Condução coercitiva determinada por Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI)

Sumário: 1. Introdução; 2. Poderes constitucionais das Comissões Parlamentares de Inquérito; 3. Possibilidade da CPI determinar a condução coercitiva de testemunhas e legislação pertinente; 4. Conclusão.

1. Introdução.

A atual crise política brasileira, amplamente divulgada nos meios de imprensa, tem exigido a atuação efetiva do Congresso Nacional no exercício de uma de suas funções típicas: o poder-dever de fiscalizar por intermédio das Comissões Parlamentares de Inquérito.

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Em recente episódio uma das Comissões, no transcorrer das investigações, determinou a condução coercitiva de testemunha que, intimada, não compareceu à sessão designada para sua oitiva.

De tal proceder decorre a inquietação que constitui objeto do presente trabalho, e que visa buscar saber se as Comissões têm poderes para determinar a condução forçada daquele que deixar de comparecer voluntariamente.

2. Poderes constitucionais das Comissões Parlamentares de Inquérito.

O fiel desempenho da salutar missão constitucional incumbida às Comissões representa uma garantia do Estado Democrático de Direito e corolário da independência e harmonia entre os Poderes da República.

Para obtenção dos resultados colimados pela carta política, as Comissões Parlamentares de Inquérito são dotadas de poderes instrutórios visando à apuração de fatos delimitados, objeto de investigação.

Segundo o parágrafo 3º do artigo 58 da Constituição Federal, as Comissões Parlamentares de Inquérito têm poderes de investigação próprios das autoridades judiciárias, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas.

Dentre os poderes enfeixados nas mãos das Comissões inclui-se a possibilidade de intimar e ouvir testemunhas.

Conforme Julio Mirabete, “a pessoa arrolada como testemunha está obrigada a comparecer a Juízo no local e nas horas designados para o depoimento, em qualquer ação penal. Salvo as hipóteses previstas em lei (arts. 207, 220, 221, 252, II, 258 e 564, I, do CPP), se a testemunha regularmente notificada deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar à autoridade policial sua apresentação, ou determinar seja ela conduzida por oficial de justiça, que poderá solicitar auxílio da força pública”.

Disso decorre que a testemunha regularmente intimada tem o dever legal de comparecer à sessão realizada pela Comissão Parlamentar de Inquérito e responder aos questionamentos que lhe forem dirigidos, ressalvadas as exceções legais. Caso não compareça espontaneamente, poderá ser determinada sua apresentação mediante condução coercitiva.

3. Possibilidade da CPI determinar a condução coercitiva de testemunhas e legislação pertinente.

Verificada a ausência da testemunha, indaga-se: as Comissões Parlamentares de Inquérito têm poder jurídico para determinar diretamente a condução coercitiva da testemunha ausente ou necessita socorrer-se do Poder Judiciário para que esse órgão verifique se ocorreu hipótese legal da medida extrema?

O tema foi inicialmente regrado pela Lei 1.579/62, que dispõe sobre normas gerais das Comissões Parlamentares de Inquérito. O artigo terceiro do referido diploma legal dispõe: “Indiciados e testemunhas serão intimados de acordo com as prescrições estabelecidas na legislação penal”.

O seu parágrafo único estabelece que “em caso de não comparecimento da testemunha sem motivo justificado, a sua intimação será solicitada ao juiz criminal da localidade em que resida ou se encontre, na forma do art. 218 do Código de Processo Penal”.

Após, a Constituição Federal de 1988 dispôs no parágrafo terceiro do artigo 58 que as Comissões Parlamentares de Inquérito terão os mesmos poderes instrutórios das Autoridades Judiciais.

Daí a questão: a Lei 1.579/62 foi ou não recepcionada pela nova ordem constitucional? Em outras palavras, dentro dos “poderes instrutórios” conferidos pela Carta Magma às Comissões Parlamentares de Inquérito, está incluída a possibilidade de determinar diretamente a condução coercitiva da testemunha faltante?

Sobre o tema, existem dois posicionamentos.

Para alguns, o mencionado dispositivo legal não foi recepcionado pela atual Constituição uma vez que esta conferiu poderes para a CPI realizar diretamente suas atividades, sendo dispensável socorrer-se do Judiciário para este desiderato. Por adotar este entendimento, Alexandre de Moraes[1] inclui dentre os poderes da CPI a possibilidade de determinar a condução coercitiva das testemunhas.

Para outros, e dentre eles Cássio Juvenal Faria, [2] a Lei 1.579/62, nesse particular, permanece em vigor, competindo ao Poder Judiciário aferir a legalidade e determinar a condução coercitiva, se for o caso, mesmo porque trata-se de medida incluída entre as atribuições precípuas da função jurisdicional.

4. Conclusão.

A relevância do papel jurídico-constitucional conferido pela Carta Magna às Comissões Parlamentares de Inquérito demanda que sejam elas dotadas de instrumentos eficientes no desempenho de suas atividades.

Sob esse prisma, é de se admitir que, respeitados os limites impostos pelo ordenamento jurídico, são amplos os poderes investigatórios das Comissões.

Assim sendo, a possibilidade de determinarem diretamente a condução coercitiva é inerente às atribuições constitucionalmente outorgadas às Comissões, como forma de garantir a celeridade e efetividade das investigações e, consequentemente, do poder fiscalizatório do Legislativo. Fica resguardado, todavia, o direito daquele que se sentir lesado de buscar junto ao Poder Judiciário, instituição estatal imparcial e que tem como função típica aplicar o direito ao caso concreto, apreciar eventual ameaça ou lesão a direito.

 

Notas
[1] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional, 9ª. ed. São Paulo: Atlas, 2001.
[2] FARIA, Cássio Juvenal. Comissões Parlamentares de Inquérito, 2ª. ed. São Paulo: Paloma, 2002.

 


 

Informações Sobre os Autores

 

Renato Flávio Marcão

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Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo. Mestre em Direito. Professor convidado no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes e em cursos de pós-graduação em diversas Escolas Superiores do Ministério Público e da Magistratura. Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – CNPCP. Membro da Association Internationale de Droit Pénal (AIDP). Membro Associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), do Instituto de Ciências Penais (ICP) e do Instituto Brasileiro de Execução Penal (IBEP).

 

Rodrigo Antonio Franzini Tanamati

 

Magistrado no Estado de São Paulo. Integrante do Colégio Recursal da 28ª Circunscrição Judiciária. Professor Universitário.

 


 

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