A aposentadoria espontânea do empregado e seus efeitos no contrato de trabalho

Trata-se de tema jurídico de alta complexidade, que tem merecido acalorados debates nos tribunais.

Através de uma pequena digressão sobre os antecedentes jurídicos referentes ao objeto do presente estudo, verifica-se que segundo a Lei n. 5.890/73, o desligamento do emprego constituía requisito para a concessão da aposentadoria, considerada como causa extintiva do contrato de trabalho.

Posteriormente, a Lei n. 8.213/91, que instituiu os Planos de Benefícios da Previdência Social, alterou o regime anterior, dispondo que é devida a aposentadoria não apenas a partir da data do desligamento do emprego, quando requerida até essa data ou até 90 dias depois dela, mas também da data do requerimento, quando não houver o desligamento do emprego, ou quando não for requerida após o prazo primeiramente previsto.

Observa-se que a partir daí, a aposentadoria espontânea deixou de constituir causa de extinção do contrato de trabalho. Entretanto, a maioria da doutrina pátria e dos tribunais, embasados no art. 453 da Consolidação das Leis do Trabalho não seguiam tal disposição, afirmando que a concessão da aposentadoria pelo INSS, importava na extinção automática do contrato de trabalho.

Em 10 de dezembro de 1997, a Lei n. 9.528 introduziu dois parágrafos ao precitado artigo, referindo-se expressamente à extinção do contrato de trabalho com a aposentadoria espontânea. Nesse sentido, foi editada a Orientação Jurisprudencial n. 177 da SBDI-I, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), com o seguinte teor:

“Aposentadoria espontânea. Efeitos. A aposentadoria espontânea extingue o contrato de trabalho, mesmo quando o empregado continua a trabalhar na empresa após a concessão do benefício previdenciário. Assim sendo, indevida a multa de 40% do FGTS em relação ao período anterior à aposentadoria.”

Observa Arion Sayão Romita, que nos termos do art. 11 da Lei n. 9.528/97, a extinção do contrato de trabalho prevista no art. 453, § 1º da CLT não se opera para os empregados aposentados por tempo de serviço que permaneceram nos seus empregos até 11 de dezembro de 1997, bem como para aqueles que foram dispensados entre a data da publicação da primeira edição da medida provisória n. 1.523 até 30 de novembro de 1997, último mês anterior à vigência da Lei n. 9.528, em razão da aposentadoria por tempo de serviço. Fica claro, portanto, que anteriormente à lei mencionada, a concessão da aposentadoria não extinguia contrato de trabalho[1].

De fato, com a Lei n. 9.528/97, os empregados das empresas públicas e das sociedades de economia mista que se aposentassem, deveriam afastar-se do serviço, sendo permitido seu reingresso mediante aprovação em concurso público, obedecendo aos requisitos constantes no art. 37, inciso XVI da Constituição da República.

Posteriormente, foi apreciada liminarmente pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1721/97 suspendendo a vigência do § 2º, do art. 453 da CLT, que previa a extinção do contrato de trabalho quando concedido o benefício de aposentadoria a empregado que não tivesse completado 35 anos de serviço, se homem, ou 30 anos, se mulher.

Igualmente, a eficácia do § 1º do art. 453 da CLT foi suspensa por decisão liminar proferida pelo STF em 14 de maio de 1998, em resposta a Ação Direita de Inconstitucionalidade n. 1770/98.

Finalmente, em 11 de outubro de 2006, o STF julgou em definitivo as pré-citadas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n. 1.721[2] e 1.770[3], declarando procedentes os pedidos para declarar a inconstitucionalidade dos §§ 1º e 2º do art. 453 da CLT.

Em razão desses julgamentos, que produzem efeitos erga omnes, com eficácia vinculante e transcendente, o pleno do TST, em 25 de outubro de 2006, cancelou a Orientação Jurisprudencial n. 177, da SBDI-I, alterando, sobremaneira, a realidade jurídica imperante, não devendo, desse modo, ser exigido concurso público para permanência na atividade do empregado da empresa pública ou sociedade de economia mista, após a obtenção da aposentadoria previdenciária, não se operando, portanto, o término do contrato de trabalho.

Na verdade, é possível a assertiva de que o contrato de trabalho só será considerado extinto, caso o empregado opte pelo afastamento da atividade laboral, e sob esse aspecto, correto afirmar que a partir da revogação do art. § 2º do art. 453 da CLT, a concessão de aposentadoria não constitui causa de extinção automática do contrato de trabalho, a não ser que o próprio empregado deseje tal desligamento.

Assim posto, com o prosseguimento do vínculo trabalhista após a aposentadoria espontânea, o empregado acumula o recebimento do benefício previdenciário e do salário, valendo lembrar que a relação de emprego, regulada pelo Direito do Trabalho não se confunde com a relação de caráter previdenciário; ao contrário, convivem harmonicamente.

