Direito do trabalhador à proteção contra despedida imotivada – auto-aplicabilidade do inciso I, do art. 7º, da Constituição Federal de 1988

O presente estudo tem o objetivo precípuo estudar e analisar a questão que envolve a extinção do contrato de trabalho por iniciativa unilateral do empregador, quando essa se concretiza de forma arbitrária ou sem justa causa, conforme  as disposições legais previstas no ordenamento jurídico brasileiro, sem perder de vista o enfoque internacional à respeito e, principalmente, firmar o posicionamento acerca da existência legal da proteção, de imediato, em favor do trabalhador, contra as despedidas imotivadas, declarada e assegurada, expressamente, na Lei Maior.

1. Introdução

Através do presente trabalho, pretendemos voltar à atenção dos estudiosos e aplicadores do direito, assim como da sociedade em geral, às formas de extinção do contrato de trabalho por iniciativa unilateral do empregador, em especial as que caracterizam-se como arbitrárias ou sem justa causa, já que causam, sem sombra de dúvida, devastadores reflexos na órbita social, jurídica, econômica, cultural e moral do trabalhador e da sociedade como um todo.

Respectivo conteúdo será abordado com apoio na doutrina e legislação nacional, assim como em decisões do Poder Judiciário Brasileiro, mas, principalmente, pelo raciocínio jurídico extraído do sistema normativo constitucional pátrio, privilegiado pelo Princípio da Unicidade da Constituição, da máxima efetividade dos Direitos Fundamentais, da Continuidade da Relação de Emprego e principalmente, da Dignidade da Pessoa Humana.

Com isso, podemos afirmar que o foco central deste trabalho é demonstrar e expor, principalmente aos estudiosos e operadores da ciência jurídica, um raciocínio jurídico extraído do texto constitucional, que corresponde a um “novo” tratamento jurídico acerca da rescisão do contrato de trabalho praticada unilateralmente pelo empregador, de forma arbitrária ou sem justa causa, abrindo os olhos desses profissionais, e da sociedade como um todo, para esta problemática contemporânea.

Para tanto, precede-se à problematização, uma breve análise acerca da evolução histórica dos direitos e garantias dos trabalhadores, no Brasil e no Mundo, assim como as formas de rescisão do contrato de trabalho possíveis em nosso país e o tratamento dado à matéria pelo ordenamento jurídico brasileiro, em particular à respeito da proteção do trabalhador contra a dispensa imotivada.

Registra-se também, pela importância, o posicionamento da Organização Internacional do Trabalho – OIT – sobre o assunto, fazendo também, por oportuno, a comparação do tratamento jurídico aplicado por avançados países da Europa, os quais apresentam-se e destacam-se no cenário jurídico internacional como elementares na evolução, quanto à normatização e interpretação jurídica trabalhista, afim de compatibilizar o direito diante as mutações sociais, econômicas, culturas, políticas e tecnológicas.

2. Evolução histórica dos direitos dos trabalhadores

As causas relacionadas aos direitos sociais e protetivos do trabalhador sempre ocuparam posição de destaque no cenário da evolução histórica da relação de trabalho, no Brasil e no Mundo, encontrando-se, já por vários séculos, no cerne de discussões e debates em relação aos interesses conflitantes da classe operária e patronal.

No entanto, essa problemática passou a ser intensificada e discutida, com maior vigor, a partir do século VXIII, após a Revolução Industrial, ocorrida na Inglaterra.

Como bem registra Francisco M. P. Teixeira, o advento da Revolução Industrial, e o invento da maquina à vapor, como fonte de energia, modificou a relação de trabalho, com a substituição do trabalho artesão, manual, pela produção em série, industrial.

Para a labuta da nova forma de empreendimento, industrial, os patrões contratavam mulheres e crianças à baixo custo, e exploravam essa força humana de trabalho impiedosamente. Sérgio Pinto Martins esclarece que essas mulheres e crianças cumpriram “jornadas excessivas, de mais de 16 horas por dia ou até o pôr-do-sol”, e ainda lembra que eram remuneradas pela “metade ou menos dos salários que eram pagos aos homens”.

Por esta e outras razões, as quais nesse momento não relutamos por necessário relacionar, é que se tornou inevitável e imperioso a interferência do Estado para, de forma justa e legal, equilibrar a relação tão desigual que havia, já a muito tempo, entre o empregador e o operário, mas que, nessa época, apresentou-se muito mais acentuada e agravada.

Dessa forma, é que no decorrer das décadas e séculos, foram sendo criadas instituições que lutavam, e ainda lutam, pela defesa das causas sociais e protetivas do trabalhador, à luz da valorização do trabalho humano, como corolário da dignidade da pessoa humana, com destaque para a Organização Internacional do Trabalho – OIT, criada em 1982 com a preocupação voltada às causas do trabalhador, calcada em motivos humanitários, políticos e econômicos, bem como as normas de ordem pública, com a finalidade precípua de proteger o trabalhador contra as atrocidades cometidas pelos patrões, construindo, assim, os direitos sociais e protetivos do obreiro, podendo citar em destaque as férias, descanso semanal remunerado, limitação da jornada de trabalho, adicional de hora extra, de trabalho insalubre, perigoso e noturno, aviso prévio, proteção ao trabalho penoso, estabilidade no emprego, etc…

Contudo, a evolução social, política, cultural e principalmente tecnológica continuaram a expandir sem fronteiras, produzindo novos avanços em diversas áreas que, por derradeiro, provocaram inevitáveis reflexos na relação de trabalho.

Diante dessa constante e inevitável evolução, e da conseqüente influência e interferência dessas novidades e inovações na relação laboral trazidas pela evolução, ainda continua sendo necessário e imprescindível a interferência estatal, social e das organizações internacionais, para absorver e interpretar esses avanços e novidades, de forma a adequá-los às relações de trabalho, com o fito de equilibrar e minimizar o abismo existente entre o empregador e o empregado.

