Resumo: O presente trabalho tece, inicialmente, considerações sobre o ônus da prova, oportunidade em que se aborda a prova no juízo cível e o ônus da prova no CPC. Posteriormente, analisa-se de forma pormenorizada a inversão do ônus da prova como direito básico do consumidor, dando enfoque especial aos requisitos para a concessão de tal inversão bem como à análise do momento processual oportuno para a efetivação da mesma.
INTRODUÇÃO
A análise da inversão do ônus da prova como direito básico do consumidor foi escolhido para ser aqui tratado por ser considerado, ainda hoje, como uma das grandes inovações introduzidas no Direito brasileiro. O próprio CDC continua representando uma das maiores conquistas do cidadão, estabelecendo-se, sem dúvida, como um marco na produção legislativa de nosso país.
A breve análise que se segue não pretende, em hipótese alguma, encerrar a discussão a cerca do tema em questão, mas sim analisar as idéias básicas que norteiam o assunto em exame.
Seguindo a tendência das transformações sofridas nos últimos tempos pelo Direito Privado, o Direito Público, especialmente o processo civil, sofreu importantes mudanças, entre as quais destacamos a nova visão dada pelo CDC no aspecto referente ao ônus da prova.
Esta última garantia será o objeto de nossa análise, garantia esta extremamente importante, pois se apresenta como o principal instrumento prático destinado a promover a igualdade entre o consumidor e o fornecedor empresário, estabelecendo assim uma real isonomia entre os sujeitos da relação de consumo.
Exatamente inspirado neste ideal, é que o legislador do CDC estabeleceu, no art. 6º, inciso VIII [1] da lei em comento, o direito basilar do consumidor em ter facilitada a defesa de seus direitos com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a sua alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.
O instituto da inversão do ônus da prova nas relações de consumo é, sem dúvida, um grande avanço, tanto no aspecto material quanto processual, manifestando-se, ainda hoje, como verdadeira inovação jurídica no instituto da prova.
Posto isto, a relevância desta análise justifica-se pela necessidade imperiosa de conhecermos os avanços introduzidos pelo CDC na parte referente ao campo probatório, concebendo desta forma ao intérprete e principalmente ao aplicador da norma, um direcionamento mais objetivo e mais seguro na perseguição e idealização da justiça, fim e causa motivadora da existência do direito.
1. ÔNUS DA PROVA
1.1. A PROVA NO JUÍZO CÍVEL
A questão do ônus da prova é uma das questões basilares do direito brasileiro.
Assim, proposta a demanda, as partes têm o interesse em oferecer ao julgador as possíveis provas para a prolação de um provimento legítimo, capaz de por fim ao conflito de interesses. Nesse sentido encontra-se a questão sobre o ônus da prova.
Em linhas gerais, podemos dizer que o processo apresenta-se como a garantia que o jurisdicionado possui para a satisfação efetiva de seus direitos.
Através do processo, este mesmo jurisdicionado possui, desde o início de uma eventual demanda, conhecimento das regras que irão orientar o deslinde de sua ação, deslinde este compreendido desde o ajuizamento de sua peça vestibular até o momento da realização efetiva da prestação jurisdicional por parte do Estado – Juiz.
Durante todo o percurso deste processo, as partes envolvidas buscam a todo instante a satisfação de um desiderato principal, qual seja, formar o convencimento do magistrado a seu favor.
Para atingir tal desiderato, as partes utilizam um instrumento primordial denominado prova, de sorte a assegurarem o êxito de uma determinada demanda onde está em jogo, na maioria das vezes, um conflito de interesses (lide).
Na verdade, o instrumento jurídico denominado prova apresenta-se como o meio capaz de trazer ao momento presente um fato que já faz parte do passado, destinado a convencer o juiz que tal fato aconteceu desta ou daquela maneira.
1.2.O ÔNUS DA PROVA NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Inicialmente, chamamos a atenção do dileto leitor para o fato de que a premissa basilar neste tópico é a de que “às partes incumbe o ônus de provar suas alegações. Não se trata de obrigação, trata-se da carga que recai sobre elas, e assim agem visando seu próprio interesse” [2].
