Exame de esforço físico em concurso sem a previsão legal

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O art. 37, caput, da Carta de 1988, traz consigo os princípios que vinculam a Administração Pública no Brasil em todos os níveis de competência, dentre os quais, o da legalidade, e a mesma norma constitucional em seu inciso II prevê: a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração; ( redação da  E. C. nº 19, de 04.06.98).” A lei que criar o cargo público definirá o número de vagas e a forma do seu provimento, concurso público, além das provas que o candidato regularmente inscrito deverá se submeter.

O ato de convocação de concurso público é por Edital que vincula a todos, não podendo, contudo, nele, se fazer exigências não previstas em lei, isso, em face do princípio da legalidade, e ainda em razão do disposto no inciso II do art. 1º da CF que dispõe: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;.” Recentemente, recebi a visita de alguns candidatos que se submeteram a concurso promovido por determinada Administração Pública Municipal, aprovados na prova de conhecimento e de títulos e desclassificados na prova de exame de esforço físico. Pretendiam saber se a exclusão deles no último exame estava ou não dentro da legalidade. Todos haviam participado do concurso para preenchimento do cargo de agente de trânsito.

A lei municipal que criou o cargo de agente de trânsito, não fazia a exigência da realização do exame de esforço físico para o seu provimento, diferentemente da lei municipal que criara o cargo de Guarda Municipal, onde estava previsto o exame. A resposta é que houve ato de ilegalidade por parte da Comissão que administrou o concurso, podendo, por via de consequência, ser declarada a ilegalidade pela ação sumária constitucional, art. 5º, LXIX, resguardando-se em favor deles o direito de obter classificação com base nas notas obtidas nas provas de conhecimento e de títulos.

Não havendo previsão na lei, a exigência da prova de esforço físico constante do Edital se constituiu em ato de ilegalidade. José da Silva Pacheco (1), sobre a ilegalidade, doutrina: “Em resumo, a ilegalidade se configura pela prática de ato ou omissão de praticá-lo quando: a) haja lei que impeça sua prática ou a determine; b) não haja lei que atribua a competência para praticá-lo ou haja dever de praticá-lo; c) contrariar lei expressa, regulamento, ou princípio de direito público; d) não observar os princípios e normas do art. 37 da CF/88 e outros estabelecidos na Constituição e no direito (lei, costume e princípios gerais de direito); e) não se incluir nas atribuições legais do agente ou se incluir e houver omissões;.”

Para Hely Lopes Meirelles (2), o conceito de ilegalidade ou de ilegitimidade, para fins de anulação do ato administrativo, não se restringe somente à violação frontal da Lei. Abrange não só a clara infringência do texto legal como, também, o abuso por excesso ou desvio de poder, ou por relegação dos princípios gerais do Direito. Em qualquer dessas hipóteses, quer ocorra atentado flagrante à norma jurídica, quer ocorra inobservância velada aos princípios do Direito, o ato administrativo padece de vício de ilegitimidade e se torna passível de invalidação pela própria Administração ou pelo Judiciário, por meio de anulação”.

Já Petrônio Braz (3), diz que “Em presença do Estado-de-Direito, onde se sobressai a autolimitação do Estado às suas próprias leis, a motivação do ato administrativo torna-se relevante objetivando regular a atuação da autoridade administrativa dentro dos limites da lei, mesmo porque, como lembra Hely Lopes Meirelles, no Direito Público o que há de menos relevante é a vontade do administrador. Seus desejos, suas ambições, seus programas, seus atos não tem eficácia administrativa, nem validade jurídica, se não estiverem alicerçados no direito e na lei.”

Quanto à realização de exame de esforço físico sem previsão legal, no RE 447.392-5-PB, o eminente Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, ao negar seguimento ao recurso, j. de 21.06.2005, se pronunciou no seguinte sentido:

“DECISÃO : RE, a, contra acórdão do TJPB assim ementado, no que interessa (f. 230): “MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POLÍCIA CIVIL. TESTE DE CAPACIDADE FÍSICA. EXIGÊNCIA DO EDITAL. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. AFRONTA AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE E DA RAZOABILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. DESPROVIMENTO. MANUTENÇÃO DO DECISUM. – É possível ao Poder Judiciário declarar a ilegalidade dos atos administrativos, pois é incumbência do Judiciário analisar limites de proporcionalidade e razoabilidade dos atos praticados pelo Administrador. – Como não pode a Administração restringir direitos sem autorização legislativa, eivado de nulidade encontra-se o desarrazoada (sic) teste de capacitação física realizado sem amparo legal e que reprovou os candidatos impetrantes (grifo).”

