O inquérito policial
tem por objetivo apurar a autoria e a materialidade de um ilícito, contravenção
ou crime, para que o titular da ação penal pública, Ministério Público, ou o
titular da ação penal privada, ofendido ou seu representante legal, tenham
os elementos necessários para o oferecimento da ação penal ou a propositura de
pedido de arquivamento em atendimento a lei processual.
Por força do art. 144 § 4.º da Constituição Federal, a Polícia Civil é o órgão
responsável pela a apuração das infrações penais comuns excetuadas àquelas que
sejam de competência da Polícia Federal. Com base no texto constitucional, não
cabe a Polícia Civil ou a Polícia Federal apurar as infrações criminais de
natureza militar.
Os militares dividem-se em duas
categorias: a. os militares federais, que são os integrantes das Forças
Armadas; b. os militares estaduais, que por força de lei (art. 42 da
Constituição Federal) tornaram-se militares e são integrantes das Forças
Auxiliares e reserva do Exército. No exercício de suas funções os militares
encontram-se sujeitos ao Código Penal Militar, Leis Penais Especiais e Código
de Processo Penal Militar.
Em tempo de guerra, o Código Penal
Militar permite em determinados crimes, como por exemplo
a espionagem, a aplicação da pena de morte. A Constituição Federal veda a
aplicação da pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, art. 5.º, inciso XLVII. Essa pena somente será aplicada aos
militares em tempo de guerra e em determinados crimes, devendo ser assegurado
ao acusado a ampla defesa e o contraditório na forma
do art. 5.º, inciso LV do texto constitucional.
As forças policiais, civil e
federal, não possuem competência para apurar os crimes militares, sendo
esta atribuição exercida pela Polícia Judiciária Militar, que é constituída por
autoridades militares e seus auxiliares. Ao tomar conhecimento da prática de um
ilícito, o Comandante da Unidade a qual pertence o militar por meio de portaria
determinará a abertura de Inquérito Policial Militar (IPM) nomeando um oficial
para apurar a autoria e a materialidade do fato. Caso o autor do ilícito seja
conhecido o oficial nomeado deverá possuir posto ou patente acima do indiciado.
No caso de prisão em flagrante delito,
o acusado deverá ser apresentado a autoridade militar
que esteja no exercício da função de Polícia Judiciário Militar, o qual lavrará
o auto de prisão na forma do Código de Processo Penal Militar, que é semelhante
o auto de prisão em flagrante lavrado pela Polícia Civil, ouvindo o condutor,
as testemunhas, e o militar, federal ou estadual, acusado da prática do ilícito
em tese.
O inquérito policial militar serve como
peça informativa ao promotor de justiça para que este se assim o entender possa
propor perante a autoridade judiciária a competente ação penal militar. No
Estado de São Paulo, os promotores que atuam perante a Justiça Militar são
oriundos do Ministério Público Estadual. Na Justiça Militar Federal, a acusação
é exercida pelos Procuradores da República que pertencem ao quadro do
Ministério Público Militar Federal.
A Justiça Militar Estadual destina-se
ao julgamento dos policiais militares e dos bombeiros militares nos crimes
militares definidos em lei, art. 125, § 4.º da
Constituição Federal. Com base neste artigo um civil não mais poderá ser
julgado perante a Justiça Castrense Estadual. Caso seja processado poderá
propor um Habeas Corpus para
trancamento da ação penal militar. Os militares federais são julgados perante a
Justiça Militar Federal que poderá julgar civis caso estes
venham a praticar qualquer crime militar, próprio ou impróprio, no interior de
uma Organização Militar (OM), em uma área sujeita a administração militar ou em
co-autoria com outro militar.
Com o advento da nova Constituição
Federal, o inquérito policial militar que também é sigiloso encontra-se
sujeito aos preceitos constitucionais, sob pena da prática do crime de abuso de
autoridade previsto na Lei Federal n.º 4898/65.
Segundo o art. 133 do texto constitucional, o advogado é indispensável à
administração da Justiça, seja Estados, da União ou
das Justiças Especializadas, entre elas a Justiça Militar Estadual ou Federal.
A autoridade que preside o inquérito
policial militar não poderá cercear o direito do advogado de ter acesso aos
autos, inclusive fotocopiar as peças que considere
essenciais para a defesa do seu constituinte. O IPM não pode e não deve ser
um procedimento administrativo onde seja vedado ao advogado acompanhá-lo. O
sigilo que se menciona no Código de Processo Penal Militar passou a ser
relativo, e encontra-se sujeito aos dispositivos constitucionais e ao
Estatuto da Advocacia.
No mesmo sentido, caminha a disposição
do art. 17 do Código de Processo Penal Militar que permite a autoridade
militar decretar durante o inquérito policial a incomunicabilidade do acusado.
Com o advento do novo texto constitucional essa disposição foi tacitamente
revogada, e a autoridade militar que não respeitar o direito do advogado de
comunicar-se reservadamente com seu cliente estará praticando o crime de abuso
de autoridade.
A hierarquia e a disciplina
continuam sendo os preceitos basilares das Forças Armadas e das Forças
Auxiliares, que são responsáveis pela manutenção da ordem e da segurança
pública. Mas, quando se trata de processo administrativo ou penal deve-se
observar os preceitos constitucionais, que são direitos e garantias
fundamentais assegurados aos cidadão, seja ele civil
ou militar.
Durante a colheita das provas no
inquérito policial militar, o indiciado poderá estar presente em todos os atos
com o seu advogado, que não poderá interferir na presidência do procedimento
administrativo, mas não permitirá que os princípios constitucionais sejam
violados, e caso seja necessário usará da palavra na forma do Estatuto da
Advocacia.
Caso esteja preso durante o inquérito
policial militar, o indiciado não poderá ficar incomunicável. O advogado
constituído poderá a qualquer momento comunicar-se reservadamente com seu
cliente, independentemente de autorização da autoridade militar, por ser um
direito constitucional. Ao preso é assegurado a
assistência do seu defensor, pouco importando se este encontra-se recolhido em um Quartel ou no
Presídio Militar.
O indiciado não está obrigado a
responder as perguntas que lhe sejam feitas na fase do inquérito policial, e a
sua recusa não poderá ser entendida como sendo violação ao preceito de faltar à
verdade, que é considerado transgressão disciplinar grave.
O inquérito policial militar continua
sendo inquisitivo, mas isso não significa que a autoridade militar que o
preside poderá durante o seu curso desrespeitar os princípios constitucionais
que são assegurados aos todos os brasileiros e estrangeiros residentes no
Brasil, em atendimento ao art. 5.º, caput, e
seus incisos.
Informações Sobre o Autor
Paulo Tadeu Rodrigues Rosa
Juiz de Direito Titular da 2ª AJME do Estado de Minas Gerais, Professor de IED e Direito Penal Militar na Academia de Polícia Militar de Minas Gerais, Mestre em Direito pela UNESP, Membro Titular da Academia Mineira de Direito Militar e Parceiro Assessor da Academia de Letras “João Guimarães Rosa” da Polícia Militar de Minas Gerais.