza os casos de evasão fiscal, também contribui ativamente para a realização de princípios ainda mais caros ao sistema constitucional tributário, como os da isonomia e livre concorrência.
1.2. A técnica implementada pelas Leis n.os 10.147/00 e 10.485/02 como espécie de substituição tributária progressiva.
Ao tentar implementar a incidência monofásica das contribuições para o PIS e a COFINS através das leis n.os 10.147/00 e 10.485/02, o legislador infraconstitucional acabou criando uma figura anômala, mais próxima da substituição tributária progressiva (embora não equivalente a ela) do que da incidência monofásica propriamente dita. Em ambos os diplomas, foi adotada a técnica de majorar drasticamente a alíquota das contribuições devidas pelo primeiro elo da cadeia de circulação – o que por si só já explicita a intenção de fazê-lo pagar a parcela devida pelos demais – e reduzir a zero as alíquotas dos demais integrantes dessa mesma cadeia.
É sabido, porém, que reduzir a alíquota a zero não equivale a impedir a incidência da norma que determina o pagamento do tributo. Na verdade, nesses casos a norma segue incidindo, mas como um dos multiplicadores do aspecto quantitativo da hipótese de incidência – a alíquota – é igual a zero, a soma a ser recolhida aos cofres públicos também equivale a zero.
Havendo, portanto, incidência sobre todos os entes da cadeia, ela não pode ser considerada monofásica, mas plurifásica. Essa circunstância aproxima bastante a sistemática das leis n.os 10.147/00 e 10.485/02 daquela prevista pelo dispositivo do § 7º do art. 150 da Constituição Federal de 1988, que institui a substituição tributária progressiva. Os regimes, contudo, não são idênticos.
Há pelo menos duas diferenças substanciais entre esses dois mecanismos[8]. A primeira é que, na substituição tributária, o substituído mantém inconteste sua condição de contribuinte, bem como os direitos que lhe correspondem (inclusive o de questionar a tributação que lhe é imposta), enquanto que no sistema criado pelas leis n.os 10.147/00 e 10.485/02, a Jurisprudência vem chancelando o entendimento de que há um contribuinte único.
A segunda diferença tem a ver com a identificação da parcela do tributo devido pelos entes que não efetuaram o recolhimento. Na substituição, esse montante é devidamente identificado e destacado; na (suposta) incidência monofásica, não.
Percebe-se, assim, que as leis n.º 10.147/00 e n.º 10.485/02 criaram uma sistemática de tributação bem mais perversa que a própria substituição tributária para frente – o que não se esperava ser possível. Além de repetir a condenável técnica de tributação por fato imponível futuro – marca registrada desta última -, instituiu um mecanismo autoritário que suprime dos atacadistas e varejistas de medicamentos (caso da lei n.º 10.147/00) e das concessionárias de automóveis (regidas pela n.º 10.485/02) as prerrogativas de saber o quanto de tributo estão pagando e, consequentemente, de questionar essa tributação.
Nem mesmo o princípio da praticabilidade consegue dar sustentação constitucional a essa sistemática, já que, como adverte REGINA HELENA COSTA[9], norma alguma pode ser aplicada fora dos parâmetros estabelecidos pelo postulado da razoabilidade.
Por essas – e muitas outras – razões é que, como brilhantemente vaticina HUMBERTO ÁVILA o regime de tributação das receitas imposto pelas leis n.os 10.147/00 e n.º 10.485/02 deve ser considerado absolutamente inconstitucional. Como, todavia, o objeto deste estudo é confrontar as normas desse regime – da forma como postas – com as da não cumulatividade das contribuições para o PIS e a COFINS, superaremos por ora essa questão para seguir adiante.
2. Os regimes de apuração da base de cálculo das contribuições sociais para o PIS e a COFINS.
Se, por um lado, o legislador infraconstitucional não logrou êxito ao criar um sistema efetivo – e constitucional – de incidência monofásica das contribuições para o PIS e a COFINS, melhor sorte não teve com a implementação da não cumulatividade.
Em sua redação original, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu que dois dos tributos por ela criados teriam suas bases de cálculo apuradas pela técnica da não cumulatividade: o Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação – ICMS e o Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI[10].
