(The Supreme Court as constitucional court lato sensu)
Autor[1]: Guilherme Francisco Souza Perez
Resumo: A Constituição Federal promulgada em 1988, determinou ser o Supremo Tribunal Federal seu guardião e o intérprete máximo. A doutrina brasileira comumente atribui à Corte Suprema o título de Corte Constitucional, porém, é notório que este não cumpre apenas as funções atribuídas as Cortes Constitucionais, mas também, funções como órgão máximo da jurisdição brasileira, sendo ele também o último grau recursal judicial. Ou seja, faz-se entendível que, no Brasil, não existe uma Corte Constitucional strictu sensu aos moldes teorizados por Hans Kelsen, mas sim, uma Corte Suprema que exerce inúmeras funções atípicas, além das principais, que seriam a guarda e a interpretação final do texto constitucional.
Palavras-chaves: Direito Constitucional. Corte Constitucional. Supremo Tribunal Federal.
Abstract: The Federal Constitution promulgated in 1988, determined the Supreme Federal Court as the guardian and maximum interpreter. A brazilian doctrine common attributed to the Supreme Court the title of Constitutional Court, however, is notorious that it not only fulfills the functions assigned as Constitutional Courts, but also functions as the highest instance of Brazilian jurisdiction, being also the last judicial judge of degree. In other words, being understandble that in Brazil, there is no Constitutional Court strictu sensu restricted to the molds theorized by Hans Kelsen, but rather, a Supreme Court that performs several atypical functions, in addition to the main ones, that is the guard and executes the final constitutional text interpretation.
Keywords: Constitutional Rights. Constitutional Court. Supreme Federal Court.
Sumário: Introdução. 1 Corte Constitucional ou Guardião da Constituição?. 2 Promiscuidade na indicação de ministros. 3 O que caracteriza o STF como uma Corte Constitucional?. 4 O que descaracteriza o STF como uma Corte Constitucional?. 5 Atribuições à um Tribunal Constitucional. 6 Conversão do STF em Corte Constitucional por EC. Conclusões. Referências.
INTRODUÇÃO
Decorrente da crise, tanto sanitária quanto política, agrava pela pandemia do coronavírus (COVID-19) no ano de 2020, fez-se necessário uma maior atuação do judiciário brasileiro nas tomadas de decisão para que não houvesse possíveis abusos. Sem dúvidas, não só foram aumentados os trabalhos da Suprema Corte brasileira, como ganharam também, muita notoriedade midiática e populacional, o que levantou o questionamento sobre sua real posição, quanto Poder da União, perante a Constituição Federal. Seria ele uma Corte Constitucional que deveria tratar apenas de assuntos que tivessem divergências com o texto da Carta Magna? Ou seria ele uma Corte Máxima que deveria tratar de todos os temas jurídicos relevantes ao país? Ou então uma Corte Mista que deveria tratar dos dois temas?
Para a sustentação da tese, notícias jornalísticas relacionadas ao tema, dados estatísticos, movimentações do Poder Legislativo sobre o tema e fundamentalmente, citações de doutrinadores renomados serão apresentados.
1. Corte Constitucional ou Guardião da Constituição?
Antes de tudo, deve se esclarecer qual a posição do STF como Poder da União. O Tribunal Supremo se situa como órgão cúpula do Poder Judiciário brasileiro, tal definição se mostra mais clara nas palavras do, até então professor da Universidade de São Paulo (USP) e agora Ministro Substituto do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Bastide Horbach em que afirma:
“(…) dizer que o STF é o órgão de cúpula do Poder Judiciário é afirmar que tal tribunal, impondo-se sobre os demais, tem a função de, de modo definitivo, aplicar contenciosamente a lei a casos particulares, observando que, para repetir as palavras de Pedro Lessa, deve haver uma contenda a ser arbitrada, deve levar em consideração casos particulares e deve ser provocado”[2].
