Princípios da Bioética e aspectos éticos frente a AIDS

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Resumo: Este artigo objetiva abordar os princípios da Bioética e relacioná-los aos aspectos éticos no cotidiano e/ou vivência dos portadores do vírus HIV bem como doentes com AIDS como parte integrante de ações em saúde. Aspira que os princípios da autonomia, beneficência, justiça e dignidade da pessoa humana sejam utilizados como recurso para análise e compreensão de situações de conflitos que se fazem cotidianamente presentes, defendendo, pois, uma visão mais ampla de valorização da vida.


Sumário: 1. Introdução; 2. Conceito de Bioética e a inserção da AIDS nesse contexto; 3. Princípio da Autonomia; 4. Princípio da Beneficência; 5. Princípio da Justiça; 6. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana; 7. Breve conclusão.


1. INTRODUÇÃO


A preocupação com os aspectos éticos, notadamente no tocante aos portadores do vírus HIV como doentes com AIDS, não se restringe à simples normatização, mas estende-se ao respeito à pessoa como cidadã e como ser social, enfatizando que a “essência da bioética é a liberdade, porém com compromisso e responsabilidade”.


2. CONCEITO DE BIOÉTICA E A INSERÇÃO DA AIDS NESSE CONTEXTO


Conceito simplificado de Bioética = Ciência da vida.


Segundo Singer, trata-se de uma “ética aplicada” que se atém aos conflitos e controvérsias morais implicados pelas práticas no âmbito das ciências da vida e cuidados da saúde do ponto de vista de algum sistema de valores, chamado também de “ética”.


Constitui ainda, um ramo da filosofia podendo se falar talvez em forma especial de ética, vez que pode ser definida de modos diversos, de acordo com as tradições, os autores, os contextos e os próprios objetos em exame, daí o termos “ética aplicada”.


Necessário enfatizar dois componentes importantes: conhecimento biológico e valores humanos.


É nesse contexto que, como observa Enéas Castilho “perante os avanços médico-científico-tecnológicos, tem-se utilizado os termos “Bioética” e “Biodireito”, no sentido de proteção da vida humana, principalmente, com o intuito de proteger todos os seres humanos que estejam direta, ou indiretamente, envolvidos em experimentos científicos”.


A AIDS (sigla da denominação em inglês), SIDA (em português) – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida aparece como doença que ocasiona dilemas éticos, tendo em vista a abordagem de dimensões morais, políticas e sociais, envolvendo, consequentemente, princípios da bioética, sendo os principais: Princípio da Autonomia; Beneficência, Justiça e Dignidade da Pessoa Humana.


Assim, a partir dos conceitos dos princípios, definição proposta, inicialmente, por Childress cumpre aplica-los na discussão e resolução de problemas cotidianos quanto aos portadores do vírus HIV como doentes com AIDS, ressaltando que não são absolutos no sentido de prevalecerem sobre os demais.


3. PRINCÍPIO DA AUTONOMIA


Em primeiro lugar, reportemo-nos ao Princípio da Autonomia enfatizando que o surgimento da AIDS rompeu o equilíbrio anteriormente vigente entre saúde pública e liberdades individuais, gerando, pois, problemas éticos, pondo, por assim dizer em xeque a crença exagerada na medicina e progresso biológico. Apesar da expectativa medicamentosa representada pelo coquetel, um longo tempo já se passou desde o desenvolvimento da doença, sem que haja uma vacina ou um tratamento curativo.


Com a modernidade e a concepção mais abrangente dos Direitos Humanos, a autonomia e a liberdade das pessoas passaram a ser mais visíveis, sem detrimento aos imperativos sociais, nesse caso, pertinente a saúde pública.


Assim, na avaliação de eventuais medidas tendentes a salvaguardar a saúde pública, deve-se ter em mente valores fundamentais como o respeito à liberdade, à privacidade e à confidencialidade das pessoas.


Esclarece Aline Mignon de Almeida, “o princípio da autonomia está diretamente ligado ao livre consentimento do paciente na medida em que este deve ser sempre informado; em outras palavras, o indivíduo tem a liberdade de fazer o que quiser, mas, para que esta liberdade seja plena, é necessário oferecer a completa informação para que o consentimento seja realmente livre e consciente”.


De modo simplificado, este princípio contempla a idéia que o indivíduo deve ter suas vontades respeitadas, decidindo, pois, sobre as atividades que impliquem alterações em sua condição de saúde física e/ou mental, desde que estejam em informados para a sua tomada de decisão e plenamente capazes do ponto de vista psicológico.


Nesse sentido, Gislayne Fátima Diedrich, citada por Enéas Castilho, acrescenta a este princípio segundo o Relatório Belmont publicado em 1978, “(…) ao menos duas convicções éticas: os indivíduos devem ser tratados como agentes autônomos e as pessoas com autonomia diminuída tem direito à proteção. Salientando que pessoa autônoma é aquela ‘capaz de deliberar sobre seus objetivos pessoais e agir sob a orientação dessa deliberação’, reconheceu a comissão que nem todo ser humano é capaz de se autodeterminar, necessitando de maior proteção. Foi  considerando que, na maioria das pesquisas envolvendo seres humanos, tal princípio determina que esses entrem na pesquisa ‘voluntariamente e com informação adequada’” (in Maria Celestre Cordeiro Leite Santos, Biodireito, pág. 219).