Mais adiante, com a promulgação da Emenda Constitucional n.º 42/2003, estendeu-se a possibilidade[11] de adoção desse mecanismo às contribuições sociais incidentes sobre a receita ou faturamento e sobre as importações.
Pleito antigo de representantes de diversos setores econômicos, a não cumulatividade nas contribuições sociais para o PIS e a COFINS, implementada pela Lei n.º 10.845/2004, veio tardia e, infelizmente, desvirtuada de seus propósitos iniciais.
PAULO AYRES BARRETO[12] narra que a medida, longe de vir ao encontro dos clamores de equilíbrio fiscal – em resposta à tributação em cascata dessas contribuições – nasceu como um “afago” à Fazenda Nacional, que havia sofrido um importante revés legislativo ao não conseguir emplacar uma alteração substancial no regramento do Imposto sobre a Renda[13].
O propósito de aumentar a arrecadação foi transferido então para outros tributos: a não cumulatividade das contribuições para o PIS e a COFINS veio acompanhada de um aumento expressivo em suas alíquotas: a do PIS passou de 0,65% (zero vírgula sessenta e cinco por cento) para 1,65% (um vírgula sessenta e cinco por cento) e a da COFINS saltou de 3% (três por cento) para 7,6% (sete vírgula seis por cento). Além disso, a medida veio acompanhada de um sistema claramente deficitário de deduções, restringindo ao máximo o aproveitamento de créditos pelos contribuintes.
O resultado foi um aumento substancial na arrecadação e uma enxurrada de questionamentos judiciais. Grande parte dessas demandas referiam-se a dois pontos: o enquadramento dos setores econômicos nos regimes cumulativo ou não cumulativo e os itens passíveis de apropriação de créditos. Esse último, inclusive, foi objeto de recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, proferida sob o rito dos recursos repetitivos. Invalidando a regulamentação infralegal que restringia ao máximo o conceito de insumo – para fins de tomada de créditos das contribuições para o PIS e a COFINS, a Corte assentou a tese de que insumo é tudo aquilo considerado relevante e necessário para cada setor produtivo[14].
O precedente é relevante, mas não se pode ignorar, porém, que a construção casuística dos conceitos de relevância e essencialidade – a ser realizada pelos demais órgãos do Poder Judiciário – é tarefa árdua e dada a subjetividades, podendo gerar distorções violadoras do princípio constitucional da isonomia.
3. A interseção entre a incidência monofásica e a não cumulatividade
Os contribuintes sujeitos ao regime não cumulativo de apuração da base de cálculo das contribuições para o PIS e a COFINS podem se apropriar, nos termos das leis n.os 10.627/02 e 10.833/03, de créditos relativos a aquisições e insumos diretamente ligados à geração da receita tributada. Esses mesmos diplomas, porém, proibiam a apropriação de créditos correspondentes à aquisição de produtos cuja revenda fosse sujeita à alíquota zero[15].
Essa vedação, porém, foi logo revertida pela regra do art. 17 da Lei n.º 11.033/04[16], mas não sem polêmicas.
Primeiramente, houve quem entendesse que essa norma se destinava apenas aos contribuintes sujeitos ao Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à Ampliação da Estrutura Portuária – REPORTO. Só após longos embates judiciais o Superior Tribunal de Justiça assentou sua jurisprudência reconhecendo que a localização do dispositivo em questão dentre outros que versam sobre o REPORTO não restringe a aplicação daquele aos destinatários deste último.
Mas há uma outra discussão sobre a aplicação do art. 17 da Lei n.º 11.033/04 que divide os membros daquele Tribunal até hoje: a compatibilização dessa regra com o regime implementado pelas leis 10.147/00 e n.º 10.485/02 (dito de incidência monofásica das contribuições para o PIS e a COFINS).
A questão posta é: os contribuintes que integram cadeias sujeitas à incidência monofásica podem se valer da apropriação de créditos referida no art. 17 da Lei n.º 11.033/04?
A Receita Federal do Brasil e uma parcela significativa dos Tribunais têm respondido essa pretensão negativamente, por entenderem incompatíveis os regimes de incidência monofásica e de não cumulatividade nas contribuições para o PIS e a COFINS.