Percebe-se, então, que vivemos, contemporaneamente, na era da evolução, e que nada permanece estático. A globalização interligou o mundo, fazendo-o um todo, permitindo que a cada segundo milhares de informações sejam trocadas em cada canto do planeta levando conhecimento e causando uma série de transformações e mudanças culturais, sociais, políticas e tecnológicas.

No contexto instável e volúvel da era da evolução, cumpre, especialmente aos estudiosos e operadores do direito, o papel fundamental e imprescindível de discutir e analisar as transformações com o intuito de dirigir adequado tratamento jurídico a elas.

Nesta função, destaca-se que o tema que encabeça as mais relevantes discussões atinentes ao Direito do Trabalho e Social, atualmente, é, sem sombra de dúvida, a questão que envolve a proteção do empregado contra a despedida arbitrária e sem justa causa, praticada unilateralmente pelo empregador.

Sérgio Pinto Martins salienta que tal assunto se reveste de suma importância porque é justamente dessa forma que se dá a extinção da maioria dos contratos de trabalho.

Para melhor absorver a atual problemática e encontrar soluções para esse condenável comportamento, que, inquestionavelmente, reveste-se de extremada ofensa à dignidade do trabalhador e de toda sua família, torna-se necessário conhecermos, “a priori”, a evolução história da proteção do emprego no Brasil, as alterações jurídicas à respeito, os novos conceitos e institutos, assim como a visão internacional sobre o assunto, ou seja, analisar, ainda que superficialmente, como a questão em comento vem sendo tratada em outros países – direito comparado – e qual é a solução dada pelos organismos internacionais ligados ao tema – direito internacional e, principalmente, investigar, mais a fundo, como o tema é tratado pelo ordenamento jurídico brasileiro.

3. Evolução histórica da proteção do emprego no Brasil

Para que possamos adentrar na questão e discutir, propriamente, a problemática em alusão, torna-se extremamente importante analisar os aspectos jurídicos á respeito do tema no Brasil no decorrer das décadas, de forma à contemplar a mais correta e coerente hermenêutica jurídica frente ao sistema constitucional e legislativo em vigor.

O professor Maurício Godinho Delgado relata que as causas sociais passaram a ser absorvidas como preocupação do Estado, a nível Constitucional e infraconstitucional, por força da Revolução de 03 de outubro de 1930, com destaque àquelas referentes aos direitos dos trabalhadores. Destaca, com isso, que “foi na década de 30 e 40 que instaurou-se o modelo justrabalhista tradicional no nosso país”.

E foi, justamente, nesse período o registro da maior e mais significativa conquista do trabalhador: a proteção contra a extinção do contrato de trabalho por ato unilateral do empregador.

Delgado salienta que esse direito traduziu-se na estabilidade absoluta no emprego preconizada pelo Antigo Sistema Celetista, que previa a impossibilidade de rescisão do contrato de trabalho por ato unilateral do empregador, em se tratando de empregado com mais de dez anos de trabalho ao mesmo empregador, o que logo mais tarde foi mitigado e reduzido para nove anos, pela jurisprudência, em virtude da crescente e maliciosa rescisão contratual, anos antes da aquisição da estabilidade pelo empregado.

Porém, ainda lembra que não era, exclusivamente, essa estabilidade que traduzia a proteção do empregado contra referida despedida. A norma consolidada, ainda nova, estabelecia, no seu art. 477, indenização para as hipóteses em que a rescisão do contrato de trabalho em comento fosse efetivada pelo empregador, sem que o trabalhador houvesse dado motivo, antes da efetiva prestação de trabalho ao mesmo empregador pelo prazo de dez anos, importa dizer, quando o empregado ainda não houvesse adquirido a estabilidade.

Percebe-se que naquela época, década de 30 e 40, a legislação trabalhista privilegiava a continuidade da relação de emprego, impondo barreira jurídica (estabilidade) e financeira (indenização), proporcionando ao trabalhador a continuidade do seu vínculo empregatício e, por conseqüente, a continuidade do percebimento mensal do salário, o que permitia o sustento, progresso e desenvolvimento do trabalhador e de toda sua família.

Importante destacar, com isso, que, naquele tempo, o aspecto indenizatório, e conseqüentemente monetário, era secundário, ou seja, não se tinha nenhum interesse em compensar monetariamente e economicamente a extinção do contrato de trabalho. O principal objetivo era impor barreiras (e existia a barreira jurídica – estabilidade) para evitar que o trabalhador fosse privado, abruptamente, de exercer o seu trabalho e ser devidamente remunerado por isso, importa dizer, o que se pretendia era manter a relação de emprego, privilegiando a continuidade do vínculo empregatício, sem se preocupar, à primeira vista, quanto o empregado ganharia ou seria recompensado com a extinção do contrato de trabalho.

Com o decorrer dos anos e o passar das décadas, entretanto, inevitável foi a incidência dos efeitos da globalização, da abertura de mercado, do forte sistema capitalista e da devastadora evolução tecnológica influentes na relação de trabalho, tornando o então vigente sistema celetista incompatível com a nova atualidade, tendo em vista seu aspecto rigoroso, já que com a estabilidade absoluta, o empregado não poderia ser dispensado, sequer, com justificativas de ordem financeiras, econômicos ou estruturais da empresa.

Objetivando abrandar aquela situação inflexível estabelecida pelo Antigo Sistema Celetista, dentre outros interesses e objetivos, foi publicada a Lei 5.107/66, a qual instituiu no direito pátrio o direito do empregado ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – FGTS.

O sistema do FGTS inovou o ordenamento justrbalhista, tornando direito do empregado, mediante opção escrita, depósitos mensais em sua conta vinculada na importância de 8% (por cento) sobre seu salário, e no caso de dispensa desmotivada o direito ao saque desse valor com acréscimo de 10% (por cento)[1] sobre o montante. Todavia, oportuno torna-se ressaltar, nesse passo que, ao mesmo tempo, referido instituto acabou por mitigar a originária e fiel preocupação da proteção da relação de emprego, atribuindo suma importância à questão indenizatória e recompensatória para essas hipóteses, colocando em segundo plano a tão protegida continuidade da relação de emprego.