Entretanto, Horbach ressalta, que, tal expressão não se mostra mais adequado:
“O Supremo Tribunal Federal cada vez mais vem abandonando sua função de árbitro máximo das contendas particulares, nas quais discussões específicas são travadas, para adquirir um perfil de definidor de padrões amplos e abstratos de conduta, a serem seguidos por uma generalidade de pessoas e não somente pelas partes de um determinado processo”[3].
Prosseguindo, o embate travado pelos filósofos jurídicos Carl Schmitt e Hans Kelsen acerca da temática a quase 100 anos atrás, ainda se mostra bem atualizado. De um lado, temos a teoria do Guardião da Constituição, que segundo Schmitt, seria competência do Presidente do Reich, do outro lado, temos a filosofia kelseniana, em que haveria uma Corte exclusiva para a jurisdição constitucional, ou seja, o controle concentrado de constitucionalidade das normas e dos atos dos poderes Executivo e Legislativo.
No Brasil, o Supremo Tribunal Federal (STF) exerce uma função mista em relação as duas teorias, visto que, foi criada aos moldes da Suprema Corte Americana, diferente das Cortes Constitucionais europeias influenciadas pela doutrina de Kelsen. Por mais que as duas Cortes sejam instaladas em países com sistema jurídico diferente, o funcionamento é bem parecido. A elas competem não só a guarda da Lex Fundamentalis, mas também servem como última instância do Poder Judiciário, ou seja, os Estados Unidos também não usufruem de uma Corte Constitucional strictu sensu.
Por mais que, advindo da CF/88, houve a criação do Superior Tribunal de Justiça que, acolheu diversas competências do STF, deixando assim, apenas temas constitucionais para este, é notório que a Corte Suprema ainda exerce diversas funções que são divergentes daquelas atribuídas a um Tribunal Constitucional strictu sensu, oriundo desse conceito, advém a nomeação de Corte Constitucional lato sensu, ou seja¸ em sentido amplo, pois exerce tanto funções de Tribunal Constitucional como de Tribunal Recursal. Dentre tais funções divergentes retro citado, tem se a possibilidade de julgar o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República nas infrações penais comuns, como dispõe o item b, inc. I, art. 102 da CF/88. Função essa que poderia continuar com o STF caso fosse criado um Tribunal Constitucional.
Ademais, ressalta o professor de direito da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Desembargador do Tribunal de Justiça do Ceará (TJ-CE) Fernando Luiz Ximenes Rocha, que diz:
“Cumpre destacar, no entanto, que, por ocasião dos debates que se travaram antes da instalação da Assembléia Nacional Constituinte de 1987/1988, e depois, no seu seio, muito se discutiu o tema relacionado à jurisdição constitucional, oportunidade em que foi aventada a possibilidade da criação de uma Corte Constitucional nos moldes das Cortes Constitucionais européias, tendo, contudo, prevalecido o entendimento de que se deveria prestigiar a experiência centenária do Supremo Tribunal Federal no que concerne ao controle da constitucionalidade das leis”[4].
Assim sendo, o que se nota é que, o Supremo Tribunal Federal, funciona muito mais como um mero guardião do que uma Corte Constitucional, como idealizada por Kelsen, ou seja, exerce a proteção da Carta Magna pelo controle concentrado, mas também, realiza diversas outras funções atípicas.
2. Promiscuidade na indicação de ministros
Titulação dada pelo professor André Karam Trindade em seu artigo “Quem devem ser os guardiões da Constituição”[5], trata-se de críticas ao método adotado pelo constituinte brasileiro para a nomeação dos ministros do STF, redigido no art. 101 da Lei Maior. As principais críticas, versam sobre o politização da Corte, visto que, são rasos os requisitos para a nomeação, são eles, idade entre trinta e cinco e sessenta anos; notável saber jurídico; e reputação ilibada, além de que, a nomeação é de competência do Chefe do Executivo, dependendo de sabatina no Senado Federal. Não fica difícil então entender que, muitas escolhas de ministros, não são pelo seu histórico acadêmico ou conhecimento jurídico, mas sim, uma escolha política.
Tal tese fica comprovada, a partir da declaração do atual ministro do STF, Luiz Fux, que em entrevista à Folha de São Paulo, disse que, procurou apoio de políticos ligados ao então Presidente da República Luiz Inácio “Lula” da Silva, para que este o indicasse a uma vaga na Corte[6].
Esse tipo de intervenção política no judiciário era reprimido por Kelsen ao ajudar na instituição da Corte Constitucional Austríaca. A nomeação é feita pelo Presidente, contudo, a indicação, é feita pelo governo federal, Conselho Nacional e Conselho Federal, o que garante uma maior imparcialidade nos julgamentos, além de que, os indicados precisam estar dentro do rol de legitimados para ocupar o cargo, que seriam, juízes, funcionários administrativos, advogados e professores da faculdade de direito. Diferentemente dos requisitos exigidos pela CF/88, que seriam apenas o notável saber jurídico e a reputação ilibada.
A rigorosidade para a admissão de um novo ministro nas Cortes Constitucionais europeias, também são identificadas na Espanha e em Portugal. Vale a observância ao tramite português para a nomeação, em que, dez dos treze membros são escolhidos pela Assembleia da República e os outros três são escolhidos pelos dez já indicados. Nota-se, como nem os Tribunais Constitucionais europeus se desligam totalmente da política, mas o rigoroso tramite, evita que as escolhas de novos membros seja fundamentalmente por “jogo político”.
Os mecanismos para a indicação e nomeação de ministro do Tribunal Constitucional, podem ser divididos em 3 modelos, de acordo com a lição do doutorando e mestre em Direito pela Yale Law School, Thomaz Pereira, que as classifica entre mecanismos cooperativos; representativos; ou profissionais. O sistema cooperativista, seria o mesmo adotado pelos EUA, o qual o Brasil utilizou como base para a nomeação de ministro do STF, aonde se utiliza o sistema de checks and balances (sistema de freios e contrapesos) para realizar a nomeação ou seja, um poder indica e o outro aprova, no Brasil, o Executivo Indica e o Senado Federal (Legislativo) aprova, tal modelo evita que haja uma forte intervenção política na Corte. O modelo de nomeação representativo, é aquele aonde os ministros são nomeados por órgãos distintos, fazendo com que assim haja pluralidade de ideias no Tribunal e não uma única corrente, a exemplo, tem-se o tramite do Tribunal Constitucional português retro citado. Por fim, tem-se o sistema de nomeação profissional, aonde o próprio tribunal é quem nomeia um ministro, sendo levado como critério fundamental, sua carreira profissional e seu currículo acadêmico, e havendo assim, um desligamento total do sistema político.
3. O que caracteriza o STF como uma Corte Constitucional?
Ao estudar o controle de constitucionalidade, sabe-se que, para que uma lei federal venha a ser declara inconstitucional, é necessário ajuizar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a norma. O julgamento desta ação, é de competência do Supremo Tribunal Federal, por força do art. 102, I, a, da CF/88, que diz:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
I – processar e julgar, originariamente:
- a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;
Isto se chama controle de constitucionalidade concentrado, conforme a explicação do professor Pedro Lenza que diz: “O controle concentrado de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal recebe tal denominação pelo fato de ‘concentrar-se’ em um único tribunal”[7]. Via de regra, este é o sistema adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro. Ademais, existem outros meios para o exercício deste controle, seja pela Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC); Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF); e Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO). Segundo o acervo oficial do Supremo, dos processos de controle concentrado, atualizado em 17.06.2020, a quantidade total era de 1.980 (mil novecentos e oitenta), sendo que, o acervo total, registrava 28.572 (vinte e oito mil, quinhentos e setenta e dois) processos em tramitação[8].
A título de sustentar que o STF ainda tem alguns resquícios de Tribunal Constitucional, a Emenda Constitucional n. 45/2004 passou a exigir a figura da “repercussão geral” nos recursos extraordinários, fazendo assim, com que, a admissão de recursos fosse mais rígida e somente para os casos de real relevância para a nação, contudo, infelizmente, os dados estatísticos apontam para uma outra realidade. Isto sem adentrar a fundo no tema de excessiva demanda processual na Corte, pois facilmente seria encontrado diversos casos “insignificantes” ajuizados perante o Tribunal Supremo.
4. O que descaracteriza o STF como uma Corte Constitucional?
Como referido no tópico anterior, dos 28.572 (vinte e oito mil, quinhentos e setenta e dois) processos em tramitação no STF, apenas 1.980 (mil novecentos e oitenta), tratavam da competência de controle concentrado de constitucionalidade, que teoricamente, seria a competência preferencial de uma Corte Constitucional. Entretanto, apenas observando o acervo processual da classe recursal, o número total em tramitação é de 14.510 (quatorze mil, quinhentos e dez), ou seja, a quantidade é superior em pelo menos 7 vezes a quantidade da classe de controle concentrado.
Os recursos admitidos pelo STF, normalmente tratam da aplicação inconstitucional de uma norma em um referido caso concreto, o que daria então a competência à Corte para realizar tal julgamento, contudo, tal inconstitucionalidade não é de competência exclusiva do Tribunal Supremo, e pode ser apontada por qualquer outro tribunal. Isto se dá por conta do controle difuso, conforme aponta, novamente, o professor Pedro Lenza ao dizer que: “o art. 97 da CF/88 estabelece que somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”. A evidência de tais números, apenas ressalta a tese de que, por mais que o Supremo Tribunal Federal tenha competências de Corte Constitucional, a ele é atribuído muito mais o aspecto de Corte Recursal, o que viabilizaria a criação de um novo tribunal, apenas para tratar dos assuntos concernentes a proteção da Lex Fundamentalis e do controle concentrado.
De fato que a culpa não paira exclusivamente sob o STF, mas também, sob o Poder Constituinte de 1988, o qual, distribuiu por todo o art. 102/CF, um extenso rol de competências originárias e recursais, que envolve por exemplo, conforme dispõe o item b, inc. I, art. 102, julgar, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, competência essa, que se aproxima muito mais da qualidade de um tribunal de supremo de última instância do que de uma Corte Constitucional.
Para que pudesse ser considerada de fato como Tribunal de jurisdição constitucional, como ressalta o advogado Eluã Marques De Oliveira:
“(…) é necessária alteração constitucional de suas competências, sendo necessárias alterações de sua composição, investidura e impedimentos, possibilitando maior pluralismo, representatividade, com participação de juristas, juízes e membros do Ministério Público. Diz-se que apenas com tais alterações, o STF terá maior legitimidade para o exercício de garantidor da Constituição e defensor dos direitos fundamentais”[9].
5. Atribuições à um Tribunal Constitucional
Tem se o entendimento que, uma Corte Constitucional se dissocia de um órgão cúpula do Poder Judiciário, além de que, conforme ressalta o professor e doutor em direito Roger Stiefelmann Leal:
”A primeira característica básica dos Tribunais Constitucionais reside na sua própria autonomia em relação aos demais poderes do Estado. (…) O Tribunal Constitucional deve, portanto, compor uma magistratura independente do aparato jurisdicional ordinário e das estruturas dos demais poderes. Nesse sentido, configura um poder autônomo, distinto e organicamente independente do Poder Legislativo, do Poder Executivo e do Poder Judiciário. É este, segundo Favoreu, o atributo que diferencia um Tribunal Constitucional de um Tribunal Supremo de última instância”[10].
Como se demonstra na passagem do professor Roger Leal, e se entende da teoria de Hans Kelsen, não é da competência da Corte Constitucional julgar casos provenientes de recursos, e sim, tratar da jurisdição constitucional.
Primordialmente, seria de competência preferencial da referida Corte, o controle concentrado de constitucionalidade, pois, como verdadeiro “Guardião da Constituição”, não poderia admitir atos contrários à Carta Magna. Por mais que já exista esse controle sendo exercido pelo STF, como já dito, a ele compete também diversas outras funções atípicas. Algumas atribuições interessantes são elencadas pelo já citado mestre Thomaz Pereira. Em complemento a jurisdição constitucional, seria interessante algumas outras funções:
“(i) evitar que um governo detentor de uma maioria ocasional seja capaz de alterar decisões tomadas por uma maioria anterior; (ii) evitar que representantes eleitos, agindo de maneira imediatista, ameacem direitos constitucionais em nome de uma vitória nas próximas eleições; (iii) evitar que representantes eleitos influenciem o processo eleitoral de maneira a garantir sua perpetuação no poder; (iv) evitar que maiorias políticas oprimam minorias, as quais são incapazes, por definição, de garantirem seus interesses em um processo político majoritário”[11].
6. Conversão do STF em Corte Constitucional por EC
O assunto tratado no presente artigo não é algo novo, e já vem sendo discutido a anos, seja pela doutrina, seja pelo parlamento brasileiro. Por ter suas competências fixadas no texto constitucional, caso fosse adotado a via de conversão do STF em Tribunal Constitucional ao invés de criar um novo tribunal, este teria que ser feito por meio de Emenda à Constituição.
Interessante proposta de reforma ao texto da Carta Magna é percebida na PEC 275/2013, de apresentação da deputada federal Luiza Erundina, onde o advogado e doutor em direito Fábio Martins de Andrade elencou alguns pontos chamativos da PEC:
“A Proposta de Emenda à Constituição 275/2013, de autoria da deputada Federal Luiza Erundina, pretende transformar o Supremo Tribunal Federal em verdadeira Corte Constitucional, com a alteração na sua composição —aumento de 11 para 15 ministros —, na forma de nomeação — que passaria ao presidente do Congresso, em vez do presidente da República — e na competência — deslocada, em grande parte, para o Superior Tribunal de Justiça, que concentraria toda a matéria infraconstitucional, cabendo ao STF apenas e tão somente a interpretação e aplicação da matéria constitucional”[12].
O ponto principal, é a transformação do STF em Corte Constitucional, porém, na realidade, há a necessidade de se avaliar se não seria mais viável a criação de um novo tribunal ao invés de uma conversão, visto que, o ordenamento jurídico brasileiro já está estruturado de uma maneira a mais de 30 anos, e uma alteração radical, poderia ensejar em possível insegurança jurídica.
Tratando dos pontos das PEC, temos o aumento de 11 para 15 ministros, o que não se faz necessário e inclusive poderia ser prejudicial, pois, desde 1931, o único momento em que tivemos mais de 11 magistrados foi durante a ditadura militar, e o aumento teve como objetivo a busca por apoio do judiciário do governo ditatorial. A justificativa para o aumento, seria a excessiva demanda processual de cada um dos ministro que, conforme expressa pela deputada, seria uma média de mais de 6 mil processos por ministro, que com o aumento, reduziria essa excessiva quantidade de ações por magistrado. Contudo, caso fosse reduzido as competências da Corte, por consequência, o número de ações cairiam drasticamente o que inviabilizaria o aumento no número de ministros.
A nomeação não seria mais feita pelo Presidente da República, e sim pelo Presidente do Congresso Nacional, o qual indicaria o ministro com base em uma lista tríplice de candidatos provenientes da magistratura, do Ministério Público ou da advocacia, onde tal lista seria feita pelos conselhos dos candidatos, a nomeação dependeria de aprovação por maioria absoluta dos membro do Senado Federal e da Câmara dos Deputados. Para que houvesse uma pluralidade maior dos indicados, talvez permitir que o Chefe do Executivo indique uma pessoa pudesse ser uma saída. Restringir à apenas três grupos a possibilidade de nomeação poderia ferir o que Peter Haberle chama de “sociedade aberta dos intérpretes da Constituição”, conforme citado pelo professor Pedro Lenza:
“Ao afirmar que a interpretação não mais deve ficar confinada dentro de uma sociedade fechada, Haberle propõe a ideia de que a interpretação não possa ficar restrita aos órgãos estatais, mas que deve ser aberta para todos os que ‘vivem’ a norma, sendo, assim, esses destinatários, legítimos intérpretes, em um interessante processo de revisão da metodologia jurídica tradicional de interpretação”[13].