Esse é, atualmente, o entendimento encampado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça. Em um dos últimos acórdãos editados por aquele órgão sobre a matéria ora analisada (AgInt no AResp 1.221.673/BA)[17], identificam-se claramente as duas principais razões de fundamentação da decisão: i) haveria norma expressa nas leis n.os 10.637/02 e 10.833/03 excluindo as receitas sujeitas à incidência monofásica das contribuições do PIS e da COFINS do regime não cumulativo e, a despeito da referida exclusão ii) os regimes de incidência monofásica e não cumulatividade são incompatíveis.
Analisemos cada um deles.
O primeiro desses argumentos já vem estampado na própria ementa do acórdão: “as receitas provenientes das atividades de venda e revenda sujeitas ao pagamento das contribuições ao PIS/PASEP e à COFINS em Regime Especial de Tributação Monofásica não permitem o creditamento pelo revendedor das referidas contribuições incidentes sobre as receitas do vendedor por estarem fora do Regime de Incidência Não Cumulativo, a teor dos artigos 2º, § 1º e incisos; e 3º, I, b da Lei n. 10.637/2002 e da Lei n. 10.833/2003.” Uma breve leitura dos dispositivos citados, todavia, já é suficiente para vencer esse argumento.
Com efeito, o art. 2º, § 1º da Lei n.º 10.637/2002[18] e o art. 2º, § 1º da Lei n.º 10.833/2003[19] tratam tão somente de alíquotas: excluem determinados produtos das alíquotas gerais ali previstas para submetê-los a outras alíquotas previstas em normas especiais. Já os dispositivos dos arts. 3º, I, b dos mesmos diplomas[20][21] excluem determinados itens – dentre os quais os produtos a serem revendidos com alíquota zero – daqueles aptos a gerar apropriação de créditos. Ora, não se pode extrair de qualquer dessas regras a conclusão de que os contribuintes a elas sujeitos não estão sujeitos ao regime não cumulativo das contribuições para o PIS e a COFINS.
Na verdade, há normas específicas nas próprias leis n.os 10.637/02 (art. 8º) e 10.833/03 (art. 10º) que apontam os contribuintes não submetidos ao regime não cumulativo das contribuições ali reguladas. Nelas, porém, não há qualquer referência à incidência monofásica. Assim, ao contrário do que consta no acórdão analisado, não existe norma alguma que expressamente segregue esses dois subsistemas.
O outro ponto levantado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça é o de que os regimes de incidência monofásica e de não cumulatividade são incompatíveis. No voto que proferiu no julgamento originário do Recurso Especial (antes, portanto, dos Agravos interpostos), a Min. Assusete Magalhães consignou que “inexiste direito a creditamento, por aplicação do princípio da não-cumulatividade, na hipótese de incidência monofásica do PIS e da COFINS, porquanto inocorrente, nesse caso, o pressuposto lógico da cumulação.” Mais adiante, já no julgamento do Agravo, a Ilustre Magistrada conclui que “não há como pretender aplicar o raciocínio, previsto para os tributos sujeitos à cadeia plurifásica, aos que estão sob o regime de incidência monofásica, por incompatibilidade lógica entre os sistemas.”[22]
Aqui nos remetemos ao que já foi exposto acima em relação à alíquota zero: a técnica não impede a incidência do tributo, apenas anula, por mera operação aritmética, o saldo a ser recolhido. É por isso que a disciplina criada pelas leis 10.147/00 e n.º 10.485/02 não é de incidência monofásica, mas plurifásica. Mas essa constatação, embora relevante e suficiente para infirmar o fundamento utilizado pela Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, ainda não responde definitivamente à questão sobre a compatibilidade dos regimes de incidência monofásica e de não cumulatividade das contribuições para o PIS/COFINS.
A formulação dessa resposta passa pela adequada compreensão da não cumulatividade no âmbito das contribuições para o PIS e a COFINS, que não segue o mesmo modelo daquela prevista para o IPI e o ICMS[23].
A não-cumulatividade relativa a esses impostos tem por finalidade a neutralidade da tributação, evitando a cobrança dos mesmos “em cascata” (o que beneficia, em última análise, o consumidor final). A apuração do montante devido é feita pelo método “imposto sobre imposto” e a sistemática de apuração de créditos toma por base o montante já pago a título dos mesmos tributos nas operações anteriores.
