O presente estudo pretende trazer a debate a questão aparentemente pacificada da opcionalidade dos Juizados Especiais Cíveis.
Como se sabe, a Lei 9.099/95 (que instituiu os Juizados Especiais estaduais) não trata do assunto.
Em Minas Gerais a opcionalidade foi firmada pela equipe comandada pelo valoroso e incançável Desembargador JOSÉ FERNANDES FILHO (www.tjmg.gov.br/jesp/enunciados/enunciado_2002_02_05.html):
No dia 16 de outubro de 2000, no dia 22 de outubro de 2001 e no dia 4 de fevereiro de 2002, no auditório do Juizado Especial do Gutierrez, realizaram-se reuniões entre os Juízes de Direito dos Juizados Especiais Cíveis, Juizado Criminal de Belo Horizonte e Comissão Supervisora dos Juizados, cujas conclusões foram as seguintes:
Enunciado nº 1 – O procedimento do Juizado Especial Cível é facultativo para o autor.
A Lei 10.259/01 (que instituiu os Juizados Especiais federais) também não aborda o assunto.
A respeito diz MÁRCIA REGINA LUSA CADORE WEBER, no seu valioso artigo intitulado PROCEDIMENTO SUMÁRIO (CPC, artigos 275 a 281) (www.tex.pro.br/wwwroot/05de2003/ procedimentosumariomarcia.htm):
…a opção do autor permanece também relativamente aos juizados especiais cíveis federais, instituídos pela Lei n° 10.259/01.
Acreditamos que o Direito Comparado possa nos esclarecer.
Apresentamos para análise dois modelos estrangeiros: o francês, frontalmente contrário à opcionalidade, e o inglês, com opcionalidade relativa.
A Justiça Cível francesa tem dois tipos de órgãos jurisdicionais:
a) os Tribunais de Instância (competentes no cível para
causas de valor inferior a 50.000 FF (13.000 FF em causas que não comportam apelação e de 13.000 a 50.000 FF em causas de duplo grau de jurisdição), locações residenciais e vários casos de locações comerciais, contratos de crédito ao consumidor, contestação à penhora de remunerações, matérias agrícolas, ações possessórias e demarcatórias, pensão alimentícia, revisão de renda “viagère”, e muitos outros casos, mostrando que o legislador pretende que os TIs sejam o juiz natural das pequenas causas que interessam a maioria dos cidadãos.
(vide nosso livro A JUSTIÇA DA FRANÇA – um modelo em questão, LED, 2001, p. 110)
b) os Tribunais de Grande Instância:
Quanto à competência dos TGIs, como dito anteriormente, esta é do tipo residual (“aberta”, na expressão de alguns doutrinadores), ou seja, os TGIs são competentes para os processos que não são da competência de nenhum outro órgão jurisdicional ou assemelhado. (vide op. cit., p. 104)
O modelo inglês:
René David, no seu valioso "Direito Inglês", diz que na Inglaterra há basicamente duas opções para o cidadão frente à Justiça Cível de 1ª instância: 1) "convence" o Tribunal de que sua causa merece ser julgada por ele ao fundamento de tratar de matéria relevante (e se o Tribunal achar que não, o cidadão não tem nenhum recurso contra a decisão do Tribunal); 2) ajuíza sua demanda (a imensa maioria dos casos) perante um Juízo comum.
(vide no nosso site jurídico MARJURIS – www.artnet.com.br/~lgm o artigo de nossa autoria intitulado A AGILIZAÇÃO DA JUSTIÇA CIVEL NO BRASIL).
Para o Leitor entender a realidade francesa, diga-se que os Tribunais de Instância são semelhantes aos nossos Juizados Especiais Cíveis, enquanto que os Tribunais de Grande Instância se assemelham às nossas Varas Cíveis. As regras de competência são fixadas casuisticamente para os primeiros, sendo que as dos segundos são residuais. Essa situação dá aos Tribunais de Instância o destaque que merecem. Não são tratados como um Justiça de 2ª classe em aspecto algum. Não existe a opcionalidade, mas sim a obrigatoriedade.
Quanto à estrutura inglesa, a preferência é para os Juízos comuns (equivalentes aos nossos Juizados Especiais Cíveis) (onde é ajuizada a imensa maioria de casos). Caso algum jurisdicionado queira ajuizar sua ação frente a um Tribunal (semelhante às nossas Varas Cíveis) pode apresentar ali sua demanda, mas o Tribunal somente admite esse privilégio de tratamento se verifica que a demanda traz importante questão de Direito. Caso entenda que trata-se de questão corriqueira, recusa-se a receber a demanda e este poderá ajuizá-la num Juízo comum. Todavia, a maioria das pessoas, sabendo de antemão que as demandas que versam sobre importantes questões de Direito são raras, ingressa direto num Juízo comum. Verifica-se que a opcionalidade na Inglaterra é mitigada, ficando a critério do órgão jurisdicional a sua admissão. É, em suma, quase letra morta.
Com todo o respeito que nos merece quem adote a tese da opcionalidade, não vemos nenhum fundamento para supervalorizar-se o direito dos demandantes ao argumento de facilitação do acesso à Justiça.
Entendemos que enquanto os Juizados Especiais Cíveis não tiverem seu campo definido de competência (somado, é claro, à sua estruturação no mesmo nível das Varas Cíveis em termos de recursos humanos e materiais), serão sempre tratados de forma inferiorizante, não cumprindo a contento sua missão, enquanto que as Varas Cíveis continuarão sobrecarregadas de ações que normalmente seriam bem atendidas nos Juizados.
A opcionalidade, a nosso ver, significa que consideramos os Juizados Especiais Cíveis vivendo sua fase embrionária. No entanto, essa fase deve ser dada como vencida depois destes 10 anos de amadurecimento.
Informações Sobre o Autor
Luiz Guilherme Marques
Juiz de Direito da 2ª Vara Cível de Juiz de Fora – MG