Sigilo da investigação criminal

Publicado no Ultima Instância, (Sexta-feira, 24 de
março de 2006)
questão relativa à necessidade de sigilo
da Investigação em Inquérito Policial,

Veja-se, sob o título “Batalha jurídica” O pedido de vista ao inquérito foi apresentado pelos advogados ao juízo
da 1ª Vara Federal Criminal de Foz do Iguaçu, que não o atendeu. A decisão
afirmava que, como tramitava sob sigilo, a “publicidade do procedimento
certamente comprometeria as investigações, frustrando, assim, qualquer
expectativa de repressão a eventuais crimes”. Os advogados, segundo a
assessoria do STJ, apresentaram mandado de segurança ao TRF-4 (Tribunal
Regional Federal da 4ª Região). Os advogados argumentaram que lhes estava sendo
tolhido o exercício profissional e negado a seus clientes o direito de ampla
defesa, uma vez que indiciados em inquérito policial de cujo sigilo desconhecem
as razões. Invocaram, finalmente, o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil,
que faculta ao advogado o manuseio e a consulta do inquérito, ainda que em
andamento.

A decisão de segunda instância não atendeu o
pedido de vista e extração de cópias dos advogados ao argumento de que o
inquérito transcorria em segredo de justiça. Conforme a decisão do TRF-4, o
direito líquido e certo do advogado não seria absoluto, devendo ceder diante da
necessidade do sigilo na investigação, cabendo à autoridade apresentar as
razões da necessidade desse sigilo. Inconformados, os advogados recorreram ao
STJ. Apesar de atender o recurso, o ministro Arnaldo Esteves Lima registrou não
se aplicar ao inquérito policial o princípio do contraditório, uma vez que é
fase investigatória, preparatória para a acusação.  O relator ressaltou, segundo a assessoria, que o artigo 20 do CPP
(Código de Processo Penal) determina que a autoridade assegurará o sigilo
necessário ao inquérito para a elucidação do fato, mas que tal disposição deve
ser conciliada com o direito à informação do investigado.

Sem ter
tido acesso ao teor integral da decisão, volto, uma vez mais a enfrentar o
tema, um tanto quanto polêmico – no Brasil, mas já há muito superado nos Países
desenvolvidos…

Entendo, data
vênia, que algumas investigações pré-processuais devam necessariamente ser
secretas, sob pena de serem frustradas. Pela mesma razão que um criminoso
qualquer pratica atos ilícitos e não os revela às autoridades competentes,
estas não só podem como devem investigá-lo – por obrigatoriedade de suas
funções – e obedecendo ao princípio da Busca da Verdade Real, sem desvelar o
seu teor, até que reúna dados suficientes para formar o seu convencimento, e
então levar a cabo a medida cabível. Ao contrário, fosse a autoridade
investigadora obrigada a revelar o teor da sua investigação, franqueando ao
suspeito ou mesmo ao seu Advogado vistas e/ou cópias dos autos, deveria o
investigado também ser obrigado a indicar as provas da sua conduta criminosa, e
isso, é elementar, não o fará; e se o fizer, mentirá. Esta é a razão pela qual,
certas informações relativas ao Procedimento Investigatório e/ou Inquérito
Policial devam ser mantidas sob sigilo, a critério da autoridade incumbida da
investigação, e podem não ser fornecidas ao investigado ou mesmo ao seu
advogado. Esse é o princípio que os alemães chamam de Waffengleichheit – ou “Igualdade de armas”.

Nestes termos considerava também o renomado
autor argentino Alfredo Vélez Mariconde:“la
investigación preparatoria se legitima, como actividad cautelar, por el
“temor de un daño jurídico”, vale decir, ante el temor de que si el
Estado no obra inmediatamente después de planteada la hipótesis del delicto, se
oculte la verdad y se torne inaplicable la ley penal, ya sea por desaparición o
adulteración de las pruebas, ya sea porque el delincuente logre eludir la
acción de la justicia; y que debe ser perfectamente reglada por el derecho
objetivo,  a fin de asegurar la
limitación impuesta por el derecho subjetivo del imputado”.
(VÉLEZ
MARICONDE, Alfredo: “Derecho Procesal Penal”: Ediciones Lerner, 1968,
Buenos Aires)

E também o consagrado autor alemão Mitermaier: “No Processo cível esforçam-se as
partes por demonstrar os fatos constitutivos de um laço de direito, que entre
elas existia; fazem comparecer testemunhas expressamente para certificar as
declarações do adversário no momento em que esse laço se formou pelo contrato,
e apresentam títulos enunciativos de seus recíprocos compromissos; mas no
crime, o autor do delito toma todas as precauções imagináveis para tornar a
prova impossível, e apagar todos os vestígios; adrede procura a escuridão e
afasta todas as testemunhas que o possam comprometer”.
(MITERMAIER. C.J.A.:
“Tratado da Prova em Matéria Criminal”).

A solução não será
outra se nos socorrermos do Direito comparado:

Na Alemanha,
durante a fase de investigação preliminar, o Promotor de Justiça pode negar ao
Defensor constituído o acesso às evidências já coletadas, todas ou parte delas,
as que ainda não estejam constando nas atuações oficiais produzidas se
considerar que o conhecimento por parte do Defensor poderá trazer prejuízo à
seqüência das investigações. Esta atitude do Promotor de Justiça está fundada
no interesse do Estado de que ele possa trabalhar em segredo na busca da
verdade real durante a fase do procedimento pré-processual (Vd. JULIUS,
Karl-Peters in “Heidelberger
Kommentar zur Strafprozeßordnung
“. O procedimento de investigação na
Alemanha é, por tanto, essencialmente secreto, com algumas poucas exceções,
como por exemplo, no caso da oitiva de uma testemunha.

Na Itália, por
mandamento legal (Art. 329.1 – CPP: Obligo
del segreto): “Gli atti di indagini compiuti dal pubblico ministero (358
s.s.) e dalla polizia giudiziaria (55) sono coperti dal segreto (326 c.p.) fino
a quando l’imputato non ne possa avere conoscenza (117, 118) e, comunque, non
oltre la chiusura delle indagini preliminari (405 ss, 554; att. 118)
. Em
regra geral segue em secreto, de forma a garantir a eficácia das investigações,
posto que, um vez que o suspeito ou seu advogado tenham conhecimento de que o
Ministério Público promove o “indagini preliminari”, poderão trabalhar no
encubrimento das evidências restantes.

É critério desigual
se a defesa puder tomar conhecimento do que se investiga, pois jamais revelaria
à Polícia, ao Ministério Público e tampouco ao Juiz onde se encontram as
evidências incriminadoras da pessoa investigada.

Pois bem. Com
respeito ao sistema processual brasileiro, seguindo o mesmo raciocínio exposto,
do qual evidentemente – e pelas mesmíssimas razões, nenhum sistema pode se
afastar; há necessidade de se realizar a conciliação de dois dispositivos
legais:

O artigo 20 do
Código de Processo Penal estabelece:

Caput: “A autoridade assegurará no inquérito o sigilo necessário à
elucidação do fato ou exigido pelo interesse da sociedade”.

Por outro lado, o
artigo 7° da Lei Federal n° 8.906/94 diz: – São direitos do advogado:

XIV: “Examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração,
autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos
à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos”.

É evidente que o dispositivo do
Estatuto da OAB não revogou aquele referido do Código de Processo Penal, pois
ambos coexistem perfeitamente. O que importa é interpretá-los corretamente.

Assim, há que se
fazer a simples colocação:

São direitos do advogado: “Examinar em qualquer repartição policial,
mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em
andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar
apontamentos”; DESDE QUE – a critério da
autoridade responsável pelo inquérito ou Procedimento investigatório, o sigilo
NÃO SEJA necessário à elucidação do fato ou exigido pelo interesse da
sociedade”.

A aplicação prática
é evidente e indisputável: Imagine-se por exemplo a situação em que a
autoridade policial solicita ao Juiz a expedição de mandado de Prisão
Temporária ou Busca e apreensão, fazendo juntar cópia nos autos e aguardando a
melhor oportunidade para a sua realização. Na hipótese de o advogado ter vistas
dos autos torna-se iniludível o fato de que comunicará – já por exemplo por
telefone, a pessoa sujeita à medida, frustrando de imediato aquela medida.

Assim, se a
autoridade responsável pelo I.P. ou Procedimento Investigatório considerar que
se o Advogado obtiver vistas dos autos e puder tomar apontamentos isto poderá
trazer prejuízos irreparáveis à atuação da Polícia e do Ministério Público, em
evidente prejuízo ao Princípio da Busca da Verdade Real. Então deveria poder
negar, em despacho fundamentado, vistas dos autos a qualquer Advogado e a
qualquer parte que possa porventura estar implicada na apuração.

A contrario senso,
se a autoridade responsável pelo I.P. ou Procedimento Investigatório que a
eventual análise dos autos por parte do advogado não trará prejuízos
irreparáveis à investigação, deverá, como previsto no EOAB, franquear os autos,
deixando-o á disposição do Advogado, inclusive sem procuração e inclusive para
que possa, por sua conta, extrair cópias e realizar apontamentos.

Mas então, a vingar
a interpretação do E. S.T.J., (decisão ainda isolada) a melhor solução para o
agente investigador, seja Policial ou Promotor de Justiça, será não juntar aos
autos aqueles documentos que, em vista do Advogado, possam comprometer a Busca
da Verdade Real, como mandados de prisão, de busca e apreensão, de escutas
telefônicas etc.

Esta é portanto, a única
interpretação possível, em atenção aos princípios do Contraditório e Igualdade
das Partes (do qual decorre o de “Igualdade de Armas”, que, por outro lado
torna possível a aplicação de ambos os dispositivos em harmonia.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Marcelo Batlouni Mendroni

 

Promotor de Justiça/SP – GEDEC, Doutor em Processo Penal pela Universidad de Madrid, Pós-Doutorado na Università di Bologna/Italia

 


 

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