Instrumentalidade do modelo processual trabalhista e efetividade da tutela jurisdicional reintegratória: Concretização do direito de acesso à Justiça e a reintegração no emprego

Sumário: I – Instrumentalidade do Modelo Processual Trabalhista; II – Crise do Atual Modelo Processual Brasileiro, Acesso à Justiça e Obstáculos à Efetividade do Processo Jurisdicional Trabalhista; II – Reintegração no Emprego e Tutela Jurisdicional Reintegratória; IV – Concretização da Tutela Jurisdicional Reintegratória; V – Novos Rumos e Mudanças de Mentalidade


I – Instrumentalidade do Modelo Processual Trabalhista


O processo jurisdicional, enquanto instrumento de atuação da jurisdição e do direito de ação, é um só, formalmente considerado. Quanto à natureza das lides aos quais serve como instrumento de resolução, entretanto, é comum dividir o modelo processual em subespécies, considerando as peculiaridades de sua disciplina


O legislador brasileiro, ao definir os contornos do sistema processual, optou por criar, dentro do modelo maior de processo jurisdicional, um modelo específico para a resolução dos conflitos de natureza trabalhista. Sem ter ainda um código próprio, mas com mais de duzentos artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) destinado à sua regulamentação, constata-se a existência de um modelo processual trabalhista, por sua vez dedicado à atuação das normas materiais trabalhistas.[1]


Com a admissibilidade do recurso ao processo jurisdicional comum como fonte subsidiária (artigos 769 da CLT), o processo laboral supre as lacunas existentes na sua legislação específica, facilitando o desenvolvimento das demandas tendo em vista a diversidade de institutos colocados à disposição dos seus operadores pelo legislador. Sem se desligar de suas características próprias, como a simplicidade do procedimento e o informalismo como regra, o modelo se apresenta como instrumento destinado a fazer atuar as normas abstratas e promover a paz no meio conflituoso das relações de trabalho.


A instrumentalidade do modelo processual trabalhista, portanto, compreende a atuação deste na consecução dos escopos do processo jurisdicional. Deve servir de meio para a aplicação coercitiva, pelos Estado, das normas trabalhistas descumpridas pelo empregado e/ou empregador. Deve buscar conservar o ordenamento jurídico laboral, impondo a autoridade do modelo tutelar concebido pelo legislador. Deve procurar conscientizar os litigantes e suas respectivas classes acerca dos direitos e deveres que derivam da relação de emprego. E, acima de tudo, deve proporcionar o restabelecimento da harmonia dentro da comunidade laboral mediante a consagração da justo, promovendo a pacificação com justiça.[2]


Em outras palavras, o modelo processual trabalhista corresponde a um instrumento de acesso à justiça, ou seja, de “acesso a um ordenamento jurídico justo”. Representa, assim, uma ferramenta de inserção dos sujeitos da relação de emprego dentro de um sistema jurídico justo. O empregado, tanto quanto o empregador, deseja ser “incluído” socialmente, sendo respeitado enquanto trabalhador, cidadão e pessoa humana. E tal respeito somente é de fato materializado quando os direitos forem efetivamente respeitados, espontaneamente ou por meio da coerção estatal.


Não basta ao Estado, pois, apenas estipular, abstratamente, normas trabalhistas no ordenamento jurídico. O dever do Estado de assegurar direitos trabalhistas mínimos não se resume à consagração dos mesmos na legislação laboral. A simples previsão normativa não exaure sua missão.


É necessário proporcionar a concretização de tais direitos. Se a norma não foi observada espontaneamente, é dever do Estado impor a sua observância coercitivamente, quando devidamente provocado pela parte prejudicada, mediante as medidas jurisdicionais cabíveis e em estrita observância ao devido processo legal. Inclusive e especialmente quando ocorre o descumprimento das normas imperativas do modelo de proteção à relação de emprego.


Ao direito de ação do empregado, corresponde o dever do Estado, por meio dos órgãos jurisdicionai da Justiça do Trabalho[3], de prestar uma adequada tutela jurisdicional àquele cujo direito foi reconhecido. Caso desrespeitada as regras materiais que disciplinam a proteção à relação de emprego, é o modelo processual trabalhista que surge como instrumento mais hábil a assegurar a concretização do direito material do obreiro. A proteção estatal, assim, vai além do controle abstrato exercido pelo legislador, passando a ser concretamente executando quando for devidamente instaurada a relação processual.


O modelo processual trabalhista, nesse sentido, serve de instrumento de materialização da proteção prevista no modelo normativo que disciplina as relações de trabalho. Tanto quanto o modelo de direito material, o modelo processual serve de ferramenta para efetivar a proteção à relação de emprego. E, quando tanto realizar, estará cumprindo integralmente a sua função sócio-político-jurídica, proporcionando a paz e a justiça, alcançando de forma plena todos os seus escopos.


Ao menos em tese.


E no plano empírico, qual o grau de eficiência desse sistema processual? Na realidade das relações trabalhistas, qual o nível de efetividade do modelo processual trabalhista?


II – Crise do Atual Modelo Processual Brasileiro, Acesso à Justiça e Obstáculos à Efetividade do Processo Jurisdicional Trabalhista


Como instrumento criado pelo homem, o processo jurisdicional é, naturalmente, tão falível quando o seu criador. E mais. Além de ser uma ferramenta concebida pela mente humana, e, portanto, ser marcada pela falibilidade do legislador que transformou o projeto teórico em um modelo dogmático, o sistema processual somente é desenvolvido através da necessária intervenção do homem, mediante as figuras dos sujeitos processuais, surgindo como conseqüência outra esfera humana de falibilidade, sucessiva à primeira. Criado e manuseado pelo homem, a imperfeição do modelo processual é inevitável. Em virtude de tais limitações, derivadas diretamente da própria condição humana, não há como esperar outro resultado. 


A falibilidade, destarte, como característica inerente ao homem, também se reflete no sistema processual, seja qual for o modelo a ser adotado. Agora, tal quadro de limitações não significa que o sistema atual não pode ser aperfeiçoado. Longe disso.


O momento contemporâneo[4] da doutrina processual, chamado de fase instrumentalista[5], é caracterizado pela postura de forte crítica ao modelo brasileiro de processo jurisdicional, procurando mostrar o completo divórcio existente entre o sistema na teoria e aquele vivenciado na prática perante os tribunais. Procura promover a sua evolução, mas não mais no sentido técnico-dogmático e sim na sua missão institucional de restabelecer a paz e produzir justiça. Trata-se de uma fase da história do direito processual que revela como traço marcante a preocupação com os resultados práticos do modelo processual e com a satisfação dos seus destinatários, almejando atender aos anseios tanto dos pelos operadores do direito como, especialmente, os consumidores dos serviços judiciários.[6]


O atual modelo brasileiro é, natural e evidentemente, impregnado de defeitos, quase sempre marcas de uma tendência a favorecer determinados segmentos da sociedade no país. Mas, mirando na utopia de um sistema processual mais apto a promover a justiça social desejada pela população como um todo, mesmo que com as deficiências naturais ao homem, há espaço para uma grande evolução.


O direito do cidadão ao acesso à justiça[7], destarte, não pode prescindir desse instrumento conhecido como o processual jurisdicional, no seu modelo atual, mesmo em face das deficiências deste. Faz parte da concepção ampla de cidadania[8]. Uma vez corporificado o conflito e reconhecida a inviabilidade dos demais meios alternativos de composição, é unicamente através desse caminho de heterocomposição assegurado pelo Estado que o prejudicado poderá ver legitimamente resolvida a controvérsia.


Modernamente, o processo jurisdicional é concebido como o instrumento por meio do qual o Estado-Juiz exerce o seu dever jurisdicional, tendo por escopo magno a função de, após materializada a lide, promover a paz na sociedade afetada pelo conflito, resolvendo este à luz de critérios de justiça. Pacificação com justiça é a sua missão primordial. Corresponde, pois, a um instrumento de acesso à justiça, como meio de assegurar a efetividade das normas adotadas pela comunidade ao qual serve, concretizando coercitivamente o direito abstrato mediante a intervenção provocada do Estado e instruindo a todos acerca da conduta correta a ser observada no meio social. Como conseqüência da sua instrumentalidade, portanto, serve ainda às tarefas de aplicar o direito material ao caso concreto, conservar o ordenamento jurídico e educar os litigantes e toda a comunidade envolvida. São esses, conforme anteriormente examinado, os seus escopos jurídico, político e social.[9]


A pacificação com justiça, entretanto, é a sua missão maior. Servir adequadamente ao cidadão como instrumento de acesso à justiça é a sua meta cardeal. O sistema processual, portanto, se apresenta como uma ferramenta à disposição do lesado (ou ameaçado de sofrer lesão), utilizável para assegurar a correção do desvio e a reparação do dano à luz das diretrizes da respectiva ordem jurídica.


