A transformação jurídica da Bolsa de Valores de São Paulo: Lucro empresarial x controle jurídico

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Resumo: Acompanhando a evolução do mercado, a Bolsa de Valores de São Paulo realizou sua transformação jurídica, passando de associação civil sem fins lucrativos à sociedade anônima de capital aberto cuja finalidade principal é o lucro. Em decorrência desta transformação, nota-se a possibilidade de conflitos de interesse da Bovespa na realização de suas atividades precípuas, de um lado, a comercial que busca rendimentos financeiros, e de outro a geral, que reside em seu poder de conhecimento que lhe proporciona a regulação e a fiscalização do mercado, por meio de suas listagens, de suas regras para oferta pública de ações, etc. Objetiva-se pois analisar a possibilidade de conflitos de interesse decorrentes desta transformação, bem como as formas de controle jurídico da nova Bolsa., mediante a intervenção estatal.


Palavras-chave:  Bolsa de valores, sociedade anônima, finalidade lucrativa, abertura de capital, e auto-regulação.


Abstract: The São Paulo Stock Exchange followed  the trend of the securities market, and become a open corporation whose primary purpose is profit. Because of the transformation, there is the possibility of conflicts of interest of the São Paulo Stock Exchange, on one side it has the commercial interests that seeks financial income, and the other side, it has the general interests, knowledge, regulation of market and supervision, through their listings, their rules for public offer of shares and so on. For both, to discuss ways to control their power and solution of these conflicts, believing in the intervention of the state as a way of overcoming.


Key-words: Stock exchange, anonymous society, lucrative purpose, floatation of shares, and auto-regulation


Sumário: INTRODUÇÃO. 1. De Braço Público à Companhia Aberta. 2. Da possibilidade de conflitos de interesse. 3. O controle jurídico estatal. 4. Conclusão. Referências bibliográficas


INTRODUÇÃO


O mercado de capitais vem passando por constante transformação advinda do movimento de sua democratização, de modo a tornar-se um instituto cada vez mais popular entre empresas e investidores.


Antes da década de 60, os brasileiros investiam principalmente em ativos reais (imóveis), o que começou a mudar por volta de 1964, quando o Governo deu início a um programa de grandes reformas na economia nacional, englobando inclusive a reestruturação do mercado financeiro (COMPARATO, 1971, p. 16).


Neste período, percebendo a importância do mercado de capitais, o Estado introduziu no ordenamento novas leis, como a Lei nº 4.537/64, que instituiu a correção monetária, através da criação das ORTN, a Lei nº 4.595/64, denominada lei da reforma bancária, que reformulou todo o sistema nacional de intermediação financeira e criou o Conselho Monetário Nacional e o Banco Central e, finalmente, a Lei nº 4.728, de 14.04.65, primeira Lei de Mercado de Capitais do Brasil, reformulando a legislação sobre Bolsa de Valores.


Ao longo do tempo, vários outros incentivos foram adotados para incentivo do crescimento do mercado de capitais e principalmente das negociais da Bolsa, tais como: a isenção fiscal dos ganhos obtidos em bolsa de valores, a possibilidade de abatimento no imposto de renda de parte dos valores aplicados na subscrição pública de ações decorrentes de aumentos de capital e programas de financiamento a juros subsidiados efetuados pelo BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social aos subscritores de ações distribuídas publicamente.


Neste contexto, adveio a Lei das Sociedades Anônimas, nº 6.404/76, a qual pretendia modernizar as regras sobre o tema, até então reguladas por um antigo Decreto-Lei de 1940, bem como, a então denominada Nova Lei de Mercado de Capitais (a Lei nº 6.385/76) que, entre outras inovações, que criou a Comissão de Valores Mobiliários (CVM)  qualificada como instituição governamental destinada exclusivamente a regulamentar e desenvolver o mercado de capitais, fiscalizar as Bolsa de Valores e as companhias abertas.


Neste período os empresários ainda se atrelavam aos empréstimos bancários como forma de alavancarem o capital, presos a inflação e altos juros que por muitas vezes engessavam seu desenvolvimento, levavam às quebras, e por conseqüência ao desemprego, a desestabilização da economia (ABRÃO, 2008, p. 28).


Foi a partir da década de 1990, que a economia brasileira deu sinais de aceleração, abrindo-se para o mercado externo, permitindo a atuação de investidores estrangeiros no mercado nacional.


Da mesma forma, com o desenvolvimento da tecnologia, algumas empresas brasileiras começaram a acessar o mercado externo, participando nas negociações nas bolsas internacionais lançando valores mobiliários no exterior.


Desde então diante da organização das Bolsas, da divulgação das práticas de governança corporativa, e da reforma da lei das Sociedades Anônimas, pela  Lei nº 10.303/01, o mercado de capitais se abriu e atingiu seu auge no ano de 2007, quando muitas empresas passaram a ver na abertura de capitais uma fonte para a captação de recursos de forma segura e dinâmica, permitindo sua iteração entre a realidade e o mercado.


No ano de 2007, foram mais de 25 bilhões de dólares captados através da abertura de capitais, e só no primeiro semestre de tal período, 33 empresas partiram para a oferta pública de suas ações, superando mais de 50% de todo o ano de 2006 (GAZETA MERCANTI, 2007, p. 19).


Foi neste contexto, que a Bolsa de Valores de São Paulo realizou a desmutualização de seu capital, e em seguida inovou em seu modo de constituição, passando a estruturar-se juridicamente como uma sociedade anônima, surgindo então a BOVESPA HOLDING S/A.


Desde então, a Bolsa deixou de ser uma associação civil, e passou a ter finalidade lucrativa, com estrutura de governança e competitividade, com interesses próprios no mercado.


Daí então surge a questão, agindo desta forma teria a Bolsa condições de conciliar sua finalidade lucrativa de sociedade anônima com sua finalidade de estabilização do mercado?


Esta é a dúvida que atualmente paira entre investidores, empresários e a própria Bolsa, envolvendo o Direito, a Economia, ou seja o Mercado como um todo, como instituição que representa.


1. De Braço público a Companhia Aberta


A Bolsa de Valores de São Paulo foi fundada em 1890 sob o título de “Bolsa Livre”, quando deu início a sua história centenária. Corretores deixaram a atividade individual, e se uniram com a finalidade comum de se concentrarem em um local para negociar com regras preestabelecidas e garantia do cumprimento dos acordos, e assim fomentar a atividade (ALVES, 2007).


Só a partir da década de 1960, nos embalos das reformas do mercado financeiro nacional, é que a Bolsa de Valores de São Paulo assumiu um caráter corporativo e institucionalista, constituindo-se como pessoa jurídica de direito privado na modalidade de associação civil de corretoras, sem qualquer finalidade lucrativa, regulamentada pelo Conselho Monetário Nacional, e mais tarde, na década de 70, pela Comissão de Valores Mobiliários (ZANCOPÉ, 1988, p.14).


Sob a nova concepção, a Bolsa conquistou sua autonomia técnica, administrativa, financeira e patrimonial, de modo a realizar as funções de fornecimento de um local e de um sistema para realização de negociações de valores mobiliários, fixação de preços de cotações de ações, preservação da credibilidade das transações de capitais nela realizadas para investidores, acionistas, agentes e público em geral (EIZIRIK, 1986, p.5).


Como associação sem fins lucrativos, a Bolsa de São Paulo desenvolvia seu papel sem maiores questionamentos, pois, o sistema capitalista a tinha como mero instrumento para seus fins.


Empresas dos mais diversos setores estão registradas na Bolsa de São Paulo, podemos citar como exemplo representantes da telecomunicação, energia, siderurgia, tecnologia, varejo. Essas empresas utilizaram e utilizam-se da Bolsa para captar recursos dos investidores com o objetivo de financiar seus projetos de investimento e se tornarem mais competitivas.


A Bolsa de Valores de São Paulo deu sua contribuição máxima a abertura de capitais no Brasil, diante de sua estruturação, e de sua capacidade de oferta de segurança aos agentes, minimizando o risco de crédito dos participantes.


No ano de 2002, unindo-se a mais de trinta empresas, a Bolsa de São Paulo elaborou um plano diretor de mercado de capitais com o intuito de traçar métodos de trabalho focando o desenvolvimento e o aprimoramento do próprio mercado e da atuação de seus agentes (BOVESPA, 2002).


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Desde então investiu nas práticas de governança corporativa adaptando-se a uma gestão empresarial, a uma tecnologia de ponta que proporcionou a constituição do pregão eletrônico, extinguindo-se o pregão pessoal, e a admissibilidade do sistema home broker, pelo qual o investidor via internet lança suas ordens de transação de valores mobiliários às corretoras e monitora passo a passo as operações (ABRÃO, 2008 , p. 30).


O futuro para o mercado acionário comprova-se ser cada vez mais atraente, ao passo que verifica-se uma ascendente evolução do número de novos investidores. A popularização do mercado de ações, consubstancia-se na comprovação do aumento de 434% no número de contas cadastradas entre 2003 a 2007. 


Tal crescimento exponencial também pode ser sentido tanto na ótica dos empresários quanto na dos pequenos investidores (pessoas físicas). O processo de popularização do mercado de capitais encontra-se em pleno vigor e é sem dúvida um instrumento que necessita ampliar cada vez mais os canais de comunicação com o público potencial, disseminando tópicos da educação financeira para consolidação do mercado.


O cidadão começou a investir, fosse o trabalhador que passou a receber ações como prêmio de participação da empresa empregadora, ou pelo interessado que trocou a poupança bancária pelo risco, pelos fundos, pelas ações.


Justamente com os novos dispositivos para abertura de capital, os empresários buscaram o levantar seu capital e revitalizar de seus negócios, de forma menos onerosa a se comparar com os empréstimos bancários que traziam como conseqüência a inflação e altos juros que por muitas vezes engessavam o desenvolvimento (ABRÃO, 2008, p. 28) .


No ano de 2007, foram mais de 25 bilhões de dólares captados através da abertura de capitais, e só no primeiro semestre de tal período, 33 empresas partiram para a oferta pública de suas ações, superando mais de 50% de todo o ano de 2006 (GORGA, 2008, p. hem 04-19).


Nesta evolução da democratização do mercado, registra-se que as Bolsas possuem papel de tamanha importância, desde o desenvolvimento de tecnologias e iteratividade econômica global.


Seguindo a estruturação de mercado global, a Bolsa de Valores de São Paulo passou pela desmutualização de modo que a bolsa deixa de ser uma instituição mútua e os intermediários do mercado deixam de ter a propriedade exclusiva dos seus títulos patrimoniais:


“Por isso sua principal característica é a segregação dos direitos de propriedade e de acesso à intermediação do mercado. A Bolsa passa ter novos donos, os acionistas que provêem o capital financeiro a ela em troca dos lucros deste investimento” (GALPER, 2000, p.42) .


Ato contínuo, a Bolsa também ofertou publicamente suas ações, proporcionando o IPO (Initial Public Ofering) mais concorrido dos últimos tempos, tornando-se uma competitiva sociedade anônima de capital aberto, arrecadando o montante de R$ 6,625 bilhões. Para se ter uma idéia, no dia de lançamento no mercado suas ações elevaram-se mais de 50% (VALOR ECONÔMICO, 2007, p. 32).


Em decorrência da desmutualização a Bolsa procedeu a sua reorganização societária. Criou-se a sociedade controladora BOVESPA Holding S.A (BOVH), sociedade que teve as ações ofertadas publicamente, cujo principal escopo é a gestão de participações sociais em formato de oligopólio com a finalidade de administrar e participar de sociedades que exercem atividades no mercado financeiro e de capitais detendo participação integral da Bolsa de Valores S/A e da Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC) (BOVESPA HOLDING S/A, 2007 , p. 224).


Nesse quadro estrutural, a Bolsa de Valores do Estado de São Paulo S/A (BVSP), que tem por finalidade precípua a manutenção do sistema adequado de negociações de ações e derivativos; e, a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC), sociedade por ações responsável, enquanto depositária, pela guarda centralizada dos valores mobiliários e, enquanto clearing, pela compensação, liquidação e gerenciamento de risco das operações registradas na Bovespa ((BOVESPA HOLDING S/A, 2007 , p. 224).


Também foi criada a Bovespa Supervisão de Mercado, controlada da holding, uma associação sem fins lucrativos, criada com objetivo de analisar, supervisionar e fiscalizar o mercado de forma independente, cujo patrimônio foi constituído através de contribuições iguais de suas associadas BVSP e CBLC.