Trata-se, portanto, de situação lícita, em que a soma dos respectivos valores não pode exceder o subsídio mensal de Ministro do STF, observando-se, portanto, o inciso XI, do art. 37, da Constituição da República, com a nova redação dada pela Emenda n. 19.

Fato bastante corriqueiro em nosso país é a continuidade da atividade laboral posteriormente à aposentadoria, em decorrência da necessidade econômica do hipossuficiente. Aliás, as pré-citadas decisões do STF, apenas confirmam essa realidade, considerando, acertadamente, que a aposentadoria não interfere no contrato de trabalho, que permanece íntegro até que o empregado decida afastar-se espontaneamente de sua atividade, ou ainda, na hipótese de resilição pelo empregador, com o pagamento das verbas rescisórias correspondentes à integralidade do período trabalhado, contando-se, portanto, o tempo anterior à aposentadoria. Nesse caso, o empregador deve arcar com o pagamento das verbas rescisórias, inclusive a multa fundiária sobre o saldo da conta vinculada do FGTS correspondente a todo o período de prestação de serviços, inclusive anterior à aposentadoria[4].

Argumenta-se que o caput do art. 453 da CLT deve ser interpretado em conformidade com a orientação da Suprema Corte, não devendo considerar o contrato de trabalho extinto com a aposentadoria, salvo se o empregado assim o desejar. Conseqüentemente, se ocorrer despedida injusta, a multa fundiária deverá ser calculada sobre o total de depósitos do FGTS, ou seja, a partir da admissão do empregado, nos moldes do art. 10, inc. I, do ADCT, e do art. 18, §1º, e art. 20; inc. III, da Lei n. 8.036/90.

Ora, se a aposentadoria não põe fim ao contrato de trabalho, não há que se falar em readmissão, afastando por completo a incidência do disposto no caput do art. 453, da CLT.

É preciso, inclusive, sopesar, que a relação jurídica previdenciária, de natureza pública, entre segurado e a Previdência Social, referente à aposentadoria, não interfere na relação jurídica de emprego, de natureza privada, estabelecida entre empregado e empregador.

Há doutrina diametralmente contrária a esse entendimento, explicando, inclusive, que o caput do art. 453 da CLT não foi atingido pela decisão da Suprema Corte, permanecendo com sua eficácia plena[5], salientando que os parágrafos revogados pelas decisões definitivas do STF, destinavam-se apenas aos trabalhadores das empresas públicas e das sociedades de economia mista.

Sob essa linha de raciocínio, continua vigendo o caput do art. 453 da CLT, com a justificativa que o paradigma invalidado é outro, inexistindo, portanto, qualquer desrespeito à decisão vinculante do STF.

Como se percebe, a doutrina oscila sobre a questão. Os tribunais também não têm sido unânimes quanto à matéria:

“Aposentadoria espontânea- Extinção do contrato de trabalho – multa de 40% do FGTS anterior à jubilação- O cancelamento da Orientação Jurisprudencial n. 177 da Subseção I de Dissídios Individuais do Colendo TST não implica alteração da convicção de a aposentadoria espontânea extinguir o contrato de trabalho, dando-se início, a partir daí, a uma nova relação. É importante ressaltar que tal precedente, obstativo da percepção da multa de 40% sobre os depósitos ao FGTS realizados durante todo o liame empregatício, cancelado pelo Pleno em 25.10.06, foi objeto de análise do Colendo TST, posteriormente as liminares concedidas nas ADIn´s ns. 1721 e 1770, permanecendo, no entanto, incólume, haja vista que não se alicerçava nos parágrafos do art. 453 – objetos das ações diretas de inconstitucionalidade – mas sim em seu caput. E é inconcebível a argumentação no sentido de o art. 453 do estatuto consolidado se limitar a estabelecer regramento relativo a acessio temporis.  Tal dispositivo vai além, pondo, sim, termo ao contrato de emprego quando da jubilação requerida.” (TRT 2ª Reg. RS 0038520065202007 – Ac. 2ª T. 20061041569- Relª Juíza Mariângela de Campos Argento Muraro. DJSP 16.1.07, p.96.)

“Aposentadoria espontânea. Ausência de extinção do contrato de trabalho. Adin n. 1721-3. Incidência da multa de 40% sobre os depósitos do FGTS efetuados anteriormente à jubilação.- O excelso Supremo Tribunal Federal, julgando a Adin n. 1721-3 e a Adin n. 1770-4, firmou posicionamento no sentido de que o contrato de trabalho permanece íntegro mesmo com a aposentadoria espontânea do trabalhador. Diante desse posicionamento, não resta dúvida de que a multa de 40% do FGTS, devida por ocasião do rompimento do contrato de trabalho por iniciativa da empresa, deve incidir sobre os depósitos do FGTS efetuados no período anterior à jubilação, sacados por força da aposentadoria espontânea. Embargos conhecidos e providos. TST-E-RR-666.618/2000.3-“ (Ac. SBDI-1)- Rel. Min. Aloysio Corrêa da Veiga DJU 19.12.06, p. 1.148).

Observa-se, contudo, que apesar da instabilidade jurídica sobre o tema tratado, justifica-se o entendimento de que a aposentadoria não é causa extintiva do contrato de trabalho. O jubilamento não mais importa necessariamente no fim do contrato, a não ser que o empregado assim o deseje.

Mantém-se, portanto os art. 49, inciso I, alínea b, da Lei 8.213/91, podendo o trabalhador acumular o benefício previdenciário e o salário. E se o empregado continua no emprego apesar da aposentadoria espontânea, nada mais justo, lógico e razoável, que seu contrato de trabalho prossiga normalmente.

Assim posto, o recebimento dos benefícios previdenciários em nada modificará o pacto laboral. Na verdade, a aposentadoria não interfere no Direito do Trabalho.

Dessa maneira, caso o empregado seja despedido injustamente, consequentemente, deverá receber a multa fundiária, inclusive incidente sobre o tempo anterior à aposentadoria, nos moldes do art. 18, § 1º, da Lei 8.036/90, independentemente do saque previsto no art. 20, III da mesma legislação citada[6].

Ressalta-se que o juiz, ao aplicar a lei, deve atender aos fins sociais a qual se dirige e às exigências do bem comum, nos moldes ao art. 5º, da LICC. Desse modo, considerando-se que a aposentadoria espontânea, como é notório em nosso país, não proporciona condições para que o trabalhador passe para a inatividade de forma estável financeiramente, pelos ínfimos proventos que recebe, para manter sua sobrevivência, precisa continuar a trabalhar.

Não se pode conceber, sem que haja ordem legal expressa, o entendimento da extinção da relação de emprego pela aposentadoria espontânea, quando inexiste a cessação do trabalho pelo empregado.

Desta feita, e pela fundamentação jurídica anteriormente exposta, a razão está com a Corte Suprema ao considerar que a aposentadoria não interfere na relação jurídica de emprego, não extinguindo o contrato de trabalho, a não ser que o próprio trabalhador deseje rescindir o pacto laboral.

 

Notas:
[1] ROMITA, Arion Sayão. Aposentadoria espontânea do empregado- efeitos sobre o contrato de trabalho.  Revista LTR. 70-12/1415- 1421. São Paulo:.Ed. LTR. 2006. p. 1421.
[2] Relator: Min. Carlos Brito.Vencido o Min. Marco Aurélio, que julgou improcedente o pedido.
[3] Relator: Min. Joaquim Barbosa. Vencido em parte, o Min. Marco Aurélio.
[4] Acontece, que as Turmas do TST têm adotado soluções conflitantes sobre a questão da multa fundiária na rescisão sem justa causa após a aposentadoria espontânea. Segundo Arion Sayão Romita, in: Aposentadoria espontânea do empregado- efeitos sobre o contrato de trabalho.  Revista LTR. 70-12/1415- 1421. São Paulo: Ed. LTR. 2006. p. 1420, a Quarta Turma, ao julgar o RR 616084/1999, decidiu com base na Lei n. 5.107/66, que a indenização de 40% só incide sobre os depósitos efetuados após a aposentadoria. A Primeira, a Segunda, a Terceira e a Quinta Turmas, decidiram em situações semelhantes, que tal indenização incide sobre a totalidade de depósitos durante todo o pacto laboral.
[5] MARTINS, Melchíades Rodrigues. Aposentadoria e extinção do contrato de trabalho. Revista LTr 71-01/15-26,. São Paulo. Ed. LTr.2005, p. 17.
[6] Salienta-se que existe possibilidade legal de saque do FGTS (durante o pacto laboral) na hipótese de pagamento para aquisição de casa própria, nos moldes do art. 20, VII da Lei n. 8.036/90. Caso o empregado seja posteriormente despedido injustamente, o empregador deverá arcar com a multa de 40% sobre o FGTS depositado durante todo o pacto laboral, não existindo qualquer dúvida de que a quantia anteriormente sacada pelo empregado (para pagamento da casa própria nos termos da lei) é inserida (projetada) no cálculo da multa fundiária. Acompanhando este raciocínio, mesmo que o empregado tenha sacado o FGTS por motivo de aposentadoria (art. 20, III, da Lei n. 8.036/90), os depósitos fundiários anteriores à aposentadoria devem sim, ser considerados para efeito da multa fundiária.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Cláudia Coutinho Stephan

 

Mestra e Doutora em Direito do Trabalho pela PUC/SP
Professora de Direito do Trabalho da PUC/MG- campus de Poços de Caldas

 


 

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