Consciente das limitações de qualquer modelo processual, como conseqüência inevitável da condição humana, os principais doutrinadores da fase instrumentalista no Brasil passaram a desenvolver uma utopia processual, ou seja, um modelo ideal, mas concretizável, de processo jurisdicional.


Sem serem abalados pelo desafio herculiano, nomes como Cândido Rangel Dinamarco[10], Ada Pelegrini Grinover[11], José Carlos Barbosa Moreira[12] e Kasuo Watanabe[13], assumiram a frente no desenvolvimento de uma utopia processual, enquanto sistema idealizado mas concretizável, capaz de servir norte para um novo modelo brasileiro de processo jurisdicional. Através de críticas construtivas e sugestões expostas em suas obras, procurando diagnosticar os “pontos sensíveis” do sistema e oferecer propostas para o seu aperfeiçoamento, os respectivos doutrinadores da instrumentalidade e defensores de um processo jurisdicional de resultados satisfatórios deram um novo rumo aos estudos processuais, visando tornar o modelo pátrio um sistema de real efetividade na consecução dos seus escopos.


A efetividade do modelo processual, destarte, corresponde ao seu grau de eficiência na consecução de tais metas, ou seja, o nível de sua verdadeira eficácia na realização dos seus objetivos. Se apto, concretamente, a cumprir os seus escopos, autêntica será a sua efetividade.[14]


A efetividade do sistema processual enquanto instrumento de acesso à justiça, por sua vez, não é apenas útil, é absolutamente imprescindível à efetividade da própria ordem jurídica[15]. Os direitos materiais do cidadão somente terão garantia de aplicabilidade na medida em que o processo jurisdicional oferecido pelo Estado for realmente eficaz. Sem a efetividade do modelo processual, não há como assegurar a efetividade das regras do direito material. Este não pode prescindir daquele.


Não se limita, contudo, apenas à capacidade do modelo processual de proporcionar resultados que satisfaçam a pretensão de direito material deduzida em juízo e preservem a legitimidade do ordenamento jurídico, isto é, não se restringe à eficiência da execução das funções jurídica e política do sistema processual, de aplicar o direito material e conservar a ordem jurídica. Abrange também a sua aptidão para atingir os seus escopos sociais, servindo de canal de instrução aos litigantes e aos demais membros da sociedade, e, acima de tudo, ratificando a aptidão do modelo processual de concretizar a sua meta maior de pacificar com justiça, amparando adequadamente ao cidadão como instrumento assecuratório do acesso à justiça.[16]


Um primeiro e decisivo passo em tal direção seria aprimorar o modelo processual trabalhista quanto às ferramentas aptas a impor o cumprimento célere e eficaz das decisões judiciais.


Notadamente as decisões envolvendo a reintegração no emprego de um empregado ilegalmente despojado do seu posto empregatício.


III – Reintegração no Emprego e Tutela Jurisdicional Reintegratória


A palavra “reintegrar” encontra sua origem no latim, derivando etimologicamente da expressão redintegrare. Esta, por sua vez, é oriunda da junção dos elementos redin e integer, o primeiro significando restituir a seu estado primitivo; o segundo, não tocado, completo, íntegro.


Resituere in integrum.


Corresponde, numa visão singela, à restituição integral, à volta a um estado anterior de inteireza, ao retorno ao quadro original de integralidade.


Modernamente, a expressão “reintegrar” é definida, segundo o Dicionário Houaiss[17], como “restabelecer alguém na posse de um bem ou de um emprego de que foi privado”, e, de acordo com o Dicionário Aurélio[18], como “restabelecer alguém na posse de um bem, de um emprego, de que fora despojado”.


Reintegração, por sua vez, é definida de forma genérica por ambos os dicionários citados como a “ação ou efeito de reintegrar(-se)”. Do latim redintegratio, significa, de modo amplo, a recuperação completa de algo antes desintegrado, a ação de produzir um retorno a um estado primitivo, sem qualquer modificação, sem faltar absolutamente nada, como se o objeto não tivesse sido tocado.


O Houaiss[19], por sua vez, apresenta outras acepções mais específicas de reintegração, relacionadas ao campo jurídico. Uma, exposta como um significado vinculado ao âmbito do Direito Administrativo, define o instituto como a “recondução do funcionário ao cargo de que fora ilegalmente demitido, com ressarcimento de todos os prejuízos”, e, outra, exibida como uma conceituação ligada ao campo trabalhista, a descreve como o “retorno do empregado ao seu emprego, do qual foi afastado, contando-se o tempo de afastamento como de serviço e tendo direito aos salários relativos ao tempo em que ficou afastado”.


Na sua versão mais específica, por seu turno, o Aurélio[20] define reintegração como a “readmissão em cargo público com ressarcimento de todas as vantagens a ele inerentes, por força de decisão judicial ou administrativa”. Tal conceito aproxima-se do encontrado no Vocabulário Jurídico de Plácido e Silva[21], que, após tratar da “reintegração da posse”[22], examina a “reintegração do cargo”, definindo-a como o “ato administrativo pelo qual é a pessoa recolocada ou reposta no exercício do cargo ou função, de que fora afastada ou exonerada”, acrescentando em seguida que tal restituição ocorre “com todas as vantagens e garantias, que lhe cabiam ou que teria, como se, em realidade, jamais se tivesse afastado deles” e, ainda, esclarecendo que a “reintegração do cargo ou reintegração no cargo pode resultar de decisão administrativa ou ser imposta por decisão judiciária, em face de ação proposta pelo interessado”.


Constata-se, por conseguinte, que a reintegração, no campo jurídico das relações de trabalho é concebida como o restabelecimento integral de um estado funcional primitivo, do qual fora irregularmente despojado o trabalhador, caracterizado pelo ressarcimento completo de todos os direitos e vantagens do período de afastamento e pela origem coercitiva da respectiva restituição, imposta por decisão administrativa ou ordem judicial.


Em síntese, três elementos constitutivos: 1) uma ação de reconstituir, com o intuito de promover a restituição integral de uma relação laboral anteriormente rompida ou sob suspensão preventiva); 2) uma decisão administrativa ou judiciária, reconhecendo a irregularidade do despojamento do emprego, seja pela ilegalidade da demissão/despedida[23] praticada, seja pelo reconhecimento da ilegitimidade do afastamento ou suspensão promovida pelo empregador, impondo a plena restituição do vínculo; e 3) uma conseqüência material imediata, concretizada pelo pagamento integral ao trabalhador das vantagens do período de afastamento irregular e o restabelecimento dos direitos decorrentes, inclusive com a contagem do respectivo tempo de serviço.   


A integralidade da restituição ao estado primitivo quanto a vantagens e garantias e a vinculação do retorno a uma decisão administrativa ou judicial, à luz das diretrizes legais, se apresentam como elementos essenciais à caracterização da reintegração.


Apesar da precisão das definições expostas no Houaiss e no Vocabulário Jurídico em seguir tais moldes, entretanto, os conceitos encontrados em tais dicionários pecam por restringir a admissibilidade da reintegração apenas a um cargo publico e, quanto à definição oferecida pelo primeiro, por tratar reintegração e readmissão como sinônimos. Algo que, no plano técnico-jurídico, não corresponde à melhor interpretação dos respectivos institutos.


A freqüente vinculação da reintegração à existência de um cargo público (do qual fora afastado o interessado e no qual será reconduzido) decorre da sua origem administrativa, que se confunde com a raiz histórica do instituto da estabilidade jurídica.


A estabilidade jurídica surgiu, originalmente, como um privilégio profissional de algumas categorias de funcionários públicos. Os primeiros “estáveis” no Brasil, assim, foram os juízes e oficiais do exército e da armada, beneficiados pelas Constituições de 1824 e de 1891. Posteriormente, em 1915, a estabilidade jurídica foi estendida a todos os funcionários públicos que atingissem dez anos de efetivo serviço no cargo.[24] Em todos os casos, a estabilidade jurídica assegurava ao funcionário público o direito de retornar ao cargo público em caso de afastamento ilegal. De tal quadro, a vinculação natural encontrada na doutrina quanto aos institutos.