A Bolsa de São Paulo é quem, concretamente detém o poder sobre a abertura de capital das empresas no Brasil, considerando-se que funciona tanto na estruturação do mercado primário (abertura de capital), quanto secundário (negociação de ações), sendo que para uma empresa oferte publicamente suas ações ela deve ter além da autorização da Comissão de Valores Mobiliários, o registro na listagem na própria bolsa.


A Bolsa de São Paulo estabelece uma espécie de níveis de empresa de acordo com o valor do faturamento para a elaboração da listagem e a permissão da integração destas no mercado por meio da oferta pública de ações.


Uma comissão, chamada de Comissão de Listagem (composta por oito membros externos e três internos) analisará os documentos e a viabilidade da empresa no mercado acionário, com suporte de um grupo trabalho interno da Bolsa, que por razões defendidas tão e somente pela instituição permitirão ou não a oferta pública de ações.


Ressalta-se que concluídos os processos de abertura de capital da Bovespa, a Bolsa de Mercadorias e Futuro (BM&F) também passou pelo procedimento de desmutualização e abertura de se capital, sendo que, atualmente o Brasil está a próximo de presenciar a integração das atividades destas duas empresas, originando a terceira maior bolsa do mundo, rumo aos caminhos para a consolidação internacional.


Ainda explorando o viés de projeções futuras, conforme publicado no jornal Valor Econômico de 08 de maio de 2008, analistas evidenciam para 2008 crescimento de 453% no negócio BM&F, com um P/L de quarenta vezes. Para Bovespa, essa análise é de 300% com um P/L de 22 vezes. Por outro lado, a união das sinergias operacionais devem representar uma economia anual de R$ 125 milhões em tecnologia da informação e despesas de pessoal.


A nova bolsa, denominada BMF BOVESPA S/A., nasce com um valor de mercado na casa dos R$ 35 bilhões e ganha musculatura para competir no mercado global. A proposta que será avaliada nas assembléias prevê que cada ação da Bovespa Holding será trocada por 1,424802 ação da BM&F BOVESPA e cada ação da BM&F por 01 novo papel.


A companhia criada terá capital dividido em 50% da BM&F e 50% da Bovespa. Por ter maior valor de mercado, e para garantir esta igualdade de relação, a BM&F vai pagar R$ 1,24 bilhão para os acionistas da Bovespa.


2. Da possibilidade de conflitos de interesse.


A transformação em sociedade anônima empresária, iguala a Bolsa de São Paulo a toda e qualquer empresa privada com objetivo de lucro, com autonomia e livre iniciativa, princípios fundamentais que sustentam a ordem econômica nacional.


Atuando sob sua nova forma, a Bolsa de Valores de São Paulo expressa sua opção pelo avanço na economia de mercado, passando a ser vista como um de seus agentes, ela mesma é uma empresa que participa de usa listagem


 Ocupada com o lucro, e com a expansão de seu poder econômico, partindo agora para a competição com outros agentes econômicos, a Bolsa  busca ser atrativa para investidores, e para o mercado em geral.


Em contrapartida a seu direito de objetivar lucro, a Bolsa de Valores de São Paulo terá o dever de observar os princípios de funcionamento da atividade econômica, e se submeter às limitações jurídicas advindas da própria necessidade do mercado de se ater a calculabilidade e previsibilidade, necessárias para seu desenvolvimento e estudo das formas de atuação e avanço (GRAUS, 2006,  p.29).


Como empresa, a Bolsa de Valores de São Paulo deve respeitar as regras da Comissão de Valores Mobiliários, a quem se subordina segundo as regras de  Lei  nº. 6385/76 (LMC), do direito societário que vem regular as relações entre os sócios das empresas, e do direito econômico cuja finalidade é regulamentar a atividade econômica do mercado, estabelecendo limites e parâmetros para empresas privadas e públicas.


As Bolsas de Valores receberam por lei autonomia administrativa, técnica, além do poder disciplinar, ou seja, uma prerrogativa de investigar, julgar e aplicar sanções aos membros do mercado de capitais que com ela se relacionam.


Além do poder que lhe é legalmente atribuído, a Bolsa de Valores de São Paulo é detentora outro maior, o conhecimento do mercado, ela tem o domínio de como se dão as operações, do quanto se investe, do quanto se ganha, do quanto se perde, de como se movimenta a economia e o mercado de capitais.