Já a não-cumulatividade das contribuições sobre a receita segue um regime jurídico próprio. A técnica utilizada para apurar o tributo devido é a de “base sobre base” e a finalidade da não cumulatividade está mais ligada à capacidade contributiva dos próprios contribuintes, já que, como bem adverte ANDRÉ MENDES MOREIRA, “a receita é uma realidade incompatível com a repercussão jurídica do tributo, inviabilizando o repasse jurídico dos custos fiscais para o contribuinte de facto (consumidor final).”[24]
Além disso, o sistema de apuração de créditos das contribuições para o PIS e a COFINS não é vinculado aos montantes já pagos a título desses tributos em operações anteriores dentro da mesma cadeia produtiva. Os créditos, aqui, como já expusemos, derivam das despesas consideradas relevantes ou essenciais para a geração da receita a ser tributada.
Mas nem mesmo esses conceitos – relevância e essencialidade –, por mais amplos que sejam, limitam o sistema de creditamento das contribuições em análise. Com efeito, se a Constituição Federal traçou com profundidade as arestas da não-cumulatividade do IPI e do ICMS, ela foi lacônica em relação aos contornos da não-cumulatividade das contribuições sobre a receita, deixando grande margem para o legislador infraconstitucional.
Essa liberdade permite, inclusive, que o legislador utilize a ferramenta por excelência da não-cumulatividade – a técnica de creditamento – para atingir fins diversos, como a concessão de benefícios fiscais (a exemplo daquele previsto na regra do art. 17 da Lei n.º 11.033/04)[25].
A compreensão dessa realidade foi o ponto de inflexão para que a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça revisse sua Jurisprudência sobre o tema – até então idêntica à da Segunda Turma –, passando a reconhecer que contribuintes que integram cadeias sujeitas à incidência monofásica das contribuições para o PIS e a COFINS também têm direito à manutenção dos créditos decorrentes de aquisição de mercadorias que serão revendidas sob alíquota zero[26].
A decisão é acertada pois, enxergando a não-cumulatividade do PIS/COFINS sob ótica própria (distinta, portanto, daquela do IPI e do ICMS), constata que o sistema de creditamento dessas contribuições não é uma técnica que visa exclusivamente a cumulação de incidências tributárias. Calcados nessa premissa, foi intuitiva a conclusão de que não há qualquer incompatibilidade entre esse regime e o que institui (ou tenta instituir) a incidência monofásica dos mesmos tributos.
CONCLUSÃO
A mudança recente de posicionamento da Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça em matéria que pareceria pacificada é apenas mais uma evidência de que a análise entre os sistemas de não cumulatividade e de incidência monofásica das contribuições para o PIS e a COFINS não é um tema de fácil trato. Essa dificuldade, porém, é em grande parte justificável: a tributação por essas contribuições está envolta em um arcabouço normativo tão vasto e complexo que exige esforço redobrado do aplicador para identificar o regime jurídico aplicável a cada caso concreto.
O novo posicionamento adotado pela Primeira Turma do STJ é alvissareiro quanto à temática do benefício fiscal veiculado pelo art. 17 da Lei n.º 11.033/04, mas não esgota as controvérsias sobre a matéria. Primeiramente porque ainda não se sabe qual será o entendimento que prevalecerá quando o Tribunal, confrontando as orientações das duas turmas, uniformizar sua jurisprudência sobre o tema.
Além disso, há pontos importantíssimos sobre o tema ainda não enfrentados, como a averiguação de que as leis n.os 10.147/00 e 10.485/02, ao recorrer à técnica de alíquota zero, não criaram um sistema de incidência monofásica das contribuições para o PIS e a COFINS. Essa questão tem imenso relevo prático, pois pode descaracterizar todo esse regime.
Por fim, não é demais lembrar que há fortes indícios – alguns dos quais expostos acima – de que o regime por implementado pelas leis n.os 10.147/00 e 10.485/02 não resiste a uma acurada aferição de constitucionalidade.
Informações Sobre o Autor
Luís Antônio Siqueira Ribeiro
Advogado em São Paulo/SP. Mestrando em Direito Constitucional Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP