Resumo: O presente trabalho tem a finalidade de abordar as mudanças advindas da promulgação da Lei nº. 11.340, mais conhecida como Lei Maria da Penha, por levar o nome de uma biofarmacêutica cearense que foi, por duas vezes, vítima de tentativa de homicídio de seu marido, no que resultou em um quadro de paraplegia irreversível. Dentro deste ensaio, abordaremos a questão política do caso e o modo como houve tantos problemas políticos para colocar em vigor essa lei que garante às mulheres em situações de risco, criadas por pessoas ligadas a ela, por vinculo de convívio, direito à proteção privilegiada e efetiva do Estado. Veremos os embates jurídicos encontrados pelos relatores do projeto para conseguir votar e aprovar a lei, muitas vezes, indo de encontro a princípios constitucionais. Por fim, analisaremos a relevância social dessa lei e sua importância histórica para o combate à exploração da mulher no Brasil, bem como o exemplo dado ao mundo de que é possível a criação de leis que venham a proteger os hipossuficientes.
INTRODUÇÃO
Para que possamos situar melhor o tema deste trabalho, necessários se fazem algumas reflexões e ponderações sobre o porquê da criação de tão polêmica lei.
A Lei 11.340, intitulada “Lei Maria da Penha”, foi sancionada em 7 de agosto de 2006, pelo então presidente Luiz Inacio Lula da Silva. Dentre as várias mudanças promovidas pela lei, está o aumento no rigor das punições das agressões contra a mulher, quando ocorridas no âmbito doméstico ou familiar. A lei entrou em vigor no dia 22 de setembro, e, já no dia seguinte, o primeiro agressor foi preso, no estado do Rio de Janeiro, após tentar estrangular a ex-esposa.
O nome da lei é uma homenagem a Maria da Penha Maia, que foi agredida pelo marido durante seis anos. Em 1983, por duas vezes, ele tentou assassiná-la. Na primeira com arma de fogo, deixando-a paraplégica e, na segunda, por eletrocução e afogamento.
O marido de Maria da Penha só foi punido depois de 19 anos dos fatos aqui narrados e só ficou apenas dois anos em regime fechado.
A lei altera o Código Penal brasileiro e possibilita que agressores de mulheres no âmbito doméstico ou familiar sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada. Tais agressores também não poderão mais ser punidos com penas alternativas. A legislação também aumenta o tempo máximo de detenção previsto de um para três anos. A nova lei ainda prevê medidas que envolvem a saída do agressor do domicílio e a proibição para que este se aproxime da mulher agredida e dos filhos.
A presente lei veio trazer maior proteção às mulheres agredidas, que, em um passado recente, só eram amparadas pela Lei 9.099/95, a qual regula os crimes de menor potencial ofensivo. Quase sempre, nestes casos, a pena do agressor era convertida em prestação de serviço à comunidade ou em doação de cestas básica a entidades assistenciais. Isso, na verdade, pela punição branda, fazia com que o agressor voltasse a reincidir.
A grande inovação da lei é que não só o marido poderá ser punido pela lei, mas também qualquer pessoa que esteja no convivio famíliar, mesmo que por tempo curto ou determinado, como os oportunos visitantes, ou seja, qualquer pessoa que esteja em convivio famíliar com a agredida, independente de sexo ou parentesco
O caso de Maria da Penha Maia foi apenas uma gota num oceano de impunidade que norteou o Brasil em todos esses anos, a figura da mulher agredida sempre foi encarada como o simbolo do machismo exacerbado e, dentre alguns homens, um símbolo de “status”. A coragem de Maria da Penha Maia em lutar pela condenação de seu marido, peregrinando, pelos corredores do Fórum chamou a atenção de Organizações Internacionais, das quais o Brasil é membro, como a OEA, que exigiu do Brasil políticas públicas que visasem a proteger a figura das mulheres que sofrem violência famíliar.
É dentro deste cenário que iremos desenvolver este ensaio sobre as implicações Políticas, Jurídicas e Socias da implantação da Lei 11.340/06, Lei Maria da Penha.
IMPLICAÇÕES POLÍTICAS
A Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher foi sancionada pelo presidente Lula, no dia 7 de agosto de 2006, e recebeu o nome de Lei Maria da Penha Maia.