A Minª. ELLEN GRACIE, decisão publicada no DJ de 20/09/2005, p. 00072, no RE 248.515-2 – MA, também ao negar seguimento ao recurso do Estado do Maranhão, manifestou o seguinte:

“Despacho:
1. Trata-se de recurso extraordinário, alínea a, interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão que concedeu a segurança para garantir a continuidade dos candidatos no concurso público para o provimento do cargo de delegado de polícia estadual. O aresto recorrido fundamentou que o exame de aptidão física, em que os recorridos foram eliminados do certame, é ilegal e abusivo, uma vez que, apesar de disposto em edital, não está previsto na Lei estadual 6.124/94 – Estatuto do Policial Civil do Estado do Maranhão. 2. Não se encontram prequestionados os arts. 2º, 5º e 37, caput, da CF/88, em que busca apoio a petição de recurso extraordinário, porque não abordados pelo acórdão recorrido, ao qual não foram opostos os respectivos embargos de declaração. E mesmo que a mencionada violação tivesse surgido no próprio julgamento de segundo grau, far-se-ia necessária a sua provocação por meio de declaratórios, para satisfazer o requisito do prequestionamento (Súmulas STF nºs 282 e 356). 3. Ademais, para que se pudesse modificar a decisão impugnada, seria imprescindível a análise da legislação local, hipótese inviável em sede extraordinária (Súmula STF nº 280). 4. Ainda que superado tais óbices, o recurso não merece prosperar, pois, em caso semelhante, o STF, no julgamento do RE 344.833/MA, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 1ª Turma, unânime, DJ de 27.06.2003, assentou que não viola o art. 37, I, da CF/88 a decisão que considera abusiva a exigência de exame físico em concurso público sem substrato fático e jurídico. 5. Diante do exposto, com fundamento no art. 557, caput, do CPC, nego seguimento ao recurso. Publique-se. Brasília, 31 de agosto de 2005. Ministra Ellen Gracie Relatora.”

Se não há lei prevendo a realização de prova de esforço físico no provimento de cargo público, não poderá a Administração Pública fazer a exigência da realização dele no Edital. Se assim ocorrer, haverá violação ao princípio da legalidade, art. 37, caput, e ao disposto no inciso II do art. 1º, ambos da CF, podendo o ato ser passível de apreciação pelo Poder judicial, via mandamental, inciso LXIX, art. 5º, do mesmo texto citado. E no dizer de Galeno Lacerda (4), “A Constituição não tolera a ilegalidade ou o abuso de poder praticados pela autoridade. Tanto não os tolera, que confere ao prejudicado mandado de segurança para reprimi-los, sem cogitar de prazos ou preclusões e sem ressalva, sequer, à lei ordinária.”

Paulo Afonso, 16 de janeiro de 2006.

 

Material de pesquisa:
www.soleis.adv.br;
www.stf.gov.br – jurisprudência;
www.tj.rs.gov.br – jurisprudência;
1) Pacheco, José da Silva, O Mandado de Segurança e outras Ações Constitucionais Típicas, RT, 3ª. Edição, pág. 165;
2) Hely Lopes Meirelles, Hely Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 9ª edição, Ed. RT, pág. 149.;
3) Braz, Petrônio, Direito Municipal na Constituição, 4ª edição, LED, pág. 277;
4) Lacerda, Galeno, Comentários ao CPC, Forense, Vol. VIII, tomo I, Forense, 5ª ed., pág. 102.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

A. Fernando D. Montalvão

 

Titular do escritório Montalvão Advogados Associados, concluinte na Turma de 1975 da FD da UFBA, ex-Presidente da OAB.Subs. Paulo Afonso-BA, por três mandatos, ex-advogado credenciado no antigo BANEB e do INSS, consultor jurídico de empresas, Câmaras Municipais e Prefeituras, coloborador de diversos sites jurídicos como jusvi, jusnavigandi, escritorioonline, jurista.com, trinolex, e outros, além da revista Impressa Gazeta Juris

 


 

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