Os limites de tal corrente, entretanto, há muito foram ultrapassados. Com a introdução do instituto da estabilidade jurídica ao campo das relações de trabalho entre particulares, a reintegração superou as fronteiras do Direito Administrativo, passando a fazer parte do Direito do Trabalho, originalmente como um direito do empregado estável[25], quando afastado irregularmente, e, por fim, como um instituto ao alcance daqueles empregados vítimas de dispensas abusivas, conforme anteriormente destacado.


O âmbito de sua incidência, antes adstrita aos ocupantes de cargos efetivos na administração pública, passou a abranger também os empregados ocupantes de postos de emprego tanto na administração pública como no campo privado, quando violadas as normas de restrição ao direito de despedir.


Tal quadro atual, por conseguinte, exige uma retificação na definição clássica de reintegração, como corretamente indicado pelo Dicionário Houaiss, incluindo como acepção deste instituto o retorno, decorrente de decisão administrativa ou judicial, de empregado ao seu posto empregatício, restabelecendo-se o vínculo de emprego irregularmente rompido através de uma despedia ilegal ou sob suspensão preventiva durante inquérito judicial, com todas as vantagens e garantias do período de afastamento.  


Dentro de tal contexto, tutela jurisdicional reintegratória é a tutela proporcionada no âmbito do processo trabalhista por provimento judicial que concretiza o direito material de empregado concernente à sua reintegração no emprego. Na sua forma plena, impõe o restituere in integrum do quadro primitivo anterior ao despojamento ilegal do emprego, ou seja, a restituição integral ao seu estado original, tanto no plano físico (retorno ao posto empregatício), como no plano formal (registro de tal retorno na carteira profissional e nos documentos funcionais da empresa), e, ainda, no plano econômico (pagamento da reparação correspondente aos prejuízos do período do despojamento).


Considerando tais efeitos à luz da classificação da tutela jurisdicional segundo a natureza dos resultados produzidos no plano jurídico material, a tutela jurisdicional reintegratória se enquadra como uma espécie de tutela reparatória específica, abrangendo tanto obrigações de fazer (promover o retorno físico do empregado ao seu posto empregatício originário e efetuar os registros documentais conseqüentes) como de pagar quantia em dinheiro (corresponde ao montante do ressarcimento devido em virtude dos prejuízos financeiros decorrentes do período do despojamento).


Não se trata de tutela preventiva, pois a lesão ao direito já foi materializada no plano empírico, através do despojamento ilegal do empregado. No caso de tutela reintegratória, não se pode prevenir o dano já efetivado pela conduta patronal. Daí o objetivo da respectiva demanda: obter a reintegração no emprego.


Não se trata de tutela sancionatória, por outro lado, pois não impõe penalidade prevista no ordenamento jurídica ao empregador em virtude de sua conduta ilícita. Nada impede, contudo, que haja a cumulação de pedido de tutela reintegratória como pedido de tutela sancionatória envolvendo multa pecuniária prevista em instrumento normativo em caso de prática de atos ilegais de tal natureza.


Segundo o critério da forma como é afetada a realidade do beneficiado pela medida (considerando o dano já sofrido ou que pode vir a sofrer), destarte, a tutela jurisdicional reintegratória é evidentemente uma modalidade de tutela reparatória.


Como tutela reparatória, a tutela jurisdicional reintegratória é, ao proporcionar, o quanto for possível na prática, tudo e precisamente aquilo ao qual faz jus, segundo o ordenamento jurídico trabalhista, o empregado dispensado ilegalmente por empregador que violou alguma norma de restrição ao direito de despedir, é uma tutela específica. Nesse sentido, impõe a concretização de atos de natureza diversa (como os de fazer relativos ao retorno físico do empregado e ao registro documental de tal retorno, bem como o de pagar quantia em dinheiro, correspondente ao montante devido ao obreiro a título de reparação pelo pelos danos financeiros gerados pelo despojamento), mas nos exatos termos previstos no modelo brasileiro de proteção à relação de emprego.


IV – Concretização da Tutela Jurisdicional Reintegratória


Pode a tutela reintegratória ser proporcionada por meio de uma tutela jurisdicional diferenciada?


Possível, sim. E mais, preferencialmente.


Quando em clarividência o direito à reintegração, deve esta ser proporcionada após cognição sumária, mediante um dos instrumentos que compõem os provimento de tutela de urgência. As peculiaridades que caracterizavam o quadro de despojamento ilegal justificam tal admissibilidade, ou melhor, tal predileção. O quadro de ilicitude gerado pelo despojamento do empregado, além de representar violação a preceitos imperativos e de ordem pública, também afeta o direito básico de trabalhar e expõe o empregado a toda sorte de problema pessoal (emocional, financeiro, de desatualização profissional, etc.), podendo ainda representar uma ofensa à sua categoria profissional (no caso de portador de estabilidade sindical, por exemplo) e/ou a um interesse social de dimensões ainda maiores (exemplo da dispensa discriminatória).


Fora o fato, demasiadamente óbvio, de que, na quase totalidade dos casos, o tempo se revela um elemento essencial à utilidade prática do provimento jurisdicional final. A efetividade da tutela reintegratória, destarte, se encontra diretamente vinculada à rapidez do modelo processual em produzir o provimento destinado a concretizar a reintegração no emprego. Isto é, a urgência na concessão da medida judicial reintegratória decorre do fato de que, para assegurar a sua serventia em termo práticos, é imprescindível a célere concretização da tutela reintegratória.


Viabilidade, na realidade empírica das relações de trabalho, de tutela jurisdicional reintegratória proporcionada após longos anos de debates nos tribunais do trabalho? Real efetividade do direito material à reintegração mesmo quando concretizado ao final de arrastado processo trabalhista?


Verdadeira miragem do modelo jurídico pátrio.


A eficácia da tutela jurisdicional reintegratória, assim, está diretamente vinculada à serventia do respectivo provimento judicial, tornando imprescindível promover a reintegração judicial no emprego mediante os meios processuais mais capazes a assegurar tal efetividade.


Quais as respectivas vias processuais, aptas a proporcionar a eficiência desejada?


Estabelece o inciso I da nova Súmula 396 do C. Tribunal Superior do Trabalho[26], destinado a sedimentar o entendimento envolvendo casos de ações com pedidos de reintegração no emprego formulados por empregados portadores de alguma espécie de estabilidade provisória, que “Exaurido o período de estabilidade, são devidos ao empregado apenas os salários do período compreendido entre a data da despedida e o final do período de estabilidade, não lhe sendo assegurada a reintegração no emprego”.


Considerando tal entendimento sumular, bem como o fato de que a quase totalidade de empregados portadores de estabilidade jurídica no emprego são protegidos contra a vontade resilitória dos seus empregadores apenas durante curto lapsos de tempo, constata-se que, na prática, a tutela específica pretendida pelo postulante (a reintegração no emprego) somente será concedida pelo Judiciário Trabalhista na hipótese de se conseguir concretizar a garantia constitucional consagrada no novo inciso LXXVIII do artigo 5º da Carta Política de 1988:  “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.


A realidade dos tribunais do trabalho, apesar de todo o esforço dos seus integrantes (magistrados e servidores), demonstra, por outro lado, que a batalha diária contra as causas da mora processual é uma luta sem trégua, e, constantemente, resulta em derrotas para os defensores da efetividade do processo.


A demora na entrega da tutela jurisdicional, que atinge boa parte das demandas judiciais (inclusive aquelas processadas perante a Justiça do Trabalho) levam à conclusão de que, em situações como as das ações de reintegração no emprego envolvendo empregados portadores de alguma modalidade de estabilidade provisória, a única forma de garantir a concretização da tutela jurisdicional reintegratória será proporcionar a celeridade processual mediante a concessão da reintegração antes do momento usual, ou seja, antes da prolação da sentença de mérito ao final da fase cognitiva originária do respectivo processo trabalhista. 


Como, contudo, proporcionar a reintegração “provisória” ou “incidental” do empregado. Qual o meio processual hábil a concretizar tal medida?


À luz do atual momento do modelo brasileiro de processo jurisdicional, entretanto, resta superada a categoria instrumental originalmente denominada por Piero Calamandrei de “procedimentos cautelares de antecipação dos procedimentos decisórios”[27], isto é, as chamadas  “medidas cautelares satisfativas”, que, contrariando a essência meramente preventiva da cautelaridade[28], seriam destinadas a proporcionar satisfatividadeem relação à tutela jurisdicional principal pretendida, no sentido de provocar a precipitação de efeitos próprios da concretização do comando fixado em sentença definitiva. A análise da história recente do modelo brasileiro revela que tal categoria foi sucedida[29], quanto a sua função antecipatória de efeitos próprios da tutela jurisdicional final, pelo instituto da antecipação de tutela (co-espécie de instrumento, ao lado das medidas cautelares nominadas e inominadas, integrante do complexo de provimentos de tutela de urgência[30]), nos moldes introduzidos pelo legislador pátrio no curso da reforma do Código de Processo Civil,com a edição da Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994.