O projeto foi elaborado por um grupo interministerial a partir de um anteprojeto de organizações não-governamentais. O Governo Federal o enviou ao Congresso Nacional no dia 25 de novembro de 2004. Lá, ele se transformou no Projeto de Lei de Conversão 37/2006, aprovado e agora sancionado.
O impulso para a criação do projeto foi dado pela Organização dos Estados Americanos – OEA, ao tomar conhecimento do caso de Maria da Penha Maia e, por conseqüência, recomendou ao governo brasileiro políticas e legislações que combatessem esses atos criminosos.
A Constituição Federal de 1988, art. 226 § 8º, obriga o Estado a tomar todas as medidas necessárias para prevenir e punir a Violência Contra a Mulher e proteger a família. O compromisso político do Brasil em participar de toda a forma de erradicação da violência contra a mulher e contra a família já é uma questão antiga como podemos observar da ratificação, em 1994, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, que ficou mais conhecida como a Convenção de Belém do Pará.
Leis ordinárias foram criadas pelo Legislativo com o fito de colocar em prática os compromissos assumidos pelo governo brasileiro em tratados e convenções, como a Lei nº. 10.886 de 2004 que alterou o Código Penal para tipificar a violência doméstica como crime, o que já se tornara um avanço para a plena realização dos direitos humanos das mulheres no Brasil e a promoção da erradicação da violência contra a mulher, mas isso apenas não bastaria para resolver o problema.
Com o advento da Lei Maria da Penha, políticas públicas devem ser implantadas pelo Poder Legislativo a fim de garantir eficácia à lei e a integridade das vítimas.
A nova lei obriga os Estados a garantir à mulher em situação de violência doméstica ou familiar proteção policial, quando necessário, comunicando, de imediato, ao Ministério Público e ao Poder Judiciário.
Obriga, também encaminhar a ofendida até o hospital, posto de saúde ou instituto médico legal, fornecer transporte para a agredida e seus filhos até local seguro sempre que haja risco de morte.
Deve-se colocar à disposição da ofendida agente que lhe forneça segurança para a retirada de seus pertences, sempre que necessário, do local da ocorrência, informando-lhe seus direitos garantidos pela lei ora em vigor.
Obriga o Estado a criar centros de atendimento à ofendida e a seus dependentes, casa-abrigo para mulheres em situação doméstica e familiar de risco, delegacias e centros médicos especializados em perícia de mulheres vítimas de violência doméstica, centros de educação e reabilitação para os agressores.
É notória a dependência do êxito da Lei Maria da Penha da boa vontade política dos governantes deste país. Dessa forma, nada do que acima foi exposto se concretizará sem que haja vontade política e trabalho duro de nossos governantes.
Todas as transformações expostas acima, para que se efetivem, carecem de verbas para sua implementação, seja na contratação de pessoal especializado, seja na construção ou aluguel de abrigos e locais para implantação dos programas de proteção às ofendidas e para a reabilitação dos agressores.
O governo terá que disponibilizar em seus orçamentos verbas para tais programas, o que deverá ser difícil, levando-se em consideração a falta de verba para aplicação na educação, saúde e outros serviços que o ente estatal deveria prestar à comunidade.
Não estamos tentando dizer que tudo isso seja uma utopia, mas sim que o trabalho apenas se iniciou, com a vitória resultante da promulgação da lei. Agora o caminho político e jurídico tem de ser trilhado para a efetivação do sonho realizado.
IMPLICAÇÕES JURÍDICAS
Dentre as implicações jurídicas, destacamos a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres, uma inovação que vai tirar dos juízes criminais a obrigação de ter de resolver casos da esfera Civil e Criminal, como vem acontecendo hoje. O juiz criminal agora tem de arbitrar alimentos provisórios, determinar a guarda provisória dos filhos e arbitrar sentença penal contra o infrator. Vejamos o que diz a Lei 11.340/06
“Art. 14. Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da Justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.”
Essas unidades jurisdicionais especializadas deverão ser criada em todos os Estados e no Distrito Federal, e sua incumbência será tratar somente dos casos de violência doméstica e familiar. Contará com pessoal de apoio especializado para ajudar na solução de questões em que se faça necessária a atuação de profissionais, tais como médicos, psicanalistas, assistentes sociais etc.
No Estado do Ceará, o Poder Judiciário no dia 18 de dezembro de 2007 inaugurou o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher da Comarca de Fortaleza e no dia 20 de dezembro de 2007 inaugurou o Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a mulher da Comarca de Juazeiro do Norte.