Com certeza, podemos perfeitamente afirmar que o antigo sistema celetista, assim como a estabilidade absoluta, tornaram-se incompatíveis com o era da globalização e das novas evoluções e inovações sociais e principalmente a tecnológica, mas ao mesmo tempo, torna-se ainda mais coerente e importante destacar que tal fato não poderia ensejar a marginalização da continuidade da relação de emprego, desviando essa fiel e primária proteção legislativa, conquistada por meio de muitas lutas, injustiças e suor dos trabalhadores, à segundo plano.

Isso ocorreu, segundo posicionamento do Professor Maurício Godinho Delgado, do qual compartilhamos, porque “o sistema do FGTS liberou, economicamente, o mercado de trabalho no Brasil”, e justamente nesse ponto passou a tratar o empregado como um cifrão, um custo na sua linha de produção, um insumo, tornando compensatório a extinção do contrato de trabalho, sem motivo, por uma quantia monetária que desprezava a valorização do trabalho humano e a dignidade da pessoa humana, colocando em risco o desenvolvimento social, humano e cultural do trabalhador e de toda sua família.

O sistema do FGTS conviveu durante décadas com o antigo sistema celetista, e nesse período a questão era decidida mediante opção escrita do trabalhador, ou seja, se o obreiro optasse pelo sistema do FGTS não teria direito à estabilidade no emprego, caso contrário, não teria direito ao depósito mensal na sua conta vinculada, mas nesta hipótese, estaria amparado pela estabilidade.

Em 15 de outubro de 1988, contudo, essa questão foi solucionada pela nova Constituição, que passou a impor obrigatoriedade a todos os empregados, excetuados os domésticos, o sistema do FGTS.

4. Tratamento jurídico da proteção do emprego no Brasil

Mais importante que a regulamentação da questão do FGTS, o advento do novo Texto Maior, estabeleceu como direito do empregado, no inciso I do seu art. 7º, a proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos mesmos moldes já estipulados poucos anos antes (1982) pela Organização Internacional do Trabalho – OIT, por meio da Convenção 158, da qual o Brasil ratificou e pouco tempo depois, de forma ilegal, denunciou.

Observamos e salientamos, nesse ponto, que não se pretende aqui, e nem é este o intuito do presente estudo, demonstrar ou cogitar a vigência ou aplicabilidade da Convenção n.º 158 da OIT nas relações trabalhistas brasileira, como querem muitos autores, mesmo diante do posicionamento contrário já expressado pelo Supremo Tribunal Federal[2].

O que se busca, a todo argumento, é estampar que, ainda nos dias de hoje, nos deparamos com a mesma discussão e problemática de sempre: a proteção do trabalhador contra despedida arbitrária ou sem justa causa, portanto imotivada, e buscar, no ordenamento jurídico pátrio, soluções para o problema.

Sabemos que o ordenamento jurídico trabalhista em vigor no Brasil prevê várias formas de rescisão do contrato de trabalho. No entanto, constatamos que os trabalhos doutrinários publicados e, por conseqüência, a classificação dada por seus respectivos autores à respeito, não se equivalem a termos qualificadores idênticos ou unâmines ao tratar do tema..

Compartilhamos, nesse aspecto, da classificação feita pelo Ilustre Professor, Sérgio Pinto Martins, in "Direito do Trabalho", onde ensina que a cessação do contrato de trabalho pode se dar da seguinte forma:

·  por decisão do empregador: que compreenderá a dispensa imotivada (arbitrária ou sem justa causa) e com justa causa;

·  por decisão do empregado: que comporta a demissão, a rescisão indireta ou aposentadoria;

·  por desaparecimento de uma das partes: como a morte do empregador pessoa física, do empregado, ou a extinção da empresa; 

·  por mútuo  consentimento entre as partes; 

·  por advento do término do contrato;

·  por força maior.

Entretanto, rechaçamos, mais uma vez, que o grande problema referente ao término do contrato de trabalho é, justamente, quando a rescisão se concretiza por ato unilateral do empregador, de forma imotivada, ou seja, arbitrária ou sem justa causa, já que, nessas circunstâncias, o empregado fica a mercê da vontade empresarial, sempre em situação de risco, “não tendo” nenhum segurança jurídica voltada à continuidade da relação de emprego.

Nesse diapasão, verificamos que, no calor dessas discussões, o Professor Jorge Luiz Souto Maior, da USP, e Juiz do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, foi um dos primeiros a enfrentar a questão em alusão com brilhantismo e convencimento, embasado em muita coerência.

Ao relatar decisão no Processo nº. 00935-2002-088-15-00-3, RO, o Juiz Jorge Luiz Souto Maior, da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas-SP), determinou que fosse feita a reintegração de um gerente geral demitido do Banco Bradesco, no município de Lorena, por ter sido a dispensa imotivada.

O referido Juiz discursou que “a possibilidade de dispensa imotivada de trabalhadores em um mundo marcado por altas taxas de desemprego que favorece, portanto, o império da ‘lei da oferta e da procura’, o que impõe, certamente, a aceitação dos trabalhadores a condições de trabalho subumanas, agride a consciência ética que se deve ter para com a dignidade do trabalhador e, por isso, deve ser, eficazmente, inibida pelo ordenamento jurídico”.

No seu relatório, Souto Maior faz-se, ainda, claro por entender que “não é possível acomodar-se com uma situação reconhecidamente injusta, argumentando que infelizmente o direito não a reprime”. Esclarece, ainda, que “uma sociedade somente pode se constituir com base em uma normatividade jurídica se esta fornecer instrumentos eficazes para que as injustiças não se legitimem. Do contrário, não haveria do que se orgulhar ao dizer que vivemos em um Estado Democrático de Direito”.

Louvamos referida decisão, não com a finalidade de dar eficácia à Convenção n. 158 da OIT no ordenamento jurídico interno brasileiro, mas com o intuito de esclarecer e mostrar aos estudiosos e operadores da ciência jurídica que existe, no ordenamento jurídico nacional, norma de igual teor ao disposto no art. 4º da referida convenção e que, diante da interpretação sistemática das normas constitucionais, à luz do Princípio da Unicidade da Constituição, da máxima efetividade dos Direitos Fundamentais e, principalmente da Dignidade da Pessoa Humana, está assegurado, no Brasil, o direito do trabalhador à proteção do emprego contra despedida imotivada, seja esta arbitrária ou sem justa causa.

Inegável e incontestável é o fato de que, na relação de trabalho, as partes não estão em idênticos patamares. O trabalhador, parte hipossuficiente na relação, suporta desvantagens de ordem econômica, política, financeira, cultural, social e moral em relação ao empregador. Justamente para equilibrar essa relação e deixar as partes em iguais condições, torna-se imprescindível o papel e eficácia da norma jurídica, desempenhada pelo Estado, concretizando a verdadeira igualdade substancial, que é de crucial importância para a busca e alcance da tal almejada Justiça Social, que nos dizeres de De Plácido e Silva, significa a "Contribuição de todos para realização do bem comum".

Fábio Zambitte Hibrahim, in Curso de Direito Previdenciário, com ensinamentos louvados, dos quais corroboramos, relata que “devido às desigualdades existentes, os mais carentes nunca teriam chances de atingir patamar superior de renda, sendo mascarados pela tão propalada igualdade de direitos. Na verdade, as pessoas carecem de igualdade de condições. Somente com tal isonomia poder-se-ia vislumbrar uma sociedade justa, onde o progresso individual seria realmente proveniente de dedicação e esforço do indivíduo. Daí a importância da participação estatal, por meio de instrumentos legais, propiciando uma correção ou, ao menos, minimizando das desigualdades sociais. Além disso, o Estado não pode aceitar a desgraça alheia como resultado de sua falta de cuidado com o futuro – devem ser estabelecidos, obrigatoriamente, mecanismos de segurança social”.

Justamente nessas condições, e principalmente observadas as flagrantes desigualdades existentes entre a classe operária e a trabalhadora, é que salientamos por brilhante o trabalho do legislador constituinte de 1988.

Isto porque, percebe-se, à todo momento, a preocupação do Estado com tais desigualdades. Mais que isso, é nítido o cuidado e o tratamento despendido pela Carta Magna de 1988 com o trabalho humano, como corolário do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, que nas palavras de Fábio Zambitte Ibrahim, citando Ana Paula de Barcellos, “possui, como núcleo essencial, plenamente sindicável, o mínimo existencial, isto é, o fornecimento de recursos elementares para a sobrevivência digna do ser humano”.

Nessas circunstâncias, não há como aceitar dúvidas ou questionamentos de que o trabalho seja um fator elementar da dignidade da pessoa humana, do trabalhador e de toda sua família, e por esta razão, teve tratamento legislativo constitucional voltado à sua referida proteção.

Foi assim que o legislador constituinte de 1988, com a atenção voltada para a dignidade do ser humano, expresso e registrou, em diversas passagens no Texto Maior, a preocupação do Estado Democrático de Direito do Brasil com a valorização do trabalho humano, e a conseqüente proteção da continuidade da relação de trabalho, como também, sabiamente, lembrou o Excelentíssimo Senhor Doutor Juiz Souto Maior na sua decisão.

Nesse conjunto, recordamos que a Constituição Federal de 1988, logo no seu primeiro Título, consagra no seu artigo 1º, como princípio fundamental da República, a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho.

Estabelece, também, no artigo 3º, IV, como um dos objetivos fundamentais da República promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Preconiza, por sua vez, no seu artigo 4º, II, que nas relações internacionais, a República Federativa do Brasil rege-se, dentre outros princípios, pela noção de prevalência dos direitos humanos.

No artigo 170, ao tratar sobre os princípios gerais da ordem econômica, estabelece que a ordem econômica deve ser fundada na valorização do trabalho humano e conforme os ditames da justiça social.

Dá-se especial relevo, ainda, ao fato de que os artigos 7º e 8º, que trazem inúmeras normas de natureza trabalhista, estão inseridos no Título pertinente aos Direitos e Garantias Fundamentais, especificamente no Capítulo II, que trata dos Direitos Sociais.

E, nesse ponto, mister se faz ressaltar a expressa, legítima e legal proteção estampada no inciso I, do art. 7º, da Constituição Federal, ao dispor que “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais […]; I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos […]”.

Necessário faz-se por esclarecer, nessa ocasião, o significado da expressão “dispensa arbitrária ou sem justa causa” preconizada pela aludida norma constitucional.

É preciso atentar, inicialmente, que em sentido “latu”, tanto a dispensa arbitrária, quanto a dispensa sem justa causa, constituem formas de dispensa imotivada.

A dispensa sem justa causa, “stricto sensu”, corresponde à rescisão do contrato de trabalho sem que tenha sido verificada a incidência de alguma das causas justificadoras da rescisão laboral, estabelecidas taxativamente no art. 482 da CLT.

No tocante a dispensa arbitrária, o Professor Maurício Delgado Godinho a define como sendo "aquela efetivada sem o suporte em uma fundamentação minimamente relevante".

O art. 165 da norma consolidada (CLT) também trás o conceito de dispensa arbitrária “entendendo-se como tal a que não se fundar em motivo disciplinar, técnico, econômico ou financeiro”.

Segundo Sérgio Pinto Martins, a fundamentação por motivo disciplinar é pertinente à dispensa por justa causa (art. 482 da CLT); o motivo técnico diz respeito à organização da atividade da empresa, como o fechamento de uma filial ou de uma seção, com a despedida dos empregados; e por motivo econômico ou financeiro entende-se aquele que é relativo à insolvência da empresa, por questões concernentes a receitas e despesas.

Com isso, quando se emprega a expressão "dispensa sem justa causa", entende-se por tal a extinção do contrato de trabalho por iniciativa do empregador, sem que o obreiro tenha cometido falta grave, ou seja, sem fundamentação no art. 482 da CLT.

