A dignidade do trabalho e os direitos sociais constitucionais trabalhistas frente à mão-de-obra escrava

A dignidade do trabalho decorre da dignidade da pessoa que trabalha e não o contrário. Mas, infelizmente na atualidade, vivemos numa sociedade de valores invertidos. O imediatismo, o consumismo, o individualismo e a busca desenfreada por lucros, tomaram conta da grande parcela da sociedade a corrompendo. A busca pelas vantagens sobre o outro superam os limites humanos, prova disto é o quadro de trabalhadores em situação de escravidão ou análoga a esta, ainda existente no território brasileiro, situação que agride profundamente a dignidade humana.


Sobre o princípio da dignidade humana, em particular, ensina Maurício Godinho Delgado (2001 p. 17) que é norma que lidera um verdadeiro grupo de princípios, como o da não-discriminação, o da justiça social e o da eqüidade. Daí a sua particular importância.


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O Estado Democrático de Direito, foi fundado na dignidade da pessoa humana e nos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CFB/1988, art. 1º, inciso III e IV).


“E Se a Constituição Federal tem como fundamento a dignidade da pessoa humana (inc. III do art. 1º.), os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inc. IV do art. 1º.), se constitui como objetivo fundamental construir uma sociedade livre, justa e solidária (inc. I do art. 3º.), garantir o desenvolvimento nacional (inc. II do art. 3º.), erradicar a pobreza e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inc. IV do art. 3º.), se valoriza o
trabalho humano de forma a assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social (art. 170), por certo que os órgãos do Poder Executivo são os responsáveis pela implementação das ações governamentais tendentes a tornar efetivos esses direitos.” (OIT 2007, p. 67)


Pode se afirmar que a dignidade do trabalho decorre de duas fontes: da pessoa que trabalha e das características do próprio trabalho humano.[1]


O doutrinador Paulo Bonavides (2000, p. 260) ensina que um dos princípios constitucionais mais relevantes é o princípio da máxima efetividade daqueles direitos, cuja “força de irradiação” se estende por sobre todo o Direito Privado. E prossegue: Sem a concretização dos direitos sociais não se poderá alcançar jamais a “sociedade livre, justa e solidária” contemplada constitucionalmente como um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil.


Os direitos trabalhistas estão no rol dos direitos sociais, e é também uma expressão de liberdade, como meio de libertação da desigualdade, sendo justamente esta, a finalidade de um estado social.


Os princípios trabalhistas devem ser interpretados de forma sistêmica, considerando as regras constitucionais em seu conjunto (conglomerado). Ou seja, levando-se em consideração a estrutura normativa constitucional como um todo, tanto sob aspecto teleológico quanto sob o aspecto histórico e sociológico e, nesta medida, deve necessariamente ter como fundamentos ou parâmetros principais:


1º.) A proteção do hipossuficiente;


2º.) A preponderância dos interesses coletivos sobre os interesses individuais;


3º.) A  desconsideração de eventuais formalismos legais em face das necessidades reais, concretas, da sociedade como um todo.


Como define o doutrinador Alexandre de Moraes (2003, p. 43), os Direitos Sociais são direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória num Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social.


Essa concepção, que enfatiza a proteção devida pelo Estado aos hipossuficientes, está em harmonia com as concepções ideológicas que determinaram a consagração dos direitos sociais. Porém, não parece ser o


posicionamento correto, pois se defende a desvinculação do conceito de direitos sociais da condição de hipossuficiente porque não apenas estes, mas também os detentores dos meios de produção, assim como a camada social que se designa como “classe média”, também têm direito às condições razoáveis, se não necessárias, para o seu desenvolvimento como seres humanos. Também eles têm direito à previdência social, ao acesso ao trabalho, à moradia, à saúde e todos os demais direitos de caráter social.


Direitos sociais são normas de ordem pública, imperativas e invioláveis. Assim, sugere-se o seguinte conceito de direitos sociais: direitos subjetivos que têm os indivíduos de reclamarem ao Estado a realização de providências efetivas que lhes criem o ambiente adequado ao desenvolvimento de sua condição humana.


Afinal os direitos sociais não excluem os direitos individuais, antes servem de meio para sua integral realização, logo, todos os que integram as camadas da sociedade são sujeitos de direito, titulares de todos os direitos subjetivos que o Estado Democrático de Direito assegura.


Os princípios jurídicos constitucionais e as garantias e os direitos laborais insertos na CF/1988, infelizmente, são normas e princípios jurídicos, via de regra, de caráter programático e, enquanto tal, despidas de eficácia jurídica imediata.


O real sentido da supremacia jurídica das normas principiológicas constitucionais relativas às garantias e aos direitos laborais deve ser buscado na sua aplicabilidade de forma mais abrangente possível e nunca de maneira restritiva. Por outras palavras, os princípios constitucionais trabalhistas devem ser mesurados tomando como ponto de partida a sua efetividade social. Como já mencionado.


Cumpre destacar que a atual Carta Magna apresentou duas inovações principiológicas no tocante aos princípios jurídicos trabalhistas, qual sejam:


1º) .o Princípio da Igualdade de Direitos entre os Trabalhadores Urbanos e Rurais;


2º.) o Princípio da Proteção contra Despedida Arbitrária ou Sem Justa Causa.


Os direitos trabalhistas elencados no artigo 7º da atual Lex Fundamentalis aplicam-se, aos empregados urbanos e rurais, sem distinção de sexo, idade, estado civil e credo religioso. Considerando as exceções legalmente previstas.


No tocante ao segundo princípio, expresso no inciso I do art. 7º. da Constituição da República. Corresponde, na verdade, um conjunto de normas aplicáveis à despedida arbitrária ou sem justa causa.


a) indenização compensatória (inc. I);


b) seguro-desemprego (inc. II);


c) levantamento dos depósitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS (inc. III).


Para sustentar o direito de cada indivíduo se faz necessário garantir a base (direitos sociais e econômicos) a fim de proporcionar o mínimo para que o indivíduo tenha uma vida digna. Portanto, o trabalho, sendo o meio de subsistência do indivíduo, constitui um bem que é dever do Estado proteger, assegurando-lhes condições favoráveis e meios de defesa. Isto se deve também pela própria condição em que os empregados se encontram em relação a seus empregadores, pois o último é quem formula todos os critérios do contrato e suas condições, enquanto o primeiro apenas dá sua anuência ou não.


Vale ressaltar que a necessidade de obter um posto de trabalho remunerado inibe o trabalhador a discutir qualquer espécie e cláusula do contrato, ainda mais no atual contexto de recessão dos postos de trabalho.


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A Constituição Federal fixa os direitos básicos dos trabalhadores. A carta é aplicável ao empregado e aos demais trabalhadores nela expressamente indicados, e nos termos em que o fez; ao rural, ao avulso, ao doméstico e ao servidor público.


No crime de escravidão, alguns e às vezes todos dentre muitos direitos previstos no art. 7º CF/1988 são burlados e aqui merecem relevância.


Os direitos relativos ao descanso do trabalhador estão diretamente ligados a saúde do mesmo, saúde física e mental. Sabe-se que o ideal recomendado pela medicina é de oito horas de descanso (sono), a fim de recompor o desgaste físico e mental. As garantias ao limite do trabalho estão abaixo elencadas:


Art. 7º. São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:


XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;


XIV – jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva;


XV- repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos;


XVI – remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal;


XVII – gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais que o salário normal


Como já relatado, a regulamentação da jornada diária e semanal de trabalho, os intervalos de descanso, o direito ao repouso remunerado, o direito ás férias anuais remuneradas, tem por finalidade o caráter protetivo e garantidor do tempo para que as pessoas possam viver com dignidade, não voltadas inteiramente para o trabalho. O desrespeito a essas normas configura o trabalho degradante muito comum nas áreas rurais e urbanas.


A questão da jornada de trabalho também reporta suma importância, visto que o trabalho escravo urbano também tem crescido neste século:


O doutrinador Luiz Guilherme Belisário (apud. OIT 2007, p. 93) ensina que por ser norma imperativa, a jornada de trabalho não pode ser majorada além do máximo previsto pela lei através apenas da simples vontade das partes (da parte), tendo por fundamento a dignidade do trabalhador, além de possuir características de natureza biológica, social e econômica.


Há uma exceção legal de apenas e tão somente duas horas extras com acréscimo de 50% do valor do trabalho de acordo com o inc. XVI: “a remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal”.


A constituição Federal também protege outro direito: O salário o qual é de natureza alimentar e como tal indispensável de sua dignidade, mesmo não correspondendo com a realidade do país.


No art. 7º é assegurada a proteção ao salário, de acordo como os dispositivos relacionados.


IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;


V – piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho;


VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;


VII – garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável;


VIII – décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria;


IX – remuneração do trabalho noturno superior à do diurno;


X-proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa;


XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei;


 XII – salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; (Redação dada pela E.C. nº. 20/98, DOU de 16.12.98)


Nos lugares onde existe o trabalho escravo por divida e ou forçado, pode-se constatar a inexistência dos direitos supracitados, Na escravidão por divida a remuneração devida ao trabalhador se resume em pagamento das despesas impostas pelo escravocrata. Já no trabalho forçado o trabalhador não recebe o que lhe é devido.


