Considerações iniciais
Os professores, como agentes de mudanças e formadores das novas gerações, são essenciais para a sociedade e para o desenvolvimento de um país, mas infelizmente nem sempre são respeitados nos seus direitos e valorizados pela sociedade e o Poder Público. Por isso, como profissional do ensino, aceitei este desafio, apesar da escassa bibliografia já publicada, para comentar alguns tópicos do tema: “Direitos e Deveres do Professor nas relações de trabalho.”
Para tanto, cabem inicialmente algumas indagações: o que é o professor? Todo professor é um profissional da educação? A valorização do professor está ameaçada pelas novas tecnologias educacionais? A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) é suficiente para tutelar o trabalho do professor? No caso do magistério público, qual a legislação aplicada? Quais as contribuições da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)? E o contrato coletivo e convenção coletiva do trabalho, são importantes para tratar dos direitos e deveres dos professores empregados? Afinal, como valorizar os profissionais de educação nas relações de trabalho e na sociedade em geral?
Bem, nem sempre o Direito tem respostas precisas sobre essas indagações, até porque, como conjunto de leis, não está acima do bem e do mal, tampouco as normas são perfeitas. Além disso, não temos a pretensão de apresentar uma pesquisa doutrinária, tampouco escrever para especialistas da área jurídica e, sim, levar os leitores a refletir sobre as novas tendências do magistério nas relações de trabalho.
Enfim, vamos apresentar breves comentários sobre o professor e/ou profissional do ensino; professor em instituições de ensino públicas e privadas; direitos e deveres na CLT; valorização do professor na Constituição e na LDB; Ordem Nacional do Magistério e Código de Ética Profissional, como alternativa para valorização dos profissionais de educação.
Professor ou/e profissional do ensino
O objeto de nosso estudo são os profissionais de ensino nas relações de trabalho. Daí devemos ter como ponto de partida o termo professor, que é utilizado, na prática, para todos que ensinam. Porém, o que é um professor? O termo é muito amplo e complexo para definir, pois cada um de nós tem uma visão ou concepção pessoal do que é ser um professor. Aliás, são considerados professores aqueles que ensinam e transmitem conhecimentos de arte, ciência, disciplina, técnica, ginástica, natação, música, etc., independente de possuir certificado de habilitação. [1]
Interessa-nos o conceito de profissão (profissionalismo) e o conceito legal de professor. Em uma perspectiva sociológica, o termo adquiriu um sentido muito amplo de “ocupação” ou “emprego”, o que permite utilizarmos os conceitos de Edgar Morin – “que classifica a profissão de professor como complexa, onde a incerteza, a ambigüidade das funções, é o seu melhor traço definido.” (Apud Fontes, 2007, www.educar.no.sapo.pt/)
Do ponto de vista legal, o professor é, também, quem ensina e transmite conhecimento, mas terá de ter habilitação legal e registro no Ministério da Educação[2], para atender as regras previstas na CLT (art.317). [3]
A propósito, o professor Sergio Pinto Martins, em comentário à CLT, diz o seguinte:
“Antigamente, para o exercício do magistério era preciso que o professor fosse registrado na DRT, mediante a apresentação de vários documentos, inclusive certificado de habilitação para o exercício do magistério, expedido pelo Ministério da Educação e Cultura. Não havia justificativa para tal procedimento. Hoje, na redação do Artigo 317 da CLT, determinada pela Lei nº. 7.855/89, o professor terá de ter apenas habilitação legal e registro no Ministério da Educação, não mais se exigindo o registro na DRT. O professor que não for, contudo, habilitado, como o que não tiver curso normal, etc., será equiparado ao trabalhador comum, não se lhe aplicando as regras especiais da CLT relativas ao professor.”[4]
O professor João José Sady, por sua vez, argumenta que não existe um conceito legal para definir aquele que exerce o magistério, razão pela qual tal espaço é preenchido pelas regras da experiência e através das cláusulas normativas de normas coletivas. Todavia, segundo ele, o básico em tal matéria é entender o professor como o indivíduo que ministra conhecimentos, exigindo-se a habilitação do mesmo apenas quando leciona em empresas que fornece curso para a qual a lei exige autorização dos órgãos públicos.[5]
Como vimos, de certo modo, existem dificuldades em identificar o profissional da educação nas relações de trabalho, até porque nem todos os professores são profissionais de ensino. E aqui são oportunos os comentários do professor Vicente Martins: “Todo profissional da educação é professor, mas nem todo professor é um profissional da educação.”Prossegue o autor nos seus comentários: Um juiz, um enfermeiro, um contador, um operador do direito, um médico, um militar, um engenheiro, qualquer profissional liberal, enfim, pode nos seus horários de disponibilidade exercer o magistério. Neste caso, é inegável que as instituições de ensino e os alunos ganham muito com a experiência desses profissionais no mundo do trabalho, que contribuem para a qualificação profissional dos alunos (Art. 205 CF). No entanto, eles não são profissionais da educação na sua essência profissional, ao contrário dos profissionais da educação que exercem o magistério com dedicação exclusiva[6].