Nesse contexto, hodiernamente a tutela cautelar não se revela adequada para proceder à promoção da reintegração antes da prolação de sentença de mérito em processo trabalhista de conhecimento, pois a medida reintegratória concedida em tais termos implica em provimento incidental de natureza satisfativa (hoje peculiar aos provimentos de antecipação de tutela[31]) e não de índole preventiva, como é da essência das medidas cautelares.


Como conseqüência de tal quadro atual, uma medida cautelar reintegratória, concedida de forma incidental, no curso de uma ação trabalhista de conhecimento, ou de modo antecedente, mediante uma ação cautelar preparatória proposta antes do ajuizamento da ação principal, representa uma afronta ao princípio do devido processo legal, por materializar o uso inadequado de um instrumento processual com função específica diversa.


Na época remota, os juízes que concediam as “cautelares reintegratórias” se inspiravam nas medidas liminares revistas em determinados dispositivos da legislação processual pátria, então classificadas pela doutrina dominante como de índole cautelar[32], mas capazes de promover eficácia satisfativa, no sentido de adiantar os efeitos da tutela jurisdicional final pretendida na ação principal, e, assim, assumir feição “antecipatória”[33].


A legislação pátria é pródiga em “liminares” de tal estirpe. Nesse sentido, no âmbito do próprio Código de Processo Civil, os casos dos artigos 804 e 928 do CPC, envolvendo as medidas liminares concedidas no curso de ação cautelar e de ação possessória[34], respectivamente. Na mesma linha, no âmbito da legislação processual civil complementar ao citado diploma, as hipóteses do artigo 7º da Lei nº 1.533, de 31 de dezembro de 1951, e artigo 12 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, relativas às medidas concedidas liminarmente em sede de mandado de segurança[35] e de ação civil pública[36], respectivamente, e, ainda, o artigo 84, §3º, do Código de Defesa do Consumidor[37], que autoriza ao juiz “conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu”, nas ações visando o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer.


Anteriormente, tanto os magistrados como os doutrinadores enquadravam tais medidas liminares como provimentos de tutela cautelar, mesmo em face ao seu cunho satisfativo (e não meramente preventivo, como é próprio das medidas cautelares), em virtude da inexistência, à época, da categoria instrumental cujas bases foram definidas pelo legislador em 1994. Hodiernamente, após a criação dessa outra espécie de medida jurisdicional de tutela de urgência[38], tais provimentos liminares são enquadrados como de antecipação de tutela, quando produzirem efeitos que coincidem no todo ou em parte com os efeitos pretendidos na tutela jurisdicional final, ou seja, quando demonstrarem natureza satisfativa.[39] 


No atual estágio do modelo brasileiro de processo jurisdicional, destarte, a única via adequada para se promover incidentalmente a reintegração provisória[40] do empregado é por meio da efetivação de provimento de antecipação de tutela reintegratória. Para se obter o adiantamento dos efeitos da tutela jurisdicional final pretendida em ação trabalhista cujo objeto é a reintegração no emprego de empregado, por conseguinte, não mais serve a medida cautelar.[41]


A inviabilidade da tutela cautelar para tal fim, ressalta-se, hoje já se encontra devidamente sedimentado na doutrina[42] e na jurisprudência dos tribunais do trabalho. Em tal sentido, inclusive, a Orientação Jurisprudencial nº 63 da Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho (SDI-2), a seguir transcrita:


“Mandado de Segurança. Reintegração. Ação Cautelar. Comporta a impetração de mandado de segurança o deferimento de reintegração no emprego em ação cautelar.”


Claro, portanto, o descabimento da tutela cautelar para fins de reintegração judicial no emprego.


Examinados os motivos pelos quais não foi incluída a tutela cautelar como meio processual apto a promover a reintegração do empregado antes da prolação da sentença de mérito, incumbe agora proceder ao estudo específico da via considerada como a única capaz de levar à obtenção de tal tutela incidental.


Sendo inservível, hodiernamente, a tutela cautelar para se obter a reintegração no emprego antes da prolação da sentença, remanesce a categoria instrumental moldada pelo legislador na fase inicial da reforma processual como único meio processual apto a proporcionar a reintegração judicial do empregado mediante o adiantamento dos efeitos da tutela jurisdicional reintegratória postulada em ação trabalhista. Em outras palavras, no atual estágio do modelo brasileiro de processo jurisdicional, é a antecipação de tutela o único meio processual capaz de licitamente proporcionar a reintegração judicial do empregado em momento anterior ao da sentença reintegratória.


Em linhas gerais, a antecipação de tutela corresponde a um instrumento de tutela de urgência consubstanciado no provimento judicial concedido no curso da ação pelo juiz, quando preenchidos determinados requisitos de concessão da medida, e concretizado de imediato, mediante incidente de efetivação, que enseja o adiantamento, total ou parcial, dos efeitos da tutela jurisdicional final pretendida, decorrendo de tal satisfatividade, mesmo que de modo precário e interinal, uma forma de proteger mediatamente o próprio processo jurisdicional e, imediatamente, o direito que constitui o objeto material deste[43]. [44] 


Apresenta, pois, cinco caracteres principais: 1) a natureza satisfativa do provimento, por proporcionar efeitos que, total ou parcialmente, coincidem com os efeitos da tutela jurisdicional final pretendida[45]; 2) a índole necessariamente incidental da medida, pois somente pode ser concedida no curso de um processo já iniciado[46]; 3) o cunho instantâneo da sua eficácia, no sentido de ser uma medida de efetivação imediata, não sujeita aos trâmites normais da execução de um provimento jurisdicional[47]; 4) a sua natureza interinal, pois é um provimento provisório, podendo ser alterado ou revogado a qualquer tempo pelo juiz[48]; e 5) a sua índole precária, pois é uma medida condicional, cuja eficácia dependerá do teor da futura decisão definitiva[49].


A admissibilidade da antecipação de tutela envolvendo a reintegração no emprego, por sua vez, é hodiernamente indiscutível. No âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, inclusive, tal entendimento já se encontra devidamente sedimentado na Orientação Jurisprudencial nº 64 da Seção de Dissídios Individuais (SDI-2), a seguir exposta:


“Mandado de Segurança. Reintegração liminarmente concedida. Não fere direito líquido e certo a concessão de tutela antecipada para reintegração de empregado protegido por estabilidade provisória decorrente de lei ou norma coletiva.   “


Correto. E lógico.


Correto, pois a categoria instrumental da antecipação de tutela corresponde a um instituto perfeitamente adaptável às peculiaridades do processo trabalhista. É, destarte, apta para preencher as lacunas da legislação processual e compatível com as regras e princípios do modelo processual trabalhista, satisfazendo as exigências de “omissão” e de “compatibilidade” expostas no artigo 769 da CLT[50], como essenciais à aplicação no âmbito trabalhista de instrumentos do processo comum.[51] 


Lógico, porque a reintegração judicial mediante medida de antecipação de tutela é, na realidade, absolutamente imprescindível ao modelo brasileiro de processo trabalhista, como meio assecuratório da efetividade do direito material do empregado e do próprio processo jurisdicional trabalhista.


Sem tal instrumento processual de concretização do direito de reintegração do obreiro ilegalmente despojado do seu emprego, este último estaria completamente vulnerável, no mais das vezes, à ruína da sua esperança em retornar ao posto empregatício. A efetividade do direito do empregado de acesso à justiça, estaria irremediavelmente comprometida. Simplesmente inaceitável, pois, a posição daqueles que, sob a bandeira da (suposta) previsão legal taxativa, limitam as medidas antecipatórias de reintegração no emprego a casos enquadráveis nas letras do citado dispositivo consolidado


V – Novos Rumos e Mudanças de Mentalidade


O sistema pátrio de processo trabalhista, apesar de alguns avanços (como a “penhora On Line” – bloqueio de contas bancárias por meios eletrônicos), ainda carece de  inovações mais corajosa. Especialmente quando se trata da tutela jurisdicional reintegratória.


Algo como a atribuição ao modelo brasileiro, como regra geral, de eficácia imediata às sentenças judiciais reintegratórias, de forma que os efeitos da sentença, ainda que reformável pela via recursal, fossem concretizados instantaneamente, à semelhança da técnica dos provimentos de antecipação de tutela. A falta de trânsito em julgado, assim, não seria  empecilho à materialização dos seus efeitos. Com tal técnica, a eventual interposição de recursos não seria capaz de impedir a plena efetividade da decisão, ainda que não revestida de imutabilidade.[52] 


Utopia? Sim, por ser um projeto idealizado, mas concretizável.


Não se trata de um mito, mas de algo perfeitamente alcançável. Não é a atual realidade do modelo processual trabalhista, mas pode vir a ser. Agora, a espera pode vir a ser longa, mas, mesmo sem a vontade política do legislador, o sistema atual pode evoluir, desde que haja uma mudança real na postura mental dos operadores do direito.


O cenário de hoje, pois, pode ser modificado. A utopia de uma sistemática processual de maior efetividade pode vir a ser corporificado em um novo modelo de processo do trabalho, mas será necessário ir além de modificações legislativas.


Acima de tudo, será necessário proceder à modificação na postura dos próprios operadores do direito processual, mudando a sua mentalidade, excessivamente vinculada ao formalismo da lei processual, numa atuação presa à literalidade da dogmática, numa posição comodista e pouco dinâmica, numa postura conservadora e pouco humanista, simplesmente sem qualquer criatividade e incapaz de suprir as omissões ou corrigir as injustiças do legislador[53].


Os modelos normativos existentes na ordem jurídica, tanto no plano material como no âmbito processual, não se limitam à lei. O direito é mais amplo que esta, e a justiça é ainda maior de que o direito. O verdadeiro defensor da efetividade dos modelos jurídicos é o operador do direito que, ciente das limitações e omissões do legislador, utiliza o seu conhecimento e a sua habilidade, com criatividade, para extrair o máximo de proveito dos instrumentos existentes e superar as lacunas do sistema.


Apenas com a plena conscientização dos profissionais do direito acerca da relevante função que desempenham como agentes de transformação social, portanto, será possível explorar todo o potencial dos instrumentos existentes e, quando diante de situações imprevistas pelo legislador, ultrapassar a sua “timidez” e antecipar a concretização da utopia de um modelo processual trabalhista de real efetividade. [54]


Tal mudança de postura mental é tão importante que, mesmo enquanto se aguarda a evolução formal do modelo atual, será possível diminuir as suas deficiências através do uso alternativo mas adequado dos instrumentos que já estão à disposição dos sujeitos da relação processual.


Enquanto não vier a transformação maior, incumbe aos operadores conscientes de sua missão social tentar superar os obstáculos através da criatividade peculiar aos homens de bem, explorando ao máximo a capacidade e alcance das ferramentas processuais para tornar de fato efetivo o direito ao acesso à justiça.


 


Notas:

[1] Tema de grande polêmica é o da autonomia (ou não) do Direito Processual do Trabalho, enquanto ramo da Ciência Jurídica. Wagner D. Giglio (Direito processual do trabalho. 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 67-69) registra a falta de uniformidade da doutrina quanto à questão. Na realidade, data venia, não há razão para defender a autonomia científica do Direito Processual do Trabalho ou de qualquer outra ramificação interna do Direito Processual. Este é um só. Sequer revela respaldo a teoria dualista, que defende a autonomia do Direito Processual Penal. A teoria monista, pois, é a que deve prevalecer, existido um único Direito Processual, do qual o processo trabalhista é simples ramificação interna, sem autonomia científica própria.

[2] Cândido Rangel Dinamarco (A instrumentalidade do processo. 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 1999).

[3] É tal ramo do Judiciário o competente para conhecer e julgar conflitos entre empregados e empregadores, decorrentes da relação de emprego, nos moldes do artigo 114 da Constituição Federal de 1988: “Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas”. O §3º do mesmo artigo, por sua vez, dispõe que “Compete ainda à Justiça do Trabalho executar, de ofício, as contribuições sociais previstas no art. 195, I, a, e II, e seus acréscimos legais, decorrentes das sentenças que proferir.”.

[4] Alguns doutrinadores, contudo, defendem que a fase instrumentalista já foi sucedida por uma fase “utilitarista”, na qual a busca por um “processo de resultados” está sendo concretizado em meio às profunas reformas implementadas no modelo processual do novo milênio.

[5] A fase instrumentalista teve origem na Europa, durante a década de 60 do século passado. A doutrina tradicional aponta como seu marco inicial os estudos publicados pelo trabalho de pesquisa sócio-jurídica desenvolvido sob a direção pelo professor italiano Mauro Cappelletti, como conseqüência de sua participação na série de estudos “Acesso à Justiça, intitulado “Projeto de Florença”. No Brasil, as primeiras repercussões da fase instrumentalista foram sentidas na década de 80, com a publicação de trabalhos críticos desenvolvidos por, dentre outros, autores de renome como Ada Pelegrini Grinover, Kasuo Watanabe e Cândido Rangel Dinamarco. Juntos, realizaram um evento científico de grande repercussão, chamado de Participação e Processo, que resultou em obra conjunto com o mesmo título, publicada em 1988 (São Paulo: Revista dos Tribunais). Dinamarco, inclusive, após ser aprovado em concurso à cátedra de direito processual civil na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, com a tese A instrumentalidade do processo, passou a ser apontado como o principal nome do movimento crítico no país. Posteriormente, a tese foi transformada no livro com igual nomenclatura, cuja primeira edição foi publicada em 1987, sendo hoje considerada uma a maior obra representativa do movimento no país. Vide Cândido Rangel Dinamarco (A instrumentalidade do processo. 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 1999) e, para uma visão mais histórica da chamada Escola Crítica do Processo”, Jônatas Luiz Moreira de Paula (História do direito processual brasileiro – das origens lusas à escola crítica do processo. Barueri/SP: Manole, 2002).

[6] A fase instrumentalista, assim, assumiu a missão de buscar a evolução do atual modelo processual, mas através da crítica construtiva, concentrando seus esforços na detecção das deficiências do sistema para apontar os caminhos para o seu aperfeiçoamento, sempre à luz dos anseios dos destinatários dos serviços do processo jurisdicional. Antônio Carlos Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (Teoria geral do processo. 18ª edição. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 43), após tratar das duas primeiras fases metodológicas fundamentais da história do direito processual (fase de sincretismo e fase autonomista ou conceitual) afirmam que “a fase instrumentalista, ora em curso, é eminentemente crítica. O processualista moderna sabe que, pelo aspecto técnico-dogmático, a sua ciência já atingiu níveis muito expressivos de desenvolvimento, mas o sistema continua falho na sua missão de produzir justiça entre os membros da sociedade. É preciso agora deslocar o ponto-de-vista e passar a ver o processo a partir de um ângulo externo, isto é, examiná-lo nos seus resultados práticos. Como tem sido dito, já não basta encarar o sistema do ponto-de-vista dos produtores do serviço processual )juízes, advogados, promotores de justiça): é preciso levar em conta o modo como os seus resultados chegam aos consumidores desse serviço, ou seja, a população destinatária”.  Vide ainda José Eduardo Carreia Alvim (Elementos de teoria geral do processo. 7ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1999).

[7] Acesso à justiça não se confunde com acesso à jurisdição (o ingresso em juízo ou a admissão ao processo jurisdicional). Segundo a moderna doutrina processual, acesso à justiça significa acesso a um ordenamento jurídico justo. Nesse sentido, o processo jurisdicional representa um instrumento por meio do qual se propicia às partes litigantes a inserção dentro de uma ordem jurídica justa, resolvendo a lide de forma justa mediante a concretização coercitiva das regras contidas em um sistema normativo adotado pela respectiva comunidade. Cândido Rangel Dinamarco  (A instrumentalidade do processo. 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 304) leciona que “mais de que um princípio, o acesso à justiça é a síntese de todos os princípios e garantias do processo, seja a nível constitucional ou infraconstitucional, seja em sede legislativa ou doutrinária e jurisprudencial. Chega-se à idéia do acesso à justiça, que é o pólo metodológico mais importante do sistema processual na atualidade, mediante o exame de todos e de qualquer um dos grandes princípios”. Mauro Cappelletti e Bryant Garth (Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antônio Fabris, 1988, p. 9) destacam a evolução do conceito teórico de acesso à justiça. Nos estados liberais “burgueses” dos séculos dezoito e dezenove, correspondia simplesmente ao direito formal do indivíduo prejudicado de propor ou contestar a demanda. Não era preocupação do Estado assegurar o acesso efetivo à proteção judicial, mas apenas o acesso formal. Obstáculos como a consciência das pessoas acerca dos seus direitos e o conhecimento dos meios para adequadamente defendê-los na prática, bem como a disponibilidade de recursos para enfrentar a lide, simplesmente não eram considerados como de responsabilidade do Estado. Posteriormente, com a evolução do conceito de direitos humanos, as sociedades modernas passaram a reconhecer a existência de direitos e deveres sociais do Estado e das coletividades, que necessariamente devem preceder aos direitos individuais como meios de tornar efetivos estes últimos. Passou a prevalecer, assim, a visão de um direito ao acesso efetivo à justiça, como pressuposto essencial aos novos direitos individuais e sociais, “uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para a sua efetiva reivindicação”, concluindo os citados autores que “o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básicos dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretende garantir, e não apenas proclamar os direitos de todo”.  Vide ainda José Luis Bolzon de Morais (As crises do estado e da constituição e a transformação espacial dos direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002). Paulo Cézar Pinheiro Carneiro (Acesso à justiça: juizados especiais e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo), por sua vez, aponta a existência de quatro princípios que informam o acesso à justiça: a) acessibilidade, segundo o qual se pressupõe a existência de sujeitos de direito aptos a ingressar em juízo, sem obstáculos de índole financeira, de modo a assegurar, na prática, a efetivação de direitos individuais e coletivos; b) operosidade, significando que a atuação mais ética e produtiva possível dos envolvidos na composição do conflito, para assegurar o efetivo acesso à justiça; c) utilidade, no sentido de que o processo deve assegurar à parte vencedora tudo aquilo que a mesma faz jus, do modo mais célere e com a maior serventia possível, com menor sacrifício para a parte vencida; e d) proporcionalidade, através do qual se impõe ao juiz, quando diante de situação complexa e controvertida envolvendo interesses relevantes mais antagônicos, a escolha daquele interesse mais valioso, no sentido de se harmonizar com os princípios e fins que norteiam o respectivo campo do direito. Para ter uma visão panorâmica do acesso à justiça na ótica de cada um dos diversos operadores do direito processual, vide Hugo Nigro Mazzilli (O acesso à justiça e o ministério público. 3ª edição. São Paulo: Saraiva, 1998), José Renato Nalini (O juiz e o acesso à justiça. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000) e Cinthia Robert e Elida Ségun (Direitos Humanos – Acesso à justiça: um olhar da defensoria pública. Rio de janeiro: Forense, 2000). Vide ainda Justiça: promessa e realidade – o acesso à justiça em países ibero-americanos (Organização Associação dos Magistrados Brasileiros , AMB. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.

[8] Vide José Alfredo de Oliveira Baracho (Teoria geral da cidadania: a plenitude da cidadania e as garantias constitucionais e processuais. São Paulo: Saraiva, 1995).

[9] Vide ainda Antônio Carlos Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (Teoria geral do processo. 18ª edição. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 24)

[10] Vide três obras clássicas do autor, A instrumentalidade do processo (7ª edição. São Paulo: Malheiros, 1999), Instituições de direito processual Civil (Vol. I. São Paulo: Malheiros, 2001) e Fundamentos do processo civil (Tomo I. 3ª edição. São Paulo: Malheiros, 2000).

[11] Além da já citada obra em autoria conjunta com Dinamarco e Araújo Cintra, merece destaque o livro A marcha do processo (Rio de janeiro: Forense, 2000).

[12] Vide O novo processo civil brasileiro (22ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2002).

[13] Vide Da cognição no processo civil (2ª edição. Campinas: Bookseller, 2000).

[14] O termo “efetividade”, segundo o Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. 3ª edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 720) significa “qualidade de efetivo” ou “atividade real; resultado verdadeiro”. De acordo com o Dicionário houaiss da língua portuguesa (Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 1.102), corresponde ao “caráter, virtude ou qualidade do que é efetivo” ou “capacidade de produzir o seu efeito habitual, de funcionar normalmente; capacidade de atingir o seu objetivo real”. A expressão efetividade do processo, segundo Cândido Rangel Dinamarco (A instrumentalidade do processo. 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 270), “constitui expressão resumida da idéia de que o processo deve ser apto a cumprir integralmente toda a sua função sócio-político-jurídica, atingindo em toda a plenitude os seus escopos institucionais”, acrescentando em seguida (obra citada, p. 271) que “a efetividade, entendida como se propõe, significa sua almejada aptidão a eliminar insatisfações, com justiça e fazendo cumprir o direito, além de valer como meio de educação geral para o exercício e respeito aos direitos e canal de participação dos indivíduos nos destinos da sociedade e assegurar-lhes a liberdade. Sempre, como se vê, é a visão dos objetivos que vem a iluminar os conceitos e oferecer condições para o aperfeiçoamento do sistema”. Vide ainda Ricardo Rodrigues Gama (Efetividade do processo civil. Campinas: Copola, 1999) e Delosmar Mendonça Júnior (Princípios da ampla defesa e da efetividade no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros, 2001).

[15] Ao comentar tal realidade, Rosana Josefa Martins Dias (Proteção ao processo. Rio de Janeiro: Renovar: 1994, p. 14) afirma que “com efeito, é imperativo que tais regras sejam individualizadas caso a caso e, se for necessário, que sua observância seja imposta por meios coercitivos. Eis que um ramo do Direito está precisamente destinado ao objetivo de garantir a eficácia prática efetiva do ordenamento jurídico, mediante a instituição dos órgãos públicos que possibilitam que esta garantia atue e regulam modalidades e formas de tal atividade. Aprimorar o serviço jurisdicional prestado através do processo, dando efetividade aos seus princípios, é uma tendência universal na atualidade”.

[16] Em tal sentido, Cândido Rangel Dinamarco (Instrumentalidade do processo. 7ª edição. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 306).  

[17] Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001, p. 2.419.

[18] Novo Aurélio século XXI – o dicionário da língua portuguesa. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 1.734.

[19] Dicionário Houaiss da língua portuguesa. 1ª Edição. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001,, p. 2.419.

[20] Novo Aurélio século XXI – o dicionário da língua portuguesa. 3ª Edição. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 1.734.

[21] Vocabulário jurídico. Vol. IV. 10ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1987, p. 81.

[22] Definida no citado dicionário jurídico (p. 81) como “restituição, recuperação ou reocupação da coisa, cuja posse se foi, violentamente privada”.  A ação de reintegração de posse é o remédio processual assegurado ao possuidor em caso de esbulho, sendo disciplinada nos artigos 926 a 931 do Código de Processo Civil.

[23] É importante, nesse momento, voltar a destacar as distinções entre as expressões “demissão” e “dispensa” ou “despedida”. No campo do Direito do Trabalho, demissão corresponde à forma de terminação por ato unilateral e voluntário do empregado, que encerra a relação de emprego sem apresentar causa tipificada pelo legislador como justificadora da resilição unilateral. É o oposto de dispensa e despedida (expressões sinônimas), que correspondem à resilição por ato unilateral do empregador. No âmbito do Direito Administrativo, entretanto, demissão corresponde a uma penalidade disciplinar aplicada ao servidor, através da qual ocorre a terminação do vínculo por ato unilateral do administrador público, após regular apuração.

[24] Apenas oito anos mais tarde, em 1923, é que surgiu a já examinada “Lei Elói Chaves”, que introduziu a estabilidade jurídica no campo das relações de trabalho entre particulares.

[25] Primeiro, apenas os empregados em estrada de ferro alcançados pelo Decreto Legislativo nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923. Depois, os demais empregados beneficiados pelas diversas modalidades de estabilidade jurídica já examinadas.

[26] Trata-se da antiga Orientação Jurisprudencial 116 da SDI-1 do C. TST, transformada em Súmula em 2005..

[27] Na sua obra prima Introdução ao estudo sistemático dos procedimentos cautelares (Campinas: Servanda, 2000), cuja primeira edição foi publicada na Itália em 1935, Piero Calamandrei defendia a existência de três grupos de procedimentos cautelares. O primeiro, composto pelos chamados “procedimentos instrutórios antecipados”, seriam destinados a “fixar e deixar de lado certos resultados probatórios, positivos ou negativos, que poderão ser depois utilizados naquele processo no momento oportuno” (op. cit., p. 54). O segundo grupo, formado por “procedimentos dirigidos a assegurar a execução forçada”, teriam como finalidade assegurar “o resultado prático de uma futura execução forçada, impedindo a dispersão dos bens que poderão ser objeto dela” (obra citada p. 59). E, por fim, o terceiro grupo, denominado de “antecipação dos procedimentos decisórios”, constituídos pelos “procedimentos com os quais se decide provisoriamente, esperando que através do processo ordinário se aperfeiçoe a decisão definitiva, uma relação controversa, pela indecisão da qual, se esta perdurasse até a emanação do procedimento definitivo, poderiam derivar a uma das partes irreparáveis danos” (obra citada, p. 64). Em seguida (obra citada, p. 65), Calamandrei sustenta que “a relação de instrumentalidade que, nos casos ora enumerados, vincula a providência provisória àquela principal é profundamente diferente daquela examinada nos dois grupos precedentes: enquanto nestas o procedimento cautelar não regula o mérito da relação substancial controversa, mas somente prepara os meios para auxiliar a formação ou a execução forçada da futura decisão de mérito, aqui, neste terceiro grupo, o procedimento cautelar consiste mesmo em uma decisão antecipada e provisória de mérito, destinada a durar até que a esse regulamento provisório da relação controversa não se sobreponha o regulamento estável obtido através do mais lento processo ordinário”.

[28] A índole preventiva e cunho conservador são  considerados as principais características da tutela cautelar, enquanto “instrumento do instrumento”, isto é, ferramenta proporcionada para se assegurar a neutralização dos efeitos nocivos do tempo sobre o processo principal. Daí os seus demais caracteres, como a acessoriedade (dependência), provisoriedade e mutabilidade. A sua finalidade própria e peculiar, entretanto, leva a doutrina clássica a reconhecer a autonomia do processo cautelar, enquanto tertium genus ao lado da dicotomia clássica composta pelo processo de conhecimento e pelo processo de execução. Vide Victor A. A. Bomfim Marins (Tutela cautelar: teoria geral e poder geral de cautela. Curitiba: Juruá, 1996, p. 72).

[29] No direito brasileiro, antecipação de tutela já existia antes da reforma processual de 1994, na forma de medidas liminares consubstanciadas em provimentos que produziam o adiantamento dos efeitos da tutela jurisdicional pretendida em ações especiais, como será analisado mais adiante. Foi apenas por meio das inovações inseridas através da Lei nº 8.952/94, contudo, que o instituto ganhou sistemática própria, sendo alçado ao status de categoria instrumental, ao lado da tutela cautelar e dentro do gênero tutela de urgência. Segundo Arruda Alvim (Anotações sobre alguns aspectos das modificações sofridas pelo processo hodierno entre nósin Revista de processo. nº 97. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 79), “o que se deve sublinhar é que, entre nós, a criação do instituto da antecipação de tutela importou, no plano sistemático, eliminar dúvida ou discussão a respeito do âmbito do processo cautelar, no sentido de indagar-se, como se fazia,se seria possível obter-se no âmbito do processo cautelar, efeito ou efeitos que normalmente só seriam obtidos (e possíveis) ao final do segmento do processo de conhecimento. Se passou a existir o instituto da antecipação de tutela, como figura de abrangência geral (art. 273), encartada no processo de conhecimento, isto importa redefinir, inequivocadamente, a função cautelar, como inábil à obtenção de feito próprio do processo de conhecimento. O meio de obtenção desse efeito passa a ocorrer, no processo de conhecimento, não por intermédio de medida cautelar, mas da antecipação de tutela, quando isso seja possível. A antecipação de tutela importa uma precipitação no tempo, de efeito ou de feitos que, normalmente, só seriam obtidos ao cabo do processo de conhecimento, e, ainda assim, normalmente, esses efeitos restariam suspensos, em decorrência de recurso com efeito suspensivo”.

[30] A categoria instrumental denominada tutela de urgência corresponde a uma modalidade de tutela de evidência (tutela diferenciada ou tutela sumária) formada pelo complexo de medidas jurisdicionais destinadas a servir provisoriamente aos sujeitos processuais, em situações emergenciais e nas quais existe evidência do direito material invocado ou da ameaça ao processo principal, durante o interregno de tempo compreendido entre a concretização da lesão (ou ameaça de lesão) e a concretização definitiva da tutela jurisdicional que a protege. Trata-se de categoria de tutela jurisdicional, caracterizado pela necessidade iminente de sua aplicação para assegurar a viabilidade do processo enquanto instrumento de acesso à justiça, do qual são espécies as medidas cautelares (tanto as nominadas pelo legislador, como as inominadas oriundas do poder geral de cautela do magistrado) e as medidas de antecipação de tutela (tanto na sua modalidade genérica do artigo 273 do CPC, como a versão peculiar às ações cujo objeto seja o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer prevista no artigo 461 do mesmo diploma, e, ainda, as “medidas liminares antecipatórias” previstas em diversos dispositivos da legislação processual pátria, como será abordado adiante). Alguns juristas, entretanto, preferem utilizar a expressão “tutela cautelar em sentido amplo”, ao invés de tutela de urgência, como denominação para a categoria que teria como espécies a antecipação de tutela e a tutela cautelar em sentido estrito. As dificuldades proporcionadas com tal opção terminológica, entretanto, são evidentes. De fato, tutela de urgência se apresenta como a melhor escolha. 

[31] Conforme apontado acima, hodiernamente apenas a antecipação de tutela se revela apta a promover a satisfação incidental do direito pleiteado em ação em curso, mediante provimento destinado a adiantar (no todo ou em parte) os efeitos da tutela jurisdicional final pretendida. Tal é o quadro oriundo do exame do atual estágio da doutrina processual no plano teórico-científico. No âmbito da legislação processual, entretanto, o legislador ainda não alcançou tal nível de avanço instrumental. Como conseqüência, ainda remanesce no âmbito do CPC ao menos uma medida jurisdicional que, apesar de sua índole satisfativa, permanece sendo enquadrada pelo legislador como medida cautelar: os alimentos provisionais (artigos 852 a 854 do CPC). Vide Iara de Toledo Fernandes (Alimentos provisionais. São Paulo: Saraiva, 1994).

[32] É interessante observar, quando comparadas as edições das obras de diversos autores, que antes da instituição da antecipação de tutela pela Lei nº 8.952/94, as medidas liminares eram classificadas como forma de tutela cautelar, e, a partir da citada inovação instrumental provocada pela reforma processual, os mesmos autores reviram suas posições e passaram a enquadrá-las como medidas de antecipação de tutela. Vide José Eduardo carreira Alvim (Tutela antecipada na reforma processual. Rio de Janeiro: Destaque, 1995).   

[33] Vide Ovídio A. Baptista da Silva (Do processo cautelar. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 59)

[34] Dispõe o artigo 928 do CPC que “Estando a petição inicial devidamente instruída, o juiz deferirá, sem ouvir o réu, a expedição do mandado liminar de manutenção ou de reintegração; no caso contrário, determinará que o autor justifique previamente o alegado, citando-se o réu para comparecer à audiência que for designada”. Trata-se, novamente, de uma medida liminar “antecipatória”, pois o respectivo provimento enseja a produção de efeitos que, no todo ou em parte, coincidem com os efeitos pretendidos na tutela jurisdicional final. No caso, a tutela principal pretendida é a reintegração ou a manutenção na posse. Caso seja liminarmente deferida medida judicial que promova, no curso do processo, tal reintegração ou manutenção, o respectivo provimento terá produzido eficácia satisfativa, e, assim, há de ser enquadro como exemplo de antecipação de tutela. Nesse sentido, Joel Dias Figueira Jr. (Liminares nas ações possessórias. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995, p. 174). Vide ainda Francisco Antônio Casconi (Tutela antecipada nas ações possessórias. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001).

[35] Estabelece o artigo 7º, caput e inciso II, da Lei nº 1.533/51 que “Ao despachar a inicial, o juiz ordenará … II – que se suspenda o ato que deu motivo ao pedido quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida”. Ora, se a pretensão do impetrante do writ é cassar o ato violador de direito líquido e certo, a concessão liminar de uma medida judicial que enseja a suspensão dos efeitos desse mesmo ato implica, necessariamente, na antecipação da tutela de segurança, pois os efeitos produzidos pelo provimento incidental coincide em parte com os efeitos pretendidos na tutela jurisdicional final almejada no mandamus.   

[36] O artigo 12 da Lei nº 7.347/85 dispõe que “Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo”. Caso a respectiva medida liminar produza efeitos que, total ou parcialmente, coincidem com os efeitos da tutela jurisdicional final pretendida por meio da ação civil pública, o respectivo provimento será de caráter antecipatório.

[37] Artigo 84, §3º, do CDC: “Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao Juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu”.

[38] Interessante observar que logo após a edição do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, a medida liminar prevista no §3º do seu artigo 84 (“Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao Juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu”) era tratada como cautelar pela quase totalidade do autores que a abordavam. Hoje, é consenso que se trata de hipótese de antecipação de tutela específica de obrigação de fazer ou não fazer, igual à prevista no §3º do artigo 461 do CPC.