Utilizando-se o termo "dispensa arbitrária", por sua vez, além de a extinção do contrato de trabalho por iniciativa do empregador restar infundada em motivo disciplinar, isto é, falta grave (art. 482 da CLT), também não está calcada em justificativas "minimamente relevantes" como motivo técnico, econômico ou financeiro.

Verificado, assim, o significado das referidas expressões contidas na norma constitucional em comento, passamos a enfrentar, então, a questão que merece maior atenção dos aplicadores do direito, relacionada à qualidade de eficácia que a assume a norma constitucional estampada no art. 7º, I, da Lei Maior.

Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior, mencionam que “existem várias classificações para as normas constitucionais, dependendo do autor que as fizer, dado algumas peculiaridades ou particularidades que podem ser observadas por uns e omitidas por outros. Mas, em geral, muitas classificações são praticamente idênticas, ao serem analisadas à luz do que prevêem juridicamente”.

Com apoio na classificação de José Afonso da Silva, estampada em sua grandiosa obra, Curso de Direito Constitucional Positivo, Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Júnior desenvolveram uma singela e apropriada classificação das normas constitucionais quanto a sua eficácia, da qual compartilhamos:

Classificam normas constitucionais de eficácia plena como sendo aquelas que “não necessitam de qualquer integração legislativa infraconstitucional, produzindo todos os efeitos imediatos”, ou seja, “são as que receberam do constituinte normatividade suficiente à sua incidência imediata e independem de providência normativa ulterior para sua aplicação”.

Normas de eficácia contida, frisam ser aquelas que “à escassez da legislação infraconstitucional integradora, possuem eficácia total e imediata, porém, o advento legislativo faz com que seu campo de abrangência fique restrito”, contido, em outras palavras, são as que “receberam igualmente normatividade suficiente para reger os interesses pertinentes, prevendo, porém meios normativos que lhe reduzam a eficácia e aplicabilidade”.

E por fim, ensinam que as Normas de eficácia limitada caracterizam-se como aquelas que “não produzem todos os seus efeitos de imediato, necessitando de um comportamento legislativo infraconstitucional ou da ação dos administradores para o seu integral cumprimento”. Afirmam: “são normas constitucionais de eficácia fraca, podendo ser fortalecidas pelo legislador infraconstitucional e pelo administrador público”.

Vislumbra-se que o art. 7º, I, da Constituição Federal, claramente é classificado como norma constitucional de eficácia contida, já que estabelece a proteção do trabalhador contra despedida arbitrária ou sem justa causa, de imediato, e, ao mesmo tempo, deixa ao crivo da legislação complementar “conter” esse campo de abrangência. Todavia o advento ou não da referida lei não obsta a aplicação imediata da proteção constitucional aludida.

Nota-se que a própria norma constitucional, em epígrafe, já declarou o direito do trabalhador à proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, e dessa forma, não há necessidade de haver qualquer lei complementar para que esse direito seja novamente declarado. Ele já pode e deve ser exercido de imediato, pois nesse particular, o preceito constitucional contido no art. 7º, I, é dotado de eficácia plena, característico da norma constitucional de eficácia contida, como brilhantemente ensinaram Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes Junior, retro mencionados.

Percebe-se que a norma constitucional em alusão não impede, nem, tampouco, proíbe a rescisão contratual por iniciativa unilateral do empregador, que poderá ocorrer em determinadas hipóteses. O que se veda é a despedida imotivada, arbitrária ou sem justa causa, dando a devida proteção ao trabalhador, de forma a colocá-lo em idênticas condições na relação contratual trabalhista, já que é a parte mais frágil na referida relação jurídica.

É justamente nesse campo que se insere a competência da citada lei complementar, que terá o objetivo de conter a incidência da proteção constitucional estampada no art. 7º, I, da Carta Magna, importa dizer, o advento da lei complementar não poderá suprimir o direito dos trabalhadores de proteção contra despedia imotivada, mas sim regulamentá-lo, em outras palavras, estabelecer de que forma, quando e como será exercido tal direito, e, nesse caso, a inexistência de tal lei complementar não obsta, nem, tampouco, impede a validade do respectivo comando legal.

Pra afastar definitivamente qualquer indagação ou questionamento sobre a qualidade de norma constitucional de eficácia contida do preceito contido no art. 7º, I, da Magna Carta, julgamos ser, nesse momento, sobremodo importante traçar uma breve comparação em relação a norma contida no art. 5º, XIII, da Constituição Federal.

È unânime e pacífico na doutrina, em modo geral, a classificação de norma de eficácia contida ao disposto no art. 5º, XIII da Lei Maior. Respectivo preceito legal estabelece que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações que a lei estabelecer”.

Analisando respectiva norma, enxergamos claramente que a norma é dotada de eficácia plena ao declarar que “é livre o exercício de qualquer trabalhado, ofício ou profissão…”, e no aspecto geral, é classificada como sendo de eficácia contida, na medida em que dispõe que será “atendida as qualificações profissionais que a lei estabelecer”.

Dessa forma é que, por exemplo, o exercício da medicina é pleno e imediato, podendo ser exercido tão logo a conclusão e formação do curso de medicina, com fundamento no consagrado direito fundamental constitucional da “liberdade do exercício profissional”, registrado no art. 5º, XIII, 1ª parte. Isso ocorre porque, para o exercício da medicina, ainda não existe, no ordenamento jurídico brasileiro, lei que contém a eficácia daquela norma.

Contudo, o mesmo não se pode afirmar aos profissionais da advocacia. Para que seja exercida essa profissão, além de haver a necessidade formação de bacharel em Curso de Direito, torna-se indispensável a aprovação no exame de Ordem, conforme estabelecido na Lei n. 8.906, de 4 de julho de 1994 – Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. Percebe-se que, nesse caso, o direito fundamental constitucional da “liberdade do exercício profissional” foi contido pela edição da Lei 8.906/94, de acordo com a própria norma prevista no art. 5º, XIII, da Constituição Federal.