Este poder é no mínimo cômodo à Bolsa e resulta em uma efetiva auto-regulação de forma a alcançar investidores, as corretoras e empresas, enfim todos os  negócios e agentes relativos ao mercado mobiliário.


Sobre as corretoras, a Bolsa pode decidir sobre qual delas admitir como membro, suspendê-la, suspender seus administradores e operadores, aprovar e negar a nomeação dos administradores, operadores e alterações societárias das corretoras, podendo chegar até mesmo a excluir a corretora do seu quadro.


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Sobre as empresas, a Bolsa é a final responsável pela autorização de abertura pública de capitais, vez que para tanto, os interessados devem adequar-se aos procedimentos de listagem. É da Bolsa a última palavra sobre a aceitação da admissão, suspensão ou exclusão da negociação de seus papéis, caso entendido ter a empresa descumprido alguma norma referente ao mercado de capitais.


No que toca aos investidores, um dos poderes da Bolsa reside na divulgação de informações, conforme o princípio da “disclosurereside”, pelo qual, por ficção jurídica, cada investidor deve ter acesso a total informação, para então fazer o que melhor lhe prouver, de posse das informações, atuando racionalmente, poderá comparar as distintas possibilidades de investimento e decidir pela que melhor lhe prouver (EIZIRIK, 1986, p. 21), ou seja, o investidor está nas mãos da Bolsa para a realização de seus negócios mobiliáros.


Detentora do poder de conhecimento, ao realizar sua reorganização societária, a Bovespa prevendo os questionamentos sobre a possibilidade de conflito de interesses na realização de suas funções comerciais e de fiscalização de mercado, achou por bem lançar a mão de uma segregação de função, e instituiu como já mencionado anteriormente uma associação de personalidade distinta da sua, a Bovespa Supervisão de Mercado (BSM) da qual mantém o controle acionário junto a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC) – também sua sociedade controlada.


Como garantir a atuação imparcial de uma sociedade controlada na fiscalização do mercado?


Este é um exemplo de conflito de interesse, em que a Bolsa de Valores de São Paulo usa de ferramentas jurídicas para, ao público parecer como exemplo de transparência, porém, concretamente podem ser criados impasses entre a finalidade praticamente pública de monitoração de mercado e a finalidade lucrativa. No mundo positivo, tudo se harmoniza, mas na relação concreta, averiguamos incongruências e a possibilidade de falta de limites.


3. O controle jurídico estatal.


A auto-regulação é um poder conferido as Bolsas para emissão de normas vinculantes para os agentes e partícipes do mercado, desta forma, a atuação do Estado no mercado de capitais é afastada, permitindo o desenvolvimento do mercado sob o controle de um ente privado(CASTRO, 2002, p. 46).


Como sociedade empresária, a Bolsa de Valores de São Paulo tem como objeto estatutário a busca pelo lucro, e isto de certo, conflita-se com sua finalidade de interesse geral, qual seja, a de fiscalização do mercado, de regulação, de organização.


Considerando-se a estrutura brasileira, temos que prever que o livre mercado poderá dar sinais de fraqueza, como aconteceu na década de 80, quando do chamado “Caso Nahas”, momento em que por falta de estruturação e de força do ´orgão regulador, um especulador causou verdadeiro caos no mercado, levando a suspensão do pregão, a quebra de corretoras, demonstrando a fragilidade do controle (VELLOSO, 1991, p. 66).


O caráter de monitoramento, regulação e fiscalização do mercado sempre foi, e ainda é muito forte nas bolsas, que desempenham papel fundamental na garantia da transparência e na credibilidade do mercado de ações.


Porém não podemos negar que como sociedade anônima, a Bovespa poderia de alguma forma se privilegiar, favorecer suas ações e manipular o mercado de capitais, já que tem poderes para tanto. Está aberta uma possibilidade de conflito de interesses comerciais diante de da atividade lucrativa e de seu poder de regulação do mercado.


Desta forma, cabe de certo ao Estado resguardar a credibilidade do sistema,  atuando fortemente na oferta pública de ações, por ocasião do apelo de recursos ao público, bem como, daí a necessidade de maior intervenção estatal por meio de uma Comissão de Valores Mobiliários com poder ativo e expressivamente mais forte, inclusive na fiscalização da própria Bolsa de Valores.


Se pela Lei, a Comissão de Valores Mobiliários pode “acusar, legislar, julgar e executar”, deve ela ter forças para praticar estes atos também sobre a Bolsa de Valores, e impedir que novas especulações, fraudes, e quebras possam ocorrer, diante da possibilidade de conflitos de interesse.


A Comissão de Valores Mobiliários deve receber o suporte necessário para atuar e garantir a higidez do mercado de capitais, diminuindo os poderes de interesse público da Bolsa de Valores de São Paulo, e acarretando a si tal responsabilidade.


De certo, na Bolsa de Valores podemos observar a circulação do poder econômico, do qual agora ela participa como agente ativo, e pode aproveitar-se de sua condição para a  obtenção de lucros e favorecer a negociação de suas próprias ações, daí a necessidade de imposição de limites do poder econômico da nova Bolsa de Valores.


No sistema capitalista em que homens exploram outros homens, o produto do trabalho é a mercadoria, que negociada gera o lucro( MASCARO, 2006, p. 42), nesta visão, a Bolsa de Valores não passa de uma instituição onde o lucro é gerado em grande monta, devido ao alto volume das transações ali realizadas.


Sob esta nova condição empresarial, a manutenção de suas funções de fiscalização, monitoramento e regulação do mercado de capitais pode correr riscos, antes os corretores eram empresários ricos de uma empresa pobre (a bolsa) (LEVY, 1977, p. 621) , hoje a própria bolsa é uma empresa rica.


Instituída como uma sociedade anônima de fins lucrativos, a Bolsa de Valores não mais se basta como local de circulação de poder econômico, mas ela própria participa da luta pelo poder, da exploração do mercado, daí a possibilidade de abusos e a relevância de se estudar uma situação que atinge a todos nós direta ou indiretamente


CONCLUSÃO


 A democratização do mercado através dos tempos proporcionou a expansão das sociedades anônimas de capital abeto na Bolsa de Valores, por todo o Brasil. No caminhar desta transformação de perspectivas financeiras, a própria Bolsa de Valores de São Paulo, sofreu a desmutualização e realizou um dos IPO´s  mais disputados da história.


Sua transformação de associação civil para sociedade anônima lucrativa, nos lança reflexões sobre a necessidade de maior intervenção estatal no mercado nacional, tendo em vista a possibilidade de conflitos de interesses da Bolsa de São Paulo, pois, de um lado se voltará para o lucro, e de outro deve manter o interesse geral de fiscalização do mercado, regulação, finalidade de cunho de interesse coletivo.


Por tal razão existe a necessidade de verificação do justo mercado, da limitação dos poderes de uma entidade forte como a Bolsa, capaz de atingir toda a sociedade por meio de estratégias econômicas aproveitando-se de sua condição no mercado para aumentar seus lucros e possivelmente prejudicar a comunidade.


Muitas sugestões de controle hão de vir, mas partimos do pressuposto de que a força estatal é que deve se espalhar e limitar o poder econômico da Bolsa, garantindo-se a Comissão de Valores Mobiliários força efetiva, e não meramente formal, atuando de forma e vigorosa na coerção da manipulação do mercado, mantendo a credibilidade e a equidade entre os investidores e instituições.


A simples  segregação de função por meio da criação de uma pessoa jurídica controlada pela própria Bolsa de Valores de São Paulo, não se basta, devendo tal função ser realizada por pessoa absolutamente autônoma.


A Bolsa de Valores, detem a concentração do conhecimento entre seus pares, ela conhece o mercado de capitais, ela forma a situação, de modo que somente a força Estatal pode controlá-la.


Na verdade, ao longo de toda história do mercado de capitais brasileiro, este fato é sem precedentes e não existe limitações no arcabouço jurídico que estabeleça parâmetros à atividade desenvolvida pela Bolsa de Valores, após o lançamento de suas ações no mercado. 


É nítido que a transformação societária da Bovespa, poderá gerar um conflito de interesses entre a função empresarial da instituição (interesses comerciais) e a função de caráter público (monitoramento, fiscalização do mercado).


Seguindo os estudos de Keynes (1926, p. 291) não existe possibilidade de convergência entre o interesse individual, e social, leia-se, que o conflito de interesses advém de mecanismos dos chamados mercados livres, entende-se então que o Estado deve intervir no mercado de forma a  contra-atacar as conseqüências negativas do capitalismo, como a injusta distribuição da riqueza, criar assumir maior responsabilidade na organização nos investimentos restringindo a auto-regulação da economia capitalista, considerando-se a inerente  incapacidade do sistema de harmonizar  busca pelo enriquecimento privado e  distribuição da riqueza na sociedade.


Sob a nova estrutura de Sociedade Anônima, a busca de resultados financeiros que atendam as crescentes expectativas do mercado poderiam, em tese, induzir a Bolsa a privilegiar o fomento de suas ações em detrimento da necessária e rigorosa fiscalização do mercado.


Há de se buscar os meios efetivos de controle para coibição de eventuais abusos e solução de conflitos de interesses que podem decorrer da nova roupagem da bolsa.


 


Referências bibliográficas

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Notas:

(1) Sociedade de capital aberto é aquela que aliena seu capital em mercado balcão ou bolsa de valores.

(2) A BOVESPA (associação civil) era titular de ações representativas de 100% do capital social da Bovespa Serviços, que, por sua vez, participava na CBLC com 19,63%, com a abertura de capital a Bovespa Serviços entregou sua participação societária na CBLC para a BOVESPA, que por sua vez realizou uma cisão parcial, sendo que as parcelas cindidas foram incorporadas tanto ela BOVESPA HOLDING e pela BVSP. In: BOVESPA Holding S/A. Prospecto Definitivo. 2007, p.  224

(3) Conforme art. 18  da Lei 6.385/1976  de 07 de dezembro de 1976:

I – editar normas gerais sobre:

a) condições para obter autorização ou registro necessário ao exercício das atividades indicadas no art. 16, e respectivos procedimentos administrativos; satisfazer os administradores de sociedades e demais pessoas que atuem no mercado de valores mobiliários;

c) condições de constituição e extinção das Bolsas de Valores, entidades do mercado de balcão organizado e das entidades de compensação e liquidação de operações com valores mobiliários, forma jurídica, órgãos de administração e seu preenchimento;

d) exercício do poder disciplinar pelas Bolsas e pelas entidades do mercado de balcão organizado, no que se refere às negociações com valores mobiliários, e pelas entidades de compensação e liquidação de operações com valores mobiliários, sobre os seus membros, imposição de penas e casos de exclusão;

e) número de sociedades corretoras, membros da bolsa; requisitos ou condições de admissão quanto à idoneidade, capacidade financeira e habilitação técnica dos seus administradores; e representação no recinto da bolsa;

f) administração das Bolsas, das entidades do mercado de balcão organizado e das entidades de compensação e liquidação de operações com valores mobiliários; emolumentos, comissões e quaisquer outros custos cobrados pelas Bolsas e pelas entidades de compensação e liquidação de operações com valores mobiliários ou seus membros, quando for o caso;…

II – definir:

a) as espécies de operação autorizadas na bolsa e no mercado de balcão; métodos

e práticas que devem ser observados no mercado; e responsabilidade dos intermediários nas operações;

b) a configuração de condições artificiais de demanda, oferta ou preço de valores mobiliários, ou de manipulação de preço; operações fraudulentas e práticas não eqüitativas na distribuição ou intermediação de valores;…”

(4) Conforme art. 18  da Lei 6.385/1976  de 07 de dezembro de 1976:

“As Bolsas de Valores, as Bolsas de Mercadorias e Futuros, as entidades do mercado de balcão organizado e as entidades de compensação e liquidação de operações com valores mobiliários terão autonomia administrativa, financeira e patrimonial, operando sob a supervisão da Comissão de Valores Mobiliários.

§ 1o Às Bolsas de Valores, às Bolsas de Mercadorias e Futuros, às entidades do mercado de balcão organizado e às entidades de compensação e liquidação de operações com valores mobiliários incumbe, como órgãos auxiliares da Comissão de Valores Mobiliários, fiscalizar os respectivos membros e as operações com valores mobiliários nelas realizadas.”


Informações Sobre o Autor

Andirá Cristina Cassoli Zabin Bonini

Mestre em Direito e Politico Economico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, professora convidada do curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Foi professora orientadora do curso Pós-Graduação Lato Sensu da Universidade Anhanguera – UNIDERP, professora titular de direito empresarial da Universidade Edmundo Udson de Araras – SP e da Faculdade Zumbi dos Palmares. Coordenadora Jurídica do Banco Bradesco S.A.


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