Contudo, entendemos que cabe a todos que exercem o magistério, independente da condição de professor ou profissional da educação, defender a sua ocupação, sua dignidade, reivindicar melhores condições de trabalho, bem como salários compatíveis com a responsabilidade social do educador. Aliás, segundo o art. 323 da CLT: “Não será permitido o funcionamento do estabelecimento particular de ensino que não remunere condignamente os seus professores, ou não lhes pague pontualmente a remuneração de cada mês.” A propósito, segundo Hamilton Werneck, especialista em Educação, um profissional do magistério nunca será rico. Seria utópico pensar em ser rico trabalhando dentro de uma sala de aula. Mas não é utópico pensar em ter dignidade salarial sendo profissional do magistério.[7]
É certo, também, nas palavras do professor Sergio Pinto Martins – também em comentários da CLT –, que o art. 323 é praticamente inútil na CLT, pois se fosse aplicado à risca, muitas escolas já teriam fechado. De modo geral, prossegue o autor, o professor ganha mal e, para ter um salário melhor, tem de ministrar aulas em várias escolas ao mesmo tempo, trabalhando em três períodos (manhã, tarde e noite).
Entendemos, neste caso, que o conceito de remuneração condigna no exercício do magistério deve ser contextualizado a partir da realidade do mercado, participações do Poder Público, dos estabelecimentos de ensino particular, dos sindicatos patronais e de classe (Acordos Coletivos, Convenções Coletivas de Trabalho – Art. 611§1º da CLT.)[8] Estes atores devem procurar um entendimento, que atendam os seus interesses, mas respeitando o objetivo coletivo, pois a educação é bem público e direito de todos. (art. 205 CF)
Vale lembrar que hoje vivemos tempos de profundas mudanças, nas diferentes atividades humanas, inclusive na educação, devido aos avanços da tecnologia da informação e comunicação.
Assim, cabe indagar: será que a importância e a valorização do professor estão ameaçadas pela tecnologia? Alguns acham que sim, argumentando que o conhecimento vem se desvinculando do espaço físico da escola e da figura do professor. A meu ver, ao contrário, as novas tecnologias educacionais estão valorizando o educador, disponibilizando mais recursos para a construção do conhecimento, mas exigindo um novo tipo de profissional. “E aqui, segundo o ex-ministro da Educação e senador Cristovam Buarque (2007, p.63): a entrada do computador nas instituições de ensino exige um novo perfil de professor, mais ligado aos recursos da modernidade.”
Cada vez mais, quer seja no ensino presencial ou na modalidade à distância, o professor é essencial no processo ensino-aprendizagem. Precisamos sim, por um lado, da regulamentação do ensino a distância (EAD), para proteger os direitos do mestre, inclusive o direito de uma remuneração compatível com as exigências do mercado; por outro lado, esse novo professor presencial, deve ter, também, uma remuneração compatível, pois gasta dinheiro, tempo e energia preparando-se para o papel de educador.
Professor em instituições de ensino públicas e privadas
Como profissionais de ensino, os professores exercem o magistério em estabelecimentos particulares de educação e em estabelecimentos do Poder Público. Em ambas as instituições, devem seguir as orientações jurídicas previstas na Constituição Federal. [9] Ademais, é íntima a relação da educação, quer seja nas escolas públicas ou privadas, com o Direito Administrativo por se tratar de serviço público ou atividade de interesse público, embora co-existindo dois regimes jurídicos. [10]
Todavia, para os que atuam no magistério público, na condição de funcionários do governo, as relações de trabalho são de direito público e de natureza estatutária, seguindo as orientações previstas na Constituição Federal, Estatuto dos Funcionários Públicos Civis e Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei 9.394/96). Para os professores empregados, por sua vez, que atuam nos estabelecimentos privados de ensino, aplicam-se as regras previstas na Constituição Federal, Consolidação das Leis do Trabalho (Artigos 317 a 323).
Outro ponto importante a considerar é que nos últimos tempos a contratação dos trabalhadores pelo Estado através do regime da CLT tornou-se comum, daí surge, evidentemente, a possibilidade de que o educador seja contratado pelo Poder Público, mas sob o regime da CLT.
Existe ainda mais um aspecto merecedor de registro, que é a importância do regimento interno para a comunidade escolar, inclusive para o professor, que deve solicitar uma cópia desse documento no qual estão estabelecidos os direitos e deveres de toda comunidade escolar. Todos os colégios têm de possuir um Regimento Interno, constando as regras gerais sobre a educação[11].
Além disso, a responsabilidade pedagógica impõe ao professor conhecer o projeto pedagógico e seguir as orientações previstas neste documento, que, aliás, vai ajudá-lo na elaboração do Plano de Trabalho Docente.
Direitos e deveres dos docentes na CLT
Empregado é pessoa física que presta pessoalmente e de forma subordinada serviço à outra pessoa, física ou jurídica – o empregador –, não eventualmente, e recebendo remuneração ou salário (Art. 3° CLT). O Direito do Trabalho, por sua vez, consiste no conjunto de princípios e de normas que tratam das relações jurídicas de prestação de serviço do empregado subordinado ao empregador. [12] Porém, os legisladores criaram um regime jurídico especial para o trabalhador do magistério. E aqui, tendo como fonte a CLT está prevista normas especiais de tutela que a lei confere ao professor habilitado junto ao Ministério da Educação (Artigos 317 a 323 da CLT), uma vez que se trata de categoria profissional diferenciada (a categoria profissional diferenciada é aquela cujo traço integrativo reside na atividade profissional exercida e não na atividade econômica da empresa).
Neste tema, o professor João José Sady esclarece:
“O professor tem direito à tutela especial que a lei lhe confere, não pelo fato de trabalhar num estabelecimento de ensino, mas pelo fato de trabalhar como professor. Assim, numa fábrica ou numa faculdade, se a sua atividade for o magistério, ele será considerado professor e terá direito às vantagens daí decorrentes.”[13]
A jornada de trabalho dos educadores assume forma que demanda extensa polêmica em doutrina e jurisprudência, alerta o professor na sua obra Direito do trabalho do professor. Nesse passo, a legislação trabalhista dispõe no art. 318 a seguinte condição: “Num mesmo estabelecimento de ensino, não poderá o professor dar por dia, mais de 4 (quatro) aulas consecutivas, nem mais de 6 (seis), intercaladas.”
Vale lembrar que o Ministério da Educação e Cultura determina que nos estabelecimentos que ministram ensino de grau superior ou médio, as aulas diurnas serão de 50 minutos e as noturnas de 40. [14] Nos demais estabelecimentos de ensino, as aulas serão de uma hora.
Para justificar as quatros aulas consecutivas ou seis intercaladas, o jurista Russomano, mencionado na obra do professor João José Sady, argumenta:
“O trabalho do mestre é silencioso em dois sentidos: os brilhos recaem mais sobre o aluno do que sobre o professor; a aula, que ele expõe em poucos minutos, esconde atrás de si a meditação de muitas horas, os ensinamentos colhidos através de muitos anos e a preparação indispensável da matéria lecionada. De modo que, na verdade, quatro ou seis horas representam, mesmo para os professores experimentados e profundos conhecedores da matéria que lecionam, grande esforço mental e, no mínimo, mais algumas horas de estudo preparatório.”[15]
Como se vê, a jornada de trabalho do professor está limitada ao máximo de quatro aulas consecutivas ou seis intercaladas. O que exceder esse limite será considerado como jornada extra, que deve ter remuneração, no mínimo, em 50% (cinqüenta por cento) à normal, por força do disposto no art. 7º, item XVI da CF, bem como atendendo o que dispõe o art. 321 da CLT. [16] Porém, se o educador lecionar em mais de um estabelecimento de ensino, será possível o professor exceder a determinação do Artigo 318 da CLT.