Conseguimos, assim, aclarar e demonstrar que a norma constitucional de eficácia contida possui plena eficácia, em determinado sentido, diante da ausência da lei que tem por finalidade conter a sua eficácia. Mais que isso, restou definitivamente comprovado que a ausência da referida lei não obsta o exercício do direito declarado pela norma constitucional de eficácia contida. Com isso, podemos afirmar que, até que seja publicada a lei que venha conter a eficácia da norma, essa se apresenta para o ordenamento jurídico dotada de imediatidade e com eficácia plena.

Dessa forma, não nos resta outra alternativa senão a assertiva de interpretar a norma constitucional preconizada no art. 7º, I, como sendo de eficácia contida e, diante a ausência da legislação complementar que tem por escopo conter seus efeitos, o direito alí declarado, acerca da proteção do emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, pode e DEVE ser imediatamente aplicado e exercido plenamente, sem restrições.

Essa mesma questão já foi pauta de discussões na maioria dos países europeus e, nos dias de hoje, esse assunto é totalmente ultrapassado. Isso se deve ao fato de que grande parte desses países, especialmente aqueles que integram a União Européia, como bem assevera Amauri Mascaro Nascimento, são adeptos e signatários da Convenção 158 da OIT e, portanto, asseguram aos trabalhadores o direito à proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, estampada no art. 4 do referido diploma internacional.

Nascimento ainda nos revela que, em Portugal, para que o empregador possa rescindir o contrato de trabalho do obreiro imotivadamente (de forma arbitrária ou sem justa causa), deve, necessariamente, levar à questão ao crivo do judiciário para justificar que a rescisão contratual, pretendida, tem uma causa socialmente justificável e, então, demonstrar e comprovar, em juízo, que a rescisão não é arbitrária ou sem justa causa.

Nesse particular, entendemos e ressaltamos, mais uma vez, ser justamente essa a fiel e verdadeira competência da lei complementar que alude o art. 7º, I da Magna Carta, ou seja, regulamentar e principalmente conter a eficácia da norma constitucional estabelecendo regras para regular a forma, as condições e as situações em que deverá ser aplicada referida proteção do trabalhador contra despedida arbitrária ou sem justa causa, não podendo, jamais, impedir o exercício deste direito expressamente declarado na Constituição Federal.

Entretanto, sublinhamos que não é o objetivo deste estudo, e nem foi essa a intenção do legislador constituinte, de retroagir no tempo e voltar a dar o tratamento cerrado e inflexível da estabilidade absoluta. O verdadeiro foco é demonstrar que do legislador constituinte de 1988 visou proibir que o empregado recebesse tratamento de insumo na atividade empresarial, assegurando uma estabilidade relativa ao obreiro.

A razão dessa preocupação é simples: Atualmente, o lucro passou a ser imperativo nas atividades empresariais. Para atingi-lo e obtê-lo, mais e mais, o empresário não mede esforços, e nesse contexto, acaba tornando desprezível e, pior que isso, fora de questão a valorização do trabalho humano e a dignidade do trabalhador.

Para impedir repugnante atitude, a Constituição Federal de 1988 colocou acima de tudo, a valorização do trabalho humano e, indiscutivelmente, a valorização da dignidade da pessoa humana sobre o capital, principalmente sobre os lucros, à busca incessante dos mercados consumidores, às linhas de produções, resgatando, novamente, a proteção da continuidade da relação de emprego preconizada na década de 30, 40 e 50, só que agora, de forma relativa, flexibilizada.

Fazemos por demais esclarecer, contudo, que o sistema legislativo pátrio não é exclusivamente de serventia e de proteção voltado, exclusivamente, ao trabalhador. Justamente para adequar as partes da relação laboral à nova realidade, também houve a preocupação com a questão empresarial.

Dessa forma, o empregador também foi lembrado e ao mesmo tempo teve promulgado os seus direitos. Dentre estes, destaca-se a possibilidade de dar por extinto o contrato de trabalho de forma unilateral quando demonstrada e comprovada certas situações, como dificuldades econômicas, problemas estruturais ou financeiros da empresa, assim quando, também, se verifica e caracteriza a chamada justa causa para rescisão (art. 482 da CLT), o que atribui ao sistema a característica de relatividade e flexibilidade

Ademais, torna-se oportuno frisar que outras importantes ferramentas e institutos jurídicos estão colocados à disposição do empregador, no sistema normativo brasileiro vigente, com a finalidade de ampará-lo diante das dificuldades, sem que, para tanto, haja a necessidade de por fim a relação de emprego, colocando todo o risco da atividade empresarial “nas costas” do trabalhador.

Nesse enfoque, destaca-se a flexibilização das normas de direito sindical, mediante os acordos e convenções coletivas de trabalho, os institutos do trabalho temporário, terceirização, contrato por prazo determinado, contrato em regime de tempo parcial, cooperativas de trabalho, banco de horas, entre outros, que permitem o manejo empresarial para enfrentar as crises e os problemas da empresa.

Inegável que a estabilidade representa uma das maiores e mais importantes conquistas do trabalhador, todavia, não se pode permitir que esse direito seja exercido de forma absoluta, ou seja, sem a mínima e necessária preocupação com a classe empregadora, como ocorreu nas décadas de 30, 40 e 50, mas, também, não se pode, com maior razão, suprimi-la por migalhas indenizatórias, como verificou-se a partir da década de 60.

Brilhantemente, no bojo dessa discussão, é o tratamento dado pela Constituição Federal de 88 que, sabiamente e com muita propriedade, soube equilibrar o sistema e permitir o livre e imediato exercício do direito de proteção à relação de emprego pelo empregado, e ao mesmo tempo, permitir ao empregador pôr fim à execução do contrato de trabalho, de forma unilateral, em certas e determinadas situações.

Atingiu-se, então, o verdadeiro equilíbrio, a verdadeira igualdade substancial de tratamento e de direito, o que coloca as partes em idênticas condições e patamar na relação contratual, valorizando, sobretudo, e ao mesmo tempo, a dignidade do trabalhador e da pessoa humana.