4. PRINCÍPIO DA BENEFICÊNCIA


Em segundo lugar, enfoquemos o Princípio da Beneficência.


Este princípio se constitui na exigência ética de que o médico aja em favor do doente. Podemos afirmar que antes da AIDS e sua propagação existia um risco “razoável” dos profissionais de saúde, ou em outros termos, uma justa proporção entre os benefícios e as contra-indicações decorrentes da ação médica, pelo menos, essa seria uma primeira impressão.


Na verdade é o princípio mais antigo da prática médica, estando ligado ao juramento de Hipócrates, qual seja: “aplicarei os regimes para o bem dos doentes, segundo o meu saber e a minha razão, e nunca para prejudicar ou fazer mal a quem quer que seja”, o que se traduz nas palavras de Aline Mignon de Almeida, “a ponderação entre os riscos e benefícios, tanto atuais como potenciais, individuais e coletivos, comprometendo-se com o máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos (…)”


O princípio da beneficência pode ser conhecido também por não maleficência, vez que os médicos e cientistas estão moralmente proibidos de, intencionalmente, infligir o mal ao paciente.


Trata-se, pois, de proibir condutas que, apesar de poderem gerar conhecimento novo, sejam igualmente capazes de gerar algum malefício ao paciente.


Importante salientar que este princípio deve ser analisado juntamente com o princípio da autonomia vez que o paciente pode optar por fazer parte de um experimento médico-científico, como tratamento alternativo, desde que lhe sejam previamente esclarecidos todos os riscos potenciais da atividade que será realizada, e ainda, ao tempo que isto não implique em sacrificar-lhe a saúde, a integridade física e/ou psíquica ou até a própria vida.


5. PRINCÍPIO DA JUSTIÇA


O Princípio da Justiça, na bioética atual é traçado segundo: “casos iguais exige tratamentos iguais”. Significando, pois, que ninguém pode ser discriminado em razão de sexo, religião, raça, idade, como também não são critérios válidos para a distribuição dos recursos sanitários o mérito ou a virtude das pessoas, a função social que desempenham ou seu nível econômico.


Nesse contexto, o princípio da justiça diz respeito à coletividade, em contraste com princípios anteriores que se referem aos indivíduos. Originalmente, é um princípio ético de ordem social. Se ocupa da justiça denominada distributiva, que regula as relações do estado com os cidadãos.


6. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA


O Princípio da dignidade da pessoa humana, norteador da bioética, pelo qual, a vida humana deve ser sempre protegida contra agressões indevidas.


Trata-se de um princípio constitucional.


Como preconiza Kant, “o homem, e, duma maneira geral, todo o ser racional, existe como fim em si mesmo, não só como meio para o uso arbitrário desta ou daquela vontade”.


Consequentemente, deve se respeitar a vida, decorrência lógica do princípio da dignidade da pessoa humana, o qual considera o ser humano como valor em si mesmo.


Para Marcelo Dias Varella, Eliana Fontes e Fernando Galvão da Rocha, “(…)não se justifica a causa do sofrimento e da dor desnecessária, a imputação de um ônus superior ao que a pessoa possa suportar, ainda que, por decisão sua, mesmo para a realização de pesquisas ou qualquer atividade científica. Combate-se assim, a consideração do homem como objeto, como uma ‘coisa’, a favor da compreensão da vida humana como algo sagrado, intangível. Ainda que fora dos aspectos teológicos que a questão envolve, a expressão ‘sagrado’ não necessariamente estará ligada a Deus, mas sim ao caráter inviolável de seu objeto… a vida humana não pode ser sacrificada em prol da ciência, e da experimentação (…)”


Assim, qualquer conduta que termine por transformar ou equiparar o ser humano em um simples objeto é atentatória contra a dignidade intrínseca de todos os seres humanos e deve ser proibida, mesmo que conte com a concordância da vontade autônoma do indivíduo.


7. BREVE CONCLUSÃO


Por fim, princípios outros existem, todos derivados do princípio da dignidade da pessoa humana, o desafio é a observância aos princípios em conjunto à aplicação de metodologias éticas em um ambiente pluridisciplinar, condizente com uma postura consciente, solidária e responsável de todos os seres humanos.


 


Referências

1. ABONG Cadernos. Direitos humanos, cidadania e AIDS. Publicação da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais. Editora Autores Associados. Bahia, 2000.

2. ALMEIDA, Aline Mignon de. Bioética e Biodireito. 1ª ed., Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2000.

3. COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

4. JÚNIOR, Enéas Castilho Chiarini. Noções introdutórias sobre biodireito. Disponível em: http://jus2.uol.com.br

5. SANTOS, Maria Celeste Cordeiro Leite (org.) Biodireito: ciência da vida, novos desafios. 1ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

6. SINGER, P. Ética prática. São Paulo: Editora Martins Fontes, 1994.

7. VARELLA, Marcelo Dias; FONTES, Eliana; ROCHA, Fernando Galvão da. Biossegurança e biodiversidade: contexto científico regulamentar. (Trechos) 1ª ed., Belo Horizonte: Del Rey, 1998.


Informações Sobre o Autor

Marciana Érika Lacerda Morais

Advogada na cidade de Crato-CE, Especialista em Direitos Humanos Fundamentais, Assessora de Legislação Acadêmica na Pró-Reitoria de Ensino de Graduação – PROGRAD da Universidade Regional do Cariri – URCA, Colaboradora da Comissão de Direitos Humanos da OAB/CE, Subseção Crato.


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