Não se trata, portanto, de uma obrigação de provar, mas uma necessidade de provar. Nos dizeres de Pontes de Miranda:
Ônus da prova é o ônus que tem alguém de dar prova de algum enunciado de fato. Não se pode pensar em dever de provar, porque não existe tal dever, quer perante outra pessoa, quer perante o juiz; o que incumbe ao que tem o ônus da prova há exercer-se o seu próprio interesse. [3]
No mesmo sentido e de forma extremamente didática, ensina Carreira Alvim que:
O ônus probatório corresponde ao encargo que pesa sobre as partes, de ministrar provas sobre os fatos que constituem fundamento das pretensões deduzidas no processo. Ônus não é sinônimo de obrigação e ônus de provar não é o mesmo que obrigação de provar. O conceito de ônus (encargo), enquanto necessidade de prova para prevenir um prejuízo processual corresponde ao conceito de “obrigação”, mas pertence a área distinta do direito: o ônus, ao direito processual; a obrigação, ao direito material (…). O ônus não é o mesmo que “dever jurídico”, mas um “encargo”. O dever é sempre em relação a alguém; há uma relação jurídica entre dois sujeitos, em que um deve uma prestação ao outro; a satisfação da obrigação é do interesse do sujeito ativo. O ônus, por seu turno, é em relação a si mesmo; satisfazer o ônus é interesse do próprio onerado. Assim, o réu tem o ônus da contestação. [4]
Há, pois uma diferença entre ônus e obrigação no contexto processual. Ninguém possui o dever ou obrigação de provar os fatos alegados por si, mas sim o ônus de fazê-lo. Trata-se de uma faculdade que a parte tem, e, caso não seja cumprido, poderá resultar em prejuízo. E a questão da possibilidade de um prejuízo está diretamente ligada à regra de distribuição do ônus da prova no direito brasileiro.
Conforme veremos minuciosamente, o ônus da prova incumbe a quem alega. Isto quer dizer que a própria parte que alega o fato tem o interesse de que seja reconhecida a verdade por ele invocada.
Ao autor incumbe provar os fatos alegados na sua inicial, constitutivos de seu direito, e ao demandado cabe provar os fatos presentes em sua defesa.
Desta forma, a indicação das provas é ato de iniciativa das partes interessadas na demonstração da verdade dos fatos articulados na inicial e na contestação. Neste sentido, José Carlos Barbosa Moreira aduz que “conforme anteriormente observado, é na fase postulatória que as partes, em princípio, hão de produzir prova documental: o autor, com a inicial; o réu, com a contestação (arts. 283 e 396)” [5].
No aspecto probatório dito comum, isto é, aquele não disciplinado por legislação especial que cuide do tema, temos que a matéria referente a distribuição dos ônus probatórios está prevista no art. 333 do Código de Processo Civil.
O dispositivo legal em comento prescreve que, verbis:
Art. 333. O ônus da prova incumbe:
I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;
II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Parágrafo único: É nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando:
I – recair sobre direito indisponível da parte;
II – tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.
Pelo dispositivo em exame, verificamos que ao autor e ao réu são direcionadas normas objetivas, quanto ao ônus da prova, sua distribuição e conseqüente produção.
Desta forma, o ônus da prova estará a cargo do autor, quando este necessitar provar fato constitutivo de seu direito.
Para este tipo de situação, o ônus da prova estará a cargo do autor uma vez que é este que possui, em tese, os elementos necessários para a demonstração e conseqüente caracterização dos fatos que constituem o seu direito.
Não há nesta hipótese condição de transferir o ônus probatório ao réu, pois o principal interessado em demonstrar e provar a sua pretensão em juízo é o autor além de ser este a parte que detém, em tese, os elementos probatórios capazes de demonstrar tal desiderato.
Se o autor não conseguir produzir prova neste sentido, o seu pedido será, em linhas gerais e salvo situações especiais, julgado improcedente.
A seu turno, o ônus da prova estará a cargo do réu, todas as vezes que este necessitar provar ao juízo a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
Veja-se que numa relação processual, onde se busca a tutela jurisdicional do Estado-Juiz para se por fim a um conflito de interesses (lide), temos que as partes envolvidas nesta mesma relação buscam, a todo instante, convencer o Juiz da veracidade de suas alegações.
Pela sistemática adotada pelo CPC, verificamos que as partes poderão convencionar a distribuição do ônus probatório de maneira diversa daquela disposta nos incisos do art. 333 deste mesmo Código.
No entanto, o parágrafo único do mesmo dispositivo taxa de nula a convenção que distribui de maneira diversa o ônus da prova quando recair sobre direito indisponível da parte e quando tal distribuição tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do seu direito.