No Brasil, essas diretrizes devem ser seguidas a risca. Não com o objetivo de demonstrar ou comprovar a validade e aplicabilidade, no ordenamento jurídico pátrio, da Convenção n. 158 da OIT, mas sim, com a finalidade de aclarar que no ordenamento jurídico brasileiro existe disposição, a nível constitucional, que assegura o direito do trabalhador à proteção contra despedida imotivada, e que apenas cumpre, aos operadores e estudiosos do direito, exercê-lo de forma imediata e plena.

Enfim, o que se pretende é justamente expor que o inciso I, do art. 7ºda Magna Carta tem aplicabilidade imediata e a mesma finalidade da normatização da OIT e da maioria dos países desenvolvidos.

Mesmo que parcela significante da doutrina lançam interpretações construídas de forma a negar a eficácia imediata do inciso I, do art. 7º da Constituição Federal, objetiva o presente estudo, demonstrar que esse posicionamento é questionável, trazendo como sua problematização, e enfoque central, a óptica de que o referido preceito constitucional pode e deve ser interpretado como regra de eficácia contida, produzindo, pelo menos, certo efeito jurídico básico, que seria o de invalidar dispensas baseadas no simples exercício unilateral da vontade empresarial, sem um mínimo de justificativa socioeconômica, técnica ou até mesmo pessoal, em face do trabalhador envolvido, por respeito à sua condição humana.

Não se pode perder de vista, também, a preocupação do mundo em relação a valorização do trabalho humano, mais que isso, a valorização do ser humano, da sua dignidade, de modo a assegurar ao trabalhador e sua família “o mínimo existencial”.

4.1. Regras de Direito Contratual previstas no “Novo” Código Civil

Não obstante os argumentos até aqui expostos em prol da proteção do trabalhador contra despedida arbitrária ou sem justa causa, não podemos deixar passar desapercebido, nessa oportunidade, a inovação trazida pelo Novo Código Civil, Lei n. 10.406 de 10 de janeiro de 2002, no tocante aos contratos em geral o que, por derradeiro, se aplica aos contratos laborais por força do preceito contido no art. 8º da CLT.

A mais significante e importante inovação, nesse sentido, foi a relativização da liberdade de contratar em decorrência do Princípio da Função Social do Contrato, expressada no art. 421 do Código Civil.

Miguel Reale, destacável e renomado jurista, comenta que “O que o imperativo da ‘função social do contrato’ estatui é que este não pode ser transformado em um instrumento para atividades abusivas, causando dano à parte contrária ou a terceiros, uma vez que, nos termos do Art. 187, ‘também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes’”.

Por essa precisa e sucinta argumentação, notamos perfeitamente qual é o verdadeiro e real sentido do Princípio da Função Social do Contrato: evitar que o contrato seja “instrumento para atividades abusivas”. E precisamente, nesse sentido, o contrato laboral é, necessariamente, aquele que deve ser observado e fiscalizado com maior rigor, já que, na maioria das vezes, é utilizado pelo empregador para abusar e explorar a força do trabalhador, com desprezo à sua dignidade, ao ser valor humano.

Assim é que, mais uma vez, na consonância do positivismo jurídico lustrado no art. 7º, I da Constituição Federal, entendemos que veio o Princípio da Função Social do Contrato a corroborar com a proteção do trabalhador contra despedida praticada por ato unilateral do empregador, arbitrária ou sem justa causa.

Isto porque, inegavelmente, é o contrato de trabalho que se destaca, entre todos, como aquele em que a Função Social está em maior evidência, haja vista originar desse instrumento jurídico a relação de vínculo empregatício que permite rendimento ao trabalhador e toda sua família, proporcionando o desenvolvimento social, cultural e humano.

Conseqüentemente, aceitar o fato de o empregador poder rescindir o contrato de trabalho quando bem entender, às custas de migalhas indenizatórias, desestabilizando toda a família do empregador e a sociedade, de forma geral, ainda mais nos tempos de hoje onde a questão do emprego é tratada como um dos mais relevantes problemas sociais, não condiz, inquestionavelmente, com o exercício da Função Social do Contrato.

Ademais, cumpre salientarmos, nesse momento, que além da Função Social do Contrato, os contraentes da relação jurídica laboral, em obediência ao ditame do art. 422 do Código Civil, “são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”.

O Excelentíssimo Juiz de Direito, Ramon Mateo Junior, escreveu que “Ao estabelecer o princípio da boa-fé nas relações contratuais, a nova lei está implementando uma outra concepção sobre o instituto, à qual a doutrina passou a denominar de objetiva, porque a sua finalidade é impor aos contratantes uma conduta de acordo com os ideais de honestidade e lealdade, independentemente do subjetivismo do agente; em outras palavras, as partes contratuais devem agir conforme um modelo de conduta social, sempre respeitando a confiança e o interesse do outro contratante”.

Notamos, então, que por este dispositivo legal os contraentes devem guardar, na execução do contrato, comportamento compatível com a boa-fé, ou seja, as partes devem “agir conforme um modelo de conduta social”. Com isso, torna-se lógico concluir que a despedida abrupta, súbita e inopinada praticada pelo empregador de forma arbitrária ou sem justa causa, não condiz, em hipótese alguma, com ato de boa-fé, já que dessa atitude resultará a marginalização social do trabalhador e de toda sua família.

Postimeiramente, alertamos que a letra jurídica estampada no art. 472 do Código Civil determina que “O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato”. Nesse sentido, sublinhamos que, se para a formalização do contrato de trabalho há a necessidade da soma de vontades do empregado e do empregador, para que essa mesma relação jurídica seja findada, com o conseqüente distrato do instrumento contratual, faz-se imperioso e imprescindível a existência da mesma soma de vontades, salvo as hipóteses de justa causa (Art. 482 da CLT), ou comprovadas justificativas socioeconômicas, ocasião em que a rescisão estaria motivada.