Com base nas lições de Haberle, tem-se o entendimento de que o saber jurídico não é restrito apenas à advogados, magistrados e membros do Ministério Público, ou então, não seria possível a nomeação de um renomado professor de direito com extenso currículo acadêmico, que sequer fez o exame da ordem. O saber jurídico e a prova desse saber, somado com a indicação feito pelos conselhos e a rígida sabatina, elevariam o grau técnico e profissional dos ministros da Corte.
Em consonância com essa tesa, o professor Fernando Luiz Ximenes Rocha diz:
“(…) é preciso destacar que os ministros que compõem o Supremo Tribunal Federal não são recrutados só dos quadros da magistratura, mas também do meio político, do seio dos advogados, dos integrantes do Ministério Público. Os requisitos exigidos para o exercício de tão relevante função são os de notório saber jurídico e reputação ilibada, os quais não são privativos dos magistrados”[14].
Por fim, tem-se a transferência de grande parte das competências atuais do STF para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que já adiantando, novamente, se mostra inviável e será sustentado em seguida, porém, vale a menção a justificativa de tal proposição:
“No que diz respeito à competência do Supremo Tribunal Federal, ocorre outra grave deficiência. A Constituição Federal de 1988 atribuiu-lhe, como objetivo precípuo, “a guarda da Constituição” (art. 102). Mas a consecução dessa finalidade maior é simplesmente obliterada pelo acúmulo de atribuições para julgar processos de puro interesse individual ou de grupos privados, sem nenhuma relevância constitucional”.
Ressaltando a tese da deputada, o professor Luiz Ximenes Rocha, diz:
“O que se faz necessário, a meu ver, é o aperfeiçoamento do Pretório Máximo, reservando-lhe a apreciação apenas das questões próprias da jurisdição constitucional, transferindo os demais assuntos atinentes ao direito comum para a esfera de atribuições do Superior Tribunal de Justiça, pois, só assim, poderá exercer, na sua exata extensão e com todas as galas, a nobre função de guardião-mor da Lei Fundamental, surgindo, desse modo, como verdadeira Corte Constitucional do Brasil”[15].
Vale destacar que o artigo redigido pelo ilustre professor, foi elaborado no ano de 1997, por mais que a linguagem e o tema sejam atuais, diversas alterações no ordenamento jurídico brasileiro aconteceram, o que inviabilizaria sua tese. De fato, a justificativa aborda a principal crítica tecida no presente artigo, por ter sido colocada em “segundo plano” a competência de “guarda da Constituição” devido a grande quantidade de recursos e outras classes processuais não compatíveis com a competência principal da Corte. Sobre a transferência de competências para o STJ, isso sobrecarregaria o tribunal, e por consequência, geraria uma enorme lentidão no judiciário. Segundo o próprio Superior Tribunal de Justiça, em 2018, foram julgados, aproximadamente, 11.627 (onze mil, seiscentos e vinte e sete) processos por ministro, tendo como total, 511.761 (quinhentos e onze mil, setecentos e sessenta e um) processos julgados em 2018. Esse valor total de ações julgadas, se tornaria algo insignificante em face da enorme demanda que seria entregada ao referido tribunal se parte das competências do STF fossem transferidas à ela.
Como já dito, o tema não é novo e o debate acontece a anos. Por mais que a sustentação aprofundada tenha se dado em torno apenas da PEC 275/2013, diversas outras propostas de emenda à Constituição foram elaboradas e apresentadas ao Congresso Nacional, a exemplo, tem-se a PEC 17/2011 do Deputado Federal Rubens Bueno, o qual apenas altera o método de nomeação dos ministros do STF, sendo que estes, seriam indicados por órgãos diversos, assim, três ministros seriam indicados pelo STJ, dois pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), sendo que os advogados deveriam ter pelo menos 10 anos de carreira, dois pelo Procurador-Geral da República, sendo que, deveriam ter pelo menos 10 anos de carreira no Ministério Público, um pela Câmara dos Deputados, um pelo Senado Federal e outros dois pelo Presidente da República.