Dentre as várias inovações dessa lei, destaca-se o seguinte: a ofendida só poderá renunciar à ação na presença do Juiz em audiência especificamente determinada para isso e antes de oferecida a denúncia ao Ministério Público, o que, sem dúvida, diminui muito os casos em que a ofendida, por pressão do agressor, desiste da ação. Vejamos o que diz a lei 11.340/06
“Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.”
Outra mudança ímpar foi o fim da possibilidade da transação penal, que permitia substituir a pena por cesta básica e penas pecuniárias nos casos de violência doméstica e familiar, o que diminuirá em muito a reincidência dos agressores, pois, no passado, era muito cômodo entregar cestas básicas em entidades assistenciais e ver-se livre da sanção penal. Isso deixava a ofendida em extremo perigo, visto que seu agressor continuava solto para praticar novos atos de agressão que, em muitos casos, culminavam com a morte da ofendida. Vejamos o que diz a Lei 11.340
“Art. 17. É vedada a aplicação, nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, de penas de cesta básica ou outras de prestação pecuniária, bem como a substituição de pena que implique o pagamento isolado de multa.”
As medidas protetivas de afastamento do agressor do lar e da prisão preventiva em caso de pedido do Ministério Público ou a pedido da parte, com justificado motivo, trazem à ofendida a segurança de não ter o seu algoz próximo, violentando-a psicologicamente e a seus dependentes. Vejamos o que diz Lei 11.340/06
“Art. 19. As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida.
§ 1o As medidas protetivas de urgência poderão ser concedidas de imediato, independentemente de audiência das partes e de manifestação do Ministério Público, devendo este ser prontamente comunicado.
§ 2o As medidas protetivas de urgência serão aplicadas isolada ou cumulativamente, e poderão ser substituídas a qualquer tempo por outras de maior eficácia, sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados.
§ 3o Poderá o juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conceder novas medidas protetivas de urgência ou rever aquelas já concedidas, se entender necessário à proteção da ofendida, de seus familiares e de seu patrimônio, ouvido o Ministério Público.
Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial.
Parágrafo único. O juiz poderá revogar a prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Art. 21. A ofendida deverá ser notificada dos atos processuais relativos ao agressor, especialmente dos pertinentes ao ingresso e à saída da prisão, sem prejuízo da intimação do advogado constituído ou do defensor público.
Parágrafo único. A ofendida não poderá entregar intimação ou notificação ao agressor.”
A lei em estudo alterou o artigo 313 do Código de Processo Penal acrescentando-lhe o inciso V, que garante ao Juiz a aplicação das medidas protetoras de urgência. O mesmo diploma alterou o Código Penal em seu artigo 129 §§ 9º e 11. Foi também alterado o artigo 152, acrescentando-lhe o parágrafo único da Lei de Execuções Penais, o qual permite que o juiz obrigue o agressor a freqüentar programas de recuperação e reeducação. Vejamos o que diz a Lei 11.340/06
“Art. 22. Constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos desta Lei, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, as seguintes medidas protetivas de urgência, entre outras:
I – suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003
II – afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;
III – proibição de determinadas condutas, entre as quais:
a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;
b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;
c) freqüentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;
IV – restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;
V – prestação de alimentos provisionais ou provisórios.
§ 1o As medidas referidas neste artigo não impedem a aplicação de outras previstas na legislação em vigor, sempre que a segurança da ofendida ou as circunstâncias o exigirem, devendo a providência ser comunicada ao Ministério Público.
§ 2o Na hipótese de aplicação do inciso I, encontrando-se o agressor nas condições mencionadas no caput e incisos do art. 6o da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição as medidas protetivas de urgência concedidas e determinará a restrição do porte de armas, ficando o superior imediato do agressor responsável pelo cumprimento da determinação judicial, sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou de desobediência, conforme o caso.
§ 3o Para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência, poderá o juiz requisitar, a qualquer momento, auxílio da força policial.
§ 4o Aplica-se às hipóteses previstas neste artigo, no que couber, o disposto no caput e nos §§ 5o e 6º do art. 461 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973” (Código de Processo Civil)
Há que se falar agora sobre as celeumas levantadas no meio jurídico, acerca da constitucionalidade da Lei Maria da Penha.
Em 22 de setembro, foi celebrado o aniversário de um ano de vigência da Lei 11340/06, a Lei “Maria da Penha”, que, aprovada por unanimidade no Congresso Nacional, criou mecanismos para erradicar a violência doméstica e familiar contra a mulher, estabelecendo medidas para a prevenção, assistência e proteção às mulheres em situação de violência. Estudos feitos por Silvia Pimentel e Flavia Piovesan apontaram a seguinte conclusão:
“Com a adoção da lei, rompeu-se o silêncio que acoberta 70% dos homicídios de mulheres no Brasil. Segundo a ONU, a violência contra a mulher na família é uma das formas mais insidiosas de violência dirigida à mulher, representa a principal causa de lesões em mulheres entre 15 e 44 anos no mundo e compromete 14,6% do Produto Interno Bruto (PIB) da América Latina, cerca de US$ 170 bilhões. No Brasil, a violência doméstica custa ao país 10,5% do seu PIB.” (Lei Maria da Penha: Inconstitucionalidade não é a lei, mas sim a ausência dela. Disponível em http://www.correiodobrasil.com:noticia.ASP?c=127613. Acessado em 17 de dezembro de 2007.)
No campo jurídico, a Lei Maria da Penha vem a sanar a omissão inconstitucional do Estado Brasileiro, que ia de encontro a Convenção sobre Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres – a Convenção CEDAW da ONU, ratificada pelo Brasil em 1984 e sua Recomendação Geral 19, de 1992.
Essa omissão afrontava também a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – a “Convenção de Belém do Pará” – ratificada pelo Brasil em 1995, visto que nela também já se encontravam dispositivos de proteção a qualquer tipo de violência contra a mulher. Note-se que, diversamente de várias dezenas de países do mundo e de dezessete países da América Latina, o Brasil até 2006 não dispunha de legislação específica a respeito da violência contra a mulher. Até então aplicava-se a Lei 9099/95, que instituiu os Juizados Especiais Criminais para tratar especificamente das infrações penais de menor potencial ofensivo e que, nos casos de violência contra a mulher, implicava neutralizar esse padrão de violência, reforçando a hierarquia entre os gêneros e a vulnerabilidade feminina.
Por força das referidas Convenções, o Brasil assumiu o dever de adotar leis e implementar políticas públicas destinadas a prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher.
Nesse mesmo sentido, o país recebeu recomendações específicas do Comitê CEDAW/ONU e da Comissão Interamericana de Direitos Humanos/OEA, que culminaram no advento da Lei 11.340, em 7 de agosto de 2006 — conquista histórica na afirmação dos direitos humanos das mulheres.
Mesmo assim, foi proferida lamentável decisão pela 2ª Turma Criminal do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, que, em um retrocesso também histórico, declarou inconstitucional a Lei Maria da Penha, no último dia 27 de setembro. O argumento central é o de que a lei desrespeita os objetivos da República Federativa do Brasil, pois fere o princípio da igualdade, violando “o direito fundamental à igualdade entre homens e mulheres”.
Na mesma linha de pensamento, o juiz Titular da 14ª Vara Criminal da Comarca de Sete Lagoas, em Minas Gerais, Dr. Edílson Rumbelsperger Rodriguez, também prolatou sentença em que declarava a Lei Maria da Penha inconstitucional e foi mais adiante onde: usou expressões como “ver que a lei se tratava de um conjunto de regras diabólicas”. É lamentável ver-se a posição antagônica de um magistrado diante de uma conquista tão esperada e fruto de tanta dor, suor e lagrimas dos envolvidos no processo de sua criação.
A Constituição Federal de 1988, marco jurídico da transição democrática e da institucionalização dos direitos humanos no país, consagra, dentre os objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (artigo 1o, IV). Prevê, no universo de direitos e garantias fundamentais, que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. O texto constitucional transcende a chamada “igualdade formal”, tradicionalmente reduzida à fórmula “todos são iguais perante a lei”, para consolidar a exigência ética da “igualdade material”, a igualdade como um processo em construção, como uma busca constitucionalmente demandada. Tanto é assim que a mesma Constituição, que afirma a igualdade entre os gêneros, estabelece, por exemplo, no seu artigo 7º, XX, “a proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos”.