E a polêmica não para aí quando falamos sobre a carreira do professor. A questão do trabalho de preparo das aulas e a redução de carga horária dos mestres também geram grandes controvérsias.
Em primeiro lugar, a atividade do professor não está adstrita apenas a ministrar as aulas, pois o educador tem de prepará-las em casa, corrigir provas e trabalhos – o que demanda tempo – atividades extras que a lei não remunera. [17] Por isso, para suprir essa lacuna, as categorias patronal e profissional têm buscado soluções nas convenções coletivas e sentenças normativas, que apresentam um pagamento complementar chamado hora-atividade. Esse recurso tem por fim remunerar a preparação de aulas do professor. [18]
Em segundo lugar, em muitas oportunidades ocorre de o professor ministrar certo número de aulas por ano e no período seguinte haver redução dessas cargas, ocasionando prejuízo salarial. Porém o art. 7º, VI da CF/88, estipulou que não é admissível a redução do salário do empregado, quando se diz respeito ao profissional do ensino.
Para alguns, mesmo na jurisprudência, no negócio da educação, como em qualquer atividade empresarial, existem riscos de insucessos e de crises, mas esse prejuízo não pode ser repartido com o assalariado, no caso os professores.[19] Outros sustentam que não poderia o empregador pagar o mesmo número de aulas ao professor se este não tem aulas para dar, já que a escola não tem alunos. Aqui, segundo Sergio Pinto Martins, não há direito adquirido do professor a ter o mesmo número de aulas todos os anos. Segundo ele, a própria Seção de Dissídios Coletivos tem precedentes de nº. 078, que esclarece que “não configura redução salarial ilegal a diminuição de carga horária motivada por inevitável supressão de aulas eventuais ou de turmas”. [20]
No que diz respeito ao dia destinado ao repouso semanal, enquanto para os trabalhadores em geral dá-se preferencialmente aos domingos – atendendo o que dispõe o inciso XV do art. 7º da Constituição –, no caso dos professores em estabelecimentos particulares de ensino, o repouso semanal deverá necessariamente recair aos domingos (Art. 319 da CLT). Contudo, o sábado será um dia útil para ministrar aulas podendo ser exigido trabalho nesse dia.
Além disso, que o repouso semanal remunerado do professor deve ser calculado à razão de 1/6 sobre as horas-aula recebidas durante o mês. Considerando que esse período tem quatro semanas e meia, como orienta Sergio Pinto Martins.
Uma das questões fundamentais para o professor, além de um salário digno, é a forma da sua remuneração, que é fixada basicamente por hora-aula, ou seja, pelo número de aulas semanais. Aliás, dispõe o art. 320 da CLT que “a remuneração dos professores será fixada pelo número de aulas semanais, na conformidade dos horários”, e o § 1º estabelece: “O pagamento far-se-á mensalmente, considerando-se, para este efeito, cada mês, constituído de quatro semanas e meia.” Neste caso, as quatro semanas e meia servem para fixar a média da atividade do professor durante o mês. O seu salário será a multiplicação do valor da hora-aula pelo número de aulas semanais, multiplicadas por 4,5. [21] Resumindo:
a) o valor do salário é ajustado por aula;
b) a jornada é estipulada por quantidade de aulas semanais;
c) o total do salário é apurado multiplicando-se o valor da aula pelo número de aulas semanais e, depois, por quatro semanas e meia mensais. [22]
É oportuno esclarecer que o art. 320 está em consonância com outra norma da CLT, dilatando o prazo previsto pelo art. 473 e parágrafos, para o benefício concedido aos empregados em geral. [23]
Ainda tomando como base a CLT, vamos abordar agora a questão das férias do professor. A legislação trabalhista estabelece todo um regime próprio de férias para os trabalhadores em geral, mas no capítulo destinado aos educadores faz algumas estipulações específicas para os profissionais de ensino. Dispõe o art. 322 da CLT que: “No período de exames e no de férias escolares, é assegurado aos professores o pagamento, na mesma periodicidade contratual, da remuneração correspondente por eles percebida, na conformidade dos horários, durante o período de aulas.” E, mais adiante: “No período de férias, não se poderá exigir dos professores outro serviço senão o relacionado com a realização de exames” (§ 2º do art. 322 da CLT).