Por fim, ressalte-se que as normas do CPC restam vigentes inclusive para as relações de consumo, mesmo que aplicadas de forma subsidiária, mas com a ressalva de que é permitida a inversão do ônus da prova para facilitar a defesa dos consumidores quando verificadas as condições para sua admissibilidade, condições estas que serão apreciadas nos próximos tópicos.
2. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA NO CDC
2.1.CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Como dissemos anteriormente, o instituto da inversão do ônus da prova no direito consumerista manifesta-se, ainda hoje, como inovação jurídica no instituto da prova.
Considerando que não existe a possibilidade da demonstração da verdade dita “real”, “absoluta”, contenta-se o direito moderno com a demonstração daquilo que chegue o mais próximo possível das figuras mencionadas.
Como o CDC disciplina a relação estabelecida entre desiguais, isto é, de um lado o consumidor destinatário final de produtos e serviços, e de outro, o fornecedor de produtos e serviços, temos que tal diploma legal revolucionou inúmeros institutos jurídicos tradicionais de forma a mitigar ou mesmo eliminar inúmeras dificuldades que a parte mais fraca da relação (o consumidor) possuía no momento de exercer ou mesmo defender os seus direitos.
De fato, conforme observa Hélio Zaghetto Gama, “a defesa dos direitos do consumidor deve ser facilitada, porque ele sempre figura em condições de inferioridade nas relações jurídicas que envolvam as aquisições de bens e serviços ou os seus insumos” [6].
Com esta visão, temos que o CDC modificou o sistema de distribuição do ônus probatório dito ordinário, prevendo a facilitação da defesa do consumidor, no processo civil, através da inversão do ônus da prova.
Neste ponto, interessante ponderarmos a seguinte colocação: Sabendo que os atos processuais são ordenados previamente pela lei, falar-se em inversão é exatamente não observar a ordem, ou invertê-la, colocar de modo diverso do previsto em lei, sem, no entanto, significar uma desordem [7].
O sistema de distribuição do ônus da prova não é caracterizado por uma rigidez absoluta a ponto de resistir “a certas inflexões na aplicação à prática” [8], sendo importante ressaltar que o se busca no processo é a maior proximidade da verdade real com o objetivo de decidir-se de forma mais justa possível a questão a ser apreciada pelo Judiciário.
Moacyr Amaral Santos observou que o artigo 333 do CPC não deve ser encarado como uma regra absoluta, porque a regra basilar é que a cada parte corresponde o ônus de provar os fatos que servem de pressuposto para a norma que consagra o efeito jurídico por ela pretendido, qualquer que seja a sua posição inicial [9].
Em algumas relações jurídicas, a distribuição do ônus da prova da forma determinada pelo CPC quase sempre tornará excessivamente difícil a uma das partes o exercício do direito de provar. Assim ocorre nas relações de consumo. Na grande maioria das vezes, o consumidor se encontra em posição tão desproporcional em relação ao fornecedor, que o Estado substitui a vontade das partes e invoca através de lei essa possibilidade de distribuir o ônus da prova de forma diversa.
Sobre as dificuldades que norteiam o consumidor no momento da produção das provas de suas alegações, pertinentes as ponderações de Sônia Maria Vieira de Mello:
Tal benefício, a inversão do ônus da prova, veio como grande avanço prático com vistas ao efetivo ressarcimento do dano causado ao consumidor, pois uma das grandes dificuldades para os consumidores de um modo geral é justamente a questão da produção de provas no sentido de provar o alegado, pois quando envolve questões técnicas de produtos ou serviços prestados, o próprio consumidor não possui o preparo e o conhecimento suficientes para munir-se destas provas e consubstanciar o seu direito, o que já é de extrema facilidade para o fornecedor, muitas vezes indústrias poderosas com departamentos jurídicos extremamente competentes [10].
Em prol do consumidor e considerando a sua vulnerabilidade, concede o CDC a possibilidade de se inverter o ônus da prova de quem alega, para o réu, invertendo assim a regra básica do nosso ordenamento processual civil que dispõe que o ônus da prova é de quem alega, no caso o autor.
Nesta situação, o fornecedor réu passa a ter de fazer a prova negativa, demonstrando, se necessário e possível, a existência das excludentes de responsabilidade previstas no próprio CDC.
Neste sentido o ensinamento de José Geraldo Brito Filomeno:
De forma geral, como se sabe, a realização de prova incumbe a quem alega determinado fato. No caso do consumidor, entretanto, em face de sua manifesta vulnerabilidade, que não é apenas socioeconômica, mas também de cunho técnico e dificuldades de acesso à justiça, o código admite a inversão do ônus da prova. [11]
Nas exatas palavras de Tupinambá Miguel Castro do Nascimento, “(…) inverte-se o ônus da prova para se igualarem as partes diante do processo” [12].
A inversão não é instrumento aleatório ou mesmo de aplicação automática nas relações de consumo. É, na verdade, uma exceção em beneficio do consumidor, devendo ser aplicada em estrita observância dos critérios da verossimilhança dos fatos alegados pelo consumidor ou de sua hipossuficiência, critérios estes que serão devidamente tratados nos próximos tópicos.
Não se trata, portanto, de uma hipótese de inversão ope legis do ônus da prova, mas sim hipótese sujeita ao crivo do julgador que aferirá, caso a caso, a presença dos requisitos autorizadores para tal inversão.
Quando tais requisitos não restarem presentes, elucida Humberto Theodoro Júnior que “a faculdade judicial não pode ser manejada em favor do consumidor, sob pena de configurar-se ato abusivo, com quebra do devido processo legal” [13].
O objetivo principal do legislador consumerista ao dispor sobre a inversão do ônus da prova foi exatamente adequar a distribuição tradicional dos ônus probatórios (nos moldes previstos no CPC) a nova realidade das relações de consumo, universo este onde o modelo tradicional mostrou-se ineficaz às sociedades de massa, o que obstruía o acesso à justiça.
Com base nesta nova regra a ser aplicada nas relações processuais entre desiguais, a regra geral do art. 333 do CPC tem sua incidência momentaneamente afastada, considerando-se o princípio da vulnerabilidade do consumidor, previsto no art. 4º, inciso I do CDC.
Entretanto, a aplicação destas inovações por parte do magistrado deve ser feita de forma extremamente consciente e responsável, sob pena de ferirmos princípios constitucionalmente garantidos como o do contraditório e da ampla defesa e o devido processo legal.
2.2.REQUISITOS PARA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Pela sistemática adotada pelo legislador consumerista, podemos dizer que a inversão do ônus da prova só pode ocorrer no processo civil quando, a critério do juiz, estiverem presentes, alternativamente, os seguintes requisitos: verossimilhança da alegação ou quando for o consumidor hipossuficiente segundo as regras ordinárias de experiência.
Dissemos inicialmente que a inversão do ônus da prova só pode ocorrer no processo civil uma vez que tal disposição consta expressamente no texto do inciso VIII do art. 6º do Código de Defesa do Consumidor.
Desta forma, a inversão do ônus da prova não pode operar em processos administrativos ou mesmo em inquérito civis destinados a apuração de questões ligadas às relações de consumo.
E em relação aos processos administrativos, inclua-se aqui expressamente os processos instaurados sob a égide das Promotorias de Defesa do Consumidor, os conhecidos Procon`s, importantes Órgãos na defesa e na divulgação dos direitos do consumidor.
Ressalte-se, novamente, que a inversão não é um instrumento aleatório ou mesmo de aplicação automática nas relações de consumo, é na verdade uma exceção em beneficio do consumidor, devendo o julgador aplicá-la somente dento dos critérios estabelecidos pelo art. 6º, VIII, Código de Defesa do Consumidor[14].
Esse instituto gera na doutrina grandes e radicais divergências que podem ser observadas dentro de toda a abordagem do tema.
A inversão do ônus da prova é direito do consumidor, mas destacamos desde já que, com isto, não se pode afirmar que sempre deva o julgador dispensar o consumidor de provar ou então que, com a referida inversão, a procedência do pedido do consumidor seja automática.
Em relação aos requisitos (verossimilhança da alegação ou hipossuficiência do consumidor), temos que o intuito expresso do legislador consumerista foi no sentido da alternatividade da presença dos mesmos, isto é, poderá se fazer presente numa demanda para a concessão do benefício em tela apenas a verossimilhança da alegação OU apenas a hipossuficiência do consumidor.
Não há a necessidade de tais requisitos se mostrarem presentes de forma cumulativa, mas sim apenas e tão somente de forma alternativa.
Corrobora tal entendimento o insigne doutrinador Antônio do Rego Monteiro Rocha que, em relação ao tema, assevera que:
Não há necessidade de estar presente, concomitantemente, os pressupostos da alegação “verossímil” e da alegação “hipossuficiente”, pois bem clara está a conjunção “ou”, que permite a possibilidade de, mesmo que o fornecedor tenha demonstrado que o consumidor não é hipossuficiente, ele, consumidor, poderá conseguir sustentar a inversão do ônus da prova a seu favor, para a facilitação de sua defesa, bastanto para tanto, que a sua alegação seja verossímil [15].
No mesmo sentido Stephan Klaus Radloff:
Ponto pacífico entre os doutrinadores que os requisitos já referidos atuam separadamente ou de forma concorrente, assinalando que a presença de somente um deles é suficiente para, considerando o livre critério do magistrado, decretar a inversão do ônus da prova[16].
Desta forma, estando presente um ou outro requisito, o juiz deferirá a inversão do ônus da prova a favor do consumidor, visando a facilitação dos interesses deste.
Uma alegação torna-se verossímil quando possui contornos de veracidade, ou seja, deve existir uma aparente verdade demonstrada de imediato nas alegações do autor.
Para auferir se uma alegação é ou não verossímil, o juiz deverá analisar o contexto da demanda como um todo, utilizando-se, sempre que necessário, de toda a sua perspicácia para a aferição deste requisito, perspicácia esta traduzida no seu conhecimento das normas jurídicas particulares que podem ser aplicadas ao caso bem como, na falta destas, de sua análise com base nas regras ordinárias de experiência.
Caso entenda o juiz que a alegação é verossímil não só dispensará o consumidor de provar o que afirma como transferirá o ônus, o encargo de provar o contrário ao fornecedor de produtos e serviços.
O outro requisito autorizador da inversão do ônus da prova é a chamada hipossuficiência do consumidor.
Diferentemente do que imaginam muitos, a hipossuficiência não se traduz apenas e tão somente na diferença existente na capacidade econômica das partes, mas sim, e em muitos casos, na patente diferença na capacidade técnica dos mesmos.
Assim, temos que a hipossuficiência do consumidor divide-se em duas grandes frentes, ao passo que existe a hipossuficiência dita econômica e a hipossuficiência dita técnica.
Na hipossuficiência dita econômica, temos que o consumidor apresenta-se mais frágil que o fornecedor de produtos e serviços no aspecto puramente econômico, financeiro da relação estabelecida.
Desta forma, é claro que um consumidor comum é mais frágil economicamente e financeiramente se comparado a uma grande rede de hipermercados, a um grande fabricante de automóveis ou mesmo a uma grande empresa multinacional.
Por sua vez, a hipossuficiencia técnica sai da esfera do aspecto puramente econômico e financeiro e adentra na seara da tecnicidade do objeto da relação de consumo, que tanto pode ser um produto quanto um serviço.
É importante deixarmos claro, ainda, que nem sempre a hipossuficiência econômica acompanha a técnica, isto é, um consumidor pode ser considerado pelo juiz como hipossuficiente tecnicamente sem ser necessariamente hipossuficiente enomicamente.
Portanto, repita-se, sendo o consumidor hipossuficiente econômica ou tecnicamente, o juiz deverá inverter o ônus da prova a seu favor observando, inclusive, as regras ordinárias de experiência.
Por fim, ressalte-se que, uma vez preenchido ou constatado a existência de qualquer um dos requisitos supra estudados, o juiz deverá obrigatoriamente inverter o ônus da prova, ou seja, a inversão não afigura-se como uma mera faculdade do julgador, mas sim como obrigação que decorre diretamente da lei, in casu, do Código de Defesa do Consumidor.
2.3.MOMENTO PROCESSUAL PARA A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA
Outra questão extremamente tormentosa diz respeito ao momento processual para a efetivação da inversão do ônus da prova. Como regra geral de direito, o juiz está obrigado, inclusive nas causas envolvendo relações de consumo, a julgar uma determinada demanda em conformidade com as provas trazidas aos autos.
Urge salientar novamente que, regra geral, compete ao consumidor autor o ônus de provar os fatos constitutivos de seu direito, conforme já dito em tópico anterior, consoante regra prescrita no art. 333, I do CPC.
Desta forma, em um primeiro momento processual, não se impõe ao fornecedor réu qualquer obrigação/encargo no sentido de demonstrar a inexistência dos fatos alegados pelo autor, se tais fatos não foram devidamente provados pelo mesmo.
Tal obrigação/encargo surgirá para o fornecedor réu apenas e tão somente a partir do momento em que ocorrer a inversão do ônus da prova.