Se, para a concepção formal de igualdade, esta é tomada como pressuposto, como um dado e um ponto de partida abstrato, para a concepção material de igualdade, esta é tomada como um resultado ao qual se pretende chegar, tendo, como ponto de partida, a visibilidade das diferenças. Isto é, torna-se essencial mostrar ou distinguir as diferenças e evidenciar as desigualdades reais. A ótica material objetiva construir e afirmar a igualdade com respeito à diversidade, e, assim sendo, o reconhecimento de identidades e o direito à diferença é que conduzirão a uma plataforma emancipatória e igualitária. Estudos e pesquisas revelam a existência de uma desigualdade estrutural de poder entre homens e mulheres e grande vulnerabilidade social das últimas, muito especialmente na esfera privada de suas vidas. Daí a aceitação do novo paradigma que, indo além dos princípios éticos universais, abarque também princípios compensatórios das várias vulnerabilidades sociais.
Nesse contexto, a “Lei Maria da Penha”, ao enfrentar a violência que, de forma desproporcional, acomete tantas mulheres, é instrumento de concretização da igualdade material entre homens e mulheres, conferindo efetividade à vontade constitucional, inspirada em princípios éticos compensatórios. Atente-se que a Constituição dispõe do dever do Estado de criar mecanismos para coibir a violência no âmbito das relações familiares (artigo 226, parágrafo 8º). Inconstitucional não é a Lei Maria da Penha, mas a ausência dela.
IMPLICAÇÕES SOCIAIS
As implicações sociais oriundas da promulgação da Lei Maria da Penha são uma realidade nunca vivida em nosso País. A realidade enfrentada pelas mulheres brasileiras foi modificada por meio desse instituto, que trouxe proteção e dignidade à pessoa da mulher brasileira.
Antes da entrada em vigor da Lei 11.340, era comum ver em portas de delegacia mulheres agredidas por seus companheiros ou maridos atrás de auxílio para verem seus agressores punidos, o que quase sempre era impossível.
Essas mulheres peregrinavam pelas delegacias e Instituto Médico Legal para conseguirem o exame de corpo de delito para instrução do processo, e, por fim, pelas agressões físicas serem consideradas crimes de menor monta, os agressores, no máximo, eram punidos com o pagamento de cestas básicas a instituições de caridade. E, após isso, o inferno voltava a tomar conta da vida das agredidas, mas, dessa vez, com maior intensidade e raiva por parte do agressor por já terem sido denunciados.
O que se vê hoje é um aumento significativo no número de denúncias de mulheres vítimas de maus-tratos de companheiros e maridos agressores. O silêncio parece ter acabado. Enfim os clamores dos movimentos feministas estão ecoando por este Brasil afora, mulheres de todos os níveis sociais e culturais estão buscando seus direitos e exigindo a punição de seus agressores.
Enfim, pela luta de Maria da Penha Maia, a sociedade brasileira pode evoluir para uma esfera de respeito aos direitos humanos, nunca antes experimentados, em relação aos direitos da mulher. Em toda a História, a mulher sempre teve seu valor relegado a dona-de-casa, mãe e objeto de prazer de seu companheiro, sempre foi discriminada em seu trabalho e sempre percebeu salários inferiores aos dos homens.
A vitória conquistada com a Lei Maria da Penha é só um salto para maiores conquistas tanto no campo trabalhista como no político, a mulher precisa ter atuação maior em todas as áreas e principalmente na cientifica, cujo círculo ainda permanece restrito e fechado a inovações.
As duras penas impostas pelo novo instituto fizeram com que homens refletissem bem antes de agredirem suas esposas, visto que a denúncia da ofendida às autoridades policiais e o suficiente para começar o procedimento de investigação do crime. Hoje, mesmo que a mulher se arrependa de denunciar o agressor, tornou-se mais difícil o criminoso escapar das mãos da Justiça, pois a renuncia da ofendida terá que ser feita antes da denúncia do Ministério Público ao Juiz.
Hoje, no que diz respeito a convívio familiar, nota-se que existe um maior respeito à figura da mulher em função dessa lei. Esse fenômeno é mais bem observado nos bairros de classe média e nas favelas, onde o que antes imperava era o machismo, fruto de anos de impunidade, quando o homem era quem mandava em casa e à mulher somente cabia obedecer a suas ordens.
Casos de estupro e violência sexual são comuns em bairros onde o poder aquisitivo dos moradores é menor, muitas mulheres e adolescentes são corrompidas e têm sua dignidade abalada por terem medo de denunciar seus agressores, em função de imaginarem a via-crúcis que teriam de enfrentar caso resolvessem promover um processo judicial. Com o advento da Lei Maria da Penha, esse caminho se tornou menos desgastante, e o resultado é quase sempre positivo para a vítima. Vejamos o que diz a Defensora Pública de 2º grau e Presidente da Comissão da Mulher Advogada da OAB/CE
“Apesar de cedo para avaliarmos a eficácia da lei, passo afirmar, sem sombra de dúvidas que as mulheres estão se sentindo mais confiantes. É preciso entender que quem deve oferecer a denúncia tem que ser a própria mulher e você não pode imaginar como isso é difícil”. (Lei Maria da Penha Mostra resultados satisfatórios.O estado, Fortaleza, 29 de nov. 2007 caderno Direito e Justiça , p 3.)
O que mais levavam à impunidade do agressor era o fato de que, após o registro da ocorrência, a agredida tinha de voltar a sua residência, por falta de lugar seguro onde pudesse ficar com seus dependentes até o trâmite final do processo. Hoje uma nova realidade começa a ser desenhada, com a criação de casa-abrigo, a mulher se sente mais segura para efetuar as denúncias.
As medidas protetoras que podem afastar do lar o agressor configuram-se em uma vitória extraordinária para a garantia da efetivação dos direito humanos.
Vejamos o que diz o mestre Alexandre de Moraes:
“A necessidade primordial de proteção e efetividade aos direitos humanos possibilitou, em nível internacional, o surgimento de uma disciplina autônoma ao direito internacional público, denominada Direito Internacional dos Direitos Humanos, cuja finalidade precípua consiste na concretização da plena eficácia dos direitos humanos fundamentais, por meios de normas gerais tuteladoras de bens da vida primordiais ( dignidade , vida, segurança, liberdade, honra, moral entre outros.” (MORAES, 2005)
A vida e o bom convívio familiar são pressupostos de dignidade humana. Retornarmos a um atavismo social, ao ponto de termos nossas mulheres e companheiras como propriedade, é ao menos uma prova de irracionalidade.
O que cada cidadão deve fazer é zelar pelas conquistas sociais e lutar pela efetivação desta polêmica lei, como fez Gloria Perez para ver os assassinos de sua filha punidos e com isso, lutou para conseguir que a lei dos crimes hediondos fosse aprovada. Precisa-se ter o cuidado de não se ver nossa tão sonhada Lei, mutilada como foi a dos crimes hediondos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A vitória obtida por Maria da Penha Maia em ter seu agressor punido, mesmo que por pouco tempo, foi o grito de alerta que libertou vários corações oprimidos e sem proteção. A luta apenas começou. Agora temos que ver implantados os ditames da lei e, para isso, teremos entraves políticos e jurídicos a vencer, mas o passo está dado.
Caberá agora às autoridades governamentais e aos órgãos internacionais que participaram da criação desse instituto fiscalizar a eficácia desta vitória em favor dos direitos humanos e das relações de gênero em nosso país, que a iniciativa de Maria da Penha Maia deva ser seguida por outras mulheres em outros países onde a mulher é tratada como objeto, e não como um ser vivo, frágil e doce que recebeu de Deus o dom de conceber a vida, inclusive dos Homens.
Chega de impunidade, agora é a hora de combatermos toda violência contra a Mulher, a Lei esta ai e necessita ser posta em uso, essa vitória é de toda a sociedade brasileira. Temos que erradicar toda e qualquer descriminação de gênero em nossa sociedade.
Referências
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.
BARROSO, Mônica. Na Trincheira da Defensoria Pública. Fortaleza: INESP, 2002.
BRASIL, LEI 11.340/06. Lei Maria da Penha. Brasília, DF: Senado Federal, 2006.
Lei Maria da Penha: Inconstitucionalidade não é a lei, mas sim a ausência dela. Disponível em http://www.correiodobrasil.com:noticia.ASP?c=127613. Acessado em 17 de dezembro de 2007.
Lei Maria da Penha Mostra resultados satisfatórios. Jornal O Estado, Fortaleza, 29 de nov. 2007 caderno Direito e Justiça , p 3.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2003.
MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 6ª ed. São Paulo; Atlas 2005.
Informações Sobre o Autor
Paulo Rogerio Areias de Souza
Advogado Especialista em Direito Previdenciário Trabalho e Tributário Mestre em Direito Penal