Por tudo exposto, temos que a interpretação do art. 7º, I, da Magna Carta não pode ser em sentido contrário e nem, tampouco afrontar essa causa, seja pelos próprios objetivos traçados pela Constituição, seja pelos Princípios, Garantias e Direitos assegurados nessa Lei Maior, nas normas infraconstitucionais e nas normas de Direito Internacional e humanitário.

Conclusão

A primeira observação que devemos fazer ao analisar a rescisão do contrato de trabalho por ato unilateral do empregador, de forma arbitrária ou sem justa causa, é justamente o fato de que essa despedida, além de dar ensejo à efeitos jurídicos que afetam as relações entre as partes, rompe a harmonia que a continuidade do contrato de trabalho estabeleceu entre patrão e empregado, razão pela qual torna-se imperioso afirmar que a ruptura da referida relação, naquelas condições, reflete negativamente no campo da área social, econômica, cultural e moral, tanto do trabalhador e sua família, quanto para a sociedade, minimizando as condições de crescimento e desenvolvimento de uma sociedade justa, de um país equilibrado e estável.

E, justamente no bojo dessa problemática se estampa a importância da norma jurídica, em especial a de índole constitucional, e a necessidade de sua eficiência e praticidade no caso em concreto, já que tem por objetivo principal regular essas relações jurídicas, visando sempre dar maior proteção à parte hipossuficiente na relação, de forma a equilibrar e manter as partes em idênticas condições para viabilizar o "bem comum".

É esse um dos mais fiéis e verdadeiros papel da nossa Lei Trabalhista: equilibrar a relação jurídica entre empregador e empregado, colocando à disposição daqueles instrumentos e institutos jurídicos para serem utilizados com o fito de driblar a crise e as dificuldades que abalam a atividade empresarial; e assegurando e garantido aos trabalhadores a devida proteção do seu vínculo de emprego para que possam dar continuidade ao seu trabalho, garantindo o sustento e dignidade própria e de sua família.

Nessa seara, as normas de direito internacional, em especial àquelas oriundas da OIT, não medem esforços para conscientizar a população mundial de que, por mais importante e necessária seja a revolução e evolução cultural, científica, econômica, tecnológica, entre outras, não se pode perder de vista, jamais, a referência de valorização do trabalhador, do ser humano, de onde tudo começou.

No Brasil, não obstante a denúncia à Convenção n.º 158 da OIT, observamos que o entendimento e normatização prevista no art. 4º daquele diploma internacional, vem seguramente registrado e válido no inciso I, do art. 7º da Constituição Federal, assegurando, de imediato, até seja publicada a lei complementar que alude referida norma (norma de eficácia contida), o direito de proteção do empregador contra despedia arbitrária e sem justa causa, assim como ocorre na maioria dos países desenvolvidos.

Tornamos saliente, nesse momento, que o presente estudo não tem a finalidade de inovar no ordenamento jurídico, nem, tampouco, forçar um tratamento jurídico inexistente no ordenamento brasileiro. Esse trabalho o Poder Constituinte de 1988 já o fez. O enfoque é, seguramente, aclarar e exteriorizar o raciocínio jurídico, assim como as ferramentas jurídicas postas à disposição dos estudiosos e aplicadores do direito, já feitas e declaradas pelo Teto Maior, desde 1988, para o fim exclusivo, sob a visão do presente trabalho, de estender e fazer valer o direito de proteção do trabalhador contra as despedidas imotivadas.

Além disso, vislumbramos que o exercício do referido direito de proteção da continuidade da relação de emprego, como instrumento jurídico, reveste-se, na atualidade, de suma importância para o auxílio na questão do desemprego no Brasil, sem sombra de dúvida, uma das piores pragas sociais dos últimos tempos.

No entanto, embora exista norma que exprime a correta e verdadeira intenção legislativa voltada à essa finalidade, infelizmente, no Estado Democrático Brasileiro, não se verifica, na prática, a sua concretização. Seja por interesses políticos, seja por mero equívoco dos operadores e estudiosos do direito, o fato é que a proteção do trabalhador contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, praticada unilateralmente pelo empregador é, atualmente, mitigada pela compensação econômica, representada por migalhas indenizatórias que colocam o trabalhador à mercê da vontade e dos interesses empresariais, mais especificamente o lucro.

Com isso, conclui-se que, antes de se exigir a correta e fiel aplicação da norma constitucional que já declarou como direito do trabalhador a proteção contra despedida imotivada, no Brasil, é necessário esclarecer e conscientizar a população, de modo geral, que somente com a contribuição de todos é que conseguiremos alcançar o tão almejado “status” de bem comum, importa dizer, devemos apreender, antes demais nada, a fazer Justiça Social.

Esse é o grande objetivo a ser conquistado. Não adianta somente parcela das forças de uma nação, os trabalhadores, cederem e flexibilizarem suas forças e seus direitos. Se não houver o comprometimento de todos, que desta mesma nação dependam e façam parte, os obstáculos econômicos, tecnológicos, políticos e sociais continuarão a ser imponíveis.

Mais que importante o fato concreto abordado no processo julgado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, citado no presente artigo, é a conscientização dos estudiosos e operadores do direito de que existe, no ordenamento jurídico brasileiro, norma legal que protege o trabalhador contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, estampada, especialmente no art. 7º, I, da Constituição Federal, e que a sua concreta eficácia abrilhanta e promove, com louvor, a valorização do trabalho humano, a dignidade da pessoa humana, representando um grande e importante avanço para a realização de Justiça Social, na mais plena conformidade e sentido dos diversos diplomas internacionais que enfrentam o assunto, visando a garantia dos direitos dos trabalhadores frente aos efeitos devastadores agregados a era da globalização e da revolução tecnológica, no Brasil e no Mundo.

 

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Notas
[1] Essa porcentagem passou para 40% com a promulgação da Constituição Federal de 1988 – Art. 10, I, ADCT.
[2] (STF, ADI 1480 MC/DF, Rel. M. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 04-09-97, pub: 18-05-2001).

Informações Sobre o Autor

Daniel Lini Perpétuo

Advogado, formado Bacharel em Direito pela Instituição Toledo de Ensino – ITE


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