Com isto, a indagação principal desta análise é: Qual o momento processual adequado para a aplicação da regra de inversão do ônus da prova, sem se atentar, por exemplo, contra o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa assegurado ao fornecedor réu ?
Quanto às divergências existentes na doutrina, especialmente sobre o momento da aplicação da regra de inversão do ônus da prova, os autores do anteprojeto do CDC, representados neste ponto por Kazuo Watanabe, por exemplo, entendem que a regra esculpida no inciso VIII do art. 6º da Lei 8078/90 é regra de juízo, e orienta o magistrado no momento do julgamento final do litígio, e por esse motivo somente no final do processo é que ela será aplicada [17].
Outros autores entendem se tratar de uma regra processual que deve ser aplicada sempre em todo processo em que a matéria verse sobre relação de consumo e por isso desde o início do processo ela será utilizada, sem que o juiz esteja obrigado a “lembrar” as partes que ônus probatório está naturalmente invertido.
E há aqueles que entendem tratar-se de uma regra processual, que nem sempre será aplicada e quando for, as partes deverão ser informadas na fase inicial do processo.
Verificados os pressupostos para a concessão da inversão do ônus da prova, imperiosa a identificação do momento processual adequado a que o juiz deve promovê-la, e, nesse aspecto, as divergências doutrinárias tornam-se mais acirradas, conforme apontado acima.
Para Nélson Nery Junior, não há um momento processual adequado para o julgador fixar o ônus da prova ou mesmo sua inversão, sendo certo se tratar de regra de juízo e não regra de procedimento [18].
Certo é que a inversão do ônus da prova se dá tanto mediante requerimento da parte ou mesmo ex oficio.
As regras do ônus da prova são utilizadas durante a instrução e no julgamento do feito.
Quanto à jurisprudência, temos que a mesma tem apresentado as seguintes soluções para a questão ora em análise (soluções estas que serão tratadas abaixo de forma rápida e singela tendo em vista que o presente trabalho não comporta o exame mais aprofundado do tema):
Sustentam algumas decisões, que, em havendo pedido de inversão do ônus da prova em uma peça vestibular envolvendo relação de consumo, o juiz deve imediatamente apreciar tal pedido e, se for o caso, deferir a inversão requerida já em seu despacho inicial, isto é, no mesmo despacho onde o juiz verifica a existência dos pressupostos processuais do processo e determina a citação do réu.
Outra posição semelhante considera que o melhor momento para o julgador inverter o ônus da prova é entre o despacho da inicial e o despacho saneador, uma vez que, sendo invertido o ônus após o saneador, a defesa do fornecedor, pode restar prejudicada[19].
Entendemos que a inversão do ônus da prova em tal despacho inicial assevera-se como prematuro, ao passo que enquanto não for apresentada a resposta do fornecedor réu, não conhece ainda o juiz os fatos controvertidos e nem possui conhecimento de como será desenvolvida a instrução probatória de tal processo.
Ademais, antes da defesa, a relação processual não está ainda formada.
De fato, apenas com o oferecimento de defesa é que se poderá aferir com exatidão se existe ou não, entre os litigantes, discordância sobre determinado fato.
Desta forma, entendemos que a inversão do ônus da prova não pode se dar no próprio despacho inicial exarado uma vez que não há, neste incipiente momento, os elementos mínimos necessários para a aferição acertada dos contornos da lide.
Outra corrente argumenta ser o momento propício para a inversão do ônus da prova a própria sentença (momento do julgamento da causa), quando o julgador poderá, com base nos elementos carreados aos autos, verificar os indícios mais consideráveis e consistentes para aplicação da alteração do regime processual do art. 333 do CPC [20].
Defende tal posicionamento o ilustre doutrinador Kazuo Watanabe ao ensinar que a inversão do ônus da prova deve ser realizada no momento em que o juiz sentencia.
Fundamenta tal posição no fato de que “as regras de distribuição do ônus da prova são regras de juízo, e orientam o juiz, quando há um non liquet em matéria de fato, a respeito da solução a ser dada à causa” [21].
Pelo posicionamento acima, verificamos que o ponto basilar de tal tese está assentado no fato de que os dispositivos legais sobre o ônus da prova constituem, em sua essência, regras de julgamento e, portanto, a decisão sobre esta inversão deve ser reservada para o momento processual no qual o juiz julgará o feito.
