Ultimamente muito se tem discutido sobre o cumprimento das cotas dos portadores de deficiência. A lei é importante sim, mas não tem se mostrado efetiva senão através de atitudes coercitivas das delegacias regionais do trabalho.
As medidas são impostas com aplicação de multas para as empresas que notificadas não apresentam o cumprimento das cotas. Em muitos casos a coerção é necessária, pois a lei é antiga, editada em 1991, com decreto regulamentador de 1993. Não se pode deixar de ressalvar a postura desses órgãos, onde uma empresa que realmente está buscando profissionais e apresenta aumento de cotas, normalmente deferem novos prazo para esse cumprimento.
Mas porque apesar de antiga a lei não tem efetividade?
As cotas dos deficientes são determinadas pela lei 8213/91 em seu artigo 93:
Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I – até 200 empregados 2%
II – de 201 a 500 3%
III – de 501 a 1.000 4%
IV – de 1.001 em diante 5%
O DEC 3298/1999 que regulamenta a lei estabelece a definição de quem pode ser considerado portador de deficiência para efeitos da lei trazendo tal definição em seu artigo 4º são definidas deficiência auditivas, visuais, físicas e mentais, e somente as ali definidas são consideradas para efeito das cotas.
A Portaria 1199/2003 MTE estabelece a possibilidade de autuação das empresas que descumprirem as cotas. À Primeira vista bastaria as empresas quererem cumprir as cotas para que todas as outras cumprissem , pois qual seria o PPD que não gostaria de se inserir no mercado de trabalho tendo uma atividade que traria dignidade à sua vida.
Não é o que acontece. E um dos motivos, não o único é claro, é o receio de perda de benefício previdenciário. A lei 8472/93 cria e define o benefício de prestação continuada para portadores de deficiência e idosos em seu artigo 20 e em seu artigo 21 parágrafo 1º estabelece que o benefício é cancelado definitivamente se as condições que o justificaram não estiverem mais presentes.
No caso do PPD o fato de haver um trabalho, por qualquer tempo que seja o desclassifica para recebimento da renda, mesmo quando desempregado.
A legislação para inserção dos PPDs no mercado de trabalho é necessária, o problema cultural de discriminação ou simples preconceito ainda existe e só será modificado com a integração plena do PPD, mas o problema cultural existe não só nas empresas mas também diretamente nos portadores de deficiência e em suas famílias.
Tudo isso somado a falta de capacitação profissional – que não é fornecida pelo Estado que mantém precaríssimo sistema educacional, para dizermos o mínimo, e ao temor do PPD e de sua família de perder o direito à renda previdenciária cria a seguinte situação: de um lado, empresas sendo intimadas a apresentar a cota cumprida, e sendo autuadas se não cumprirem; empresas com dificuldade de contratação em vista da falta de capacitação ou por recusa pura e simples ao emprego em vista do temor de perder o benefício previdenciário e ainda empresas que se vêem obrigadas a cumprir o papel do Estado e criar cursos de capacitação ou contratar empresas ou Instituições que o fazem.
De outro os PPDs sem capacitação e com dificuldade de se capacitar, ou com fundado receio de perder a renda previdenciária.
Essa situação somente gera a perda da efetividade da lei e, portanto impõe que a sociedade repense a forma de inclusão do PPD, que a discussão se torne pública, ouvindo-se empresas, portadores de deficiência, Instituições não governamentais que vivem a situação em seu dia-a-dia, órgãos governamentais como a DRT e a Procuradoria do Trabalho para que com a discussão das necessidades e possibilidades de todos, a eficácia da lei seja possível.
Mais ainda, porque se em grandes centros enfrenta-se esse problema, qual será a situação nos municípios mais afastados?
Alguns pontos precisam se revistos como a obrigação de capacitação pelo Estado e a criação de incentivos às empresas que criarem programas próprios de capacitação.
Talvez o mais importante e que gera a falta de PPDs dispostos a entrarem no mercado de Trabalho seja a alteração da legislação previdenciária para permitir a retomada do benefício em caso de perda do emprego pelo PPD.
A discussão é importante e deve ser iniciada, sob pena de termos cada vez mais leis sem efetividade.
Informações Sobre o Autor
Maria Lucia Ciampa Benhame Puglisi
Advogada formada pela Faculdade de Direto da USP, com pós-graduação latu-sensu em Direito do Trabalho, pela mesma Faculdade. Atua na área de assessoria jurídica empresarial como advogada desde 1988. Em 1998 fundou, com Maria Inês de Três Rios, o escritório Benhame e Três Rios Advogados Associados que atua em assessoria empresarial contenciosa, consultiva e contratual nas áreas do Direito Civil, do Trabalho e Recursos Humanos, sendo sócia responsável pela área de Direto do Trabalho (contenciosos e contratual) e recurs os humanos e coordenadora do comitê de legislação e emprego do Instituto Amigos do Emprego.