A questão das participações nos lucros é muito criticada pelos opositores do capitalismo (comunistas), pois alegam que na verdade o empregador apenas devolve uma partícula do que ganha com o excedente do trabalho. E que esta seria mais uma forma de iludir aquele que vende sua força de trabalho.


A proteção constitucional vem também tornar positiva a obrigação do Estado em fornecer meios de proteção à saúde, à segurança e à própria dignidade no trabalho, com a finalidade de promover um bem – estar social e provavelmente um enriquecimento da sociedade em termos de qualidade de vida e produtividade, já que as pessoas serão tratadas como dignas, e com maior probabilidade de se bem disporem ao trabalho. As normas que regulamentam o meio ambiente de trabalho encontram-se nos arts 154 a 201 da CLT.


O inciso XXII do art. 7º da CF/1988, prevê redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança.


Neste sentido, há o objetivo de proteção à saúde, à segurança, à liberdade, e à própria vida. Conseqüentemente, à dignidade humana dentro da esfera trabalhista, à qual já se encontra inerente às necessidades fundamentais do ser humano.


A redução prevista acima tem por finalidade a garantia de condições necessárias e apropriadas as instalações do trabalho, sendo responsabilidade do empregador assegurar o desenvolvimento das atividades num ambiente adequado, ou seja, com segurança e higiene. A engenharia e a medicina contribuem ao estabelecer e exigir estas condições, tais como; equipamento de proteção individual (EPI), as edificações, as condições de insalubridade ou salubridade, as condições de periculosidade, a prevenção com o manuseio de substancias tóxicas, as questões relativas ao cansaço e a fadiga, bem como as atividades repetitivas. Fornecendo cientificamente os elementos que irão constituir as normas protetivas da vida e da saúde dos que trabalham.


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A higiene do trabalho também visa à saúde do trabalhador, através da aplicação dos sistemas e princípios que a medicina estabelece, prevendo ativamente os perigos que podem trazer danos pra saúde do trabalhador, tanto física como psíquica. A eliminação dos agentes nocivos constitui o objeto principal da higiene laboral.


O Capitulo V, da CLT, traz diversas disposições gerais, regulamentando o que foi abordado nos parágrafos anteriores. Também exige as Normas regulamentares de Medicina do trabalho, que são expedidas pelo Ministério do Trabalho e Emprego, competindo ao ministério a inspeção do trabalho e a fiscalização das normas pela empresas.


Outro ponto importante de ser abordado no contexto da escravidão contemporânea é o art. XXXIII do art. 7º CF/1988 que proíbe qualquer trabalho a menores de 14 (quatorze) anos. O qual é amplamente violado com a mão-de-obra infanto-juvenil utilizada nas regiões do Brasil e no mundo.[2] ¹


“Inc. XXXIII – proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos;” (Redação dada pela E.C. nº. 20/98, DOU de 16.12.98).


Consoante ao art.227 §3º I da CF/1988 é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde (…) além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (cf. art. 227, caput, da CF/1988).


A norma constitucional acima é desrespeitada pelos seguintes motivos:[3]


1º – O trabalho infantil é mais barato;


2º – Serve como complemento à renda familiar, muitas vezes, inexistente;


3º – falta de Programas do Poder Público que complementem a renda familiar. Programas como o Programa Bolsa-Familiar — que consiste em pagar determinado montante à família que tenha seus filhos matriculados na escola pública e com determinada freqüência — atende à necessidade de manter a criança na escola e complementar a renda familiar. Além do que, extingue o malfazejo trabalho infantil, tão prejudicial ao futuro do país e de nossas crianças. Desse modo, a própria família tem o máximo interesse em que a criança permaneça na escola (o que significa garantia de direitos para os menores, infelizmente nem todas as famílias pobres são contempladas).


 


Notas:

[1] Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/Brasil /ult96u392412.shtml

[2] A Organização Internacional do Trabalho (OIT) divulga que existem cerca de 250 milhões de crianças no mundo trabalhando (entre os 5 e 14 anos), mas as estatísticas não são muito seguras, dado que boa parte da exploração é clandestina ou realizada em setores econômicos informais. <http://www.adital.com.br/site/ noticia2. asp? lang=PT&cod=11729>

[3] RODRIGUES, João Gaspar. Trabalho infantil ou escravo? . Jus Navigandi, Teresina, ano 1, n. 6, fev. 1997. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1662>. Acesso em: 08 set. 2008.


Informações Sobre o Autor

Luciana Francisco Pereira

Acadêmica de Direito na FURG


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