Com toda venia, entendemos que o posicionamento acima não é o mais recomendado para a elucidação do momento correto para a inversão do ônus da prova ao passo que, se assim fosse, a aplicação de tal posicionamento, na prática, caracterizaria uma manifesta ofensa ao princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa, princípio este esculpido no art. 5º, inciso LV da CR/88 [22].
E tal ofensa ao preceito constitucional em questão se daria por uma razão muito simples: se tal inversão ocorrer no momento da sentença, ao mesmo tempo em que o juiz estivesse invertendo o ônus da prova, já estaria também julgando a demanda, sem oferecer ao fornecedor a chance de apresentar os elementos probatórios necessários para o cumprimento deste “novo” encargo processual.
Em outras palavras, teríamos que se a inversão do ônus da prova fosse deferida no momento da prolatação da sentença, ocorreria, indubitavelmente, a peculiar situação de atribuição ao réu de um encargo probatório extremamente pesado e, ato contínuo, a negativa imediata de atribuir a este mesmo réu a possibilidade de desincumbir-se deste encargo que antes inexistia.
Com isto, entendemos também que o momento da sentença não é o mais apropriado para se efetivar a inversão do ônus da prova, sob pena de atentarmos contra o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa.
Finalmente, outra corrente defende que a inversão do ônus da prova deve ser deferida antes do início da instrução do processo.
Conforme posicionamento já defendido em outro texto de nossa autoria[23], entendemos que esta é a melhor solução para o momento processual em que deve ocorrer a inversão do ônus da prova, inversão esta que, se for efetivada desta forma, ocorrerá sem atentar contra o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa e estará, portanto, em conformidade com a ordem constitucional vigente.
Conforme já dito, antes que haja a inversão do ônus da prova, as regras a serem aplicáveis a questão pertinente ao onus probandi são aquelas previstas no art. 333 do Código de Processo Civil.
Como a inversão do ônus da prova caracteriza-se como exceção à regra geral, a mesma não pode se apresentar como elemento surpresa contra o fornecedor nas causas envolvendo relações de consumo.
Desta forma, entendemos que antes de iniciada a fase de instrução do processo, o juiz deve se manifestar expressamente sobre o deferimento ou não da inversão do ônus da prova requerida pelo consumidor/autor em sua peça vestibular, manifestação esta que pode perfeitamente se dar no momento do “despacho saneador” (saneamento do processo), onde o juiz deverá fixar os pontos controvertidos, fazendo referência direta às questões relacionadas à atividade probatória, dentre elas, a inversão do ônus da prova.
Nesse momento já foi instaurado o contraditório, já tendo o juiz os elementos necessários para aferir a presença ou não dos pressupostos legais autorizadores da inversão do ônus da prova.
Tal posicionamento é defendido pelo ilustre magistrado Stephan Klaus Radloff nos seguintes termos:
A fase processual cabível para a inversão do ônus da prova em favor do consumidor, desde que comprovada a verossimilhança de suas alegações e/ou sua hipossuficiência, está inserta no momento do “despacho saneador”, este disciplinado no § 2º do art. 331 do Código de Processo Civil [24].
No mesmo sentido, Marcelo Kokke Gomes ao defender que:
O momento ideal para a decisão do juiz é o despacho saneador, ou então no início da audiência de instrução e julgamento, sendo que, de modo algum, o juiz pode decidir a inversão no momento da sentença da questão principal, sob pena de atentar-se contra o contraditório do processo. A inversão deve ser relativa a fato específico, delimitado, a fim de que não inviabilize o fornecedor a prover a sua defesa [25].
Este despacho, em deferindo tal pedido, declara existente uma das situações que autorizam a inversão do ônus da prova em detrimento do fornecedor/réu.
Como todo despacho, o mesmo deverá ser devidamente motivado por parte do magistrado, motivação esta que deverá trazer todos os motivos fáticos e de direito que levaram o juiz a deferir ou indeferir a inversão do ônus da prova requerida pelo consumidor/autor.
Em sede de resgate de temas, sedimentamos que o recurso cabível contra o despacho que deferir ou indeferir o pedido ora em análise é o “agravo” por tratar-se, tal despacho, de mera decisão interlocutória que, portanto, não possui o condão de extinguir o processo.
Assim, não se utiliza o recurso de apelação, pois não estamos diante de uma sentença.
Com base neste despacho, o fornecedor tem conhecimento antecipado, antes, portanto, da instrução, que o ônus probatório esta todo nas suas costas e, assim sendo, terá de buscar os meios hábeis para cumprir, da melhor forma possível, tal desiderato.