Assim, não se confundem as férias escolares ou recesso escolar (que existem em dois períodos: em julho e de dezembro a janeiro de cada ano) com as férias individuais do professor. Essas podem ser fixadas tanto em julho como de dezembro a janeiro, ou seja, em um mês em que não existam aulas escolares.
A esse respeito, escreve o professor João José Sady:
“As férias escolares constituem interrupção da atividade da empresa, gerada por peculiaridade do ramo de negócio, enquanto as férias dos professores constituem o descanso atribuído pela Carta Magna a todos os celetistas, não se confundido tais fenômenos. Ambos os períodos costumam coincidir no tempo, vez que não teria sentido, existindo as férias escolares, o estabelecimento conceder férias a seus empregados durante o período de aulas”.[24]
No período de férias não se poderá exigir qualquer serviço ao professor, ainda que relacionado a exames, justamente porque é o período de descanso do mesmo, sendo vedada a realização de qualquer tarefa nesse ciclo. As férias individuais devem ser gozadas e não trabalhadas. Todavia, no período de férias escolares, poderá ser exigida do professor a realização de trabalhos de planejamento escolar, recuperação de alunos, exames, etc. [25] No caso do professor ser dispensado no final do ano letivo ou no curso das férias escolares, terá direito aos salários até o fim dessas, isto é, no período entre dezembro e fevereiro. [26]
Outro ponto importante é a hipótese de rescisão sem justa causa. Neste caso, a indenização do professor, de acordo com o Artigo 477 da CLT, deve ser calculada com base na maior remuneração a título de horas-aula obtida, multiplicada por quatro semanas e meia. [27]
Por fim, é importante ressaltar que a CLT não é suficiente para tutelar o trabalho dos profissionais da educação, pois temos a extraordinária contribuição das normas coletivas oriundas das relações entre sindicatos de professores e de estabelecimentos educacionais. E aqui é inegável a importância da convenção coletiva nas relações de emprego dos profissionais de ensino. [28] Aliás, segundo o art. 619 da CLT, “nenhuma disposição de contrato individual de trabalho que contrarie normas de convenção ou acordo coletivo de trabalho poderá prevalecer na execução do mesmo, sendo considerada nula de pleno direito”.
Valorização do professor na Constituição e na LDB
Na história da educação brasileira não temos tradição de valorização da educação, tampouco dos profissionais de ensino, embora recentemente a Constituição de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em 1996, tenham contemplado nos seus textos os princípios e as normas para valorização dos professores. Porém, entre o legal e a realidade, em que pese todos os esforços dos legisladores, existe muita coisa para fazer neste terceiro milênio no que diz respeito à contemplação do educador.
A Constituição Federal de 1988 em seu art. 206, V, determina a valorização dos profissionais de ensino, garantidos, na forma de lei, plenos de carreira para o magistério público, com piso salarial profissional e ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei nº. 9.394/96), no seu art. 67, [29] reafirma os princípios constitucionais de ensino, destacando que os sistemas devem promover a valorização dos profissionais da educação.
Na organização da educação nacional, a responsabilidade com a educação está dividida entre os estabelecimentos de ensino e os docentes (artigos 12 e 13 da LDB). Segundo o professor Vicente Martins, pela primeira vez na história da educação brasileira, os docentes são participantes da organização da educação nacional. Segundo ele, a LDB estabelece como dever do estabelecimento de ensino “velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente”. (art. 12, IV) Essa lei também enumera, pelo menos, seis (6) deveres a serem cumpridos pelos professores. [30] Medidas muito importantes na prática pedagógica, pois valorizam o exercício do magistério.