Como Justificativa do proposição, disse o referido deputado:
“Ocorre que, exatamente pelo fato de que, às vezes, o STF toma decisões com conteúdo político, é que se torna imperioso assegurar sua total independência. Portanto, para que o Pretório Excelso possa, efetivamente, cumprir seu mister constitucional, a escolha dos onze Ministros não pode ficar ao arbítrio exclusivo do Presidente da República”.
CONCLUSÕES
Que o Supremo Tribunal Federal exerce um papel de máxima importância para o judiciário brasileiro e que também é uma das Cortes que mais trabalha no mundo, isso não pode ser negado, e tampouco é o objetivo do presente artigo, contudo, na eminência do protagonismo midiático realizado pelo Tribunal Supremo em face da crise política e sanitária, fez se necessário a sustentação e a explicação do real papel atual do STF.
Diante de todo o exposto, faz-se passível o entendimento de que o Supremo Tribunal Federal não se encaixa no rol de Cortes Constitucionais strictu sensu, ou seja, exclusivas para a jurisdição constitucional, mas sim, no rol de Corte Constitucional lato sensu, pois exerce funções de jurisdição constitucional e desempenha funções de última instância recursal.
Com base nos números apresentados pelo acervo processual do próprio Supremo, fez-se notável que, a criação de uma Corte exclusiva para a jurisdição constitucional, e não uma conversão, com requisitos rígidos de admissão de seus membros, para que não houvesse clara intervenção política, como comprovada que há no STF, e em paralelo com o próprio Tribunal Supremo, pois estes tratariam de temas distintos, sendo um o órgão máximo da justiça brasileira, ou seja, se concretizaria como uma verdadeira última instância recursal, como já aparenta e o outro seria o órgão intérprete máximo da Lex Mater, se mostra totalmente viável, além de que, tal criação, poderia trazer enorme apreciação mundial ao judiciário brasileiro pois teríamos verdadeiros especialistas estudando a hermenêutica da Carta Magna, com elevado grau de legitimidade das decisões, e não indicados políticos.
REFERÊNCIAS
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HORBACH, Carlos Bastide. É preciso definir a função do Supremo Tribunal Federal. ConJur. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2014-mar-22/observatorio-constitucional-preciso-definir-funcao-supremo-tribunal-federal. Acesso em: 25. Jun. 2020.
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[1] Acadêmico de Direito na Universidade de Cuiabá (UNIC); [email protected]
[2] Carlos Bastide Horbach, É preciso definir a função do Supremo Tribunal Federal, ConJur, 2014.
[3] Carlos Bastide Horbach, É preciso definir a função do Supremo Tribunal Federal, ConJur, 2014.
[4] Fernando Luiz Ximenes Rocha, O Supremo Tribunal Federal como Corte Constitucional, 1997
[5] André Karam Trindade, Quem devem ser os guardiões da Constituição?, ConJur, 2012.
[6] Folha de São Paulo, Em campanha para o STF, Fux procurou Dirceu, 2012.
[7] Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado 2019, 23. ed., p. 328.
[8] Acervo Processual do Supremo Tribunal Federal
[9] Eluã Marques De Oliveira, Supremo Tribunal Federal: uma corte constitucional sui generis, Revista de Direito Constitucional e Internacional, 2016.
[10] Roger Stiefelmann Leal. O efeito vinculante na jurisdição constitucional, 2006, p. 59-60.
[11] Thomaz H. Junqueira de A. Pereira, Quais funções um Tribunal Constitucional deve desempenhar?, ConJur, 2014.
[12] Fábio Martins de Andrade, PEC que transforma o STF em Corte Constitucional é ambiciosa, ConJur, 2014.
[13] Pedro Lenza, Direito Constitucional Esquematizado 2019, 23. ed., p. 194.
[14] Fernando Luiz Ximenes Rocha, O Supremo Tribunal Federal como Corte Constitucional, 1997.
[15] Fernando Luiz Ximenes Rocha, O Supremo Tribunal Federal como Corte Constitucional, 1997.