Este é, portanto, o momento processual mais propício para a concessão do instituto da inversão do ônus da prova, inversão esta que, se deferida no momento processual em referência, não atentará contra o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa.
Conclusão
Ao Estado cabe garantir a efetividade do princípio da igualdade bem como assegurar os meios para que os direitos do indivíduo e da coletividade se tornem efetivos.
Com a finalização do presente estudo, constatamos que o CDC, consubstanciando-se em um diploma especial de aplicação nas relações de consumo, estabeleceu dispositivos e regras também especiais no que diz respeito ao estudo e aplicação do instituto da prova.
Verificamos que uma das regras mais importantes diz respeito à “inversão do ônus da prova”, a favor do consumidor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência. Referida inversão não será automática, o que significa dizer, que a sua declaração está subordinada ao convencimento do juiz da presença dos requisitos legais, caso contrário é a regra geral do ônus, prevista na legislação processual, que deverá ser aplicada no julgamento do processo.
Em relação a esta inversão do ônus da prova nas relações de consumo, verificamos que existe modernamente muita discussão e controvérsia doutrinária e jurisprudencial a cerca do instituto em questão, controvérsias estas sedimentadas principalmente no aspecto referente ao momento processual para a concessão da inversão do ônus da prova a favor do consumidor.
Em primeiro lugar, deixe assente novamente que a inversão do ônus da prova não deve ser indiscriminadamente aplicada a todos os casos envolvendo relações de consumo, mas sim, apenas e tão somente em benefício dos consumidores que preencherem um dos requisitos legais previstos no artigo 6º, inciso VIII do CDC. Para os casos em que tais requisitos não forem devidamente preenchidos, a regra a ser aplicada é a geral de distribuição dos ônus probatórios prevista no artigo 333 do CPC.
Sobre o momento processual para a efetivação da inversão do ônus da prova temos que, após toda a análise procedida com base nos autores estudados, nos posicionamos no sentido de que, como a inversão do ônus da prova caracteriza-se como exceção à regra geral, a mesma não pode se apresentar como elemento surpresa contra o fornecedor nas causas envolvendo relações de consumo.
Desta forma, entendemos que antes de iniciada a fase de instrução do processo, o juiz deve se manifestar expressamente sobre o deferimento ou não da inversão do ônus da prova requerida pelo consumidor/autor em sua peça vestibular, manifestação esta que pode perfeitamente se dar no momento do “despacho saneador” (saneamento do processo), onde o juiz deverá fixar os pontos controvertidos, fazendo referência direta às questões relacionadas à atividade probatória, dentre elas, a inversão do ônus da prova.
Tal manifestação, em deferindo tal pedido, deverá declarar existente uma das situações que autorizam a inversão do ônus da prova em detrimento do fornecedor/réu.
Com base nesta manifestação, o fornecedor réu terá conhecimento antecipado, antes, portanto, da instrução, que o ônus probatório esta todo a seu cargo e, assim sendo, terá de buscar os meios hábeis para cumprir, da melhor forma possível, tal desiderato.
Este é, portanto, o momento processual mais propício para a concessão do instituto da inversão do ônus da prova, inversão esta que, se deferida no momento processual em referência, não atentará contra o princípio constitucional do contraditório e da ampla defesa assegurado ao fornecedor réu.
Informações Sobre o Autor
Alan de Matos Jorge
Advogado. Mestre em Direito pela Universidade de Itaúna/MG – Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva/MG – Professor de Direito do Consumidor, Direito Processual Civil, Direito Civil e Direito Empresarial em Cursos de Graduação e Pós-graduação no Estado de Minas Gerais – Coordenador do Curso de Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC – Unidade Mariana/MG – Professor de Direito do Consumidor, Direito Civil e Direito Empresarial no Curso de Direito da Universidade Presidente Antônio Carlos – UNIPAC – Unidade Mariana/MG – Professor de Direito Processual Civil II e III na Universidade Católica de Minas Gerais – PUC MINAS – Núcleo Universitário Betim – Professor Convidado da Universidade Estadual de Montes Claros/MG – UNIMONTES (Pós-Graduação) – Professor de Direito Civil e Direito do Consumidor na Faculdade da Cidade de Santa Luzia/MG – FACSAL. Professor da Escola Superior de Advocacia da OAB/MG. Membro da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/MG.