Enfim, não podemos negar os avanços legislativos no que diz respeito à valorização dos professores, mas na prática educacional avançamos muito pouco, até porque apesar da sua responsabilidade pedagógica e social, ele não é tratado de uma forma digna na sociedade brasileira.
Ordem Nacional do Magistério e Código de Ética Profissional
Em primeiro lugar, quer seja a Ordem Nacional do Magistério quer seja o Código de Ética Profissional não fazem parte do contexto educacional brasileiro, embora sejam sugestões que merecem atenção dos profissionais da educação; em segundo lugar, outros paises, até mais prósperos que o Brasil, não criaram uma organização profissional dessa natureza. Porém, no caso brasileiro, que tem na educação a grande oportunidade para o seu desenvolvimento pode ser uma boa alternativa para valorizar os profissionais de ensino.
É oportuno lembrar a importância dos sindicatos, que os professores devem apoiar, porque existem questões difíceis de serem resolvidas pessoalmente, [31] além das contribuições dos acordos coletivos e convenções coletivas nas relações de trabalho. Todavia, as organizações profissionais de natureza sindical não concentram todos os interesses no campo da educação, por mais representativa que sejam, pois não tratam dos deveres, da questão ética e moral e dos valores da profissão, que certamente valorizam os profissionais da educação.
É verdade que as profissões da educação são diferentes de outras, como advogado, médico, engenheiro, economista, administrador, etc. A propósito, a profissão de professor, como vimos, é classificada por alguns como complexa, incerta, complementar e menos importante, que as profissões acima mencionadas. Trata-se de um grande equívoco, pois a responsabilidade dos profissionais da educação, segundo o professor Agostinho Reis Monteiro da Universidade de Lisboa (2006, p.4), “pode ser considerada como a maior responsabilidade do mundo.”
Para o especialista em Direito Internacional da Educação, acima mencionado: por um lado, apesar da relevância social das profissões da educação, existe uma carência dentológica (a ética se divide em deontologia, que é a ciência dos deveres, e diceologia), que é um dos fatores, que prejudicam a valorização dos profissionais da educação. Por outro lado, os professores normalmente tendem a acomodar-se à mera condição de funcionários, assumindo apenas a responsabilidade de dar o programa e manter a disciplina. E a organização profissional, prossegue Monteiro, tem subestimado a importância da deontologia, no seu propósito de levar o profissional da educação a aprender a pensar, decidir, agir e reagir profissionalmente, isto é, responsavelmente. [32]
No caso brasileiro, no 1º Seminário de Direito Educacional, realizado na Universidade Estadual de Campinas em outubro de 1977, coordenado pelo Dr. Guido Ivan de Carvalho, foram apresentadas 13 conclusões, entre elas a recomendação para a criação da Ordem Nacional do Magistério. [33]
Ademais, o educador e jurista, Renato Alberto Teodoro Di Dio, em 1981, na sua tese de livre docência, intitulada “Contribuição à sistematização do direito educacional”, já indicava os direitos e deveres dos professores como contribuição para um Código de Ética Profissional para os educadores. Ele mencionou, entre outros, liberdade de ensino; liberdade de pesquisa; liberdade de pronunciamento pública; liberdade de atividade política; juramentos de lealdade; direitos relativos ao vínculo empregatício; vida privada dos professores; responsabilidade pessoal. Convém notar, que os direitos e deveres mencionados refletiam uma grande preocupação com a liberdade política, devido ao golpe militar de 1964, que se estendeu até a redemocratização do País em 1985.
Hoje, o momento é outro, mas a valorização da educação e do profissional de ensino continua sendo tema relevante para discussão, reflexão e ação, na conquista de uma educação de qualidade e para todos. A propósito, Cristovão Buarque, professor da Universidade de Brasília, Senador e ex-Ministro da Educação, apresentou 20 mandamentos para revolução na educação, entre eles a criação de um Conselho Nacional do Magistério (2008, p. 29).
Todavia, um Código de Ética Profissional só tem eficiência quando a observância de suas normas esteja assegurada em lei. Para tanto, no que diz respeito à redação, temos contribuições importantes da Constituição Federal, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação e da prática pedagógica. No caso da LDB, podemos destacar os deveres dos docentes, previstos no art. 13 e os direitos de valorização profissional do educador, previstos no art. 67.