[39] Uma medida liminar concedida logo no início de uma ação, assim, pode ter eficácia cautelar ou natureza antecipatória, dependendo dos efeitos produzidos pelo respectivo provimento. Nesse sentido, se os efeitos materiais proporcionados pela medida coincidem, no todo ou em parte, com os efeitos da tutela jurisdicional final pretendida, a medida liminar será de caráter antecipatório. Caso os efeitos materiais sejam de mera prevenção ou conservação, sem implicar em eficácia satisfativa no sentido de produzir a coincidência de efeitos antes mencionados, a medida liminar será de índole cautelar. A questão fica clara na análise do seguinte exemplo: Um candidato aprovado em concurso público para determinado cargo se vê preterido ao constatar a nomeação, na sua frente, de um outro candidato, aprovado no mesmo concurso público mas com colocação inferior na ordem de classificação dos aprovados. Sustentando violação a direito líquido e certo, o candidato ingressa com mandado de segurança contra o ato da nomeação do seu concorrente, solicitando a invalidação deste ato e sua própria nomeação para a vaga. Se o juiz conceder liminarmente a tutela consistente na nomeação do impetrante, a respectiva medida liminar terá natureza antecipatória. Se, entretanto, o juiz se limitar a conceder liminarmente medida que determina a sustação da posse do concorrente e a reserva da respectiva vaga enquanto se aguarda os trâmites normais do rito do writ (prestação das informações pela autoridade coatora, intimação do litisconsorte necessário, etc.), a respectiva medida liminar terá índole cautelar, por não implicar no adiantamento dos efeitos da tutela pretendida por meio do mandamus mas apenas enseja uma providência de cunho preventivo.  ao invés do concorrente  de um concurso ao ver nomeado candidato 

[40] Provisória em virtude da natureza interinal e índole condicional da medida de antecipação de tutela.

[41] As medidas cautelares, no atual estágio do modelo processual brasileiro, se revelam inábeis como meios a proporcionar a reintegração no emprego, mas a incidência do princípio da fungibilidade no âmbito dos instrumentos de tutela de urgência, nos moldes previstos no §7º do artigo 273 do CPC (a ser examinado mais adiante), autoriza a concessão de um provimento de antecipação de tutela mesmo quando requerida a título de medida cautelar, desde que preenchidos os requisitos de concessão daquele.

[42] Nesse sentido, Maria Cristina Matiolli (“Ação Cautelar para Reintegração de Empregado” in Temas Relevantes de Direito Material e Processual do Trabalho: estudos em homenagem a Pedro Paulo Teixeira Manus. São Paulo: LTr, 2000, p. 397).

[43] Almeja, em última análise, servir à efetividade tanto do direito material como do direito processual, atuando como instrumento de acesso à justiça em ambas as esferas.

[44] Vide ainda Eduardo Melo de Mesquita (As tutelas cautelar e antecipada. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002), Luiz Guilherme Marinoni (A antecipação de tutela na reforma do processo civil. 4ª edição. São Paulo: Malheiros, 1999), Jorge Pinheiro Castelo (Tutela antecipada. São Paulo: LTr, 1999), Reis Freide (Tutela antecipada, tutela específica e tutela cautelar. 5ª edição. Belo Horizonte: Del Rey, 1999), José Eduardo Carreira Alvim (Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer na reforma processual. Belo Horizonte: Del Rey, 1997), João Batista Lopes (Tutela antecipada no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2001), Ângela Cristina Pelicioli (A antecipação de tutela no direito brasileiro. São Paulo: LTr, 1999), Antônio Cláudio da Costa Machado (Tutela antecipada. 2ª edição. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998) e Paulo Afonso Brum Vaz (Manual da tutela antecipada. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002).  

[45] O significado da expressão “satisfatividade” já foi analisado. Vide ainda Teresa Arruda Alvim Wambier (“Da liberdade do juiz na concessão de liminares e a tutela antecipatória”. in Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. Coordenação de Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997)

[46] Não existe no atual modelo processual pátrio, assim, uma “ação preparatória de antecipação de tutela”, que pode preceder à propositura da ação principal. O provimento antecipatório é, necessariamente, incidental, pois somente podem ser antecipados os efeitos de uma tutela jurisdicional postulada. Se não existe pedido principal, nada há a antecipar. É lícito à parte, contudo, solicitar a antecipação de tutela logo no bojo da petição inicial da ação principal. Nada obsta, assim, a sua concessão initio litis, desde que preenchidos os respectivos requisitos de concessão. De igual forma, merece ser ressaltado novamente que a ação que deve estar em curso pode ser uma ação cautelar (ocorrendo, assim, a antecipação de tutela cautelar, isto é, o adiantamento dos efeitos da tutela cautelar pretendida mediante a respectiva ação, na forma do artigo 804 do CPC), e, para alguns juristas, mesmo uma ação de execução. Neste sentido, vide Lúcio Grassi de Gouveia (“A Antecipação de Tutela na Execução” in Revista da ESMAPE. Vol. 6, nº 14, Recife, julho/dezembro, 2001).

[47] A dinâmica da efetivação imediata do provimento antecipatório, por sua vez, não pode ser confundido com o sistema clássica da execução forçada.

[48] O provimento antecipatório não é definitivo, mais provisório, daí a sua índole interinal (Artigo 273, §5º do CPC: “Concedida ou não a antecipação da tutela, prosseguirá o processo até final julgamento”). A medida antecipatória, destarte, pode ser posteriormente cassada ou alterada pelo juiz, através de nova decisão incidental (Artigo 273, §4º, do CPC: “A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada a qualquer tempo, em decisão fundamentada”). A revogabilidade da medida autoriza o cancelamento do provimento, se este se tornar desnecessário ou o magistrado reconsiderar a sua posição em face de novos elementos. A sua mutabilidade, inclusive, permite ao magistrado adequar o provimento a novas situações que podem vir a surgir após a concessão originária.

[49] O caráter condicional decorre da sua interinidade. Uma vez concedida a antecipação de tutela, o processo não se exaure, mas continua o seu curso normal, aguardando-se a sentença final para averiguar se o provimento será confirmado ou não. Sendo acolhida a pretensão principal, os efeitos permanecem. Sendo rejeitada, a medida antecipatória perderá a sua eficácia, mesmo que haja a interposição de recurso contra a sentença denegatória.

[50] Mais uma vez, o texto do artigo 769 da CLT: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título”.

[51] Em tal sentido, Wagner D. Giglio (Direito processual do trabalho. 12ª edição. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 282).

[52] Tal proposta, merece ser ressaltado neste momento, não se confunde com o instituto da execução provisória dos julgados. Na execução provisória, não ocorre efetivação plena. Na hipótese de eficácia imediata, a efetivação é plena pois não são opostos limites a concretização do comando sentencial. Tal matéria, por sua vez, envolve uma abordagem especializada, e, assim, será examinada de forma mais profunda em outro artigo, em outro momento.

[53] Vide João Baptista Herkenhof (Como aplicar o direito. 3ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 1994) e Carlos Alberto Alvaro de Oliveira. (Do formalismo no processo civil. 2ª edição. São Paulo: Saraiva, 2003).

[54] Em que pese a importância das modificações promovidas pelo legislador na busca por um modelo processual mais efetivo, não é esta forma de alteração mais importante para a evolução em direção a um sistema mais próximo do modelo utópico, mas concretizável, idealizado pelos verdadeiros defensores do direito ao pleno acesso à justiça. A mudança na mentalidade dos operadores do direito é ainda mais relevante. Conforme lecionam Antônio Carlos Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (Teoria geral do processo. 18ª edição. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 45), “tudo que já se fez e se pretende faze nesse sentido visa, como se compreende, à efetividade do processo como meio de acesso à justiça. E a concretização desse desiderato é algo que depende menos das reformas legislativas (importantes embora), do que da postura mental dos operadores do sistema (juízes, advogados, promotores de justiça). É indispensável a consciência de que o processo não é mero instrumento técnico a serviço da ordem jurídica, mas, acima disso, um poderoso instrumento ético destinado a servir à sociedade e ao Estado”.


Informações Sobre o Autor

Sergio Torres Teixeira

Juiz do Trabalho, mestre e doutor em Direito (UFPE) professor adjunto da UNICAP, da FDR/UFPE e da FBV, coordenador científico dos Cursos de Pós-Graduação em Direito da ESMATRA/FBV, membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho, da Academia Pernambucana de Direito do Trabalho e do Instituto Brasileiro de Direito Processual


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