Porém, no que tange a eficácia legal, se faz necessária à criação da Ordem Nacional do Magistério, com o seu Estatuto, que tem, entre outras atribuições, iniciar o estudo e debate do assunto.
E aqui é oportuna a experiência da Ordem do Advogado do Brasil, nas palavras do jurista e professor Ruy de Azevedo Sodré:
“Se educar consiste em ministrar conhecimento valorativo, impossível se torna exercer a profissão desconhecendo-a, ou seja, abstraindo-se dos deveres, prerrogativas, normas de conduta e direitos que lhe são tradicionalmente assegurados. Tais deveres e direitos – deontologia e diceologia – traduzíveis em normas ético-estatutárias, só podem ser conhecidos através do estudo sistemático do Código de Ética Profissional e do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (Ordem Nacional do Magistério). Ambos constituem sistema legal, orgânico, promulgado pela classe”.[34]
Embora de forma incipiente, a Associação Brasileira de Educação à distância (ABED) , em 17 de agosto de 2000, aprovou em Assembléia Geral Ordinária um Código de Ética. Tentando, assim, estabelecer um conjunto de princípios aplicáveis a EAD, que possibilite um desenvolvimento ordenado e de qualidade da educação a distância no Brasil. Contudo, sem definir com clareza os direitos e deveres do professor-tutor, autores de cursos e de disciplinas. (www2. abed.org. br)
Em suma, a questão não é apenas de relação de trabalho, no magistério privado ou público, mas também princípios, valores éticos e morais, que vão contribuir para conduta responsável e valorização da profissão de professor, tão ou mais importante como às demais profissões tradicionais.
Considerações finais
O presente trabalho tratou de um tema complexo, pouco explorado na literatura jurídica e educacional devido, entre outras razões, ao fato de nós, professores, que somos os mais interessados, estarmos envolvidos na prática educacional sem fazer uma reflexão sobre os nossos direitos e deveres nas relações de trabalho e, principalmente, sobre a valorização do professor no mercado de trabalho.
De certa forma, conseguimos responder algumas indagações iniciais, mas certos de que os direitos e deveres dos profissionais de ensino nas relações de emprego têm como paradigma a Constituição Federal e a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Porém, não podemos deixar de buscar o entendimento direto entre a categoria econômica, ou seja, os estabelecimentos de ensino particulares e a categoria profissional dos professores.
Quanto ao magistério público, os professores devem exigir do governo que cumpra os princípios e normas de valorização dos profissionais de ensino previstos na Constituição Federal (art. 206, V) e na LDB (art. 67). Além disso, conhecer os seus direitos e deveres previstos no Estatuto dos Servidores Públicos Civis, mas, também, como docentes, cumprir os deveres previstos no art. 13 da LDB.
Hoje, o estudo sobre a educação ultrapassa a pedagogia e alcança o Direito Educacional[35], que vem contribuindo para valorização dos profissionais de ensino nas relações de trabalho. Por isso, devemos estar atentos à legislação educacional, que trata, também, dos direitos e deveres dos professores e procura valorizar o profissional do magistério.
Vale lembrar, ainda, que os comentários sobre a possível criação da Ordem Nacional do Magistério e do Código de Ética Profissional têm o propósito de chamar a atenção da sociedade sobre a importância do professor. Além disso, uma oportunidade de refletirmos sobre a necessidade de um tratamento digno para com os professores de todos os níveis de ensino do sistema educacional brasileiro.
Por fim, esperamos haver contribuído para que os mestres possam conhecer seus direitos e deveres nas relações de trabalho e, também, tudo que foi dito neste modesto artigo sirva de convite para reflexão e ação no que diz respeito à valorização dos profissionais de ensino. Vamos lá!
Informações Sobre o Autor
Nelson Joaquim
Advogado (UFRJ), mestre em Direito (UGF), Pós-graduação em Direito Civil, Romano e Comparado (UFRJ), Pós-graduação com especialização em Educação à Distância (SENAC), Professor universitário de curso de graduação em Direito, ministra a disciplina de Direito Educacional no Curso de Pós-graduação de Gestão Educacional e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB)